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observatório ecopolítica

ano I, n. 16, agosto, 2016.

 

Monitoramentos siderais para a expansão do universo


Expansão é o termo a que as atuais sociedades recorrem para descrever o deslocamento de sua cosmologia e diferenciá-la do estático mundo infinito dos modernos. Além da expansão atestada pela velocidade de distanciamento das galáxias, tal como mensurou o astrônomo Edwin Hubble, o universo também se expande na medida em que não se para de produzir informações sobre ele.


Dentre os campos da Astronomia mais profícuos em criação de dados sobre o universo está a exoplanetologia, ciência interdisciplinar voltada para o estudo de planetas que orbitam estrelas de outros sistemas que não o solar, conhecidos como extrassolares ou exoplanetas. Dentre os campos de saber que incorpora está a Astrobiologia ou Exobiologia, em que o conhecimento ecológico se expande para os fenômenos cósmicos e exoplanetários em busca de ambientes que possam suportar a vida terrestre.


De acordo com o The Extrasolar Planets Encyclopaedia, 1.412 exoplanetas foram detectados no período de janeiro a agosto de 2016. Este banco de dados planetário contém atualmente 3.508 referências de planetas extrassolares, identificados desde 1995, ano em que astrônomos descobriam o primeiro planeta fora do sistema solar.


Outro catálogo especializado em exoplanetas é o The Exoplanet Data Explorer, que em sua última atualização, computava 5.454 planetas, sendo 2.503 ainda “candidatos” ao título de planeta extrassolar. Detectados pelo Observatório Espacial Kepler, estes ainda precisam de mais informações para que tenham sua existência confirmada.


O Observatório Espacial Kepler, criado pela NASA especialmente para encontrar exoplanetas, entrou em operação em 2009. Sua tarefa é se manter apontado para uma mesma direção com a finalidade de monitorar o brilho de 150 mil estrelas em uma pequena região equivalente a 0,0025 da abóbada celeste, localizada entre as constelações de Cisne e Lira.


Kepler detecta a existência de um planeta por meio do método de trânsito, ou seja, é capaz de reconhecer a alteração no brilho de uma estrela causada pela recorrente passagem de um corpo celeste em sua frente.


Ao longo dos quatro anos de sua missão, o Observatório Espacial Kepler descobriu mais de 2.300 planetas e forneceu dados estatísticos que permitiram aos astrônomos estimar a frequência com que planetas com as mesmas características da Terra poderiam ser encontrados no universo, a uma distância semelhante à da Terra em relação ao Sol. De acordo com os dados fornecidos pelo Kepler, os astrônomos supõem que, em média, uma em cada cinco estrelas como o nosso Sol possui um planeta como a Terra. Isto significa que apenas na nossa galáxia, a Via Láctea, podem existir bilhões de planetas como a Terra. Essa estimativa faz do nosso planeta algo um tanto quanto comum no universo.


Com o observatório espacial Kepler, implantou-se um “modo industrial” de detecção de exoplanetas. Antes de suas informações estarem disponíveis, poucos exoplanetas eram descobertos por ano, pois dependiam exclusivamente de observações realizadas do solo. No final dos anos 1990, não mais que 10 eram descobertos por ano. Na década seguinte, as descobertas atingiram o patamar de dois dígitos, não passando de 84 detecções em 2009. A década atual já começou computando detecções na casa dos três dígitos e que chegaram ao total de 189 realizadas em 2013, sendo que quase metade delas foi registrada pelo Kepler. Em 2014, o número de planetas descobertos atingiu 841, e a grande maioria (743) foi detectada pelo Observatório Espacial Kepler. Neste ano de 2016, ele já detectou quase 1.300 planetas.


Um defeito nos equipamentos responsáveis pela estabilização do observatório Kepler não o impediu de ser utilizado, a partir de 2014, em uma segunda missão chamada de K2. Desta vez, os engenheiros da NASA aproveitaram a falha técnica para, a cada 80 dias, apontar o observatório para diferentes direções das constelações do zodíaco. Na primeira divulgação, com base em dados coletados durante a missão K2, realizada em julho passado, os astrônomos anunciaram a detecção de 104 planetas. Astrônomos da Universidade do Arizona acreditam que o Kepler poderá detectar de 500 a 1.000 exoplanetas nesta sua sobrevida.


A partir da missão K2, o observatório espacial passou a focar sua busca por planetas em estrelas mais brilhantes e que não estejam tão longe, mas a uma distância que permita estudos posteriores mais aprofundados sobre a composição dos planetas, de suas atmosferas, sobre a existência de água em estado líquido na sua superfície e, talvez, encontrar indícios da existência de vida em algum deles.

