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observatório ecopolíticaano V, n. 126, maio de 2023.
ditaduras, militares, missões, PCC e o massacre yanomamirecordações empoeiradas
Em 10 de outubro de 1940, desembarcou, em Manaus, o ditador Getúlio Vargas para pronunciar aquele que ficou conhecido como o Discurso do rio Amazonas.
"Vim para ver e observar, de perto, as condições de realização do plano de reerguimento da Amazônia. Todo o Brasil tem os olhos voltados para o Norte, com o desejo patriótico de auxiliar o surto de seu desenvolvimento. (...) Ao homem moderno está interditada a contemplação, o esforço sem finalidade. E a nós, povo jovem, impõe-se a enorme responsabilidade de civilizar e povoar milhões de quilômetros quadrados, aqui, na extremidade setentrional do território pátrio, sentindo essa riqueza potencial imensa, que atrai cobiças e desperta apetites de absorção, cresce a impressão dessa reponsabilidade a que não é possível fugir nem iludir."
Nos anos posteriores, durante a ditadura Vargas, a data da visita seguiu festejada com desfiles, comemorações e orgulho de grande parte da sociedade civil. A imagem da terra despovoada, pronta a ser colonizada, e onde a natureza deveria ser dominada pelo homem...
Consolidou-se a velha imagem da terra ampliada; manteve-se e conserva-se para além da ditadura.
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Em meio a tanta e ininterrupta produção audiovisual, vídeos de danças, vídeos de como fazer, de como se comportar etc., algumas produções permanecem esquecidas no Arquivo Nacional. Em uma delas, da década de 1970, vemos em pequenas letras logo nas imagens iniciais: "Isento de censura". O vídeo continua e aparece o seu título: "Presidente Médici na Transamazônica".
Junto das imagens de destruição de árvores por tratores, homens cortando a mata e uma estrada empoeirada, o narrador declara: "O presidente Médici vai verificar pessoalmente o andamento da Rodovia da Esperança em várias de suas frentes...". O vídeo então apresenta o militar diante do monumento que marca o início da construção da Rodovia Transamazônica: o Pau do Presidente, como é conhecido, localizado em Altamira (PA). Trata-se do resto de uma enorme castanheira, aniquilada pelas lâminas de uma motosserra para demarcar: “nestas margens do Xingu em plena selva Amazônica, o senhor presidente da República dá início à construção da Transamazônica numa arrancada histórica para conquista e colonização deste gigantesco mundo verde”. O monumento foi restaurado em 2013 e permanece intacto e pronto para ser admirado pelos civilizados.
E segue-se a narração informando os avanços da implementação da rodovia. E seguem-se também imagens do ditador presidente militar em um avião, de militares e toda sua caterva. E o vídeo continua: "a colonização da Amazônia é dificultada pela escassez relativa de transportes. (...) A Transamazônica é um passo imenso na ocupação racional de uma área que se caracteriza por um vazio demográfico só comparável às desoladas regiões polares. (...) Continuemos citando o discurso presidencial: ‘o coração da Amazônia é o cenário para que se diga ao povo que a revolução e este governo são essencialmente nacionalistas, entendido o nacionalismo como a afirmação do interesse nacional sobre quaisquer interesses e a prevalência das soluções brasileiras para os problemas do Brasil'. Dois desses problemas referidos nas falas do chefe do estado são: o homem sem terras no Nordeste e a terra sem homens na Amazônia".
A construção da Transamazônica - integrante do Plano de Integração Nacional que pretendia levar o progresso para todo o país - continuou, juntamente com as torturas de jovens subversivos nos porões da ditadura por todo o Brasil e o desaparecimento ou aniquilação de vários povos indígenas.
A Transamazônica não é considerada um sucesso, seu projeto não foi completamente concluído, somando-se como mais um dos fracassos do "milagre". Sua construção devastou parte da terra que o governo civil-militar declarava ser desabitada e carente de desenvolvimento e de defesa nacional. Dados oficiais declaram que a rodovia atravessou 29 espaços habitados por povos indígenas - naquele momento, ainda havia muitos povos indígenas que não tinham estabelecido contato com a sociedade e com o Estado, como o caso dos yanomami, que vivenciaram os primeiros contatos entre 1910 e 1940.
No ano de 1972, mesmo ano da construção da Transamazônica, o general Ismarth de Araújo declarou que “índio integrado é aquele que se converte em mão de obra”. Qualquer outro indígena que não estivesse nesse rol seria considerado perigoso e alvo dos sanguinários da ditadura.
