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    observatório ecopolíticaAno V, n. 117-118, setembro de 2022. 
 internet e o crescimento acentuado de suicídios entre indígenas, crianças, jovens e mulheres
 
 Em 1º de outubro de 2020, um menino de 11 anos se jogou do 11º andar de sua casa, em Nápoles, na Itália. Sua carta de despedida foi uma mensagem enviada por meio de um aplicativo para seus pais. Dizia não ter mais tempo, seguiria o homem de capuz preto e pedia perdão. O homem de capuz preto ficou conhecido como Jonathan Galindo ou Homem Pateta, que enviava mensagens para crianças pelo Instagram, TikTok, Facebook ou WhatsApp propondo-lhe alguns desafios, e como último estágio o suicídio. 
 
 Em maio de 2022, um  novo desafio figurou nas postagens no  TikTok: o #LabelloChallenge. Supõe-se que, de início, o desafio é adivinhar o cheiro do protetor labial da outra pessoa da  marca Labello. Entretanto, a sua versão mais conhecida é remover o protetor  labial com os dentes toda vez que se sentir triste. Quando o protetor labial  acabar, se a tristeza ainda permanecer, a única saída para finalizar o desafio é o suicídio.  
 Em 25 de agosto de 2022, em Belo Horizonte, o corpo de um menino de 10 anos foi encontrado por sua mãe, dentro do armário. Ele teve uma parada cardiorrespiratória após inalar o aerossol de um frasco de desodorante. O garoto participava do "desafio do desodorante": competição de quem aguenta inalar a maior quantidade do gás presente na embalagem por um maior período. Para provar que ganhou o game, é preciso filmar-se e postar para os outros competidores. Não foi o primeiro caso. Em fevereiro de 2018, na Grande São Paulo, uma menina de 7 anos foi encontrada morta em situação semelhante. 
 
 
 
 
 Ao menos desde 2016,  circulam pelas redes sociais e pelo YouTube vídeos que impelem crianças e  jovens à intoxicação. Alguns fazem menção a substâncias catalogadas como  "ilícitas", induzindo a inalar "como se fosse lança-perfume".  
 A composição, tanto dos  aerossóis de desodorante quanto dos lanças ou lolós, apresenta  substâncias químicas como ácido clorídrico, cloreto de etila, clorofórmio,  éter, essências perfumadas e, por vezes, fluidos de isqueiro como o B-25 e  solventes como thinner. Após inalados, esses gases vão dos pulmões para a  corrente sanguínea e podem ocasionar paradas cardíacas e respiratórias, danos  cerebrais e asfixia decorrente de reação alérgica a essas substâncias. 
 Algumas crianças, após  assistirem aos vídeos que estimulam esse desafio, disparam o spray de  desodorante diretamente na boca e/ou no nariz. Há casos de queimadura grave dos  que seguem esses influencers que  orientam a apertar o aerossol até "sentir a pele gelar".  
 A combinação fatal entre o proibicionismo e os desafios chamou atenção nos EUA, em plena disseminação da Covid-19. Neste momento, no decorrer do ano de 2020, o "Benadryl Challenge" foi compartilhado no TikTok. Impele crianças e jovens a tomarem altas doses de anti-histamínicos/ antialérgicos – em torno de 10 ou 14 comprimidos – e se filmarem sob os efeitos da droga farmacêutica que, nessas quantidades, pode produzir alucinação. Em setembro de 2020, uma garota estadunidense de 15 anos morreu em decorrência da overdose de remédios durante o desafio. 
 
 
 