 

Ampliações dos monitoramentos



O investimento na busca por planetas extrassolares e, mais especificamente, por exoplanetas semelhantes à Terra, que possam conter vida devido às suas boas condições de habitabilidade, tem no observatório Kepler apenas o início de um projeto em que os EUA estão muito interessados. Depois das constatações do Kepler, a NASA divulgou que pretende lançar, em 2017, o satélite TESS para dar continuidade ao mapeamento, concentrando-se em estrelas e planetas mais próximos à Terra.


Para 2018, é esperado o lançamento em órbita do Telescópio Espacial James Webb, que terá um espelho segmentado de 6,5 metros, praticamente o triplo do espelho acoplado ao telescópio espacial Hubble. A partir de então, os astrônomos poderão contar com este supertelescópio posicionado na órbita terrestre para examinar se os planetas possuem ou não condições de habitabilidades como as observáveis na Terra e, assim, buscar indícios de existência de vida pelo universo.


Quando prontos, TESS e James Webb deverão trabalhar juntos. Enquanto o TESS localizará os exoplanetas, o Webb será capaz de detectar os gases na sua atmosfera. Portanto, além de verificar se o planeta é rochoso, se ele se encontra a uma distância de sua estrela semelhante à que a Terra está de seu Sol (o que pode indicar a existência de água em estado líquido e temperaturas próximas às encontradas na Terra), testes poderão verificar a presença de gases como o metano, que reforça a possibilidade do planeta conter vida parecida com a que se desenvolveu na superfície terrestre.


O método para se conhecer a composição da atmosfera de outros planetas data dos anos 1960 e foi idealizado pelo cientista britânico James Lovelock, conhecido por ter elaborado a Hipótese Gaia, no final dos anos 1970, declarando que o planeta Terra seria um organismo vivo. Quando ainda era pesquisador do Jet Propulsion Laboratory, um dos mais importantes centros de pesquisa da NASA, sediado em Pasadena, na Califórnia. Lovelock desenvolveu um dispositivo a ser embarcado nas sondas Mariner que a NASA havia projetado para explorar a atmosfera de planetas do sistema solar.


Naquela época, Lovelock sabia que não seria necessário ir a Marte para verificar se aquele planeta possuía alguma forma de vida, bastando a análise de sua atmosfera com a auxílio de interferômetros acoplados a telescópios localizados na superfície da Terra. Estes instrumentos permitem reconhecer, a assinatura das moléculas por meio das ondas eletromagnéticas, revelando assim a identidade dos compostos, mesmo que estejam muito distantes.


Ao analisar os dados obtidos da atmosfera de Marte por telescópio, Lovelock teve certeza da impossibilidade de haver vida na superfície daquele planeta. Conforme mostraram as detecções, Marte possui uma atmosfera majoritariamente composta por dióxido de carbono e marcada por um constante equilíbrio químico, muito diferente da atmosfera terrestre, que é extremamente instável e tem baixíssimas porcentagens de dióxido de carbono (0,04%) e metano (0,0002%). Estes gases são extremamente reagentes, e para que estejam presentes na atmosfera é necessário serem produzidos a todo momento. A sua produção constante é o que permite confirmar a existência de vida na Terra, pois eles são liberados como resultado da atividade metabólica.


A busca por exoplanetas similares à Terra também será reforçada pela instalação de novos e superpotentes telescópios em solo terrestre. Na década de 2020 passarão a funcionar os grandes telescópios terrestres, como o European Extremely Large Telescope, do Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês), que está sendo construído no Cerro Amazones, na região do deserto do Atacama, no Chile, e o Telescópio Gigante de Magalhães (GMT), também na região do Atacama chileno, que pertence ao consórcio formado por universidades estadunidenses e pelo Carnegie Institution de Washington. Este consórcio ainda é integrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o que permitirá a realização de observações por pesquisadores brasileiros.

 

Novas Terras?


Enquanto os novos equipamentos espaciais da NASA e os grandes telescópios terrestres ainda não estão disponíveis para a detecção de exoplanetas em estrelas próximas ao sistema solar, a procura por novas Terras, mesmo a milhares de anos-luz de distância, não finda. O monitoramento de forma mais programática de possíveis Terras existe desde 2011 e é realizado pelo Planetary Habitability Laboratory, da Universidade de Porto Rico, em Arecibo.