Articulado com a construção da Transamazônica, o governo militar investiu de outras maneiras na região norte. Em 1974, o Projeto Radam (Radar da Amazônia), também derivado do PIN (Programa de Integração Nacional), localizou jazidas de minério em Roraima. O Projeto usou um radar de visada lateral, tido como um dos mais atualizados da época e que podia fazer imagens tanto à noite, como diante de névoa por usar microondas que conseguiam perpassar as nuvens.
Atualmente, em meio à terra, ao asfalto, à poeira e ao barro, a Transamazônica corta os estados da Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas. Entre asfalto e terra, são mais de 4 mil km.
recordações nem tão empoeiradas...
De acordo com levantamentos de associações indígenas, como a Hutukara Associação Yanomami (HAY), desde a década de 1980 o garimpo está presente no território delimitado como TIY (Terra Indígena Yanomami). Em 1986, Romero Jucá, então presidente da Funai, permitiu o alargamento de uma antiga pista de pouso na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, facilitando a prática do garimpo. A pista tinha sido construída pela Força Aérea Brasileira e estava desativada. Não houve qualquer questionamento da Força Aérea, bem como de Jucá.
Ainda no decorrer de sua presidência da Funai, durante a epidemia de malária, Jucá expulsou ONGs e equipes de saúde que estavam na região onde se encontravam os yanomami. Logo depois de sair da Funai, em 1988, tornou-se governador do estado de Roraima. Posteriormente, antes de se eleger senador, ficou conhecido como o salvador dos garimpeiros. Anos mais tarde, foi ministro da Previdência Social no primeiro governo Lula, de quem também recebeu a condecoração de Ordem do Mérito Militar. Pouco mais de uma década depois, foi ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão no governo Temer.
Os ataques e investidas para exterminar os yanomami não pararam. Durante os anos finais do governo de José Sarney, foram autorizadas as instalações de 18 garimpos no espaço onde estavam os yanomami. De acordo com entrevista de um garimpeiro da época e próximo ao militar ex-vice-presidente, chegou-se à cifra de mais de 40 mil homens devastando aquelaterra. Ao todo eram 410 aviões e 154 pistas de pouso e decolagem localizadas em lugares distintos, além de balsas e barcos disponíveis para os garimpeiros.
Entretanto, em 1992 houve uma diminuição da presença do garimpo por conta da demarcação da terra. Naquele mesmo ano, um crápula, deputado federal branco, que viria a sentar-no-trono-do-palácio em 2019, esgoelou no Congresso: “a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”. E seguiram-se os anos e as negociações democráticas... e o deputado cumprindo seu mandato.
Ainda na década de 1990, um grande incêndio atingiu o território demarcado para os yanomami, fazendo com que as fronteiras acabassem sendo destruídas e a área leste da TIY invadida pelos garimpeiros e que permanecem por lá até hoje.
Em 2019, mesmo ano da execução do cacique Amyra Wajãpi, do povo wajãpi, por garimpeiros no Amapá, a HAY indicava que mais de 20 mil garimpeiros estavam em terras yanomami.
Não se sabe ao certo quantos garimpeiros estão atualmente na TIY. Mas, de acordo com a própria HAY, no ano de 2022 o garimpo cresceu 54%, devastou, deixou sua imundice de lixos, fezes, mercúrio, diesel, gasolina por 5.053 hectares. Ao longo do ano de 2018 foram devastados 1.236 hectares. Ou seja, entre aquele ano e 2022, houve um aumento de 309% de desmatamento. Os dados são coletados pela Constelação Planet, da empresa brasileira Santiago & Cintra Consultoria de Tecnologia do Segmento Geoespacial, que utiliza satélites que detectam com alta precisão o desmatamento exclusivo de garimpo (outros tipos de satélites podem não demonstrar imagens em tão boa resolução).
Um ano depois, em julho de 2020, em uma das tentativas de frear o pauperismo que avançava na TIY, a liderança indígena Dário Yanomami conversou pessoalmente com o militar e ex-vice-presidente da República – atualmente senador. Dário Yanomami teria entregado ao militar um mapeamento de onde estariam os garimpos. O resultado: apertos de mãos e fotos publicadas na rede social do militar. E o pauperismo, fome, contaminação por mercúrio, malária, Covid-19 e tantas outras doenças continuaram a avançar sobre os yanonami. Assim como as violências exercidas pelos garimpeiros e seus comparsas.
produções atuais e sem poeira...
