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observatório ecopolítica

ano I, n. 10, maio, 2016.

 

OLIMPÍADAS 1

Segurança contra o insuportável


As Olimpíadas são um grande evento midiático que mobiliza capitais, atrai multidões e ativa, a cada quatro anos, a retórica da paz entre as nações, reproduzindo o slogan “o importante é competir”.


Competição em harmonia gerando harmonia: a utopia liberal se expressa e renova no elogio ao Estado, às relações internacionais, ao capital e às diferenças reunidas idilicamente numa unidade cosmopolita que tremula na bandeira com os arcos coloridos, representando os continentes, graciosamente interligados.


Competição regulada entre as nações nos jogos, assim como na política internacional, exige segurança. As Olimpíadas agenciam reformas institucionais, legais e urbanas em nome da segurança das delegações e do público multinacional que afluem para as cidades-sede. Ruas e denominadas zonas degradadas pelo desinteresse histórico das elites locais são desapropriadas – ou melhor, confiscadas – pelo Estado em coligação com construtoras e especuladores imobiliários. Forças policiais e militares, treinadas para a segurança desses espaços, ocupam estádios, avenidas, praças, áreas de lazer, aeroportos, portos. A segurança é ostensiva para garantir o clima de festa. Novos bairros surgem das “vilas olímpicas” feitas para os atletas morarem por um mês.


Desde o sequestro com desfecho trágico de membros da delegação israelense pelo grupo Setembro Negro, durante as Olimpíadas de Munique, em 1972, os planos de segurança olímpicos passam pela contenção de terrorismos. As mais importantes agências de segurança e “inteligência” do mundo – como a CIA estadunidense, o MI5 britânico e o Mossad israelense – interferem nas cidades olímpicas, com o beneplácito dos governos locais, para vistoriar previamente – e depois monitorar continuadamente – os espaços pelos quais transitarão seus atletas. Ao mesmo tempo, os Estados que recebem os jogos preparam suas próprias forças e reformam suas próprias leis.


No Brasil não é diferente. Com a aproximação das Olimpíadas no Rio de Janeiro, um projeto de lei para atualizar uma lei antiterrorista foi rapidamente aprovado no Congresso (em dezembro de 2015) e sancionado pela Presidência (em março de 2016). A oportuna agilidade para aprovar essa lei foi justificada oficialmente pela necessidade do Brasil se preparar juridicamente para receber as Olimpíadas. Políticos das mais variadas colorações e a grande imprensa foram unânimes em decretar que, em tempos de “terrorismo fundamentalista”, o país precisava de uma legislação atual para prover segurança para os Jogos.


Assim, a lei de 2016 se reporta a duas reformas legais anteriores (2013 e 1989) conectadas à Lei de Segurança Nacional de 1983 (Lei 7170/1983), editada ainda durante a ditadura civil-militar. Essa, por sua vez, remete à Lei de Segurança Nacional de 1969, imposta no período de auge da repressão ditatorial.


As leis de segurança nacional (LSN) indicavam o “terrorismo” e a “subversão” como inimigos internos à ordem política e à paz social e, portanto, autorizavam a condução de uma guerra aberta a qualquer contestação ao regime autoritário. A atual lei, sancionada por uma presidente que, quando guerrilheira no início dos anos 1970, foi alvo da repressão acionada pelas LSN, procurou abrandar alguns pontos, cedendo a pressões de movimentos sociais e organizações políticas da chamada sociedade civil.


O temor desses grupos é que uma nova lei de terrorismo “criminalizasse os movimentos sociais”. Por isso, o texto aprovado incluiu um parágrafo em que afirma que a definição de terrorismo “não se aplica à conduta individual ou coletiva (...) em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional” que sejam “reivindicatórios” ou que visem “protestar” (Art. 2, § 2º). No entanto, imediatamente antes, a lei define terrorismo como atos de violência e sabotagem a “instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento” (Art. 2, § 1º, IV). Não se fala em pessoas, mas em instalações estatais e privadas, que devem ser protegidas.


