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observatório ecopolíticaano V, n. 125, abril de 2022.
"o ano mais frio do resto de nossas vidas."o calor do deserto... a COP 27
Manchetes como "Uma COP histórica"; "COP 27 chega a acordo sobre o fundo de perdas e danos" "COP tem avanço histórico"; "Passos corretos na COP 27" encerraram a cobertura jornalística da Conferência das Partes referente ao clima, realizada entre 6 e 20 de novembro de 2022, no Egito, no balneário Sharm el Sheikh, na península do Sinai, às margens do Mar Vermelho.
Conforme prometido na COP de Glasgow-Escócia, o debate sobre recursos financeiros foi central na pauta da conferência de 2022, em detrimento até da avaliação das metas acordadas pelos países signatários do Acordo de Paris para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa. Essa seria a "COP da implantação".
Semanas antes do encontro, cientistas ligados às instituições científicas globais e ao sistema ONU divulgaram resultados nada tranquilos de suas análises sobre o clima.
O PNUMA publicou em outubro de 2022 seu relatório anual sobre as emissões, série que fornece um panorama da diferença entre as emissões de gases do efeito estufa previstas para 2030 e aquelas necessárias para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
O relatório Emissions Gap Report: a janela que se fecha demonstra que as metas das "contribuições nacionalmente determinadas" desde a COP 26 são insuficientes para se chegar às emissões previstas para 2030, quando se encerra o período dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS.
Comprova que estamos longe da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C, de preferência 1,5°C. As políticas climáticas, atualmente, em vigor apontam para um aumento de temperatura de 2,8°C até o final do século. A implementação das promessas atuais apenas reduzirá isso para um aumento de temperatura de 2,4 - 2,6°C até o final do século.
Concluiu-se que apenas uma transformação no sistema mundial pode gerar os cortes necessários para limitar as emissões de gases de efeito estufa até 2030 em pelo menos 2º C, mesmo se sabendo que uma redução que ficasse acima de 1,5ºC dificultaria a vida humana no planeta.
Hoje em dia, o planeta está 1,15ºC mais quente desde o período industrial de referência, segundo informações recentes divulgadas pela Organização Meteorológica Mundial – OMM, referentes ao ano de 2022.
Em outubro de 2022, a OMM apontou que "as emissões globais se recuperaram com o fim dos 'lockdowns' da Covid-19 ao redor do mundo". O estudo mostrou, também, que a emissão de metano entre 2020 e 2021, atingiu os mais altos níveis desde a medição em 1983. A hipótese para esse aumento seria o próprio aquecimento, que faz o material orgânico se decompor com mais rapidez, liberando metano. O metano já tinha sido alvo de um acordo na COP 26 para sua redução assinado por 120 países, inclusive pelo Brasil. Os demais gases – dióxido de carbono e óxido nitroso – também atingiram recordes em 2021.
A Conferência iniciou-se, portanto, com a informação de que o planeta deveria diminuir 43% das emissões de carbono referentes ao ano de 2019, causadas na maior parte pela queima de combustíveis fósseis, para se atingir no máximo 1,5ºC de aquecimento global. Como a constatação de que tal meta é impossível de ser alcançada sem grandes mudanças os efeitos das promessas de cada país são insuficientes para conter o aumento da temperatura global em direção a graus deletérios para a humanidade e o ambiente que a sustenta. Além disso, há um déficit nos recursos disponibilizados globalmente para a adaptação e mitigação dos impactos climáticos até 2030. O recurso em 2020 foi da ordem de US$ 29 bilhões, quando são estimados valores entre US$ 160 a US$ 340 bilhões.
Propostas de mudanças efetivas chegaram a ser estudadas pelo relatório do PNUMA. Para haver os cortes de emissão deveria ocorrer intervenção nas fontes de energia, na indústria, nos transportes, na construção, na produção de alimentos e, finalmente, no sistema financeiro. Para esse último item, os estudos recomendaram a adoção de preço de carbono, a criação de mercados para tecnologias de baixo carbono e medidas para maior transparência nesse setor.