A Escola Superior de Guerra foi fundada entre ditaduras, no ano de 1949, após um militar visitar a escola de guerra dos EUA e fazer uma cópia para o Brasil reproduzindo os discursos estadunidenses pós-guerra de combate à chamada ameaça comunista. A escola se autodefine como o Instituto de Altos Estudos de Política, Defesa e Estratégia, e hoje é parte integrante do Ministério da Defesa do Brasil. De maneira geral, seu objetivo é construir conhecimento estratégico de interesse do exército.
Qualquer um pode consultar as monografias, dissertações e teses que são produzidas pela Escola. Além disso, há até mesmo um periódico, o Caderno de Estudos Estratégicos, para que os militares cumpram as exigências da Capes e façam suas publicações de artigos.
Em uma pesquisa rápida, qualquer um pode localizar a produção dos militares acadêmicos e dos civis que servem a eles.
Nesse acervo, uma monografia, assim como tantas outras, datada de 2020, coloca a Amazônia como cenário de potencial guerra, onde a interferência externa, como a das ONGs, é considerada uma clara ofensiva contra a soberania nacional. Além disso, essa soberania, bem como a defesa nacional, teria problemas visto não haver uma gestão estratégica do território e das fronteiras. Ou seja, seria preciso recrudescer as fronteiras, aumentar a presença das forças armadas e combater qualquer perigo contra a soberania nacional e à Amazônia, referida como o Eldorado Brasileiro.
Em outra monografia de 2014, assinada por um coronel, ex-integrante do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e que clamou por golpe militar no começo do ano de 2023, o militar discorre sobre a ameaça dos indígenas na Amazônia para a soberania nacional. De acordo com ele, defender a Amazônia de ONGs e indígenas é fundamental: "É bastante óbvio que os indígenas não foram colocados deliberadamente sobre jazidas minerais há 4.000 anos. Mas foram lá colocados nas últimas décadas, exatamente pelas citadas ONG e pelos interesses transnacionais, numa tentativa de forjar a caracterização das áreas como terras imemoriais. Para tanto, foram usados artifícios como a já comentada autodeclaração da condição de indígenas, migração e laudos antropológicos sem fundamento”.
Dando continuidade às suas reflexões, o militar acadêmico ainda retoma o conceito antropológico de "nação yanomami", para declarar uma possível formação de um exército que ocuparia o território entre o Brasil e a Venezuela e que daria início a algo como uma guerra civil exigindo independência. Ou seja, um exército yanomami, com financiamento de ONGs nacionais, internacionais e até mesmo de outros governos, entraria em confronto com as forças armadas brasileiras levando a uma guerra nas fronteiras e ruindo a soberania nacional.
Em um artigo publicado no Caderno de Estudos Estratégicos da ESG, há o destaque e a vinculação da conquista da Amazônia pelo exército. Na tentativa do autor – doutor em Ciências Navais, pela Escola de Guerra Naval, mestre em Segurança Internacional e Defesa, pela Escola Superior de Guerra – em demonstrar a importância da defesa nacional para a política externa, declarou que coube às forças armadas a conquista e manutenção da Amazônia brasileira ainda no período colonial.
Esse é um entre tantos outros exemplos em que a Amazônia é tida como algo conquistado e mantido pelas Forças Armadas. Retórica sustentada pelas ações das ditaduras mencionadas anteriormente e reiterada pela produção intelectual dos militares e de seus seguidores.
Dessa maneira, os grandes perigos para as Forças Armadas e para a Amazônia como propriedade valiosa da “soberania nacional” seriam: povos indígenas, ONGs e demais interferências internacionais que não passam por negociações diretas com o Estado.
Pelos fluxos da internet, qualquer combinação de palavras-chave pode localizar a produção acadêmica ou não dos militares. Não há qualquer poeira encobrindo; estão ali para qualquer um ler, compartilhar, curtir, comentar, corroborar...
em meio à poeira há mercúrio, arma, cruzes e muito mais pó
Em julho de 1993, há quase 30 anos, homens invadiram uma região montanhosa, na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, onde habitavam yanomamis. Com armas de fogo e facões executaram 12 indígenas, em sua maioria mulheres, jovens e crianças. Covardes, aproveitaram um ritual yanomami em que os homens guerreiros saíam da aldeia. O mar de sangue perpetrado pelos garimpeiros ficou conhecido como o Massacre de Haximu. Um dos garimpeiros era Pedro Emiliano Garcia, que contratava os serviços do piloto José Donizete do Amaral para sobrevoar toda a região.
