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observatório ecopolítica

ano I, n. 18, setembro, 2016.

 

Gestão ambiental de uma agenda planetária


Em maio de 2016, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicou um relatório anual referente ao período de 2014-2015, em que expõe seus projetos no Brasil. Tendo em vista o slogan do PNUD – “empoderando vidas, fortalecendo nações” –, o relatório faz um balanço geral da substituição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para a nova Agenda 2030 (concentrada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS), e chama atenção para uma ampliação da “transversalidade do tema desenvolvimento”, com os ODS, tanto em relação às áreas de atuação do Programa, como à consolidação de parcerias estratégicas, principalmente com o setor privado e com a chamada sociedade civil.


Segundo o relatório, um dos grandes investimentos do PNUD em oportunidades para que as pessoas e, consequentemente, os Estados se comprometam com o “crescimento inclusivo e sustentável”, deu-se por meio do projeto Gestão Ambiental e Territorial Indígena (GATI). Este incluiu, em 2014, a formação de aproximadamente 20 agentes ambientais indígenas. Incentivou intercâmbios entre os povos indígenas para fortalecer “redes de etno-gestão” e a implementação de cerca de 100 microprojetos indígenas com o objetivo de valorizar práticas e conhecimentos tradicionais destes povos. De forma complementar, destaca-se a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI), também implementada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Ministério do Meio Ambiente, a ONG internacional The Nature Conservancy, o Fundo Mundial para o Meio Ambiente e o PNUD.


A PNGATI, firmada pelo Decreto n. 7.747 de julho de 2012, é considerada o exemplo de iniciativa desenvolvida em conjunto por povos indígenas, o Estado brasileiro, instituições e organizações parceiras, pretendendo aproximar o arranjo das metas globais da ONU em prol do desenvolvimento sustentável (dos ODM aos ODS) aos povos indígenas em território brasileiro.


De modo a contemplar as prerrogativas da chamada governança global, a PNGATI é tida como referência no Brasil por ser construída com a participação dos próprios povos indígenas fortalecendo, assim, a chamada gestão ambiental e territorial atribuída pela lógica gerencial a estes povos em relação à natureza, de modo a aproximá-los do Estado em torno de um objetivo comum.


Dividida em sete eixos temáticos, a PNGATI entende por governança “a condução de um processo de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos em arranjos institucionais” e, portanto, segundo o relatório, ela não é sinônimo de “governo”, uma vez que envolve a participação de toda a sociedade. O segundo eixo é o “governança e participação indígena”, que pontua a participação dos povos indígenas na implementação e funcionamento da PNGATI; o que envolve o monitoramento assegurado pela participação de indígenas e de seu acesso aos resultados avaliados. O grande objetivo deste eixo, em especial, resume-se no fortalecimento dos sistemas de representação e participação dos povos indígenas, prevendo a criação de comitês e fóruns de discussão sobre mudanças climáticas.


As mudanças climáticas foram também o mote para o Acordo de Paris, ratificado em 12 de setembro pelo Brasil, e considerado um passo fundamental para a efetividade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pela garantia de um ambiente seguro.


Nesse sentido, a Agenda 2030, enquanto agenda e conjunto de metas em contínua renovação, é flexível e passível de revisão e melhorias em seus objetivos, pretendendo ser cada vez mais eficiente ao alinhar a chamada governança global às práticas de governo locais.


Recentemente, e em prol da efetivação dos ODS, foram assinados pelo Ministério do Meio Ambiente e o PNUD quatro acordos de cooperação para a elaboração de Planos de Gestão Territorial e Ambiental em terras indígenas do estado do Maranhão. Os projetos estarão voltados à formação para a gestão ambiental – incluindo cursos de legislação ambiental e cursos sobre a PNGATI. Também interessam aos Planos intercâmbios entre terras indígenas, as atividades de proteção territorial, a elaboração de calendários ecológicos e os “etnomapeamentos”, o fortalecimento organizacional, a valorização do conhecimento tradicional e a inserção de mulheres indígenas.


Assim, a chamada governança global pretende não apenas deixar intocadas as relações de governo como as amplia ao transformar indivíduos em gestores de si e do ambiente em que vivem. Está balizada por diretrizes formuladas, desde as grandes organizações internacionais, os Estados e a iniciativa privada, até as mais ínfimas ONGs e a chamada sociedade civil. A participação que lhe é fundamental está conectada às práticas de monitoramento e avaliação – do âmbito local ao planetário –, e quase sempre remetida à cooperação e à horizontalidade, porém não está apartada do julgamento e imposição do mais forte em prol do bem comum.


Em meio à racionalidade neoliberal, aqueles que estão disponíveis a se capacitar e constituir-se como capital humano, são passíveis de produzir, implementar, colaborar e participar de políticas, acordos e objetivos como parte de uma agenda que almeja a inclusão de todos em sua própria melhoria e eficiência na possível replicação de modelos locais, por meio dos chamados intercâmbios, que atravessam fronteiras nacionais, mesmo sem jamais prescindir do Estado e de suas medidas, incluindo-se negligências, negociatas, omissões deliberadas e etnocídios.


