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observatório ecopolítica

ano II, n. 22, agosto, 2017.

 

Nota do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária do PEPG Ciências Sociais PUCSP) www.nu-sol.org

Devido ao processo administrativo aberto pela PUCSP contra Edson Passetti, encerrado em julho de 2017 com seu arquivamento, o observatório ecopolítica, que deixou e circular de novembro de 2016 a julho de 2017, volta a ser publicado quinzenalmente.

 

Uma sutil e radical distinção: 1. Contra.


Quando a garotada se junta para jogar contra outro time nem sempre há uma disputa governada pelas regras estabelecidas. Pode-se ser contra isso ou aquilo, e o que topicamente for modificado configura um contraposicionamento em relação a uma prática ou moral. Estamos diante de adversários e não de inimigos. Está em questão uma conduta a ser modificada, sem alterar o princípio da normalidade. Redefinem-se as possíveis movimentações em torno de um espaço e de ideias.

 

Pode-se, também, ser contra a Constituição de um país em favor de uma nova. Mesmo assim a polícia permanecerá marchando contra o povo, a massa, a multidão, a classe, segmentos sociais... porque está em questão o Estado, a sua segurança e a da propriedade: a garantia da ordem nos espaços governados por ele.

 

O cidadão se posiciona contra as medidas governamentais, o operário, contra as normas na fábrica, o empregado, contra os patrões em função de relações que são ao mesmo tempo contraditórias e complementares. Os resultados destes embates, até mesmo revolucionários, podem redundar em um novo Estado, novos exércitos e polícias, mas sempre haverá em seu alvo, a ser renovado por outros conteúdos, um inimigo a ser combatido, submetido, vencido ou mesmo extirpado. Ser ou estar contra é algo que fortalece a ordem: contra o nacional-socialismo e o fascismo, os totalitarismos e os autoritarismos, redundaram em condutas que visavam melhorar, e isso era e é sinônimo de democratizar. Na democracia, ser contra tem o efeito complementar ao de ser a favor: participa-se do jogo de governos das condutas e de suas formalizações jurídicas e institucionais. 

 

Portanto, estar contra não é radicalizar. É parte constitutiva do a favor, gestão de nãos consentidos, redesenho do espaço e de propagação do espírito ou da ideia. Não se trata de ser contra isso ou aquilo, mas de nomear e dar sentido racional a essa escolha dentro da moralidade. Os inimigos, enfim, são definidos pela situação de guerra interna e/ou externa.

 

Uma sutil e radical distinção: 2. Anti.


Quando uma garotada diz que não joga contra outra turma com as regras sacramentadas ou pequenos ajustes e não o faz, está simplesmente explicitando que não há regras que imponham o jogo. Ela é livre para rejeitar as regras convencionais para a prática de um jogo. Pode-se jogar e se divertir sem seguir as normas e as leis da partida impostas verticalmente, tanto quanto não aceitar a figura neutra do juiz ou árbitro. A garotada sabe que não há neutralidade, nem justiça neutra. Prefere discutir as controvérsias durante a partida. Em comum acordo propõem outras regras e inventam outro sentido para o jogo. No mundo do futebol isso é muito claro e está nas famosas peladas. E, no limite, uma garotada pode simplesmente recusar jogar contra outra.

 

Na vida contemporânea, você pode ter a religião que quiser e com isso ser tolerante com as demais, fazer-se ecumênica(o), assim como convicto(a), opor-se às demais na disputa por hegemonia, ou simplesmente empoderar-se. Tudo isso é possível e aceito, caso não degringole em terrorismo religioso. Tolerância e direitos universais se unem para legitimar ser contra. E, como complemento do a favor, fortalecer a moralidade. Bush falava em 'cruzada contra terror' enquanto Bin Laden bradava a jihad contra os infiéis.

 

Porém, anti é um prefixo que não redimensiona o substantivo, mas o modifica radicalmente. Explicita o inaceitável, o insuportável e enuncia o inominável. Expressa o componente radical da vida naquele ponto em que não basta ser contra. E suas práticas enunciam invenções de liberdade, o estrangulamento do direito como resultante da força vitoriosa nos combates. Não é, neste mínimo instante das relações de poder, disposição do a favor e do contra, mas expressão do que não mais é possível. Anti não é uma conduta, mas uma atitude.