O piloto fora responsável não somente pelo transporte de sanguinários, mas também de armas, munições etc. Entre tantas coisas que carregava, uma delas veio à tona quando seu avião caiu: 525 quilos de cocaína. E muitos outros aviões sobrevoaram aquelas terras levando outras substâncias, aproveitando as pistas construídas pelos garimpeiros e a proximidade com a fronteira.
Em um vazamento do WikiLeakes de 2008, documentos sobre o chamado combate às drogas no Brasil vieram à tona. Um telegrama daquele ano revelou que foi enviada uma missão estadunidense para Roraima que pretendia monitorar a fronteira, visto que o Plano Colômbia intensificou o tráfico de drogas na região. Entre relatórios, vazamentos e papeladas, sempre se soube que a fronteira era um escoamento da produção de cocaína.
Entretanto, em meio a atualizações, a região não é somente um caminho para chegar a outro lugar com carregamentos, mas também um local de investimento. Em março de 2021, na região de Waikás, um local que contava com cerca de 2 mil garimpeiros, todos filiados ao PCC (Partido do Primeiro Comando da Capital). No garimpo, não se tratava somente de umas barracas em meio ao massacre da floresta, mas também havia internet wi-fi, consultório odontológico, restaurante, abadá de carnaval do garimpo, panfletos sobre o local e helicóptero. Hoje encontra-se desativado.
A logística de helicópteros e aviões montada para o escoamento da cocaína foi basal para o PCC se estabelecer na região. A extração de ouro passou a ser um investimento fundamental por ser dinheiro de fácil lavagem. Assim, o ouro extraído na região alimenta lojas desde a Ourominas até a HStern – marca conhecida por já ter sido usada por Angelina Jolie e Beyoncé e que possui lojas em Nova York, Moscou e Londres.
Em 2017, o PCC perpetrou uma série de ataques na prisão para tomar a liderança. Somente na penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a maior do estado de Roraima e localizada na zona rural da capital, foram executados 33 homens. De acordo com dados coletados pelo site Amazônia Real, inúmeros diálogos grampeados pelo Ministério Público de Roraima indicavam o alastramento do PCC para as regiões de garimpo.
De acordo com um garimpeiro entrevistado pelo site, o PCC controla a subida dos rios com a cobrança de pedágios, e só são autorizados a garimpar aqueles que tiverem a permissão da organização. Somado ao ganho do território, o PCC também está em tensão e conflito com os próprios garimpeiros. Além disso, as agitações na região norte não são somente na fronteira com a Venezuela. No tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, as ofensivas são constantes entre o PCC e a FDN (Família do Norte, aliada do Comando Vermelho). Esses ataques também derivam do ano de 2017, quando ambas as organizações entraram em conflito no Complexo Penitenciária Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, resultando na morte de 60 homens.
Sobre a presença do PCC na TIY, o presidente do Fórum de Roraima declarou que a culpa das mortes na região seria das ONGs, acusadas de levarem armas aos indígenas que passaram não mais a negociar e a trabalhar junto com o garimpo, mas a atacar para, supostamente, cobrar valores mais altos para travessias pelos rios. Ainda de acordo com ele, ser ou não do PCC é somente uma questão acidental dos garimpeiros, que são trabalhadores como qualquer um. No ano de 2019, um relatório preliminar da Funai indicou que um batalhão do exército prendeu uma embarcação com R$ 2.650,00, ouro, crack, pasta base de cocaína e munições. Um dos pilotos da embarcação, além de tudo, era primo de um dos soldados que estava na operação. Esse é somente um dos exemplos insignificantes da ligação entre os militares e os garimpeiros nas terras Yanomami e das ligações entre eles e as empresas do tráfico de drogas que circulam pela região da TIY.
Em outras declarações presentes no relatório, demonstrou-se ligações de parentesco entre militares do Sétimo Batalhão de Infantaria da Selva (BIS) com garimpeiros. Assim, cabia aos militares passar as informações das ações de combate ao garimpo para os seus familiares, em troca de propina, que poderia ser em ouro ou drogas. A comunicação ocorria por meio de um grupo no WhatsApp, onde os militares avisavam quando aconteceria uma incursão do exército na Terra Indígena Yanomami. Dessa maneira, mesmo que a operação fosse inesperada, ou de última hora, a comunicação instantânea permitiria a todos serem notificados e se proteger.
