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observatório ecopolítica

ano I, n. 17, agosto, 2016.

 

Olimpíadas: reportagem paquiderme


Final de olimpíadas. Início de paralimpíadas prevista para setembro. Nada de ameaça de Estado Islâmico, exceto pelas suspeitas de elementos localizados pela segurança dias antes do evento e cujos desdobramentos quase nada se sabe.


Tudo funcionou como o previsto.


Abertura mais moderna, com a cultura brasileira de Ari Barroso a Caetano Veloso, Baden Powell e Vinícius de Morais, hip hop, funk, coreografias, “País Tropical” e muita alegria e esquenta saudando as melhorias de vida dos pobres, a segurança e o conformismo: “Eu só quero é ser feliz/Andar tranquilamente na favela onde eu nasci,/E poder me orgulhar/E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”. Tudo com muita projeção de imagens e Santos Dumont, “nossa mãe da invenção”, segundo canção de Arrigo Barnabé e Carlos Rennó, com a participação de Paulinho da Viola, que se prestou a cantar o Hino Nacional. Teve a Garota de Ipanema, a poderosa-empoderada da favela e o pagode. E com direito à tocha olímpica democrática e descentralizada que não ficou no Maracanã, nem no Engenhão, o estádio Olímpico, mas acesa na Candelária para ser vista por todos (todos aqueles que não tinham dinheiro para pagar por um ingresso).


Encerramento convencional com toda alegria, artesanatos, e samba com escolas sustentáveis, recicláveis e chuva. E mais prêmios filantrópicos a quem ajuda os pobres. Para efeitos de mídia, abertura e encerramento quase irretocáveis no Maracanã. Como foram quase impecáveis as habitações e áreas da Vila Olímpica, passado os contragostos de inauguração. O Brasil soube fazer! Tudo funcionou como se deve em megaeventos captados pelas lentes televisivas orquestradas pela milionária NBC estadunidense e completadas pelas câmeras Globo/SportTV. O delegado presidente interino do país compareceu à abertura e desejou ser tragado pela poltrona onde sentou sisudo e impassível. Não foi ao encerramento, temeroso de vaias, e na mesma poltrona esteve o presidente da Câmara dos Deputados, quase invisível. E tudo se acabou no domingo em samba-enredo.


Tentaram impedir exibição de cartazes e faixas, mas não deu muito certo. De repente se via um cartaz minúsculo, que passou pela vistoria prévia, protestando contra o possível impeachment da presidente. Os condenados gestos de atletas considerados políticos em outras olimpíadas, agora foram enaltecidos. Em 1968, no México, atletas pretos que saudaram o hino estadunidense com os punhos cerrados dos Black Panthers, foram imediatamente banidos da Vila Olímpica. No Rio, em 2016, atletas nacionais foram aclamados batendo continência, medalhados e lacrimosos, ao som do hino. Financiados pelo Estado, eles retribuíram com glória à paz, aninhados no programa de alto rendimento criado pelo governo federal em 2008 para melhorar a imagem das Forças Armadas.


As transmissões midiáticas brasileiras enfatizaram a presença da família, da religião, do patriotismo e da segurança no comportamento dos seus atletas, não necessariamente nesta ordem, mas sem esquecer nenhum dos quatro elementos recomendados à boa conduta cidadã.


A cidade do Rio de Janeiro ganhou BRT (Bus Rapid Transit) e VLT (Veículo Leve sobre Trilhos); o centro foi restaurado pelo programa de revitalização, incluindo inúmeras assepsias, dentre elas a da antiga zona portuária, pelo projeto Porto Maravilha, onde se encontra o Museu do Amanhã; um punhado de prédios novos na Vila Olímpica para continuidade do empreendimento imobiliário; a já conhecida UPP continua com seus altos e baixos; hotéis estiveram lotados e pesquisas indicam que a cidade continua sendo um lucrativo lugar turístico.


E teve muito argentino, como na Copa do Mundo, e muitos latinos como nunca se viu antes em uma Olimpíada. Muita gritaria, vaivém, ufanismos patrióticos, enaltecimentos de recordes, culto ao mesmo homem mais rápido da Terra pela terceira vez... Sussurraram alguns pedidos de silêncio para garantir a concentração dos atletas alta performance e de altíssimo rendimento; zuniram algumas vaias, e lá estavam também facções de torcidas uniformizadas, muitas camisas de clubes (em crianças, jovens adultos e idosos), e toda aquela gente comendo e bebendo o que a concorrência vencedora do edital decidiu que todos os pagantes deviam comer e beber. .


Segurança a toda prova. As entradas para o Parque Olímpico e demais áreas de competição seguiram a modulação do campo de concentração: entrar e sair pelo mesmo portão. Lá dentro, as arenas, o velódromo, quadras de tênis, complexos de piscinas... ou seja, os pavilhões todos bem monitorados. Havia segurança polícia, força militar, sensivelmente disfarçados de voluntários e à paisana. Muitos voluntários felizes, informando, comunicando, atendendo. Todos os pagantes passando alegremente pelas cabines de vistorias. Todos se sentindo seguros de ameaças terroristas. Todos no grande evento de congraçamento de paz cercados de forças armadas e polícias. Muitas medalhas de ouro, prata e bronze e alguns atletas obtendo seu melhor resultado ou simplesmente declarando que o importante era estar nas Olimpíadas. Uns retornarão em Tóquio, outros se despediram e outro tanto ficará à espera, como muitos atletas russos pegos em dopping anteriormente ao evento.


