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observatório ecopolítica

ano I, n. 19, setembro, 2016.

 

Das controvérsias sobre planetas e corpos celestes.


Por muitos séculos os céus permaneceram tediosamente imutáveis, dando a impressão que o universo não comportaria mais surpresas. Porém, na contramão da eternidade, nos últimos trezentos anos, o universo se tornou extremamente dinâmico e móvel.


A atual sociedade de controle não se cansa de conhecer e de coletar dados para modelizar o que acredita ser o universo. Não importa se são informações sobre o mais novo exoplaneta detectado a milhares de anos luz, ou dados sobre o que existe no sistema solar, aqui na vizinhança do planeta Terra.


Nos últimos três séculos, o sistema solar mudou muito. Foram localizados três novos planetas: Urano, no final do século XVIII, Netuno, em meados do século XIX, e Plutão, nas primeiras décadas do século XX, reclassificado no começo do século XXI.


Plutão encontra-se na borda da região mais distante do sistema solar que apenas no século XX tornou-se acessível à pesquisa. Ele deveria ser o último dos planetas do sistema solar, porém, acabou classificado como um dos primeiros planetas anões, esta nova classe de corpos celestes que prolifera.


No final do século XIX, acreditava-se que as perturbações na órbita de Urano poderiam ser provocadas não apenas pelo planeta recém-descoberto, mas por outro planeta ainda desconhecido e que também afetava a órbita de Netuno. Esta hipótese desencadeou na astronomia a busca pelo então apelidado “planeta X”, que teve no astrônomo Percival Lowell o mais obstinado de seus investigadores.


Lowell construiu o observatório que leva o seu nome, no Arizona (EUA), para encontrar o planeta X, mas morreu antes de concretizar sua empreitada. Foi por meio deste observatório que Plutão foi localizado a partir de registros fotográficos. O próprio Lowell o havia fotografado antes da descoberta, mas não notara a sua presença. Plutão não é um planeta como os demais do sistema solar, pois além de possuir uma órbita extremamente inclinada e excêntrica, seu tamanho e massa são muito menores do que os demais planetas.


À época da visualização de Plutão, postulou-se a existência de uma grande população de corpos celestes chamados de transnetunianos, dos quais Plutão seria o maior a ocupar a região mais distante do sistema solar. Nos anos 1950, o astrônomo Gerard Kuiper sugeriu a existência de uma faixa ou de um cinturão localizado depois de Netuno onde se aglomerariam estes objetos celestes de menor porte que Plutão.


Nos anos 1990, comprovou-se a existência desta região que foi batizada de Cinturão de Kuiper. Desde então, mais de mil objetos que vão do tamanho de asteroides aos chamados planetas anões foram catalogados. Dentre os últimos, destacam-se Caronte (descoberto em 1978), Éris (2003-2005), Haumea (2004), 90482 Orco (2004) e Makemake (2005). Outro famoso planeta anão é Ceres que, embora localizado em 1801, na região chamada de Cinturão de Asteroides, entre as órbitas de Marte e Júpiter, até 2006 foi considerado um grande asteroide.


A descoberta de Éris obteve grande impacto na definição astronômica do que poderia ser considerado um planeta. Éris, devidamente batizado com o nome da deusa grega da discórdia, provocou questionamentos sobre o que seria um planeta. Ao ser localizado, foi considerado um grande asteroide, porém, estimava-se que seu tamanho poderia ser maior que Plutão. Criou-se uma dúvida: Éris deveria ser elevado à categoria de planeta ou Plutão deveria ser rebaixado a asteroide? Em 2006, a União Astronômica Internacional convocou um grupo de astrônomos com a tarefa de definir o status de planeta. Desde então emergiu o termo “planeta anão”, como se nomeou Éris e se reclassificou Plutão


Todos estes planetas anões, com exceção de Ceres, foram localizados com o auxílio dos grandes e modernos telescópios. Os telescópios espaciais, tais como o Hubble, também são utilizados para descobrir ou obter informações mais precisas sobre estes corpos celestes e outros menores como asteroides e cometas que são inúmeros a preencher o sistema solar.


Desde o rebaixamento de Plutão à categoria de planeta anão, são oito os planetas do sistema solar: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno. Porém, no início deste ano, astrônomos estadunidenses anunciaram ter encontrado a órbita de um possível nono planeta, revivendo a lenda do “planeta X”. Um dos astrônomos em busca do novo planeta do sistema solar é Mike Brown, professor de Ciência Planetária no California Institute of Technology, também conhecido como o “homem que matou Plutão”.