 A empresa chinesa, por  sua vez, defende-se citando os dados do Centers for Disease Control and  Prevention (Centro de Prevenção e Controle de Doenças) dos Estados Unidos da  América que em 2008 estimou haver, entre 1995 e 2007, muito antes do lançamento  da rede social digital, ao menos 82 crianças mortas em decorrência do "Blackout  Challenge", também conhecido como "Choking Game" (jogo de sufocar) e "Passout  Challenge" (desafio do desmaio). As  crianças e jovens mortos neste período tinham entre 6 e 19 anos. 
 A ByteDance alega ainda  deixar evidente nas Diretrizes da Comunidade TikTok que "conteúdos dessa  natureza são estritamente proibidos e proativamente removidos, assim como são  bloqueados quaisquer conteúdos ou hashtags que promovam desafios perigosos, por meio de uma combinação de moderações  tecnológicas e humanas". Ou seja, censura com inteligência artificial  programada por seres humanos. Entretanto, a internet não é estática. Em seu  constante movimento tags são produzidas para os mais diversos assuntos.  Com a proibição da tag suicídios, os desafios passaram a ser divulgados de outras formas, com:  #inalive (não vivo). E, em alemão, é possível  encontrar "Freitod" (morte livre) e "Selbstmord" (auto-assassinato). Novas tags aparecerão até serem censuradas e outros termos passarão a ser usados. Eis a  inteligência artificial das redes sociais digitais. 
 Em outubro de 2021, o  processo contra o Facebook ganhou repercussão midiática internacional  o processo contra o Facebook devido aos impactos da rede homônima e do  Instagram, pertencente à empresa Meta, na "saúde mental" de crianças e jovens.  A audiência com uma ex-gerente de produtos do Facebook, no Senado  estadunidense, repercutiu alardeando os efeitos óbvios das redes sociais  digitais nas relações e na vida de crianças e jovens. Estes efeitos da  comunicação instantânea, da superexposição de imagens, da produção de conteúdos  e perfis do que cada usuário "é", ou anuncia "ser", foram classificados pelas  autoridades estadunidenses como "tóxicos". O mesmo termo é contemporaneamente  utilizado para relações amorosas/afetivas/sexuais atravessadas por violências,  tanto as físicas quanto os acossamentos.  
 A ex-gerente, Frances  Haugen, depôs: "acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças,  alimentam a divisão social e enfraquecem nossa democracia". Haugen, além de  comparecer ao tribunal, entregou uma prova: documentos internos da empresa  vazados para um jornal e que apresentam os resultados de pesquisas internas que  confirmam, segundo a acusação, que a administração do Facebook é ciente dos  "efeitos negativos" na "saúde mental, especialmente de menores de idade". 
 À "negligência" da  empresa com crianças e jovens, acrescentou-se a disseminação de "fake news" e  conteúdos classificados, de acordo com as diretrizes da própria plataforma,  como violentos. O discurso de Haugen, como de senadores democratas, defende uma  rede social "mais segura e que respeite a liberdade de expressão", ou seja, um  espelho nas telas do que se reivindica socialmente. Ou vice-versa. Provam que  já não há mais distinção entre on-line e offline e as reivindicações por  direitos e punições cabem às duas esferas. 
 Segundo a ex-funcionária, a prioridade da empresa são as viralizações, o que era "perigoso para a segurança nacional". E em segurança nacional compreende-se também outros conteúdos que precisam ser sumariamente banidos e censurados. Um dos exemplos recentes foi o imediato bloqueio de postagens, no Facebook e Instagram, contendo as palavras janes revenge, após a revogação da política nacional do direito ao aborto nos Estados Unidos. Rapidamente, a inteligência artificial foi orientada a vetar qualquer termo que tivesse relação com essas tags. 
 
 o que a inteligência artificial  lucrativa permite é determinado pelo humano. 
 