Tudo isso é simplesmente constitutivo do evento que para obter sucesso deve ter as surpresas e as decepções esperadas, assim como as pequenas trapaças que atletas olímpicos também fazem (foi numa dessas que o Brasil ganhou mais uma medalha de bronze).


O trânsito ficou muito pior do que era. Havia a faixa exclusiva (verde) para a programática da olimpíada. E foi um tal de zona sul, linha vermelha e amarela ficarem com congestionamentos incríveis. Mas tinha metrô e BRTs lotados de gente contente amassada em seus interiores, nas estações. Amassados em seus interiores extravasavam alegrias, até que certo dia alguém escandalizou ao bradar que por haver um transporte público assim tão medonho de cheio é que se entendia melhor o black bloc. Por um instante prolongado se fez silêncio! Por medo ou por reflexão, não se saberá! Tinha ônibus especial para terceira idade, deficientes e crianças que atendia somente o povo que vinha da zona sul transportando-os da estação à porta do parque Olímpico. Aos demais, andar muito! Questão de segurança e de saúde, afinal, nada como dar uma bela caminhada para assistir competições de alto rendimento.


Pela divulgação da mídia parece que somente atletas desinformados tentaram cometer infrações neste país pouco sério para muitos estrangeiros. Parece que tudo transcorreu em paz, com pequenos furtos, muita droga circulando, mas tudo sob as vendas das autoridades. E tudo muito caro: hotéis, comidas, bebidas e...


Havia também megastores que exigiam a formação de filas (intermináveis) para o pagante dos jogos comprar suas lembrancinhas. E sob o sol a pino ou chuva, os pagantes cidadãos seguros e conformados lá permaneciam esperando sua vez de comprar. Sempre ordeiros em filas, sentadinhos nos seus assentos ou saltitando felizes pelas dependências porque eram os privilegiados a comparecer ao milionário evento. E quase todos com seus celulares reluzentes fazendo selfies infindáveis, fotografando em volta, gravando seus vídeos particulares para postar em redes de relacionamento e certificando a todos que eles e elas lá estavam. A polícia montada – pronta a meter as patas de cavalos no primeiro tumulto – tiravam fotos com as crianças em um momento de descontração, louvando o amor da população pela corporação Foi também a olimpíada da diversidade sexual. Tudo muito comportado, marcando uma presença inédita e sem os preconceitos estampados nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, em 2014. Afinal, no país tropical do carnaval, este trânsito é livre (ou quase livre) em eventos similares.


Depois de tudo isso a cidade voltará ao normal (sic), o Estado conhecerá seu presidente não mais interino, a Lava Jato e similares continuarão a campanha pela punição e a delação premiada in progress, realizando mais uma façanha da racionalidade neoliberal em reduzir custos de Estado como se houvesse Estado sem corrupção. E os cidadãos, onde estiverem, continuarão a crer na segurança de Estado e em suas funções de cidadão-polícia? Os protestos acanhados voltarão a brilhar? Haverá outras Irenes com humor suficiente para inventar tocha olímpica com vassoura acesa? Onde estará o fogo, ou ele estará restrito à metáfora olímpica?


Neste planeta globalizado em função da sustentabilidade, indígenas e pretos ainda se contentarão com aparições espetaculares e folclóricas pelas mídias? Será que os cidadãos se lembrarão da história oculta e evitada na abertura dos jogos olímpicos no Maracanã? Qual? A dos imigrantes europeus que trouxeram as primeiras lutas operárias para o Brasil. Não temos mais operários, nem trabalhadores? Apenas capital humano colaborativo, festivo e conformista que só quer ser feliz e ter um lugarzinho?


Ah, tudo isso é também um pouquinho de Brasil, que canta, não tem medo de fumaça e não se entrega não! Enfim, na voz da Elza Soares: coitado do homem que cai no canto de Ossanha, traidor!Nada de mandinga de amor, só aplicativos?


O evento acabou até o próximo que já começou e será no Japão, também muito engraçadinho, arigatô, né?.


É assim que deve ser, leve, no presente, com o passado repaginado, para um futuro melhor. E haja paciência! Não, recomenda-se, ao contrário, tolerância e muita resiliência. Nada disso de revolta e resistências, pero que las hay, las hay.





R A D.A.R


Próxima Terra.
http://www.nature.com/news/earth-sized-planet-around-nearby-star-is-astronomy-dream-come-true-1.20445


A Europa curvou-se ante o Brasil.
http://carlosrenno.com/musica/musica-de-arrigo-barnabe/


Museu do Amanhã.
https://www.museudoamanha.org.br/


Programa Atletas de Alto Rendimento
http://jogosmilitares.defesa.gov.br/institucional/programa-atletas-de-alto-rendimento


Sport. Encyclopedie Anarchiste.
http://www.encyclopedie-anarchiste.org/articles/s/sport.html


Mikhail Bakunin. La cienciay la urgencia de la labor revolucionaria. 1870.
http://es.theanarchistlibrary.org/library/mijail-bakunin-la-ciencia-y-la-urgencia-de-la-labor-revolucionaria


Paul Goodman. Some remarks on war spirit. 1962.
http://theanarchistlibrary.org/library/paul-goodman-some-remarks-on-war-spirit/





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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