Nessa programática da governança sobram continuidades de mortes de indígenas, como o etnocídio regular dos povos Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, novamente divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 15 de setembro de 2016. Enquanto prolifera o falatório em torno de matar a fome no planeta em nome das futuras gerações, enquanto proliferam as avaliações de investimentos na chamada primeira infância, as crianças de povos indígenas são as que, proporcionalmente, mais morrem por desnutrição no Brasil. Mas isto é apenas um traço estatístico no curso da lógica das aferições de acompanhamentos de metas e objetivos de governo do planeta e no planeta. Isto, também, chama-se resiliência.

 

O acordo de Paris, política brasileira e resiliência


Brasília, 12 de setembro de 2016. Em uma sala do Palácio do Planalto, o presidente brasileiro ratificou os termos do Protocolo de Paris. Semanas antes, em agosto, o acordo fora aprovado pelo Congresso Nacional. Firmou-se, assim, o compromisso oficial do país em implementar ações para a redução e mitigação das emissões e em colaborar com os demais Estados para o monitoramento e esforço na redução efetiva dos índices de aquecimento do planeta.


Em dezembro de 2015, o Brasil foi uma das 197 Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que aprovaram o citado acordo climático durante a Conferência das Partes – COP 21. A adesão institucional do Brasil aos compromissos internacionais acordados no documento aprovado ocorreu logo na abertura das assinaturas do Protocolo, em Nova Iorque, na sede das Nações Unidas, em 22 de abril de 2016, junto com outros 173 signatários.


A proteção do sistema climático para as futuras gerações começou a ser tratada em uma perspectiva planetária a partir da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92, quando se criou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change –UNFCCC). O braço científico para as decisões da Convenção Quadro, o Painel Intergovernamental da Mudança Climática ( Intergovernamental Panel of Climate Change – IPCC) foi criado em 1988, pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) junto com a Organização Meteorológica Mundial ( World Meteorological Organization – WMO). Até então, as alterações no clima eram verificadas a partir de resultados pontuais da poluição atmosférica. Com a formação do IPCC, o alvo passou a ser o sistema climático: “a totalidade da atmosfera, hidrosfera, biosfera e geosfera e suas interações”.


O Brasil esteve representado nas principais reuniões sobre mudanças climáticas desde a formação do IPCC. Em 1985, aderiu à Convenção de Viena de Proteção à Camada de Ozônio. Da Convenção surgiu o Protocolo de Montreal em 1987, um tratado internacionalista que estabeleceu critérios para o banimento das emissões dos gases dos grupos Clorofluocarbonos (CFCs), Halons, Tetracloretos de Carbono (CTCs) e Hidroclorofluorcarbono (HCFCs), lançados pelo processo de industrialização, que destroem essa camada protetora da estratosfera. Foi assinado pelo Brasil em 1990, e hoje conta com a ratificação de todos os Estados membros da ONU, tornando-se o primeiro acordo da instituição com adesão total. O país esteve também presente na formação do IPCC. Assinou e ratificou o primeiro acordo climático para o controle do aqueci mento global, especialmente mediante ações de monitoramento e redução das emissões de CO² (carbono) e outros gases resultantes de atividades humanas, o Protocolo de Kyoto, de 1997, que será finalmente substituído pelo Acordo de Paris, em 2020. Em setembro de 2015, em conformidade ao que foi solicitado nas reuniões COP-19, em Durban, e COP-20, em Lima, o Brasil apresentou ao UNPCC a Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (Intended Nationally Determined Contribution – INDC). Na ocasião da COP-21, 157 Estados já tinham submetido suas respectivas contribuições, mostrando o grau de mobilização em torno dos problemas climáticos.


Para colocar o Acordo de Paris em vigência é preciso obter, até 21 de abril de 2017, a ratificação e a consequente apresentação de instrumentos para a consecução de metas por, no mínimo, 55 países signatários, responsáveis por um total de 55% de emissão de gases. Dois dos maiores emissores de gases de efeito estufa, China e EUA, ratificaram o acordo – fato que trouxe otimismo em relação ao sucesso das medidas futuras sobre o clima, tendo em vista que estes países são responsáveis por 39,8% das emissões de gases no planeta.


A ratificação brasileira reitera o documento de sua INDC apresentado à Convenção Quadro da ONU, no qual há o compromisso de reduzir 37% das emissões até 2025 e 43% até 2030. Há também promessas de acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, reflorestar 12 milhões de hectares de áreas desmatadas, recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, aumentar para 5 milhões de hectares as áreas que integram lavoura, pecuária e floresta e, por fim, de colocar 45% de fontes renováveis na matriz energética brasileira, além da energia hídrica.