O CV também faz seus negócios pela TIY. Apesar de boa parte estar sob controle do PCC, o CV atua em Macajaí e Alto Alegre e opera mais com o transporte aéreo de substâncias utilizando as pistas dos garimpeiros do que no garimpo efetivamente, ou na prestação de serviços para os garimpeiros como realiza a sua concorrente.
Enquanto isso, os ataques violentos contra os yanomami não pararam. No ano de 2021, a Frente de Proteção Yanomami e Ye’kuana – pertencente à Funai – declarou que garimpeiros do PCC atacaram a comunidade Palimi ú, na TIY. Sete embarcações invadiram o local, furaram uma barreira e atiraram em quem estava por ali. Não foi registrado o número de mortos.
Em outubro de 2022, três yanomami transitavam pelo rio Uraricoera em uma canoa durante a madrugada quando foram interceptados por garimpeiros em duas embarcações que abriram fogo contra os três. Um deles morreu na hora, um ficou gravemente ferido e um conseguiu fugir ao mergulhar no rio e despistar os garimpeiros.
Em abril de 2023, a comunidade Uxiú, pertencente à TIY, foi invadida por garimpeiros em uma tarde de sábado. Os alvos eram três jovens yanomami, um deles, o agente de saúde da comunidade, foi executado. Ao contrário do começo do ano – quando inúmeras fotos de crianças, homens e mulheres yanomami em pele e osso ganharam as redes sociais e a grande mídia –, a notícia da invasão rendeu uma ou outra nota em jornais locais.
Não somente as organizações empresariais como PCC e CV se fazem presente na TIY, mas também missões evangélicas. Vale recordar que no último governo a presidência da Funai foi do pastor Ricardo Dias, próximo à então ministra e hoje senadora que não veste azul. Diante dos olhos dos pastores e missionários evangélicos, o garimpo crescia e seguia-se o extermínio. Estava em jogo manter a marcha evangélica e civilizatória sobre os indígenas, ou seja, a conversão de fiéis e de mão de obra. Diante de críticas e denúncias realizadas por lideranças indígenas sobre o pauperismo dos povos indígenas, a Funai saiu em defesa do então presidente, culpabilizando ONGs internacionais e retomando o discurso de defesa da soberania nacional.
A organização Missão Caiuá – cujo lema é “a serviço do índio para a glória de Deus” –, que em tese apenas contrata médicos e enfermeiros para atender os povos indígenas, nos últimos quatro anos recebeu quase R$1 bilhão, quase 1/6 do orçamento-miséria destinado aos programas de saúde para os povos indígenas. De todo o montante recebido pela Missão, pouco mais de R$ 50 milhões foram destinados aos yanomami no ano de 2022, ou seja, após os anos mais severos da chamada pandemia de Covid-19. O gasto da verba foi declarado como para burocracias e serviços, de acordo com os indígenas. Leia-se: aluguel de helicópteros, aviões, uso de pistas... todos pertencentes aos garimpeiros.
E seguem e seguirão muitos outros ataques e missões à TIY. Poucos são os ataques noticiados na mídia. Como constatou o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, que também contribui para o site Amazônia Real, a cobertura de notícias sobre a Amazônia é precária, ou melhor, interessada em outros assuntos que não os povos indígenas. Não há nem mesmo o interesse em levar jornalistas para o estado para cobrir notícias... Em uma época de comunicação simultânea e contínua, o que não dá em compartilhamentos e views, não tem tanto interesse assim. Por vezes, evidenciam, como no início de 2013, o rentável macabro como com os inúmeros compartilhamentos de cadáveres yanomami, em sua maioria, crianças. Mais uma violência contra essa cultura, seus mitos e ritos em relação à imagem e ao destino de seus mortos. Enquanto isso, escorre sangue em meio à poeira de estradas e pistas, bíblias, aviões, mercúrio, gasolina, fezes, tiros e óleo diesel dos garimpos e garimpeiros.
R A D A R
Radar Médici na Transamazônica e Rodovia Transamazônica, Início da construção Presidente Médici 1970.
“Relatório aponta militares comprados pelo garimpo na TI Yanomami no início da gestão Bolsonaro”.
WikiLeakes – vazamentos Brasil.
Violência e custos limitam reportagens sobre a Amazônia | Agência Brasil (ebc.com.br)
“Como Bolsonaro gastou os recursos da saúde indígena e ONG evangélica ganhou R$842 milhões”.
O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br
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