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observatório ecopolítica

ano V, n. 123, março de 2022.

 

a felicidade e a alegria...

a felicidade

 

A meta do capitalismo na democracia é produzir valores revestidos de universalidade. Diante da indeterminação da escuridão vieram as luzes inundando os espaços, trazendo sol sobre a pele, dando cabo de um tanto de bolores, gerando uma esperança de mais saúde, luares aos apaixonados, e de luas e universo em expansão aos empreendedores e financistas...

 

Falar em capitalismo é sempre falar em mais. Falar de algo que está em um objeto ou valor revestido de universal para ser acessado, adquirido ou aceito. É como se tudo depois da escuridão iluminada desde o Renascimento fosse capaz de abafar quaisquer tentativas de restauração do passado como contrarreforma, clausuras, subtrações, assujeitamentos. Até mesmo prisões, asilose hospícios passaram a ter função positiva, assim como os seminários e conventos permaneceram marcados por positividades relacionadas ao poder, à fé e à internação voluntária.

 

Com o passar do tempo, nem a medicina conseguiu obter aceitação consensual para a internação involuntária de pessoas identificadas com vícios, déficits, deficiências... O reverso deste universal se consolidou com outros que passaram da disciplina nos espaços fechados ao monitoramento a céu aberto.

 

O capitalismo prescinde de um especial regime político. Pode ser qualquer um, desde que a acumulação, a expropriação, a lucratividade e o mando não sejam abalados a ponto de serem suprimidos. Podem ser, claro, regimes mais elásticos como a monarquia constitucional diante da monarquia hereditária. E, quanto mais elástico, mais o regime é capaz de garantir bens econômicos e os chamados valores universais de igualdade e liberdade caros ao capitalismo. Foi e é assim que a democracia de qualquer faceta complementar (representativa, participativa, social...) se tornou o mais importante e livre regime para produzir felicidade.

 

Os liberais, principalmente os utilitaristas, defenderam e traduziram em materialidade o que poderia ser apenas uma expectativa de idosos homens de bem gregos ou um sonho cristão para depois da morte de qualquer súdito. Verso e reverso que justificaram e abonam o acesso transcendental à felicidade.

 

Os liberais e os utilitaristas, em especial, trouxeram para o presente de cada época a possível felicidade do indivíduo livre e autônomo, obedecendo leis universais, costumes novos e tradicionais reformados ou restaurados. A cada época capitalista a felicidade pode ser vivida em seu esplendor material e sempre na transcendentalidade, posto que cabe aos capitalistas o exercício da filantropia. Em poucas e claras palavras, fora do capitalismo não há felicidade!

 

Constata-se pela felicidade e pelo mais que o capitalismo sempre produz as positividades do poder por meio de normas e disciplinas, e como os súditos desejam, querem e conservam seus soberanos vistos por eles como imprescindíveis, pois conseguem fazê-los crer que sem o soberano eles não existiriam. Produzem de variados modos o assujeitamento, o amor à obediência.

 

É como amor à obediência material conectado ao amor à obediência transcendental que o capitalismo proporciona às mais variadas religiões o exercício de seus poderes, a legitimidade de suas existências. Não há mais uma religião verdadeira, mas a necessidade de se crer e ter uma religião. Este é o pressuposto de solidificação da família e da política como gestão de negócios. É a felicidade se mostrando nos costumes e na política como a mais perfeita expressão do como ser conservador e de fomentar a tradição conservadora, até mesmo sendo a principal oponente a qualquer movimento reacionário, ainda que episódico.

 

O capitalismo com seus regimes políticos, racionalidades e controles não deixa de produzir mais pobreza e de aumentar o sonho pela redução da miséria. Tudo composto coletivamente visando tolerância, moderação e sensatez.

 

 

o índice de felicidade

 

 

Foi na segunda metade do século passado que se abriram as passagens para as Nações Unidas. Mais especialmente, após o acontecimento 68, quando a reação conservadora começou a se organizar em torno da defesa dos limites ao crescimento (Clube de Roma em 1968), do meio ambiente (Declaração de Estocolmo, 1972, Eco 92 etc.), do fim do socialismo (com o apoio do Vaticano) e de difusão das práticas democráticas, dando vida e presença à racionalidade neoliberal.

 

A racionalidade neoliberal trouxe a democracia para as relações econômicas por meio da gestão capital-capital humano com o empreendedorismo. Trouxe, também, o ecumenismo religioso, a capacidade de ampliação da resiliência (mais resiliência) e modos de estancar revoluções, revoltas, e eventuais contestações ao Estado Democrático de Direito.

 

Definido desde 2012, 20 de março é o dia Internacional da Felicidade no qual se comemora a busca por dar fim à pobreza, proteger e conservar o planeta e reduzir as desigualdades. Trata-se de apresentar compatibilidade com o desenvolvimento sustentável: crescer economicamente e conservar o meio ambiente para as futuras geração.

 

A inspiração veio do Butão, pequeno país da Ásia, uma monarquia constitucional que propôs a felicidade como índice substitutivo do PIB. Afinal, o cidadão precisa mais do que dinheiro e bens de consumo para ser feliz. Foi o rei Jigme Singye Wangchuck que introduziu , em 1972, o Felicidade Interna Bruta (FIB) ou Gross National Happiness (GRH), relacionado principalmente com conservação ambiental e qualidade de vida. A ele juntam-se o PIB e o IDH- Índice de Desenvolvimento Humano.