O escopo da INDC abrange três pontos principais: os instrumentos a serem utilizados para a implementação das propostas, especialmente financeiros; ações de mitigação mediante a redução de emissões; e a adaptação às alterações climáticas, considerada tão fundamental quanto a mitigação no esforço global para enfrentar a mudança do clima e seus efeitos. “A adaptação constrói a resiliência de populações, ecossistemas, infraestrutura e sistemas de produção ao reduzir vulnerabilidades e prover serviços ecossistêmicos”. Em maio de 2016, o Ministério do Meio Ambiente concluiu o Plano Nacional de Adaptação (PNA), contando com consulta pública, inclusive através de um hotsite especial, visando avaliar os riscos climáticos e reforçar a gestão de vulnerabilidades nas políticas nacionais, estaduais e municipais. A ratificação do Acordo de Paris reitera que estas propostas serão incorporadas às políticas do Estado brasileiro e às condutas de cada um dos seus cidadãos.


Apesar de estabelecer o prazo para o próximo ano para a confirmação do número mínimo de Estados, há um esforço para que esse quórum seja obtido até novembro, ocasião em que se realizará a COP 22, no Marrocos, quando se pretende estabelecer os termos do funcionamento do Acordo. Antes disso, como parte dos eventos de abertura da Assembleia Geral, a ONU promoveu, em 21 de setembro, em Nova Iorque, durante a 71º Assembleia Geral, a Cerimônia de Ratificação do Acordo de Paris, com a finalidade de acelerar as ratificações e os compromissos, com base no 13º objetivo dos ODSs: “tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos”.


Segundo um assessor do PNUD, “a implementação do Acordo é fundamental para que os esforços referentes aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável sejam efetivos e não sejam anulados pelos efeitos adversos da mudança do clima”. Admite-se que algumas das mudanças climáticas podem ter impactos irreversíveis apesar dos esforços mitigadores, e, portanto, investe-se igualmente em ações de adaptação a tais efeitos, construindo-se a resiliência.


E a resiliência nada mais é, também, do que a atual expressão da entrega histórico-política à adequação eficiente e segura que se espera de cada um ao saber-se governar para se saber governado. Outro nome para isto é qualidade de vida. É pela resiliência hoje que se fortalece a miséria da existência na gestão compartilhada do governo do vivo restaurado.





R A D.A.R


FUNAI. Entendendo a PNGATI – Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas. Brasília: Governo Federal, 2014..
http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/Outras_Publicacoes/Entendendo%20a%20PNGATI/Entendendo_a_PNGATI.pdf.


PNUD. “Ministério do Meio Ambiente e PNUD assinam acordos para apoiar planos de gestão territorial e ambiental de terras indígenas”. In: Notícias. 06/09/2016.
http://www.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2016/09/06/minist-rio-do-meio-ambiente-e-pnud-assinam-acordos-para-apoiar-planos-de-gest-o-territorial-e-ambiental-de-terras-ind-genas/


PNUD. Relatório anual rumo a um desenvolvimento sustentável. Brasília: PNUD Brasil, 2016
https://pnudbrasil.exposure.co/relatorio-anual.


CIMI. Relatório de violência contra os povos Indígenas no Brasil. Dados 2015.
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8925&action=read


Nota Técnica do Ministério do Meio Ambiente sobre a ratificação do Acordo de Paris
http://www.mma.gov.br/images/arquivos/clima/convencao/indc/NotaTecnicaMMA_RatificacaoAcordoParis.pdf


Contribuição Pretendida Nacionalmente Determinada - INDC Brasil
http://www.mma.gov.br/images/arquivos/clima/convencao/indc/BRASIL_iNDC_portugues.pdf


Lista dos países que enviaram a Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC) à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
http://www4.unfccc.int/submissions/indc/Submission%20Pages/submissions.aspx


Fundamentos para a elaboração da Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC) do Brasil no contexto do Acordo de Paris sob a UNFCCC.
http://www.mma.gov.br/images/arquivos/clima/convencao/indc/Bases_elaboracao_iNDC.pdf


Relatório do Processo de Consulta Pública do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima.
http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80182/Relatorio%20da%20Consulta%20publica%20para%20o%20site.pdf


Plano Nacional de Adaptação.
http://www.mma.gov.br/clima/adaptacao/plano-nacional-de-adaptacao


Revista Adaptação, do Ministério do Meio Ambiente (2016).
http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80182/Revista%20Adaptacao_WEB.pdf


Noticia sobre a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas do Congresso Nacional brasileiro
https://fernandobezerracoelho.wordpress.com/2016/08/11/mudancas-climaticas-fernando-bezerra-comemora-ratificacao-no-senado-de-acordo-mundial-sobre-o-clima/


Émile Armand, "The Gulf", 1910.
http://theanarchistlibrary.org/library/emile-armand-the-gulf





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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