 Não se permite a  propagação das ações diretas incógnitas sob o nome janes revenge nas  plataformas da empresa. Como também não se permitiu que a origem do mundo de Gustave Courbet fosse reproduzida nas redes sociais.  Pouco importa o número de compartilhamentos, curtidas, comentários ou uma  possível viralização. Há a seletividade do que se pode postar,  compartilhar e curtir. Postar "morte ao Islã" é permitido pela inteligência  artificial. Vale lembrar que toda inteligência artificial é programada por um  ser humano e extremismo é considerado  ameaça à segurança nacional, à democracia e à propriedade. 
 No ano de 1985, durante  a chamada abertura da ditadura civil-militar no Brasil, estreou o filme Brazil, de Terry Gilliam. Em um futuro tétrico mergulhado em  burocracia, pessoas orientadas pelas suas imagens realizam cirurgias plásticas,  consomem serviços e produtos, preenchem formulários sobre suas rotinas e são  vigiadas incessantemente pelo Serviços Centrais, uma empresa vinculada ao  governo cujo objetivo é controlar como, o que, onde cada um consome, deseja e  faz.  
 O despotismo da  papelada não foi o futuro alcançado. E nem mesmo há os terroristas do filme para destruírem as centrais de vigilância no presente.  Entretanto, o filme anunciava que o monitoramento é para todos, e que seu processamento é seletivo. Em nome da  segurança, há os alvos preferenciais, como em Brazil, quando os dados de um jovem apolítico cruzam com os de uma moça identificada como terrorista. Até então, pouco importava  sua rotina e questionamentos; ele se tornou perigoso e alvo da inteligência  somente quando seu perfil se cruzou com outro.  
 Crianças e jovens se mutilando,  atingidos pela produção infinda da chamada classificação de transtornos  mentais, se matando ― intencionalmente ou  não ―  pouco importa a essas empresas. Não interferem na ordem, não ameaçam essa  sociedade, não atingem os lucros, não produzem contestações radicais. Fazem  parte da produção das subjetividades contemporâneas, dos divíduos da sociedade de controle, de efeitos na nova forma de  educar crianças e jovens.  
 As viralizações,  ou o número elevado de visualizações, provocadas pelos desafios são lucrativos às empresas que administram as plataformas  de redes sociais digitais. Eles são mais um atrativo para se manter a conexão,  seja para entrar no desafio ou para ver  depois o que aconteceu com alguém que se desafiou.  
 Em 2014, figurou nas timelines do Facebook e do Instagram o "desafio do  balde de gelo" ou "Ice Bucket Challenge", que consistia em, de forma literal,  virar um balde com cubos de gelo sobre a própria cabeça, filmando-se. Diferente  dos desafios que induzem crianças e  jovens a se matarem, este foi um desafio "do  bem" que procurou, além de gerar milhões de visualizações, convocar à doação de  dinheiro.  
 A campanha teve como beneficiários  entidades de pacientes com esclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla  ELA, e pesquisadores voltados ao estudo desta doença. O físico Stephen Hawking  era portador dessa esclerose. Também em 2014 estreou o filme A teoria de tudo,  que narra sua biografia. Em um mês e meio foram mobilizados: 115 milhões de  dólares nos EUA, 7 milhões de libras no Reino Unido, 296 mil reais no Brasil... 
 Quem inovou com esse desafio "do bem" foi o estadunidense  Anthony Senerchia, também diagnosticado com ELA. Hoje, no Museu da História  Americana, é possível contemplar o primeiro balde usado no primeiro vídeo do "Desafio do Balde de Gelo". Celebridades  e milionários de todo o planeta, incluindo Mark Zuckerberg e Bill Gates,  aderiram ao desafio e compartilharam  seus vídeos derrubando em si mesmos – apenas literalmente – um balde de gelo. 
 No mesmo mês de outubro  de 2021, quando ocorria o mencionado processo contra o Facebook, houve um "bug  geral" no acesso ao Facebook, Instagram e WhatsApp, todos esses produtos  pertencentes à empresa do estadunidense Mark Zuckerberg. No decorrer de um dia,  mas sem atingir 24 horas fora do ar, os milhões de usuários dessas plataformas  em todo o planeta ficaram sem acessá-las. Houve impacto direto e imediato no  mercado de ações. Funcionários em cargos de chefia na empresa e em cada um de  seus produtos, desculparam-se via Twitter. O que ocasionou a "falha" não foi  publicamente revelado, alegou-se ser "desconhecida"... há quem diga que o blackout das três redes foi uma prova de sua utilidade veloz no funcionamento do tecnomundo ―  que não se aparta do que ocorre, circula, se produz e consome fora das telas e  dessas plataformas. 
 Ainda em outubro de 2021,  o bilionário Zuckerberg anunciou a mudança de nome da sua empresa de Facebook para  Meta, "uma empresa de tecnologia social". Além dos já mencionados Facebook,  Instagram e WhatsApp, pertence à Meta o Oculus Quest, um dispositivo headset voltado para a "realidade virtual", em outras palavras, óculos de realidade  virtual. O próprio nome, Meta, faz referência ao que nomeiam de metaverso,  "realidade virtual" tida como o futuro em que será possível fazer quase tudo em  um ambiente virtual onde cada um terá o seu avatar. Para além da internet e das  redes sociais como a conhecemos agora, o metaverso pretende ser a transposição  do mundo para o virtual. Grandes  empresas já estão montando suas lojas no metaverso e na área da educação já  promovem encontros e debates de como transpor a escola, faculdade e pesquisas  acadêmicas para lá.  
 Agora sob nova alcunha, em junho de 2022 a Meta acumulava oito processos em tribunais estadunidenses. Todos relacionados aos efeitos do Instagram e do Facebook na "saúde mental", especificamente em casos de suicídios, tentativas suicidas, distúrbios alimentares e outros transtornos mentais. Há quem processe a Meta por ser "consciente" das "características viciantes" de seus produtos. De novo, há depoimentos e provas fornecidos por ex-funcionários da empresa. A empresa declara "estar melhorando as ferramentas" para que os pais ou responsáveis possam monitorar os usos que seus filhos fazem nas plataformas. 
 