Além disso, fica evidente que a nova Lei sobre Terrorismo não é uma lei especial para as Olimpíadas. Ela não menciona os jogos, mas institui novas penas e procedimentos para prover segurança para negócios estatais e privados. Não foi coincidência que as pressões por uma nova lei antiterrorismo ganharam impulso após as Jornadas de Junho de 2013, quando surpreendentes manifestações de rua emergiram, instigadas inicialmente pela questão das tarifas e qualidade do transporte público, e em pouco tempo abriram espaço tanto para uma série de demandas políticas e sociais, quanto para condenar o incendiar inclassificável da rebeldia. Bancos, postos policiais, assembleias legislativas, lojas de departamento foram alvo dessa força em oposição ao jogo de manifestação ordeira de demandas acompanhado de concessões modestas de direitos.


A nova Lei sobre Terrorismo aplica-se às Olimpíadas, de modo a manter o Brasil ajustado às condutas confiáveis dos Estados num “concerto” planetário em nome da segurança para os próprios Estados, as coalizões diplomáticas e militares de Estados e os negócios globalizados. Essa lei visa, também, internamente, estabelecer as condutas esperadas de “manifestantes” numa democracia de proliferação de direitos. Assim é possível protestar desde que com alvará da prefeitura, sem depredação de propriedade estatal ou privada e com o acompanhamento das polícias e forças militares, cada vez mais indiscerníveis com seus equipamentos sofisticados, blindados de última geração e armas chamadas “não-letais” que ferem, cegam, amedrontam e, por vezes, também matam.


A segurança para as Olimpíadas é a segurança para antes e depois das Olimpíadas. Segurança traduzida na produção de condutas “individuais e coletivas”, como diz a lei, que sejam governáveis dentro de parâmetros que preservem a segurança dos negócios privados e estatais, assim como as parcerias público-privadas com seus compartilhamentos fomentadores e gerenciais. As condutas internacionais antiterrorismo se atualizaram na “guerra contra o terror” e, agora, a lei e, principalmente, as práticas de segurança no Brasil se redimensionam para novos e velhos terrorismos: os insuportáveis da ordem de ontem e sempre.






R A D.A.R


Lei antiterrorismo 13.260, de 16 de maio de 2016
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13260.htm


Lei de Segurança Nacional 71.170, de 14 de dezembro de 1983
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm


Decreto-Lei Segurança Nacional 898, de 29 de setembro de 1969
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0898.htmimpressao.htm


Ato Olímpico. Lei 12.035, de 1º. De outubro de 2009
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12035.htm


Declaração da OMS/OPAS sobre vírus zika e as Olimpíadas e Paraolimpáidas Rio 2016
http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5097:declaracao-da-opasoms-sobre-virus-zika-e-as-olimpiadas-e-paraolimpiadas-rio-2016&catid=1272:noticiasdtent&Itemid=816


International Travel and Health
http://who.int/ith/ITH_EN_2012_WEB_1.2.pdf?ua=1


Infográfico USA
http://wwwnc.cdc.gov/travel/files/rio-olympics-infographic.pdf


Travel Health Advice on Zika Virus
http://www.who.int/ith/updates/2016_04_11/en/

 

Stephen T. Byinton. “Police methods”. Mother Earth 2, n. 8, outubro de 1907, pp. 333-335.
http://theanarchistlibrary.org/library/stephen-t-byington-police-methods


 

Olímpiadas: prevenção da pica... da


A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) recomendam aos atletas e turistas:


1) Seguir os conselhos da OMS aos viajantes, referindo-se ao “International Travel and Health”, guia da instituição publicado em 2012, com recomendações paranoicas para pessoas em trânsito internacional;


2) Passar repelente e usar roupas compridas e, preferencialmente, de cores claras;


3) Fazer “sexo seguro” ou não fazer sexo durante a viagem e, após o retorno, manter relações sexuais somente com preservativos por um período de quatro a seis semanas;


4) Hospedar-se em locais com ar condicionado, evitando janelas abertas;


5) Evitar lugares superlotados e áreas sem água encanada e com “deficiência de saneamento”.