Brown tem experiência em caçar corpos celestes e localizou Éris, Makemake e o grande asteroide transnetuniano Sedna. Ao estudar as estranhas órbitas por demais alongadas percorridas por alguns corpos localizados além do cinturão de Kuiper, postulou a possibilidade de existir outro planeta com quem estes corpos celestiais estabelecem uma relação gravitacional. Nas simulações, a existência de um planeta justificaria o movimento não esperado destes grandes objetos transnetunianos.


O professor Brown e seu colega Konstantin Batygin defendem que o nono planeta estaria em uma órbita bem elíptica e que nunca chegaria perto da região que conhecemos do sistema solar. No ponto em que ele se situa mais próximo do Sol, o chamado periélio, estaria a uma distância estimada em seis vezes a distância do Sol a Netuno. Seu ponto mais afastado do Sol, o chamado afélio, pode corresponder a 400 vezes a distância do Sol a Netuno. Os astrônomos acreditam que o nono planeta teria massa 10 vezes maior que da Terra, quase chegando ao tamanho de Netuno, o menor dos planetas gasosos. Com uma órbita dessas, o novo planeta demoraria entre 10 e 20 mil anos para dar uma volta completa em torno do Sol.


O anúncio da localização da órbita do possível nono planeta do sistema solar ocorreu em artigo publicado em janeiro deste ano na revista Astronomical Journal. Nele, os astrônomos convocaram seus colegas a mirarem seus telescópios para a provável órbita e colaborarem na tarefa de localizar o novo planeta.

 

Missões não tripuladas no sistema solar: qual mundo?


Sem contar o planeta que os astrônomos esperam estar prestes a descobrir, os outros oito do sistema solar já receberam a visita de naves enviadas da Terra para coletar informações que permitam conhecer mais sobre eles.


Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol já recebeu as sondas Mariner 10, entre 1974 e 1975, e Messenger, no período 2004-2008. Vênus foi o alvo da primeira de todas as missões espaciais realizadas com sondas. Em 1961, o vizinho da Terra recebeu a sondas soviéticas do Programa Verena e depois do programa estadunidense Mariner. Desde o final do ano passado, a sonda Akatsuki (Japão) sobrevoa Vênus.


O outro vizinho da Terra, Marte, foi o planeta mais visitado por sondas e também por robôs enviados por estadunidenses, soviéticos/russos, europeus e indianos. Tanto interesse em Marte se deve à crença de que ele poderia abrigar vida ou tê-la abrigado algum dia como apontam as mais recentes descobertas. Sua exploração começou nos anos 1970 com as sondas soviéticas Marte 2 e 3, e Viking 1 e 2 da NASA, sendo estas últimas as primeiras a pousarem na superfície do planeta vermelho. Nos anos 1990 e 2000, a NASA continuou a enviar sondas e jipes para recolher mais informações. Atualmente estão presentes e em atividade no solo de Marte os jipes Opportunity e Curiosity. Na sua órbita estão em operação as naves Mars Odyssey, Mars Reconnaissance Orbiter e Maven (dos EUA), a Mars Express (Europa) e a Mars Orbiter Mission (Índia), e a europeia Exo Mars prevê alcançar os arredores do planeta, provavelmente, em 19 de outubro deste ano.


Marte é o único planeta do sistema solar para o qual há planos de visitas por missões tripuladas anunciadas por agências espaciais. Há também duas iniciativas não-governamentais que prometem levar humanos para colonizar o planeta em 2025: o projeto holandês Mars One e o da empresa estadunidense SpaceX. Enquanto o Mars One parece ser apenas um projeto no papel, a SpaceX se apresenta como uma das primeiras empresas a desenvolver tecnologia para viagens a Marte. Desde que recebeu licitação do governo dos EUA, ela opera naves cargueiras que abastecem a Estação Espacial Internacional. Em 27 de setembro, o proprietário da SpaceX, Elon Musk, detalhou os planos de sua empresa para colonizar Marte: o mais potente foguete já construído propulsionará uma nave com uma tripulação de 100 pessoas que viajarão ao planeta vermelho para lá construírem uma cidade autossustentável nos próximos 40 a 100 anos.


Nem mesmo os planetas anões escapam das missões de exploração do sistema solar. Lançada em 2007, a sonda Dawn (EUA) se encontra no cinturão de asteroides para recolher informações sobre o planeta anão Ceres e o asteroide Vesta. É nesta mesma região do sistema solar que se encontra a sonda europeia Rosetta, que desde 2004 viaja pelo espaço para encontrar o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Ela será a primeira sonda a pousar sobre um cometa ainda em 2016. Em 2014, a Rosetta liberou o robô Philae na superfície do cometa, de onde recolheu dados durante os três dias em que ficou em atividade. No último dia de setembro, ela pousou sobre o cometa e desligou-se, concluindo sua missão.