 monitoramentos por mediadores e  moderadores de conteúdos 
 
 Como mais uma medida de segurança,  Facebook, Instagram e TikTok ― Meta e ByteDance ―  contratam empresas terceirizadas para monitorar e avaliar os conteúdos  denunciados por usuários das plataformas ou rastreados por inteligência  artificial. Em geral, as denúncias reportam postagens classificadas como:  automutilação, exploração infantil, suicídio, "extremismo", nudez.  
 Pessoas que trabalharam  como moderadoras de conteúdo relatam que muitos posts e lives exibem  pessoas – em sua maioria crianças – e animais sendo violentados, torturas,  mutilações, decapitações, execuções brutais. Uma das cláusulas do contrato dos  moderadores é que não podem comentar o que veem nos milhares de vídeos que  assistem semanalmente. Nas empresas, não podem trabalhar portando seus smartphones.  Alega-se que divulgar os conteúdos e diretrizes internas de segurança pode  "incentivar" os usuários, em vez de conter a produção de tais postagens.  
 Empresas como a Majorel  (antiga Arvato), localizada em Berlim, recrutam jovens imigrantes para prestar  serviços de "moderação de conteúdo". Há outras empresas sediadas também em  cidades cosmopolitas como Barcelona, Lisboa, Nova York. Os contratados para  esses cargos devem ter um conhecimento mínimo de inglês (em geral monitoram  conteúdos em suas línguas natais e dentro dessas empresas, cada língua é  considerada um mercado), adorar redes sociais e assistir vídeos; além de  acreditar terem dado certo por servirem à segurança de grandes empresas de  tecnologia e seus usuários... 
 O emprego de moderador  de conteúdo nas redes sociais é fonte de processos contra a Meta que, em 2020,  fechou um acordo para indenizar prestadores de serviço estadunidense que foram  diagnosticados com transtornos mentais em decorrência do emprego com atuação de  "monitor humano" a assegurar as políticas e diretrizes de segurança das  plataformas da empresa. Foram 52 milhões de dólares em indenização.  
 No caso da alemã  Majorel, um dos benefícios ofertados pela empresa é o atendimento psicológico  no próprio local de trabalho, disponível 24 horas por dia. O serviço de  moderação de conteúdo é realizado em tempo integral, todos os dias da semana.  Também oferecem "pausas e cursos de bem-estar" e investem em "várias formas de  treinamento de resiliência" para que seus funcionários suportem assistir a  incontáveis vídeos, postados de IPs em diversos lugares do planeta, que exibem  pessoas sendo violentadas, torturadas, espancadas, mutiladas, decapitadas,  baleadas... Uma ex-funcionária descreve um dos vídeos que mais a impressionou:  um adulto arremessava um bebê seguidas vezes contra as paredes do imóvel onde  estava. 
 Dentre os conteúdos  produzidos no Brasil, há nichos específicos de polícias, milícias e facções que  publicam os exemplos dos castigos aplicados contra quem os desobedece,  desrespeita, trai, atrapalha seus serviços ou, simplesmente, foi escolhido para  ser executado, torturado, violentado. 
 Em âmbito internacional,  há o nicho das cenas de "atentados terroristas" e guerras, conteúdos mais  frequentemente postados de IPs localizados na África, na Ásia, no Leste Europeu  e no Oriente Médio. Colômbia e Venezuela também figuram nestes nichos de  mercado. 
 Muitos dentre os que foram contratados como moderadores de conteúdo acabam diagnosticados com transtornos mentais, medicalizados, acometidos por surtos durante o expediente. Não são poucos os que se suicidam. Pessoas que foram contratadas para, entre outras coisas, "evitar suicídios"... Ou melhor, evitar que sejam transmitidos ao vivo em lives; censurar o que não deve ser visualizado, não nessas plataformas da surface web. Lembrando que na chamada deep web esses conteúdos, assim como os variados nichos de tráfico, são a força motriz entre os usuários, consumidores, comerciantes... 
 