 

"A FIB é uma integração dos desenvolvimentos material, espiritual e cultural dos indivíduos. Assim, ela se baseia em nove variáveis: bem-estar psicológico (autoestima, estresse, etc.), saúde (políticas de saúde, hábitos que melhoram ou prejudicam a saúde), uso do tempo (tempo utilizado para o lazer, família, amigos, etc.), vitalidade comunitária (basicamente é o nível de interacionismo com a sociedade em geral), educação, cultura (avalia as festas, oportunidade de desenvolver atividades artísticas, etc.), meio ambiente (percepção da população em relação à qualidade do ar e da água, como também o acesso a parques e áreas verdes), governança (representação social da população em órgãos públicos nas esferas do executivo, legislativo e judiciário; como também sua postura como cidadão) e, por último, padrão de vida (renda familiar, dívidas, qualidade de moradia, etc.)".

 

Trata-se de projetar mais uma forma de obtenção de consenso em torno do desenvolvimento sustentável, das práticas de resiliência, com inclusão, liberdade de pensamentos e de gênero. Trata-se de um projeto de educação planetária.

 

 

nota sobre a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito - Brasil

 

 

A Lei de Segurança Nacional, de 1983, criada pela ditadura civil-militar, curiosamente foi  suplantada pela Lei 14.197, de 1 de setembro de 2021.

 

"Art. 1º  Esta Lei acrescenta o Título XII na Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, e revoga a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional) e o art. 39 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).

 

Art. 2º A Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescida do seguinte Título XII: DOS CRIMES CONTRA O ESTADO"DEMOCRÁTICO DE DIREITO".

 

É uma lei que pretende garantir a eternidade do Estado Democrático de Direito e define: golpe de Estado (Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído), assim como a preservação e a garantia do funcionamento dos chamados serviços essenciais. E o título XII, sua inovação, fica destinado a cada leitor(a) cidadão (ã) conhecê-lo...

 

 

em tempo:

 

 

Jornal de grande empresa de São Paulo noticia o resultado de pesquisa sobre a felicidade. Os "muito felizes" são os 44% que ganham menos de 1300 reais por mês. Entre os "pilares da vida" os maiores índices de felicidade estão remetidos à espiritualidade e satisfação com a vida.

 

 

a alegria de um anarquista 

 

 

No final dos anos 1980 e início da última década do século XX, certos anarquistas, em variados cantos do planeta, evidenciaram a felicidade não como força de contraposição à tristeza. Em um momento logo após a queda do muro de Berlim, argumentavam que tristeza e felicidade eram, ambas, dois lados de uma mesma moeda.

 

Ultrapassando a dicotomia, anarquistas como Roberto Freire, frente à felicidade, situaram questões muito diferentes. 

 

Durante os anos 1980, no Brasil, depois de resistir ativamente à ditadura civil-militar, ao se afastar da militância organizada de esquerda e afirmar o anarquismo, Freire (o anarquista e não o político, é sempre bom lembrar!) expôs como muitos esquerdistas ao aguardarem a felicidade, como religiosos, esperavam o paraíso, uma revolução sempre para amanhã, mantendo intactas relações autoritárias no interior do trabalho, nas relações amorosas.

 

Nas páginas do seu sem tesão não há solução, o inventor da Somaterapia combateu incessantemente a felicidade. Segundo ele, felicidade era uma construção política impossível de se atingir, um estado de institucionalização dos afetos sustentados por: "família burguesa, consumismo capitalista estupefaciente, burocracia autoritária socialista, antiecologia predatória e poluidora".

 

O anarquista Roberto Freire completou, em um dos seus ensaios mais conhecidos, que tal construção estava diretamente vinculada às violências dos "poderes adaptadores da Psicologia Analítica e Comportamental, com os policiais de branco da Psiquiatria tradicional e com as armas químicas da Indústria Farmacêutica dos psicotrópicos e dos psicoanalépticos".

 

Desta maneira, como liberação da suposta relação eterna felicidade-tristeza, o libertário indicou a experimentação possível e imanente da alegria. "O que torna possível e real a alegria parece-me ser o fato dela não se produzir a toda hora, sempre da mesma forma e intensidades semelhantes. Isso porque a alegria não é um estado como se supõe ser a felicidade, mas uma sensação".

 

Passadas três décadas dos escritos de Roberto Freire, a felicidade ressurge e segue estampada em Relatórios Internacionais encomendados pela ONU, como o "Global Happiness". A felicidade é dos "países", isto mesmo, essa abstração formada por fronteiras vigiadas por satélites, drones, soldados, armas e canhões.

 

Ao que indica, Freire acertou: felicidade é um estado dos Estados. Entre os dez líderes do relatório, oito estão localizados no quase extremo do hemisfério norte, muito distantes dos textos e do calor da língua do anarquista nascido ao sul da América.  

 

Mas, afinal, diante de tamanha felicidade, por onde anda a alegria, impossível de ser medida? 

 

 

R A D A R

 

Índice de Felicidade                                            

 

Histórico

Relatório Mundial da Felicidade

Felicidade Interna Bruta


O Dia Internacional da Felicidade: 20 de março

 

O primeiro lugar constante da Finlândia

 

Relatório Mundial da Felicidade, 2022 • link 1

 

Relatório Mundial da Felicidade, 2022 • link 2

A felicidade humana e a biodiversidade das aves

FIB – Felicidade Interna Bruta

 

Índice de Felicidade no Trabalho

 

Lei de Defesa do Estado de Direito Democrático Brasil

• Lei Nº 14.197, de 1º de Setembro de2021 - link 1

• Lei Nº 14.197, DE 1º de Setembro de 2021 - link 2

• Decreto-lei Nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940


sem tesão não há solução


 


 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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