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observatório ecopolítica

ano I, n. 1, novembro, 2015.

 

 

O vale do Rio Doce e a lama azeda


Na tarde de 5 de novembro de 2015, duas barragens de rejeitos da exploração de minério de ferro da Samarco (controlada pela Vale e pela BHP Billiton) romperam-se na região de Mariana, Minas Gerais, provocando uma avalanche de cerca de 50 milhões de metros cúbicos de lama que devastou os lugares por onde passou.

 

Nos distritos em torno das barragens, como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, 5 metros de lama destruíram tudo o que estava pela frente. Até agora, são 11 mortos e 12 desaparecidos, além de centenas de desabrigados que conseguiram fugir antes de serem engolidos pela lama. Um deles, que se refugiou no alto de um morro no momento do rompimento, descreveu com horror a imagem da cidade “derretendo” à sua frente.

 

Nos lugares imediatamente atingidos, a vida longe da cidade grande era, até então, em grande parte garantida pela pequena produção agrícola familiar, contrastando com a agressividade da exploração mineradora que, desde o período colonial, perfura a terra, revira rios e lapida robustos morros até o talo na região. Enquanto órgãos de defensoria pública registram os desabrigados e calculam a indenização a ser requerida, pesquisadores constatam: não há previsão para que as terras, ainda soterradas por uma espessa camada de lama fina que engole tudo, como areia movediça, possam ser novamente cultivadas.

A enorme onda de lama adentrou o Rio Doce, e chegará, por seu curso, ao mar.

A exploração do ouro garantiu o desenvolvimento econômico de Minas Gerais e do Brasil, às custas da escravidão de negros e indígenas, além da pilhagem das terras destes. A partir do século XX, com a saturação deste modelo, teve início um outro ciclo de mineração, desta vez centrado nas minas de ferro.

A Companhia Vale do Rio Doce foi criada durante a ditadura do Estado Novo, em 1942, para garantir o abastecimento de matéria-prima à Companhia Siderúrgica Nacional por meio da exploração de minas na região da qual tomou o nome. Mas foi durante outra ditadura, a civil-militar, que a empresa acelerou seu processo de crescimento, a partir de sua forte entrada no mercado de exportação global.

O código de mineração vigente hoje data também da ditadura civil-militar: um decreto de 1967 que atualizou o Código de Minas de 1940. Há três anos tramita um novo projeto para substituí-lo, cujo relator, Leonardo Quintão, é um deputado que teve grande parte de sua campanha nas últimas eleições financiada por empresas do setor de mineração.

Na região do Vale do Rio Doce, a ditadura civil-militar também criou um dos campos de confinamento e trabalho forçado para indígenas, o Centro de Reeducação Indígena Krenak. Antes de serem aprisionados em um campo criado em seu próprio território, os krenak já haviam encarado a violência capitalista e colonizadora quando do início da construção da estrada de ferro Vitória-Minas, no começo do século XX. Criada primeiramente para escoar a produção de café, a construção desta ferrovia foi impulsionada pelo desenvolvimento da mineração de ferro, algumas décadas depois. 

Os krenak voltaram a ocupar suas terras às margens do Rio Doce nos anos 1980. Agora, as águas pelas quais navegavam, pescavam e se banhavam deram lugar a um espesso e mau cheiroso rio de lama.

Para além da contaminação de suas águas por uma grande quantidade de metais pesados, o imenso volume de lama “sufocou” o rio, matando inúmeros peixes, tartarugas e outros animais – sem mencionar aqueles que, além do bicho-gente, também se alimentam dos que vivem sob as águas. A maior “tragédia ambiental” já registrada no país alastra-se junto com o curso do rio, cuja morte já foi decretada por pesquisadores. O abastecimento de água também precisou ser suspenso para as cidades em que ele depende do Rio Doce – na sexta-feira, dia 13, os 240 mil litros de água enviados pela Vale para abastecer a cidade de Governador Valadares foram descartados depois que se constatou uma concentração significativa de querosene.

As autoridades se apressam em afirmar que aconteceu uma “tragédia”. Diante da insistência, por parte de movimentos sociais, em classificar o “ocorrido” como “crime ambiental”, o relator do novo Código de Mineração declarou: “A empresa tem que arcar com todas as indenizações das famílias e recuperar o meio ambiente. Agora, a empresa estava operando dentro da legalidade. Crime ambiental só se comete quando está operando fora da legalidade”.

De fato, pouco importa se havia uma ou duas licenças ambientais vencidas; se a multa já aplica à empresa, no valor de R$250 milhões, será ampliada ou não; se a Vale era uma empresa estatal que foi privatizada a preço de banana pelo governo da atual oposição e, hoje, segue como uma das principais financiadoras da encenação democrática da política institucional. A quem importa as inúmeras vidas (humanas e não humanas) exterminadas como efeito colateral do desenvolvimento capitalista, ainda que revestido de sustentabilidade? O impacto desta tragédia anunciada é incomensurável, assim como o é sua extensão no tempo e no espaço.

