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observatório ecopolítica

ano I, n. 12, junho, 2016.

 

Para O/A/X/ES: empoderar


Em 1928, a anarquista Maria Lacerda de Moura escreveu: “eu não chamo de mulher moderna a reivindicadora de direitos civis ou políticos da mulher: essa é justamente a mulher do passado e que acordou tarde... nem são mulheres modernas as feministas, a outrance, desprezando os homens ou querendo o predomínio do seu sexo ou a ‘melindrosa’ sem pudor, a demi- vierge, a La Garçonne”.


Para a libertária, ainda na primeira metade do século XX, era singular e vital, sobretudo, certas mulheres, como a anarquista Federica Montseny, “que não querem fazer descer a mulher até o charco onde o homem se nivela aos brutos ou os ultrapassa na selvageria, mas, sim, pretendem fazê-los subir até os seus lindos sonhos de Liberdade, de Amor e de Beleza”.


Em 1932, no momento em que Getúlio Vargas concedeu o direito de voto às mulheres, Moura foi uma das poucas vozes a argumentar que a conquista celebrada por muitas feministas não era mais do que a continuidade da perpetuação da subordinação, pois não tinha relação alguma com o domínio da mulher sobre o seu próprio corpo, seus próprios prazeres.


Hoje, quando jovens reclamam por “empoderamento”, maior representatividade na política, pelas ruas, em protestos, assembleias, seminários, congressos, é salutar retomar alguns escritos explosivos de Maria Lacerda de Moura. Apesar de pouco conhecida das atuais “modernas”, algumas de suas afirmações ainda são capazes de abolir a monotonia segura da política. Moura não podia imaginar que nos anos 2000, “empoderamento” seria a palavra-chave para grande parte das lutas chamadas minoritárias.


Contudo, se hoje a disseminação do chamado empoderamento é pouco combatida, ainda nos anos 1960, frente às reivindicações “flower power”, “black power”, entre outras, o artista libertário John Cage já indagava as razões pelas quais tais contestações ainda mantinham-se enredadas ao “poder” e não lutavam, precisamente, contra o seu exercício. Basta digitar “empoderamento” em vários idiomas, no principal utensílio de buscas da maior empresa de serviços online do planeta, para notar que o “poder” não somente sobreviveu ao fogo das décadas de 1960 e 1970, como se incrustou misticamente nas reivindicações das chamadas minorias.


Como mostrou um filósofo no início dos anos 1990, a característica marcante das minorias até então era a inconformidade ao padrão europeu branco médio adulto macho habitante das cidades. Apesar dessa singularidade, para ele, na última década do século passado, minorias também podiam reivindicar reconhecimento, direitos, um Estado, visando, com isso, menos a invenção de outras maneiras de existência e mais sobreviver, se salvar, por meio da política. Inverteram o flanco aberto pelo filósofo e em nome do movimento alavancaram a “passagem do direito para a política” ao sedimentar a reivindicação pelos conceitos vazios, e disseminaram o rogo pelas noções complacentes em função dos usuários. A singularidade surpreendente à explosão se diluiu em sua ânsia maior e majoritária numa sub-reptícia paixão pelo poder, reiterando a característica marcante da maioria, ou seja, ela é ninguém. Neste campo escoa pelo ralo a questão colocada pelo filósofo: “como uma resistência pode tornar-se uma insurreição?”.


Na mesma década, o empoderamento se alastrou, precisamente, em 1995, a partir da 4a Conferencia Mundial da Mulher realizada em Beijing, quando foi oficializado, e passou a ser conduta recomendada a ser seguida. De lá para cá, inúmeros documentos trataram do termo, incluindo o recente “Princípios de Empoderamento das Mulheres: Igualdade Significa Negócios”, divulgado pela Organização das Nações Unidas em 2011. Além da articulação com os negócios, a palavra “princípio”, definida por certo dicionário como “origem, começo, início” e também “regra ou código de (boa) conduta pelos quais alguém governa sua vida e suas ações”, reitera os aspectos religiosos e de salvação apontados pelo filósofo.