 

Uma sutil e radical distinção: 3. o que chamam de antipolítica(o).


Os efeitos dos chamados novíssimos movimentos colocaram em xeque a representação e a participação política convencional por meio de partidos, suas negociações parlamentares, seus governos com variadas composições, adesões, contestações e mobilizações convencionais.

 

Reclama-se que o sistema se tornou incapaz de absorver a variedade de opiniões, interesses e direitos. E constata-se o crescimento da extrema-direita, o enfraquecimento da esquerda, os impasses liberais-neoliberais e o esgotamento do centro, no grande leque de forças dispostas entre posicionamentos e contraposicionamentos no interior e em relação ao Estado. Todos são adversários legítimos, neste abano que abarca de comunistas a fascistas.

 

À esquerda, temem-se os fascistas; os liberais e neoliberais vão mais longe e identificam os perigos para além do leque: novamente são os anarquistas ou vândalos. Porém, são estes últimos que enunciam a antipolítica. Segundo os liberais e seus seguidores, voluntários ou incautos, afins ou por meios, na atual crise institucional a (o) antipolítica(o) ficou reduzida(o) à descrença na representação político-partidária. E, assim, seguem os analistas e os midiáticos entre democratas e fascistas alardeando seus posicionamentos e contraposicionamentos fiéis à moralidade.

 

Os outros são os inimigos, os imorais, os perigosos, os condenáveis. Recusam-se a reconhecer as suas atitudes, mas não se escusam em capturá-las para ajustá-las em novas condutas em função da governança. Não são apenas maquiavélicos para acordarem as disputas na ordem para conservá-la sob o registro de reforma ou revolução. São todos reformistas. Funcionam como pastores contemporâneos governando os rebanhos. No limite, eles se interessam em saber como esse poder destituinte se ajustará a um novo poder constituinte. Não abrem mão da verticalidade de poder, combinando centralização e descentralização, em relações horizontalizadas como nova configuração hierárquica no jogo ascendente e descente de produção de verdades. Redimensiona-se, assim, a utopia moderna da autonomia na vida política contemporânea.

 

Uma sutil e radical distinção: reformas, nota brevíssima.


A descentralização na distribuição das lideranças do PCC (Primeiro Comando da Capital) e similares por presídios no Brasil redundou em fortalecimento destas organizações e em suas disputas. A descentralização do cracódromo, em São Paulo, espalhou os usuários e o tráfico pela cidade em função dos programas de saúde e de internação compulsória. A gestão compartilhada das prisões e os programas assistenciais, enfim, fortalecem o tráfico de drogas, a sujeição e o assujeitamento das populações carcerárias e de ruas aos pastores.

 

Quando uma primeira-dama de um governo estadual é colocada em prisão domiciliar, a sociedade tolerante exige que ela volte para a cadeia. Mas não pensa em libertar outras mães presas, sentenciadas ou aguardando julgamentos, por outras infrações, geralmente ligadas ao tráfico de drogas. Efeito da moralidade.

 

Quando empresários e executivos apanhados na Operação Lava Jato ganham liberdade por não serem considerados perigosos pelos juízes supremos (e não são perigosos aos ilegalismos burgueses que não findam, porque se cessassem não haveria mais Estado e propriedade que se sustentassem), os tolerantes entendem ou se fazem de tolinhos(as). Querem manter a prisão. Acreditam em empresários idôneos, em Estado sem corrupção, e em políticos como sujeitos vendáveis. A quem? A resposta é simples: a empresários, porque não há empreendimento capitalista sem parceria com o Estado (políticos e burocracia). E... segue o jogo.