 

COP 21, PARIS


A Conferência das Partes (COP) foi instituída a partir do estabelecimento da chamada Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992. Apoiada no princípio da precaução, os países que aderiram à Convenção reconhecem a mudança do clima da Terra e seus efeitos negativos como uma “preocupação comum da humanidade”. Definem “efeitos negativos” como sendo “mudanças no meio ambiente físico ou biota resultantes da mudança do clima que tenham efeitos deletérios significativos sobre a composição, resiliência ou produtividade de ecossistemas naturais e administrados, sobre o funcionamento de sistemas socioeconômicos ou sobre a saúde e o bem-estar humanos”.

Neste acordo global, as responsabilidades de cada país variam conforme as classificações referentes ao seu grau de desenvolvimento, podendo ser eles “países desenvolvidos” ou “países em desenvolvimento” – antes chamados de “subdesenvolvidos”, atualizados para se melhor pressupor um contínuo progresso. Aos países considerados desenvolvidos, cabe ajudar financeiramente os países em desenvolvimento e “mais vulneráveis à mudança do clima” na adoção de ações adaptativas para reduzir impactos ambientais. Para a transferência de recursos financeiros, estabeleceu-se o Fundo Global para o Meio Ambiente, pelo Banco Mundial, Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD) e Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA). Em seus princípios elencados, a Convenção relembra, reconhece e reafirma princípios de soberania dos Estados presentes na Carta das Nações Unidas de 1945, a Declaração adotada na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, em Estocolmo, e diversas outras Convenções, Declarações, Resoluções, Assembleias anteriormente realizadas. 

De 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015, ocorrerá a COP 21, em Paris, onde participarão os países signatários da Convenção, em constante relação com a chamada sociedade civil. Dentre as metas estabelecidas para a Conferência estão a questão da transparência das ações de redução de emissões de gases de efeito estufa, o direcionamento de iniciativas às populações pobres e o questionamento ao multilateralismo como espaço de tomada de decisões. Uma das grandes expectativas concentra-se na substituição do Protocolo de Kyoto – tratado internacional para a redução das emissões de gases estufa assinado pela UNFCCC, em 1997. Serão discutidas as Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas (INDCs, na sigla em inglês) de todos os países, para calcular a diminuição necessária de emissões, a fim de limitar o aquecimento da temperatura global previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) para 2º C até o fim do século. Pretende-se instituir um novo acordo sobre o clima universal e também flexível (variando a cada país), ressaltando um sistema de transparência e confiança entre os países.

Este ideal universal não se dá apartado da religião e de sua conscientização. Em julho de 2015, o ex-Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, o criador do microcrédito, e Muhamad Yunus, entre outros, realizaram, junto às autoridades religiosas, a “Cúpula das consciências sobre o clima”, com o slogan Why do I care (“Por que eu me importo”), em Paris. Ao final, com grande espaço ocupado por religiosos – como o cardeal ganense e presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, Peter Turkson –, foi assinado o “chamado de consciências”, pelos que participaram e lançaram a iniciativa Green Faith in action (“Fé Verde em ação”), visando livrar as cidades de peregrinação de todas as religiões dos efeitos do carbono e das alterações climáticas.

No primeiro semestre deste ano, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil coordenou consultas à sociedade civil, por meio eletrônico e também presencial, a fim de “ampliar a legitimidade e o grau da ambição nas negociações, de forma a ampliar a transparência da preparação nacional e dar oportunidade a que todos os setores e segmentos interessados participem e opinem”. Acompanhando os princípios gerais a serem abrangidos na própria COP 21, o Brasil afirma, como pontos norteadores de sua atuação no combate às mudanças climáticas, a mitigação e a adaptação. A primeira diz respeito a medidas que promovam o chamado desenvolvimento sustentável e reduzam gases de efeito estufa. Já a adaptação refere-se à promoção de condutas de cooperação e boas práticas no plano nacional e internacional, intrínseca às áreas da saúde, com foco nas populações tidas como vulneráveis, e à erradicação da pobreza, tomada como fundamental para o pleno desenvolvimento econômico e social das nações. A adaptação, nesse sentido, é característica da resiliência. O desenvolvimento sustentável é considerado pela ONU em geral como o progresso alcançado por meio da capacidade das pessoas de tomarem decisões racionais. A resiliência, como fundamental ao desenvolvimento sustentável, é tida como capacidade do ser humano de driblar suas adversidades, sabendo como se deixar governar e também saber governar sua vida como potencial capital humano, visando “um futuro melhor para todos”.