Voltado para o estudo e pesquisas sobre habitabilidade da Terra, do sistema Solar e de exoplanetas, o laboratório produz o Catálogo de Exoplanetas Habitáveis (Habitable Exoplanets Catalog), que analisa dados de detecção de exoplanetas divulgados por astrônomos em revistas científicas para atribuir às novas descobertas índices de similaridade com a Terra, que varia de 0 (zero) a 1 (um). Para aferir este índice, são consideradas como variáveis o raio do planeta, sua densidade, a velocidade de escape de sua atmosfera e a temperatura de sua superfície. Os criadores do índice afirmam que planetas cujos índices possuem valores acima de 0,5, são potencialmente habitáveis, podendo abrigar, ao menos, vida bacteriana. Com valores acima de 0,8, são planetas que comportam vida mais complexa, a multicelular.


Na última atualização do catálogo, em 19 de agosto de 2016, 42 planetas fora do sistema Solar são apontados como potencialmente habitáveis. Destes, 13 possuem tamanho aproximado ao da Terra e 29 são maiores que a Terra, por isso são chamados de super-terras.


Dois exoplanetas estão empatados no topo do ranking da habitabilidades: os planetas Gliese 667 Cc e Kepler 442b. Ambos têm como índice de similaridade com a Terra 0,84. Tratam-se, portanto, de exoplanetas que comportariam “vida complexa”.


Dos dois exoplanetas, Gliese 667 Cc é o que está mais próximo da Terra, a 22 anos-luz, e pertence ao sistema de sete planetas que orbitam em torno da estrela Gliese 667C. Localizada na constelação de Escorpião, esta é uma anã vermelha, estrela menor e mais fraca que o Sol, e que, junto a mais duas outras estrelas, compõe um sistema estelar triplo. Os astrônomos consideram que o exoplaneta pode ser rochoso e se encontrar na zona habitável do sistema estelar de que faz parte, o que hipoteticamente permitiria a existência de água em estado líquido na sua superfície. Ele foi detectado em 2011 por um grupo de astrônomos franceses, suíços e portugueses, com base em dados captados pelo instrumento denominados HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher), instalado no Telescópio La Silla, do ESO, no Chile.


O exoplaneta Kepler 442b foi detectado em 2015, em uma leva de 20 exoplanetas registrados a partir de dados coletados pelo Observatório Espacial Kepler e analisados por astrônomos estadunidenses. Ele está extremamente longe... a 1.120 anos-luz, orbitando no interior da zona habitável da estrela Kepler 442, localizada na constelação de Lyra. Kepler 442b é um exoplaneta quase do tamanho da Terra (1,34 vezes maior) e possui massa equivalente a 2,34 massas terrestres. Trata-se de um planeta rochoso e que poderia conter água líquida em sua superfície. Ainda, em relação à temperatura em sua superfície, Kepler 442b parece ser muito parecido com a Terra.


Nunca se monitorou tanto o universo como no início do século XXI. Até os anos 1990, esta era apenas uma possibilidade aventada muitos séculos antes por Giordano Bruno, o que lhe custou a vida. Instrumentos cada vez mais sofisticados são empregados para varrer o cosmos em busca de estrelas e planetas; tecnologias que inclusive não estão mais presas à superfície terrestre, mas já ocupam a órbita terrestre.


Estes investimentos em monitoramentos siderais confluem para um mesmo objetivo: encontrar planetas que possuam condições favoráveis para o desenvolvimento ou para abrigar a vida. É preciso rastrear o universo e procurar nas estrelas mais distantes e nas mais próximas por outras Terras, pois se crê na probabilidade que possam existir aos milhares.


E para quê buscar outras Terras?


Há vários motivos: para verificar se a vida surgiu em outro local, para responder se estamos ou não sozinhos ou mesmo para que possam servir de refúgio caso a Terra se torne incompatível com a vida. Porém, enquanto não houver tecnologias que permitam viagens interespaciais para novas Terras, interessa monitorar estas projeções celestes para que a ciência possa aprender mais sobre elas e, ao mesmo tempo, sobre o nosso próprio planeta e como devemos ser governados em função da governança global.