Apesar desses amplos estudos científicos, a discussão principal da COP 27 voltou-se primordialmente para o item "perdas e danos", que entrou pela primeira vez e oficialmente em uma conferência climática. O destaque, obviamente, foi para o sistema financeiro. A presidência egípcia da COP junto com a equipe britânica da COP 26 encomendou um estudo financeiro para ser apresentado em Sharm el Sheikh: "Finance for climate action: scaling up investment for climate and development", preparado por especialistas em financiamento climático e presidido pelos economistas Nicholas Stern e Vera Songwe. Nicholas Stern, em 2006, afirmou que se os governos agissem contra o aquecimento o custo anual seria de 1% do PIB global, e, caso não o fizessem, o prejuízo seria de 20% do PIB. Isso o capacitou para ser um especialista e propor ações para os próximos anos.
Nesse relatório, a sugestão foi a de que os países emergentes e em desenvolvimento precisariam contar com investidores, países desenvolvidos e instituições públicas e privadas para obter anualmente US$ 1 trilhão em financiamento externo para três frentes climáticas: energia, natureza e adaptação no aspecto de perdas e danos. Os autores não falam em "custos", não usam mais essa palavra, mas a substituem por "investimentos". As decisões financeiras vão sendo tomadas gota a gota a cada ano, há décadas, na proporção inversa das alterações climáticas causadas pelas atividades humanas.
fazendo a egípcia...
O Brasil seguiu representado por três estandes, próximos uns dos outros. O espaço oficial do governo Bolsonaro, cuja grande atração era um audiovisual de imersão nos biomas brasileiros por meio de realidade virtual, tinha 300m³, e contava com setores econômicos, como CNI – Confederação Nacional da Indústria e CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. Mais uma vez a delegação oficial do Brasil foi uma das maiores da COP, atrás apenas da dos Emirados Árabes, e incluía cônjuges, primeiras-damas e assessores diversos.
O segundo estande foi montado em um lugar de 120m³, especialmente para essa COP, pelo Consórcio da Amazônia Legal, grupo dos governadores da região, inclusive aqueles ligados ao presidente, com o intuito de atrair recursos internacionais ligados à redução do desmatamento e da emissão de dióxido de carbono. Essa iniciativa repôs a Amazônia no circuito dos investimentos ambientais. Noutras palavras, em negócios se crê!
Em outro lugar de 150m³, estava o estande multissetorial Brazilian Climate Action Hub, existente desde a COP 25, incubadora de organizações da sociedade civil. Contou com jovens, representantes do movimento negro, quilombolas, indígenas, parlamentares, governadores, membros do governo de transição, do setor privado e da comunidade internacional, além da imprensa. Muitos temas foram abordados nos debates em uma agenda diária cheia: justiça climática; estratégias de financiamento e implementação; caminhos para a descarbonização (sob a ótica da bioeconomia, taxonomias verdes, alianças multissetoriais e internacionais e proteção florestal, entre outros); adaptação, perdas e danos, e impactos nos territórios; florestas; juventude e energia. O intuito central dessas atividades era discutir "como retomar a liderança brasileira na governança ambiental e climática globais".
Pelo circuito entre os três estandes brasileiros, o assunto era o nome de quem seria o próximo Ministro ou Ministra do Meio Ambiente dentre algumas personalidades que por ali circulavam. Além das apostas para esse ou aquele cargo no próximo governo, a representação brasileira fora do governo federal contava com uma grande e aguardada atração: o recém-eleito presidente do Brasil, Lula, convidado pelo Consórcio da Amazônia Legal. Já no discurso feito na noite da vitória nas eleições, Lula prometera: "O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazônica. (...) O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva."
A questão climática apareceu para o futuro governo como chave para o Brasil recuperar o protagonismo no cenário internacional. Em seu primeiro discurso em um importante evento internacional, o presidente eleito confirmou que o clima será destaque em sua gestão. Entre outras medidas, sugeriu sediar a COP 29 na região amazônica, o que foi aceito. A COP 29 será em Belém do Pará em 2025.
Por sua vez, a delegação oficial brasileira chefiada pelo Ministro do Meio Ambiente procurou destacar a limpeza das fontes de energia do país, como a grande característica da imagem que se tentava divulgar do Brasil: a do "desenvolvimento verde inclusivo". Apesar da delegação oficial ter apoiado o financiamento climático, participado ativamente na questão do mercado de carbono, ter assinado com a Indonésia e República Democrática do Congo uma declaração de cooperação pelas florestas tropicais e pelo clima e divulgado compromissos ambientais do agronegócio, os altos índices de desmatamento do período e os chamados conflitos socioambientais barraram a credibilidade do governo federal, já em baixa desde as últimas Conferências das Partes.