 crianças e jovens em busca de cares 
 
 Em agosto de 2022, foi divulgada uma  pesquisa da TIC Kids Online Brasil que estima haver um terço das crianças e  jovens ―  de 11 a 17 anos ― e com acesso regular à  internet no país que já buscaram "apoio emocional" por este meio. São meninas,  em sua maioria, entre 15 e 17 anos. Esta foi a primeira vez que a pesquisa,  voltada aos usos que pessoas nessa faixa etária fazem da internet, incluiu  questões de "saúde mental". Um efeito do isolamento social decorrente da  disseminação da Covid-19. 
 Hoje, 7% das crianças e jovens entre 9 e 17 anos que vivem no Brasil não possuem acesso à internet; destes, 87% vivem no Norte do país. Dentre os mais pobres, o dispositivo mais usado para utilizar a internet é o smartphone. Entre os que já usavam a internet cotidianamente, o acesso às redes sociais aumentou 10% após a chamada pandemia. Calcula-se que, do total de crianças e jovens na faixa dos 09 aos 17 anos, 88% tenham perfis em redes sociais ― WhatsApp, Instagram e TikTok são as mais usadas. Cresceu também a busca por jogos online e as compras efetuadas por pessoas com menos de 18 anos. A maioria dos entrevistados consome internet para assistir vídeos, séries ou filmes online (84%), seguida dos que utilizam aplicativos de mensagens instantâneas (79%), notadamente o WhatsApp. 
 
