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observatório ecopolítica

ano II, n. 29, novembro de 2017.

 

conferência das partes - COP 23

 

Era para acontecer na República de Fiji. Afinal, a presidência do encontro climático de 2017 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCC) coubera aos representantes dessa nação insular com 18.000 km² e um milhão de habitantes distribuídos em 322 ilhas, ameaçadas de serem engolidas por um oceano Pacífico aquecido. Fiji é um dos três países mais vulneráveis às alterações climáticas, segundo a organização Germanwatch.

Todavia, um evento do porte da COP 23, com as delegações diplomáticas de 196 Estados e territórios independentes membros da ONU e as respectivas equipes técnicas, stakeholders e organizações, além de jornalistas e observadores, podendo somar 25 mil pessoas, exigia uma infraestrutura que, conforme se alegou, seria inexistente no arquipélago.

Sob o conceito de “uma conferência, duas zonas”, o governo alemão e o município de Bonn ofereceram a logística necessária, e a COP 23, a COP do Pacífico, ocorreu entre 6 e 17 de novembro de 2017. As duas zonas consistiam em dois grandes pavilhões já cedidos pelo governo alemão para a ONU, separados por um parque à beira do rio Reno: a zona Bula (bula é o termo fijiano para bem vindo) e a zona Bonn. A zona Bula foi o espaço para negociações e acordos formais, presididos pelas autoridades do governo fijiano, e a zona Bonn, a área de apresentações científicas e discussões técnicas sobre o clima, eventos paralelos e exposições, o setor da “sociedade civil”.

 

nas ruas e nos salões

 

Nas ruas da cidade, marchas variadas driblaram os ventos frios do outono europeu, em geral convocadas por organizações não governamentais de inúmeras procedências. O foco maior das contestações foi a energia gerada por carvão mineral, gás natural e petróleo, os combustíveis fósseis, principal responsável pela emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e, consequentemente, para o aquecimento do planeta.

Entre tais manifestações, houve passeata de crianças reivindicando providências quanto ao seu futuro em 2050, acompanhadas pelos indefectíveis fantasiados de urso polar; houve protestos contra a política energética da Alemanha que inclui a maior usina de carvão do mundo a alguns quilômetros de Bonn. Todas essas demonstrações acabavam convergindo para a meta básica da COP 23: combater a mudança climática, mas, ao mesmo tempo, não contestavam os procedimentos encaminhados, questionando, no máximo, a falta de ousadia dos índices propostos, e a fraqueza e a lentidão em se efetivarem as decisões.

Esta é a política energética da Alemanha, dos Estados, do capitalismo e do desenvolvimento sustentável. De um lado, se faz a apologia do combate às energias fósseis, o faz porque são fontes esgotáveis. De outro lado, abre um campo enorme aos filões e cotas, explorados e em vias de exploração das energias alternativas, recicláveis, sustentáveis... que compõem com as metas do desenvolvimento sustentável o “combate à mudança climática” à “salvação do planeta”. E isto é política.

Dentro das salas dos pavilhões da Conferência, ao longo dos onze dias, as 25 mil pessoas vindas dos 196 países e territórios signatários do Acordo de Paris, aprovado na COP 21 em 2015, apresentaram seus relatórios oficiais, discutiram temas, fizeram contatos, acordos formais ou informais e, em graus diversos, comprometeram-se, entre outras ações, a gerenciar e monitorar suas emissões de carbono de modo a enquadrá-las na consecução das metas acordadas na COP 21.
A discussão e os comentários corriam também em redes sociais com a participação de centenas de milhares de pessoas.

 

o acordo de paris de 2015: breve retrospectiva

 

O Acordo de Paris, que entrará em vigor em 2020, substituindo o pioneiro protocolo de Kyoto criado em 1997, contém decisões de alcance planetário para que, ao longo do século XXI, a temperatura da Terra fique abaixo da elevação de 2ºC a partir do nível pré-industrial estabelecido pelas condições meteorológicas calculadas para 1750. O empenho maior é o de limitar, até meados do século, o aumento de temperatura a 1,5º C, apontado como um índice seguro para se controlar os efeitos mais destrutivos do aquecimento do planeta.

Vale lembrar que o aquecimento do planeta ocorre com a emissão dos gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera terrestre. Dentre os sete principais, destacam-se dióxido de carbono (CO²), óxido nitroso (N2O), metano (CH4) e clorofluorcarbonetos (CFCs) — estes últimos destroem diretamente a camada de ozônio e foram alvo de decisões específicas que têm reduzido seus danos. Os GEEs na atmosfera impedem que o calor da terra escape, tornando-a mais quente. É um processo que ocorre desde os primórdios do planeta, mas a partir do século XVIII, com o volume dos gases emitidos pelas atividades humanas capitalistas aumentou, especialmente com o uso de combustíveis fósseis, e hoje, atingiu graus perigosos à vida.

O Acordo de Paris foi muito festejado na época devido ao consenso obtido entre os Estados e territórios independentes membros da ONU, com grande destaque à assinatura dos Estados Unidos, o segundo maior emissor de GEE do planeta, que, pela primeira vez, mostrou preocupação institucional com o efeito estufa. Em menos de um ano, países responsáveis por 55% das emissões já haviam ratificado o acordo. 