O documento da ONU é explícito: pretende ajudar a “comunidade empresarial” a incorporar valores e práticas que garantam a chamada equidade de gênero. As minorias, outrora vitais, servem hoje para auxiliar o aperfeiçoamento da aliança entre governos e proprietários, isto é, do capitalismo em sua fase mais avançada. E assim, certos militantes aproximam-se, ingênua ou oportunistamente, das violências que antes visavam combater.


Hoje, o empoderamento das mulheres, também modulando negros, lgbts, crianças e jovens, deficientes, pobres, gordos..., é tratado como questão impreterível. É um negócio. Redunda em uma profusão de acordos que visa ampliar a inclusão, apaziguar desigualdades e conter possíveis resistências em função de aperfeiçoamentos institucionais.


Atualmente, empresas, instituições, ONGs e movimentos sociais buscam promover as minorias conectando-as ao empreendimento desses indivíduos no mercado. Assim, o empoderamento se consolida também por exemplos-exceções que vão de indivíduos minoritários que ocupam cargos estatais e empresariais de chefia até celebridades politicamente corretas da música, do cinema, dos esportes.


Frente a tanto poder, emparedadas de tanto governo e Estado, será que as empoderadas nunca leram mulheres libertárias que viveram no Brasil, como Matilde Magrassi, Isabel Cerruti? Ouviram falar da peruana Flora Tristan? Voltairine de Cleyre? E Emma Goldman, considerada por muitos anos pelo governo dos EUA a mulher mais perigosa da América? Das Mujeres Libres? Contemporaneamente, notaram a diretora e atriz de teatro Judith Malina? Assistiram a algum acontecimento deflagrado pelas Pussy Riots? Leram acerca da coragem das guerrilheiras que, em Kobane, resistem aos machos, ao Estado e aos machos soldados do Estado Islâmico? Praticaram táticas de autodefesa como contra-ataque diante de investidas violentas e indesejadas, como o bash backe inventado e experimentado por anarcoqueers em diversos cantos do planeta?


Diante de tanto poder, resta pouca paixão e constata-se que os questionamentos de certas anarquistas seguem vivos e aos vivos. As (Os) demais, “contemporâneas” e “contemporâneos”, letárgicas(os) entre direitos e a política, estarão ainda aconchegadas(os) e acolhidos(as)? “X”, “es”.


O Poder não vale a vida!


Basta trocar uma letra de lugar para ele, enfim, assumir a veracidade de suas relações: podre.






R A D.A.R


Princípios de Empoderamento das Mulheres
http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mulheres/


ONU-Mulheres de 2011: Princípios de empoderamento das mulheres: igualdade significa negócios
http://www.pucsp.br/ecopolitica/documentos/direitos/docs/emponderamento/onu-mulheres-2011.pdf


Empoderamento (administração)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Empoderamento_(administração)


Okupa y Resiste
http://okupayresiste.blogspot.com.br/


Squat!net
https://pt.squat.net/


Biblioteca Los Libros de La Esquina
https://loslibrosdelaesquina.wordpress.com/


“Comissão Europeia: Comunicado de imprensa contra a corrupção (2011)
http://europa.eu/rapid/press-release_IP-11-678_pt.htm


A luta da União Europeia contra a fraude e a corrupção (2014)
http://europa.eu/pol/pdf/flipbook/pt/fight_fraud_pt.pdf

 

Evaluation Report on Liechtenstein on Incriminations (2016)
http://www.coe.int/t/dghl/monitoring/greco/default_en.asp

 

Maria Lacerda de Moura. Feminismo? Caridade?. 1928. Disponível em:
https://www.nodo50.org/insurgentes/textos/mulher/10feminismocaridade.htm

 

Emma Goldman, "A new declaration of independence” in Mother Earth, Vol. IV, no. 5, July 1909. Disponível em
http://theanarchistlibrary.org/library/emma-goldman-a-new-declaration-of-independence


 

okupa e #ocupa

okupa


As cidades, entre suas pedras e seus fluxos, apresentam interstícios que podem e são ocupados por diferentes movimentos.