 outros  efeitos 
 
 Os efeitos da chamada pandemia de  Covid-19 ampliaram não somente os mercados virtuais e as transações econômicas  digitais. Tampouco levaram somente ao crescimento no número de diagnósticos dos  chamados transtornos mentais.  
 Houve aumento considerável  nas taxas de suicídio, notadamente em segmentos da população classificados como  "mais vulneráveis": crianças e jovens, idosos, mulheres, pessoas LGBTQIA+,  indígenas.  
 Enquanto nos EUA os  jovens que mais se matam são moradores do Alaska e descendentes de indígenas, no  Brasil, quem mais dá fim à própria existência são os indígenas. Estima-se que,  proporcionalmente, os indígenas se matam três vezes mais do que o restante da  população (pretos, quase pretos, amarelos e brancos). Explicita-se mais um dos  efeitos devastadores do contato com o homem branco e sua sociedade, seu modo de  vida, suas doenças e suas drogas ―  legais e ilegais ―, o capitalismo e o  Estado criados por ele.  
 Uma pesquisa recente  realizada pela UFRGS a partir do banco de dados DataSUS mostra que, somente em  2020, contabilizou-se oficialmente 11.334 suicídios. A região Norte registrou o  maior índice de mulheres e pessoas com mais de 60 anos que se mataram. Em  relação aos menores de 19 anos, ficou atrás apenas do Centro-Oeste.  
 A pesquisa cruza os  dados de suicídios de mulheres com as estimativas do que classificam como  "violência doméstica": 1 a cada 4 mulheres no decorrer do primeiro ano de  "pandemia". Já em relação aos velhos, o isolamento social mais restrito e os  altos números de óbitos são as hipóteses levantadas pelos pesquisadores. 
 O Sul do país é onde  pessoas não-brancas mais acabam com a própria vida. É nesta região onde os  índices totais de suicídio ― considerando a  população em geral e não grupos sociais ou minoritários específicos ―  são mais elevados. Especialmente nas áreas rurais, encontrando possíveis  conexões com as mudanças climáticas e seus efeitos no ciclo das plantações e da  vida no campo, por vezes devastadores; com o uso de agrotóxicos em larga  escala, incluindo despejo do alto de aviões e helicópteros do agronegócio; com  as demais violências crescentes nessas regiões e vinculadas aos proprietários,  latifundiários, empresários e seus sicários, às milícias, ao tráfico, às  polícias e demais forças de segurança nacional. A alta frequência de  diagnósticos de transtornos mentais e a farta distribuição de barbitúricos  entre as populações rurais também estabelece uma conexão possível com os altos  índices de suicídio.  
 Entre os indígenas, de  acordo com profissionais da saúde, os suicídios estão relacionados à entrada nas  aldeias do álcool e de outras substâncias catalogadas como drogas, com destaque  para o crack. Entre eles, são os jovens os que mais findam a própria  existência. 
 No Brasil, os dados  sobre suicídios não são sistematizados. Segundo a análise de dados realizada  por uma startup de seguros, de 2014 a 2019, o índice de crianças e jovens que  se mataram no país dobrou. Em sua esmagadora maioria, são diagnosticados com os  chamados transtornos mentais e, em grande parte, identificados como pessoas  LGBTQIA+. 
 Não há compilação  desses dados no período da chamada pandemia. Apenas análises como essas  mencionadas que utilizam recortes de bancos de dados de óbitos e outras  estatísticas.  
 O suicídio continua um  tabu e há um silêncio sobre esta questão.  
 Deve-se acionar o CVV  (Centro de Valorização da Vida) ou compartilhar campanhas como do "setembro  amarelo: mês de prevenção ao suicídio", cujo slogan é: "a vida é a melhor  escolha". Situar essa questão como uma escolha entre isso ou aquilo é tentar  tratá-la como algo disposto nas prateleiras neoliberais. A campanha preventiva  ocorre desde 2014 por meio de uma parceria entre a Associação Brasileira de  Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM). Parte-se do  pressuposto que "o suicídio é uma triste realidade que atinge o mundo todo e  gera grandes prejuízos à sociedade".  
 Inverte-se a questão,  não é um modo de vida e a sociedade que levam uma pessoa a decidir acabar com  essa vida que não lhe faz sentido. Mas é a escolha dessas pessoas que pode  prejudicar a coesão social... E repetem-se velhas teses sociológicas. 
 A estimativa mais  recente da OMS (Organização Mundial da Saúde), de antes da "pandemia", indicou  700 mil suicídios no decorrer do ano de 2019. A entidade calcula que, para além  destes números oficiais planetários, o total de pessoas que tiraram suas  próprias vidas tenha sido em torno de 1 milhão.  
 No Brasil, onde não há  atenção pontual e específica a estes casos, estima-se 14 mil ao ano; uma média  de 38 suicídios por dia. No país, como nos EUA, a incidência de suicídios  apresenta uma crescente, na contramão dos percentuais dos demais continentes  nos quais o suicídio diminui, segundo a OMS. Na América Latina, Brasil, México  e Colômbia são os países onde  as pessoas  mais se suicidam.  
 Essa mesma organização  é taxativa ao determinar: 100% de todos os casos de suicídio decorrem de  problemas, transtornos ou doenças mentais não diagnosticadas, não tratadas ou  tratadas inadequadamente. A estratégia preventiva é falar sobre o assunto,  retirando-o do lugar de tabu (ao menos no que se refere ao silêncio tácito) e  de estigma para divulgar informações sobre como identificar um potencial  suicida e como tratar essa pessoa. Um exemplo desse modo de tratar a questão no  intuito de prevenir o suicídio são as Diretrizes para Participação do Setembro  Amarelo que vigoram desde 2017, no Brasil, e foram elaboradas pela ABP e CFM,  seguindo os protocolos da OMS. 
 A vida estúpida que se  coloca ao lado de tantos horrores, violências, produz sentimentos e incômodos  que podem ser insuportáveis. Uma das formas que esse insuportável toma para  algumas pessoas é o ato final: pôr fim à própria existência. Essa sociedade  mata, suicida e adoece de inúmeras formas. 
 Essa vida estúpida leva a mortes macabras como crianças e jovens que seguem influencers nas redes sociais, como em uma brincadeira ou jogo, e acabam perdendo suas vidas. Assim como tantas sobrevivem em meio à educação para obediência, consumo, competições em desafios ou somente para se provar melhor do que os outros amigos de redes sociais digitais, castigos e violências que recebem e que reproduzirão em um futuro próximo... e continuarão a entreterem-se nas diversas interfaces do dia a dia até o momento que a vida digital se tornará penosa demais. 
 