A euforia foi abalada um ano depois, surpreendendo os participantes da COP 22 em Marrakech, com o anúncio da eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, depois de uma campanha em que ele enfatizou a proteção ao setor dos combustíveis fósseis e o abandono do acordo climático.

 

metas da COP 23

 

A Conferência foi o maior evento multinacional do sistema ONU que a Alemanha já sediou. Apesar da grandiosidade do evento, as metas discutidas foram modestas: acelerar a implantação do Acordo de Paris mediante reforço de compromissos e discussão de medidas de monitoramento dos efeitos das iniciativas a serem concretizadas e apoiar, inclusive financeiramente, ações contra o efeito estufa em uma escala planetária.

Apesar de tanta modéstia, os compromissos para a redução de emissão humana de gases do efeito estufa foram cobrados e debatidos com empenho. A questão da responsabilidade dos países mais ricos nas emissões, tema presente desde o Protocolo de Kyoto, voltou a ser debatida, abrindo espaço para uma cobrança por apoio financeiro às ações climáticas de países mais pobres. Agora, não basta auxiliar o corte de emissões, é preciso investir na resiliência da população afetada pela mudança climática, ou seja, pela desertificação, pela elevação dos mares, por furacões, pela perda de biodiversidade e fontes de alimentos.

O afastamento dos EUA, inclusive financeiro, gerou insegurança quanto à eficácia dos acordos. A discussão sobre os critérios de financiamento dos fundos para a ação climática acirrou-se com a possibilidade de apenas serem obtidos os subsídios para ações relativas ao clima mediante empréstimos do Banco Mundial e não por doação. Depois de muita conversa acalorada aprovou-se o acesso ao chamado Fundo Verde do Clima por todos os países considerados “em desenvolvimento”.

Os acordos compulsórios não foram, porém, incluídos na agenda do encontro, serão tratados apenas no próximo ano, na COP 24, em Katowice, Polônia.

 

rumo à COP 24

 

A escolha de Fiji para presidir o evento fez também avançar uma tendência recente dos grandes temas multinacionais tratados nos encontros do sistema ONU: a incorporação de saberes tradicionais nas propostas planetárias de medidas de proteção ambiental e também na maneira de encaminhá-las.

A Convenção Quadro da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos tem incluído a participação sistemática de populações tradicionais desde a retomada das discussões em 2010, e a criação da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) — com sede permanente em Bonn — institucionalizou a incorporação do conhecimento tradicional. Entretanto, o mesmo não ocorrera nos assuntos climáticos. A primeira conferência sobre o clima que inaugurou um Pavilhão Indígena foi a COP 20, em Lima, Peru, em 2014, no setor da chamada sociedade civil. O pavilhão indígena da COP 23 se estabeleceu também no mesmo setor, na zona Bonn

Na zona Bula, algumas decisões consolidaram a tendência, como a operacionalização de uma plataforma semelhante à IPBES, para “fortalecer o conhecimento, as tecnologias, as práticas e os esforços das comunidades locais e dos povos indígenas em relação à mudança climática; reforçando o envolvimento das comunidades locais e dos povos indígenas no processo (...) e facilitando a integração de diversos sistemas de conhecimento, práticas e inovações na concepção e implementação de políticas”.

Para demostrar a incorporação de conhecimentos tradicionais, as negociações, durante o ano de 2018, para a criação de um manual de ações e regras obrigatórias para ser apresentado na COP 24 terão o formato de diálogos Talanoa — palavra fijiana que define uma conversa em que se compartilham narrativas buscando construir confiança e respeito mútuo —, agora realizados não mais à sombra de coqueiros na brisa do mar pacífico, mas entre as nações, seus representantes, organizações de sociedade civil, stakeholders, empresários, povos indígenas, etc.
No ano de 2017 houve o aumento das emissões de GEE, mais rachaduras em geleiras, maior força dos furacões e um burburinho produzido pelo estilo Trump. Na falta de coragem para decisões imprescindíveis, lança-se mais um chamariz multicultural: acredita-se, porém, que de maneira talanoa e de COP em COP será possível governar a atmosfera para os próximos séculos...

Até quando durarão os despistes, os encontros encharcados de autoridades e palavrório pacificador? Até quando os especialistas e os representantes da sociedade civil organizada se contentarão com viagens, hospedagens, comidinhas se empanturrando-se de palavras ocas, incorporação de saberes, tagarelices e bombocados?

A resposta é simples e óbvia: até quando as pessoas ávidas por saciar sua fome de alimentos, ar e ideias deixarem de se acomodar a seus representantes elegantemente trajados e bem nutridos, funcionando como soldados das verdadeiras melhorias e se ensebarem na política.

 

some like it hot

 

e o planeta segue com o magma convulsionado e com seus vulcões...

 

... e o brasil?

 

... em 15 de novembro, devido à republicana proposta do governo em subsidiar as empresas de petróleo e gás natural em 300 bilhões de dólares, recebeu da Cllimate Action Network, um conjunto de ONGs, o prêmio “Fóssil do Dia”, um o puxa-orelhas, em 15 de novembro.



R A D.A.R


United Nations Framework Convention on Climate Change. A Conferência COP 23


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Decisões


Talanoa


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O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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