Mais uma vez, o país recebeu um prêmio da Rede Internacional da Ação Climática. Não foi o Fóssil Colossal de anos anteriores, mas uma singela "menção desonrosa" por ter aumentado as emissões dos gases de efeito estufa e violado direitos ambientais. Restou ao Ministro do Meio Ambiente, no fim da COP, aproveitar os recursos naturais da península do Sinai e mergulhar para ver os famosos e corais coloridos do mar Vermelho. São considerados por cientistas os corais mais adaptáveis às mudanças climáticas, embora ameaçados pelo turismo que oferece pacotes bem mais baratos que os caribenhos.
O charme do Sheik
No deserto de poucos oásis, miragem muita há. As mais de 20 mil pessoas participantes das atividades da COP enfrentaram filas para comprar água e comida, a altos preços, e enfrentaram assédio policial de funcionários do governo egípcio. Até um riozinho oloroso aflorou na entrada de um dos pavilhões e escorreu, era esgoto.
rumo à metade do século XXI... já!?
O segundo ponto de discórdia, ainda a ser também equacionado em reuniões futuras, refere-se à polêmica envolvendo o acesso aos genomas de milhares de seres vivos que já foram mapeados. Hoje não é mais imprescindível acessar recursos naturais físicos para desenvolver produtos. Isso colide com a Convenção da Diversidade Biológica da ONU, estabelecida na ECO-92, que preconiza o recebimento de recursos por países e povos que tenham sua biodiversidade utilizada, ou que seus ecossistemas prestem 'serviços' na conservação do planeta.
... para daqui a 28 anos ...
Para a metade do século XXI, o primeiro objetivo é a manutenção, melhoria ou restauração da integridade e integração dos ecossistemas mediante o aumento das áreas dos biomas naturais. A taxa de extinção deve então ser reduzida, e a diversidade genética das espécies garantida para que não percam o potencial para adaptação.
Outro objetivo é a valorização das contribuições da natureza, incluindo as funções e os serviços ecossistêmicos, expressa por um gerenciamento e uso sustentável da biodiversidade.
O terceiro objetivo é a partilha justa e equânime dos benefícios monetários ou não do uso dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associados a estes.
Por fim, no meio deste século, os recursos financeiros, a cooperação técnica e tecnológica e científica deverão ser acessíveis a todos os países, e o financiamento das ações voltadas à biodiversidade deverão fechar em US$ 700 bilhões ao ano.
…mas por enquanto….
Para 2030 há 23 metas, agrupadas em três temas: reduzir as ameaças à biodiversidade, atender às necessidades das pessoas mediante o uso sustentável e compartilhamento dos recursos da biodiversidade, elaborar ferramentas e soluções para a implementação das metas.
Brasil ganhou um prêmio!
Na COP 15, o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica foi reconhecido como uma das dez iniciativas mais importantes para a restauração de um bioma, escolhido entre 155 outros candidatos. O objetivo do Pacto é restaurar 1 milhão de hectares de mata até 2030 e 15 milhões de hectares até 2050 — 700 mil hectares já o foram até agora. A iniciativa inclui parte da Mata Atlântica localizada na Argentina e no Paraguai. Isso vai tornar o bioma prioritário na conservação global atraindo financiamento e apoio técnico.
2023
R A D A R
COP 27
Finance for climate action: scaling up investment for climate and development
Relatório da COP27. Parte 2: Ações 1
COP 15
Conclusão da COP15
Conferência da Biodiversidade ONU
Quadro Global da Biodiversidade Kunming-Montreal
Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (documento oficial da COP-15) - EN Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (documento oficial da COP-15) - ES Quadro Kunming-Montreal da Biodiversidade PNUMA
Notícia sobre o final da COP-15, resumos das conclusões.
Relatório IPBES de 2019 sobre biodiversidade (resumo)
IPBES Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services
Pacto pela Restauração da Mata Atlântica
Biologia Marinha
Estratégia e plano de ação nacionais para a biodiversidade (Brasil, 2017) CBD Strategy and Action Plan - Brazil (Portuguese version)
Convenção da Diversidade Biológica
Desmatamento em 2023 no Brasil
O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br
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