Em janeiro deste ano, o Centro de Controle de Prevenção de Doenças estadunidense (CDC), a Agência de Saúde Pública do Canadá e o Centro de Controle de Prevenção de Doenças da União Europeia (ECDC) divulgaram alertas oficiais sobre o risco do contágio do zika vírus no Brasil, e recomendaram às grávidas que não viajem para a América do Sul – mesmo que, além do Brasil, apenas a Colômbia tenha registrado casos de microcefalia, possivelmente, decorrentes do contágio do vírus.


Também no início deste ano, dois pesquisadores da Universidade de Nova York apelaram ao Conselho Olímpico Internacional alegando que a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil era uma “irresponsabilidade” e uma “séria ameaça à humanidade”. Alardearam que “mulheres jovens” e “homens sexualmente ativos” corriam sérios riscos de serem contaminados pelo zika, dar à luz bebês com microcefalia e proliferar a doença em seus países.


No dia 11 de abril, a OMS publicou o “Travel Health Advice on Zika Virus”. Dentre os conselhos, recomenda que os países com epidemia façam a desinsetização de todas as suas aeronaves e dos aeroportos; divulguem avisos esclarecedores sobre a prevenção do contágio; providenciem profissionais da saúde instruídos para tratar dessa questão com os turistas, orientando que qualquer quadro clínico suspeito, cujos sintomas sejam semelhantes aos da zika, devem ser encaminhados para os hospitais.


Insiste na prescrição do “sexo seguro” ou da abstinência e, principalmente, que as grávidas não devem desembarcar em países afetados por surtos de zika. Elas são a “população mais vulnerável diante da epidemia”, segundo atestam médicos e demais autoridades.


A OMS designa medidas de saúde pública a serem aplicadas pelas autoridades brasileiras; recomenda a conduta segura para atletas e turistas; e defende a necessidade de monitoramento médico após o retorno dessas pessoas aos seus países, mesmo que em 80% dos casos a zika não manifeste nenhum sintoma.


A prefeitura do Rio de Janeiro declara ter fiscalizado todas as obras das Olimpíadas para evitar focos de proliferação do mosquito Aedes aegypti.


Um mês antes do início da temporada de jogos, executará, em todas as instalações olímpicas, o procedimento conhecido como fumacê: técnica de aspersão de inseticida.


Após o início dos jogos, distribuirá agentes por todas as instalações para policiar a conduta dos turistas e atletas, e monitorar possíveis focos de proliferação.


Atualmente, de acordo com os dados oficiais, 3 mil agentes de saúde trabalham para fiscalizar os “criadouros de Aedes” em toda a capital.


No entanto, no próprio site do Ministério da Saúde, uma tabela atualizada em 12 de maio informa que o percentual de visitas de fiscalização realizadas em todo o estado do Rio de Janeiro é de 1,74%. No total dos estados do país, o percentual chega a 9,91%.


A OMS se diz confiante de que o Estado brasileiro esteja “fazendo o máximo”, inclusive contando com o clima frio, para controlar os vetores da zika, da chikungunya e da dengue. Enquanto isso, algumas Comissões investem em tecnologias com o intuito de prevenir contágios.


O Comitê Olímpico Australiano vai distribuir para seus atletas preservativos com “proteção antiviral quase completa”, o que contempla o temido zika vírus e infecções por HPV, herpes e HIV, além de repelentes. Os atletas e as comissões dos EUA e da Coreia do Sul vestirão “uniformes antizika”: roupas fechadas e de mangas longas, com repelente no próprio tecido.


Para além da diplomacia, das recomendações institucionais planetárias e da efetivação, ou não, das medidas adotadas pelo Estado, está em jogo evitar que esse vírus do sul, de países pobres e com “deficiência sanitária”, se espalhe ao norte. Para isso, é preciso evitar que quem circular pelo Brasil seja picado.


E, mais do que isso, é preciso conter ou assegurar o sexo.


Proliferam as medidas de saúde pública para garantir a saúde reprodutiva nos países ricos, evitando concepções contagiadas ou que venham a ser contaminadas, e atalhando o risco de reproduzir contingentes de crianças com microcefalia


Mais do que o Estado brasileiro, mais do que a OMS, mais do que o Comitê Olímpico Internacional, cabe a cada turista e a cada atleta se policiar para não circular por áreas de risco, prevenir-se para não ser picado e, por ainda mais este motivo, governar o seu sexo.