Plutão recebeu a visita da New Horizons, da Nasa, lançada em 2006 e projetada para sondar o Cinturão de Kuiper. Além de fotos do planeta anão, a sonda fez registos das pequenas luas de Plutão, além de coletar dados geológicos, da geodésia e de sua atmosfera e superfície.


Antes de chegar a Plutão, a New Horizons passou por Urano e Netuno, planetas visitados anteriormente pela sonda Voyager 2, lançada pela Nasa em 1977 e que se aproximou de Netuno em 1989. Ela também passou pelos grandes planetas gasosos que, por sua vez, também foram visitados pela Voyager 1. Nesta viagem, enviaram informações sobre as luas de todos estes planetas distantes, algumas até então desconhecidas, e sobre os misteriosos anéis de Saturno. Hoje, as sondas Voyager 1 e 2 estão a caminho de deixar o sistema solar. Elas são os objetos produzidos por humanos que mais se afastaram do planeta Terra: coletam e levam dados; possuem discos dourados anexados às suas partes externas que portam gravações de sons e imagens da Terra para que um dia sejam ouvidos e vistos por outros seres do universo.


A exemplo das missões Pioneer 10 e 11 que visitaram Saturno e Júpiter na década de 1970, atualmente duas sondas estão na órbita destes que são os maiores planetas do sistema solar. Desde 2004 a sonda Cassini da Nasa estuda Saturno, suas luas e seus anéis. Mais de 700 gigabytes de dados já foram enviados pela sonda à Terra, incluindo quase 400 mil fotografias. Na viagem pelas luas de Saturno, Cassini encontrou rios, mares e lagos de hidrocarbonetos em Titã, a maior delas em cuja superfície pousou o módulo Huygens em 2004 para realizar análises de sua superfície. Na lua Encéfalo, a sonda descobriu gêiseres de água, ricos em compostos orgânicos que confirmam a existência de um oceano que poderá conter vida sob a crosta de gelo. Para o próximo ano, está previsto que a sonda faça voos rasantes na atmosfera gasosa de Saturno para conhecer mais sobre a atmosfera e a superfície do planeta antes de desaparecer em seu derradeiro mergulho.


Enquanto isso, na órbita de Júpiter se encontra a sonda Juno, recém-chegada após uma vigem de 5 anos. No período em que sobrevoar Júpiter, Juno recolherá dados sobre o funcionamento do planeta, desde a composição de sua atmosfera (se houver água) e de seu núcleo (se realmente houver um núcleo), até seu campo magnético que produz auroras em seus polos. A missão Juno prevê a realização de 36 voos rasantes da sonda sobre o planeta até fevereiro de 2018; o primeiro deles ocorreu em agosto deste ano e possibilitou o registro de imagens dos polos jovianos, até então nunca vistos.


Quais outras surpresas nos guarda o sistema solar? Há algo de estranho nesta busca por planetas, pela vida ou de ambientes a ela propícios para uma existência similar à sua continuidade inalterada na Terra, cada vez mais capitalista e lucrativa para seus estratos humanos superiores. Não se pesquisa e tampouco se cria seus instrumentos de modo despolitizado; está em sua elaboração e metas uma específica maneira de politizar, uma específica maneira de se expandir o universo. Em nome do Homem e de sua vida universal insiste-se em descobrir outros mundos a serem agregados ao mesmo mundo.





R A D.A.R


Definição de planeta segundo a União Astronômica Internacional
https://www.iau.org/static/resolutions/Resolution_GA26-5-6.pdf


Observatório Lowell
https://lowell.edu.


Artigo de Brown e Batygin anunciando a órbita do possível novo planeta do sistema solar.
http://iopscience.iop.org/article/10.3847/0004-6256/151/2/22/meta;jsessionid=6EF3D9D8AD32FA246094FA9954F43989.c6.iopscience.cld.iop.org


Mars One
http://www.mars-one.com


“Making Humans a Multiplanetary Species”, apresentação de Elon Musk da Space X sobre a colonização de Marte
http://www.spacex.com/webcast


Dados contidos nos discos dourados das Voyagers
http://voyager.jpl.nasa.gov/spacecraft/goldenrec.html


Som do campo magnético de Júpiter captado pela sonda Juno
https://www.youtube.com/watch?v=8CT_txWEo5I


Joseph Déjacque. "The Circulus in Universality", 1858.
http://theanarchistlibrary.org/library/joseph-dejacque-the-circulus-in-universality





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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