 

Querem mais polícias e seguranças. E os policiais seguem recrutados no exército de reserva de poder do Estado para atacarem seus semelhantes e defenderem uma ideia-fixa: a nação, a pátria, o povo, o bem comum, a ordem. Não há banda podre, nem ação ou abordagem violenta a ser limpa ou extirpada. Polícia é polícia, Estado é Estado, e só perduram porque fomentam, consolidam e restauram violências como parte indissociável disto: a miséria da existência. São os de baixo os principais condutores deste estado das coisas. Com sua conduta exemplar fortalecem a disseminação da denominação antipolítica pelos analistas e midiáticos como sinônimo de contrapolítica (esgotamento ocasional do sistema partidário representativo com base no sufrágio universal e de vícios dos políticos profissionais convencionais ou não).

E, na falta de melhor conceito, lá vão eles consolidando o que precipitadamente definem como populismo de direita e de esquerda: revitalizam a antiga múmia que serviu de referência para compreender os acordos entre Estado e sociedade, no caso da América Latina, às vésperas de golpes de Estado. E jorra populismo pela boca, teclados, comunicações eletrônicas instantâneas pelas redes sociais. Aqui, na França, nos EUA, na Venezuela, nas Filipinas, em qualquer lugar, leva-se a crer que há populismo nesta ocasional crise do partidarismo que difunde e legitima apartidarismos, mas que não suporta antipartidarização.

 

Entretanto, as atitudes antipolíticas também estão espalhadas pelo planeta. São potências anti-instituintes que não objetivam um(a) constituinte. São também antiproibicionistas e não postulam reformas no tráfico, na lei ou na prisão. Não estão dispostas a serem capturadas. Os que as praticam são considerados os novos inimigos da sociedade, geralmente relacionados ao figurativo vândalo ou ao enquadramento legal de terrorista.

 

Anti é recusar isso e aquilo, e neste instante inventar liberdades livres de mercado, planejamento, planificação e Estado.

 

Sabe-se, não é de hoje, que as relações de poder são totalizantes e individualizantes, que produzem sujeições e assujeitamentos, obediência e amor à obediência, geralmente revestidos de filantropia. No âmbito restrito das condutas de contraposicionamentos (apartidárias, restauradoras do profissionalismo político com crença no fim da corrupção e na punição) estão as reformas que incidem tanto no governo da maioria da população quanto no governo de cada um, apartado de seu querer e ajustado à vontade geral.

 

De volta à garotada em sua pelada. Nesta não há o inimigo, a iminência da guerra, apenas a luta entre adversários circunstanciais que se divertem com modos de fazer gols. Não precisam de árbitros e seus auxiliares, são capazes de equacionar as controvérsias durante a partida (se houve ou não falta, pênalti, mão na bola ou bola na mão, escanteio ou tiro de meta, e geralmente abolem os impedimentos). Não transformam a partida em assembleia, nem tampouco estão interessados em paralisar o jogo a qualquer momento. Há um conhecimento geral das regras acordadas para a partida, que podem não ser as mesmas com outra garotada. Há o exercício lúdico da luta, da vitória, derrota ou empate circunstancial e, por vezes, a torcida é decisiva para se definir a respeito dos destinos de uma infração. Mas tudo isso, aos poucos, foi governamentalizado pela escolarização da pelada e as partidas não acontecem mais em terrenos baldios ou pelas ruas. A garotada ou vai para a escolinha ou se aninha nas torcidas, uniformizadas ou não, em arenas cada vez mais caras que interceptam a presença dos peladeiros, confinando-nos ao eventual ou a se prostrar diante de uma tela para acompanhar os campeonatos globalizados, convencidos de que as regras são as leis dos superiores fundadas em punições em função da segurança de todos. Por isso, mesmo, não raramente assistimos a confrontos com mortes dentro e fora dos estádios. Estão governados pela idolatria!

 

Uma sutil e radical distinção: sobre populismo e governança.


É preciso dar um basta na atual confusão proposital entre contra (o complemento do a favor) e anti (a atitude liberadora). E atitude não deve ser compreendida como conduta de moda, moderno, inovadora. A inovação há certo tempo, como também sabemos, é constitutiva do capital humano em função do ajuste para a boa governança, este achado neoliberal que pretende diluir a relação governantes-governados e ampliar os papéis do pastorado tradicional entre os cidadãos, tornando-os pastores de si e dos outros entre os componentes dos rebanhos como sujeitos resilientes.