Um dos movimentos de ocupação mais vigoroso por sua perenidade e contundência são os squatters. Formados basicamente por anarquistas, punks e comunistas, os squatters lutam contra a rotina da propriedade, a regulação da habitação e o comando sobre a população. Diante da gentrificação, definida pelo Estado como “revitalização”, ou seja, processo de especulação imobiliária dos espaços urbanos, principalmente em pontos centrais das cidades, ocasionando a remoção de moradores de rua e moradores menos abastados de áreas consideradas degradadas, os squatters resistem aos encantados programas de revitalização de espaços rentáveis nas cidades como forma de restauração da degradação.


Os squatters não promovem uma revitalização, mas sim a ocupação como força vital, cuja insistência cotidiana em existir afirma a possibilidade de uma relação com o espaço que prescinda do Estado.


No processo de ocupação, prédios abandonados são limpos, e serviços básicos, como água, luz e gás, são instalados. As ocupações ainda têm como proposta não serem apenas um lugar de moradia, mas apresentar esta vitalidade por meio de atividades culturais, como instalação de bibliotecas, mostras de teatro e poesia e rádios clandestinas, além de assembleias populares. Mas também em algumas ocasiões cedem ao Estado e passam a ser por ele subvencionados.


Também conhecidos como okupas, grafado com a letra K proveniente da cultura punk, diferenciam suas intervenções de outros movimentos similares, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, por não ter como fim uma reforma em que a propriedade privada, em vez de ser abolida, é dividida entre as partes em porções menores. Uma okupa tem seu espaço integralmente coletivizado. As ocupações são feitas em autogestão, sem chefes, partidos ou lideranças sociais e comunitárias.


Além da organização do trabalho por meio de mutirões, os moradores e frequentadores rejeitam a democracia representativa e participativa como via para equacionar problemas. É na ação direta que os moradores confiam para inventar novos problemas.

#ocupa


Enquanto isso, no movimento occupy, iniciado com as manifestações em Nova Iorque em setembro de 2011 no distrito financeiro de Wall Street... .


A Adbusters, revista anticonsumista e pró-meio ambiente, organizou a chamada para o protesto inspirada nos movimentos árabes para a democracia. O slogan da occupyWall Street era “Nós somos os 99%”, referindo-se à desigualdade de distribuição de renda e riqueza nos EUA e no mundo. Afirmavam a necessidade de uma distribuição mais justa das riquezas e apontavam as falhas do sistema de mercado atual, contaminado pela corrupção e sob o comando de empresas sobre o governo, particularmente do setor de serviços e o financeiro. E os Estados souberam muito bem assimilar a reivindicação.


Pediram um Estado melhor.


O movimento occupy teve suas derivações e, no último mês, ganhou corpo em território nacional após o temeroso governante interino anunciar suas primeiras ações de governo, em especial a reforma ministerial. As ocupações de prédios públicos como no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, sede da Fundação Nacional de Artes (Funarte), e que outrora hospedou o Ministério da Cultura, tornou-se um dos ícones deste novo movimento.


As bandeiras desta ocupação, também conhecida pela TAG #ocupaminc, foram logo preenchidas pelas reivindicações de diferentes movimentos sociais, pelo pleito do empoderamento das minorias, frequentadas por deputados federais e estaduais de esquerda e onde proliferam discursos inflamados contra o interino governo federal de direita pedindo o retorno da presidenta.


Entre uma articulação ali e um discurso acolá, músicos da grande indústria fonográfica brasileira e frequentadores de editais acompanhados de celebridades artísticas fazem seu ensejo e dão um colorido mais descolado às ocupações.


Lutam por um Estado melhor


Do mesmo modo, governantes de Europa organizam a disputa contra a corrupção em seus Estados. A razão neoliberal encontrou um modo de justificar sua reforma de Estado com base no combate à corrupção. E não é só lá. Com isso, consensualmente, empoderam políticos e os atores da sociedade civil. É a era da nova política se instituindo.





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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