R A D.A.R


The Extrasolar Planets Encyclopaedia
http://exoplanet.eu


The Exoplanet Data Explorer
http://www.exoplanets.org


Artigo de James Lovelock
http://migre.me/uKOto


Catálogo de Exoplanetas Habitáveis
http://phl.upr.edu/projects/habitable-exoplanets-catalog


Gliese 667 Cc
http://arxiv.org/pdf/1111.5019v2.pdf


Kepler - 442b
http://arxiv.org/abs/1501.01101


Altave.
http://www.altave.com.br/


Infográfico Eros-B.
https://cdn2.defesaaereanaval.com.br/wp-content/uploads/EROS-B.jpg

 

Panasonic em Sochi.
https://www.panasonic.com/global/olympic/sochi/solution/security.html

 

ICC-RJ.
http://migre.me/uKOvE

 

Paul Goodman. Can technology be humane? 1969.
http://www.nybooks.com/articles/1969/11/20/can-technology-be-humane/

 

Elisée Reclus. Evolution and revolution.
http://theanarchistlibrary.org/library/elisee-reclus-evolution-and-revolution


 

Olimpíadas e os negócios de monitoramentos


No começo de 2016, a Panasonic realizou o Olympic Seminar, destinado aos organizadores das Olimpíadas e seus patrocinadores. Ali apresentou os equipamentos que levou às Olimpíadas Rio 2016. A empresa japonesa é parceira do evento olímpico desde 1988 e teve seu contrato renovado até 2024.


Para as Olimpíadas no Rio foram fornecidos projetores para a abertura, câmeras para “tira-teimas” e broadcasts, telões, monitores, sensores, lâmpadas de LED, painéis solares... A Panasonic ainda é a responsável pela instalação e manutenção de equipamentos para segurança, como câmeras e gravadores. A partir da captação das imagens em alta resolução e de áudios nos locais onde ocorrem competições, monitoram-se todas as movimentações durante as Olimpíadas.


A quantidade de equipamentos instalados para os monitoramentos não foi divulgada, mas sabe-se que nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, uma das referências para a segurança do Rio 2016, foram utilizadas quase 7000 câmeras somente para segurança.


As câmeras realizam reconhecimento facial e, além de localizar pessoas com fotografias pré-cadastradas, detectam um rosto captado durante a gravação ou em outros vídeos. Estes equipamentos ainda processam o número de pessoas em uma filmagem, o sexo e a possível idade de cada um.


O espaço aéreo também foi monitorado por contratos com Israel. O satélite Eros-B de baixa altitude fornece uma camada de proteção. Apelidado de “anjo da guarda” das Olimpíadas no Rio, o satélite transmite imagens de qualquer objeto ou pessoa que esteja no mínimo a 50 cm em relação ao chão. O acordo não se deteve à Olimpíada; esta é apenas a sua fase de teste e implementação, posto que o satélite será deslocado, posteriormente, para o monitoramento das fronteiras.


O mesmo acontece com os 4 balões estacionários que sobrevoaram o Rio de Janeiro e cobriram uma área de 40m², testados no Iraque e no Afeganistão, e chamados de um “Google Earth ao vivo”. Desenvolvidos pela startup Altave, de São José dos Campos, com financiamento da FAPESP, os balões levam câmeras de alto alcance e resolução desenvolvidos pelo exército estadunidense. Podem ser usados por até 72 horas e serem recarregados em apenas 15 minutos. Após as Olimpíadas, os balões ficarão na cidade do Rio de Janeiro.


As imagens dos balões são enviadas para o Centro Integrado de Comando e Controle Regional (CICC), instalado em 2013, e que articula as várias polícias. O centro foi testado e aprimorado durante a Copa das Confederações ao coordenar a segurança das cidades-sede e monitorar as manifestações de junho de 2013.


Os balões são tidos como uma das grandes iniciativas para a segurança em grandes eventos. Representantes de Tóquio, que sediará os próximos Jogos Olímpicos, e do Qatar, que sediará a Copa do Mundo de 2022, estiveram no Rio de Janeiro para conhecer mais sobre o equipamento.


As câmeras da Panasonic, as imagens detalhadas via satélite e as filmagens de balões dinamizam a formação de bancos de dados. Não se trata de monitorar um ou outro indivíduo suspeito, mas constituir um banco de dados com informações sobre todos, alimentado simultaneamente à captação das imagens. Todas as ações são monitoradas, sejam suspeitas ou não


Somados aos equipamentos, a Força Nacional, polícias e segurança privada, operaram robôs antibombas, equipamentos para descontaminação imediata em caso de ataques biológicos, detectores de partículas químicas, laboratórios móveis para análise de material químico...


O monitoramento é o maior legado das Olimpíadas. E, sem questionamentos, os aparelhos são inseridos em nome da segurança de cada um, da cidade, do país. Acostuma-se e deseja-se ser monitorado o tempo todo e exige-se mais polícia, seja de onde for. São os instrumentos tecnológicos para cuidar da vida de cada um sob controles e que viabilizam as tecnologias políticas de governo.





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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