 

Ser ou estar contra passa a ser imprescindível para a boa governança e não surpreende o reaparecimento da restauração da noção de populismo, o acordo entre governantes e governados para a obtenção e melhores recursos, benefícios e rendas. No passado, foi uma tecnologia de governo que ajustava os desenvolvimentismos acionados no então chamado Terceiro Mundo; no mundo de hoje, designa somente a preguiça dos analistas.

 

O mundo hoje é o planeta e a ocupação do espaço sideral. A revitalização ou restauração do conceito de populismo responde às novas negociações nas quais voltam ao cartaz o sonho da riqueza da nação e como equacionar a questão da migração-imigração, diante das reservas de mercado e protecionismos, não mais voltados à defesa da força de trabalho nacional, mas ao capital humano transterritorializado. A globalização inevitável do capitalismo precisa se reajustar às suas populações nacionais. Seja na democracia estadunidense com Donald Trump e o seu chamamento de retorno das empresas ao país, ou nos movimentos conservadores e separatistas da sociedade civil organizada ou de Estados nacionais na Europa, isso é cada vez mais evidente, devido ao desempenho não só das imigrações ilegais, dos chamados refugiados e do desemprego nacional, mas das ameaças do terrorismo transterritorial inauguradas pelo fundamentalismo islâmico.

 

Se nos espaços governados pela ditadura do proletariado a racionalidade neoliberal compôs com regimes contrários aos direitos humanos e à democracia como a China (não esquecer que capitalismo independe de regime político e que a democracia é uma recomendação para países atingirem o desenvolvimento), não será pela noção de populismo que entenderemos, por exemplo, a abertura da Coreia do Norte para a ampliação do consumo capitalista. Talvez, devamos compreender melhor como o bom relacionamento entre ditadura e racionalidade neoliberal dá como frutos lucrativos outra forma da boa governança.

 

A boa governança entre EUA e seus aliados e a China gera seus filhotes a partir da Coreia do Norte num mundo de desinteresse pela representação ou de recusas, à direita e à esquerda convencionais, como na França. Explicam que onde se diz haver populismo, há uma variada forma de gestão da governança, e que a situação real do momento nos mostra que as democracias devem temer menos a aparição de tiranos como o desenvolvimentismo proporcionou em época passada. Portanto, isso não é populismo, tal como ficou sacramentado nas teses acadêmicas, nas manchetes jornalísticas e nos pronunciamentos acomodados de políticos, empresários e sindicalistas!

 

Certa vez, a China se pronunciou diplomaticamente anunciando que a democracia formal chegaria ao seu país por volta de 2050. Hoje, encontramo-nos inaugurando os primeiros momentos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável previstos para o período de 2015 a 2030, cujas metas esperam ser tão vitoriosas como foram as dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU, vigentes entre 2000 e 2015.

 

Não se trata de populismo e, muito menos, dessa obtusa noção de contrapolítica disseminada como antipolítica. Mas, sim, de efeitos da boa governança pela efetivação da racionalidade neoliberal. Não se trata de uma disputa político-ideológica, mas de um possível combate a uma específica racionalidade atual do capital, que transfigurou a força de trabalho em capital humano e a realocou de governado e sujeitado para parceiro na governança, cada vez mais assujeitado, amante de obediências.

 

Trata-se do modo como o poder individualizante do pastorado contemporâneo governa a extração de energias inteligentes dos corpos e os dispõem à democracia nas relações entre capital-capital humano por meio da participação, da inovação e do empoderamento tolerante. Seu correlato é o distanciamento da crença nas representações políticas convencionais, configurando os apartidários. As negociações diretas os dispuseram na busca por lucratividades compartilhadas com capitalistas e a esperar que o Estado lhes dê mais seguranças (humanas, climáticas, cidadãs, etc.), assim como compensatórios para a formação do capital humano como programas de educação e saúde (reformas de ajustes), controle das chamadas violências, elasticidade nas punições normalizadoras e penalizações, e assepsia burocrática, sustentando a moralidade. São os resilientes assujeitados.






 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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