Ecoesgoto olímpico


Além do zika, outros microrganismos preocupam pela possibilidade de causar reações adversas à saúde dos atletas olímpicos. Embora neste caso os mosquitos não estejam no foco, a água permanece como problema. Será inevitável a exposição dos atletas da natação, da vela e do remo aos vírus e bactérias presentes no esgoto a céu aberto em que se encontra a Baía de Guanabara.


A despoluição da Baía de Guanabara foi um dos pontos ressaltados para o Comitê Olímpico Internacional (COI) na defesa da candidatura do Rio a sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Em 2009, o governo estadual do Rio de Janeiro assumiu o compromisso de coletar e tratar 80% do esgoto da região metropolitana como medida para despoluir a baía e possibilitar que o evento pudesse usufruir da beleza natural da cidade durante as provas náuticas.


A despoluição da Guanabara seria o “legado ambiental” que os jogos olímpicos deixariam para o Rio, assim como ocorrera com a Baía de Homebush, em 2000, para as Olimpíadas de Sydney. Em torno dessa baía australiana, outrora considerada o maior esgoto do país e em cujas margens funcionavam aterros sanitários, foi construído o Sydney Olympic Park e sedimentando a ideia de que, além de recuperar áreas urbanas denominadas degradadas, como no caso da Olimpíada de Barcelona, em 1992, os eventos planetários também poderiam promover a restauração ambiental.


O projeto elaborado para recuperação da Baía de Guanabara previa a construção e a ampliação de estações de tratamento de água e esgoto em toda a bacia hidrográfica composta por mais de 50 rios e riachos que deságuam cerca de 200 mil litros de água por segundo na baía. Hoje, a região hidrográfica da Baía de Guanabara possui oito estações de tratamento. Não são todas que estão em pleno funcionamento. Apenas metade da água despejada na baía é tratada, a outra metade é esgoto puro.


Para dar um trato superficial na Baía, o governo estadual contratou ecobarcos, responsáveis por monitorar e retirar o lixo que flutua em suas águas. Os ecobarcos começaram a funcionar pouco antes da realização do Evento-Teste Aquece Rio Regata Internacional de Vela, realizados em agosto de 2015, em preparação dos Jogos Olímpicos.


Naquela ocasião, a Federação Internacional de Vela (FIV) notificou ter recebido dois casos de velejadores que passaram mal após competirem nas águas da Baía. Um deles, o sul-coreano Wonwoo Cho, chegou a ser internado com febre, vômito e desidratação, causados por infecções viróticas. Nadadores alemães e britânicos também relataram ter passado mal depois de participarem de uma competição nas águas da Guanabara. Outros disseram ter se ferido ao colidirem com dejetos flutuando na baía, tais como um sofá e um cão morto.


Logo após os eventos-teste para a Rio 2016, o diretor de comunicação do comitê organizador, Mario Andrada, afirmou que ecobarreiras seriam instaladas para evitar que dejetos cheguem à Baía de Guanabara. Além disso, garantiu que a qualidade da água será verificada diariamente, durante as Olimpíadas, para assegurar a saúde dos atletas.


Em entrevista a um jornal internacional, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, reconheceu que a poluição é um dos “desafios” que os jogos olímpicos ajudaram a destacar: “Nós jamais prometemos uma cidade perfeita, sem problema. Mas uma cidade melhor. E ela melhorou. Não temos as mesmas estruturas que Paris ou Londres. Somos um país em desenvolvimento, com muitas desigualdades. Os Jogos ajudam a melhorar a cidade”.


A saúde dos atletas e da Baía de Guanabara mostrarão como os chamados “legados” dos eventos ajudam a melhorar as cidades, os países e o planeta, mesmo que seus ares, águas e terras permaneçam fétidos e impróprios para a vida que pulsa. E isso basta a todos que comandam o empreendimento Olimpíadas.





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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