 jogos  macabros e a atualização do perdedor radical 
 
 A virada do milênio foi marcada pelo  chamado efeito Columbine: ataques em  escolas e universidades perpetrados pelos perdedores  radicais que fuzilam seus colegas e depois se matam. Eles estariam em  oposição àquilo que sempre sonharam: querer ser ganhadores radicais, cuja imagem seriam as pessoas bem-sucedidas e populares que estão ao seu redor. Sem conseguir alcançar o ponto  mais alto do pódio social, só lhe resta identificar o culpado: um grupo social  que não o respeita é o responsável pelo seu fracasso. Só resta cumprir sua sede  de punição executando-os e a seguir tirar a própria vida.  
 Esses covardes perdedores  radicais, suas vontades de extermínio e seu reconhecimento sacramentado em  sangue continuarão a matar e a se matar. E outros efeitos banhados de sangue emergem em meio ao sacrifício de  crianças e jovens.  
 No Brasil,  recentemente, em escolas particulares pululam ameaças de massacres por parte de  estudantes. Viralizam entre as crianças e jovens pelas redes sociais, ou  em aplicativos de mensagens instantâneas usados pelos pais, ou ainda são  marcados a tinta nas paredes dos colégios. Disseminam medo, mais medidas de  segurança, mais polícias e punições. Até agora, nenhum desses massacres  agendados e comunicados online se concretizou.  
 Ao mesmo tempo, hikikomoris ―  crianças, jovens e adultos reclusos em quartos para ficar jogando videogame  incansavelmente e navegando na  internet ― também continuarão a  existir.  
 Enquanto isso, como medida  educativa, na China, jovens hikikomoris são levados a campos militares para se livrarem do "vício" em internet e  estarem aptos para servirem com sua força de trabalho ao Partido Comunista.  
 E, nas redes sociais  digitais, crianças e jovens pelo planeta continuarão com seus desafios tanto para conseguir mais  seguidores, como também para se provarem. Eles continuarão a se matar.  
 Há ainda aqueles tantos  que se matarão pela vergonha em não serem como o influencer e/ou por não serem bem-sucedidos.  Com a internet e para os amantes da exposição da vida, não há como se esconder  dentro de casa e guardar suas vergonhas. Estar vivo é postar. Sem postagens de  sucesso, não há motivo para seguir. E a ameaça da  exposição de seus segredos, respaldada pela moral em que são educados, também  abastece o consumo macabro destas vidas. Suas mortes alimentam e  alimentarão diversos índices.  Além da vergonha  e medo de certos jovens e adolescentes de verem descobertos em seus "segredos"  na internet.  
 E outras tantas  crianças e jovens se suicidarão por não aguentarem o chamado cyberbullying.  
 No Japão, os índices de  suicídios entre crianças e jovens crescem exponencialmente. E o dia preferível  para se matar é 1º de setembro, quando acabam as férias de verão, e é preciso  voltar para escola, ou seja, quando o cyberbullying é complementado pelas constantes violências físicas.   
 Cabe aos especialistas  de plantão fazerem suas leituras, clamarem pela "responsabilidade das  plataformas" e exigirem maior controle dos pais e políticas de governo. Tags como Momo Game, Baleia Azul e Jonathan Galindo, por exemplo, já são proibidas  em muitas plataformas. Outras vêm e virão. 
 Os monitoramentos se ampliarão  e as vidas de crianças e jovens permanecerão governadas por tudo quanto é saber  que dirá como devem ser para alcançarem a verdadeira vida empreendedora  de sucesso. Esta sociedade continuará criando  seres dispostos a servir educados para o medo e para uma vida covarde.  
 Os suicídios, desafios e execuções continuarão a existir furando os controles e escancarando os jogos macabros do capitalismo. Enquanto isso, permanece a questão: ao que estamos sendo levados a servir? 
 
 R A D. A. R 
 The 'blackout  challenge' explained - why is it so dangerous? 
 Facebook  é acusado de prejudicar crianças e enfraquecer a democracia 
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 32%  das crianças e dos adolescentes buscam apoio emocional na internet 
 Aumenta  taxa de suicídio entre mulheres e idosos durante pandemia de Covid 
 
 
 
 
 
 
 O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br 
 
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