Unindo participantes intersetoriais, empreendedores, governo, ONU, ONGs, sociedade civil, celebridades, autoridades religiosas, stakeholders, etc., ocorrerá, juntamente à COP, o Fórum de Inovação Sustentável. Este visará fomentar novos negócios e empreendimentos em torno de benefícios para o desenvolvimento sustentável.
Em contraposição à inclusão do mercado de carbono no financiamento de projetos, movimentos sociais se mostram contra a política conhecida como No net loss (“Sem perdas líquidas”), ou seja, às formas de compensação das emissões de gases de efeito estufa, criticadas por não serem medidas concretas de redução das mesmas.

Um levantamento de opiniões feito pelo Pew Research Center – think tank estadunidense especializado em pesquisas de opiniões e tendências sociais –, sobre o aquecimento global e a COP 21, mostra que a preocupação com tais questões é generalizada, variando regionalmente. O Brasil lidera o ranking de apreensão das questões e defende o princípio de responsabilidade comum, mas com as nações mais desenvolvidas respondendo a maiores esforços.

Uns confiam mais na atuação dos Estados, outros aproximam-se mais dos benefícios de novos empreendimentos, porém, tanto os que se consideram mais à esquerda, como à direita das negociações internacionais de mesmos fins, Estados, empreendedores, ricos, pobres, desenvolvidos, rumo ao desenvolvimento, respondem à mesma racionalidade neoliberal. Conscientizados, todos devem estar bem capacitados para melhorar, adaptar, assegurar, responsabilizados pelo futuro do planeta.

A COP 21 terá seu ambiente assegurado por reforçadas forças de segurança e pela restauração dos controles nas fronteiras que se iniciaram devido aos atentados reivindicados pelo Estado Islâmico, em Paris, na última sexta-feira, 13 de novembro.

Outra preocupação da polícia neste momento são os black blocs. Para a mídia francesa, eles são uma guerrilha urbana que não hesita em entrar em contato direto com ela nas margens dos grandes eventos, muitas vezes acarretando em danos para o Estado francês. Nas duas semanas em que ocorrerá a Conferência, haverá 5000 policiais extras treinados para combater black bocs. Mascarados, estes atacam propriedades privadas, bancos, prédios estatais, conferências de negócios. Em meio às tantas plataformas de participação, expõem sua recusa às infindáveis negociações que dão continuidade a uma racionalidade neoliberal exercida com indivíduos resilientes.

 

 

 

R A D.A.R

 

Agenda COP 21
http://www.cop21paris.org/agenda

 

Mother Earth, n. 1, março de 1906.
http://theanarchistlibrary.org/library/emma-goldman-max-baginski-mother-earth

 

Brasil e a lei contra o terrorismo, novembro 2015.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/549107-o-sacrificio-da-democracia-no-altar-do-capital-entrevista-especial-com-edson-passetti

 

Investimentos públicos, privados e humanos para Marte


Apesar de projetos de viagens a Marte nunca terem sido oficialmente descartados, recentes iniciativas, não apenas estatais, pretendem relançá-los para um futuro próximo. No início deste ano, a Planetary Society foi a primeira a divulgar um plano de otimização de recursos tecnológicos e financeiros, tanto estatais como privados, com o objetivo de levar astronautas à superfície marciana até os anos 2030.


Depois, em setembro, em um debate com representantes da Mars One, pesquisadores do MIT expuseram a viabilidade técnica do projeto lançado em 2012 para fundar um assentamento humano em Marte na próxima década.
Para os pesquisadores, ainda falta muito para que o projeto deixe de ser apenas um sonho. Porém, em outubro, a NASA lançou um relatório no qual apresentou um programa de três etapas para levar astronautas ao planeta vermelho nos próximos 20 anos. O programa da NASA conta com a construção da nova espaçonave Orion e prevê aproveitar a Estação Espacial Internacional para a realização de pesquisas além de pretender retornar à Lua antes de seguir para Marte.

O projeto da NASA, como os apresentados pela sociedade civil, destaca que a jornada será gratificante em “benefícios” para a ciência, para a vida e para as empresas investidoras. Não são mais apenas Estados que concorrem para ocupar o sideral. Agora, sociedade civil e empresas também são convocados a participar deste negócio que promete ser lucrativo para os “parceiros”. É o jogo neoliberal que, ao atrair e glorificar a iniciativa privada, não dispensa fundos púbicos para abrir novos mercados.

Em tempo: em dezembro a NASA abre inscrições para candidatos à viagem a Marte. Requisitos: ser estadunidense e ter, no mínimo, bacharelado em engenharia, física ou matemática. A agência dá preferência por mestres e doutores. Pilotos com mais de mil horas de voo também são bem vindos. Dispor de capital humano adequado também é primordial para a ocupação sideral.





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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