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observatório ecopolítica

ano I, n. 3, dezembro, 2015.

 

 

Balanço do ideal e eternidade capitalista


A Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21) chegou ao final, no dia 11 de dezembro, com o Acordo de Paris, que passou a ser conhecido como o “primeiro pacto universal da história das negociações sobre o clima”.


O acordo possui dois grandes objetivos norteadores. O primeiro almeja impedir que a temperatura média do planeta aumente 2ºC até 2100, por meio de tetos fixados para as emissões de gases de efeito estufa relativos à capacidade específica de cada país. O segundo baseia-se em um sistema de financiamento de cerca de 100 bilhões de dólares anuais dos países considerados desenvolvidos destinados aos “países em desenvolvimento” para que estes se adaptem aos efeitos das mudanças climáticas, a partir de 2020, quando o acordo entrará em vigor.


Para a gestão do clima, o acordo contempla as seguintes áreas pré-determinadas: mitigação – redução das emissões dos gases estufa o suficiente para que não haja o aumento de temperatura esperado até o fim do século; um sistema de transparência dos esforços flexíveis de cada país; adaptação – fortalecimento das capacidades dos países para que possam administrar os impactos climáticos; o princípio de perdas e danos – inclui o fortalecimento do Mecanismo Internacional de Varsóvia, estabelecido durante a COP-19, como suporte às nações consideradas mais vulneráveis para a recuperação de impactos climáticos; enfim, o financiamento para um futuro resiliente.


Assim como foi definida uma direção de longo prazo, os países deverão apresentar, a cada cinco anos, seus planos específicos nacionais de ação climática que detalham seus objetivos futuros, as chamadas “Contribuições Pretendidas Determinadas em Nível Nacional” (Intended Nationally Determined Contributions – INDCs, na sigla em inglês). O acordo inclui, ainda, um mecanismo de cumprimento, supervisionado por um comitê de peritos.


Segundo a Secretária Executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change UNFCCC, na sigla em inglês), Christiana Figueres, o acordo mostra solidariedade com os mais vulneráveis e deverá funcionar como um “motor de crescimento seguro”. Para ela, as cidades, regiões, empresas e cidadãos de todo o mundo que estão comprometidos com a ação climática e um baixo teor de carbono, escolheram “um futuro resiliente como o curso para a humanidade neste século”. Além de estabelecer capacitação aos chamados países em desenvolvimento como meta global para a adaptação e cooperação internacional, o acordo prevê também contribuições voluntárias dos demais países. Em conjunto Banco Mundial e outros bancos multilaterais para o desenvolvimento, inúmeras instituições financeiras assinaram o Princípio de Integração para a Ação Climática de Instituições Financiadoras, que tem como foco a gestão de riscos climáticos e a promoção de objetivos com instrumentos inteligentes e investimentos resilientes.


O fechamento do acordo encontrou dificuldade nas questões relativas ao financiamento dos chamados países em desenvolvimento e à “vinculação legal” ao pacto. Ambas estão relacionadas ao princípio de diferenciação, que entende que os “países desenvolvidos” devem assumir responsabilidade pela maior parte dos encargos. O Comissário Europeu de Clima e Energia, Miguel Cañete, por exemplo, insistiu que alguns “países em desenvolvimento”, como China e África do Sul, já se desenvolveram. Já os EUA optaram por não assinar um texto que obriga o país a reduzir suas emissões, mas apresentaram à ONU um plano de mitigação no qual se comprometem a diminuir as emissões entre 26% e 28% até 2025, temendo problemas futuros caso assinassem algo pré-determinado por outros países.


Após os últimos adendos ao documento, o ministro do Exterior da França, Laurent Fabius, anunciou o acordo. Momentos antes, o G77 – agrupamento de 134 países considerados em desenvolvimento, que inclui a China – declarou-se satisfeito, quando Estados como a Índia, Arábia Saudita, EUA e também a União Europeia já haviam acatado ao acordo. Segundo Fabius, o acordo não pôde agradar a todos os países, mas representa o “melhor equilíbrio possível”.


O Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, considerou o acordo como uma vitória para todo o planeta e as gerações futuras, e declarou ser este um curso novo, inteligente e sustentável. Para o Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o Acordo de Paris marca a direção para o progresso em termos de redução da pobreza, fortalecimento da paz e garantia de uma vida digna e de oportunidades para todos.


Em relação ao Brasil, a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ponderou que “negociação é convergência”, reiterando que o acordo deve acompanhar as condições dos países mais emissores, como China, EUA e União Europeia. O Brasil foi considerado grande protagonista durante as discussões da COP-21 por ter sido mediador de conversas entre representantes reticentes a certos pontos do acordo, como Índia e China. Ao final dos encontros, aderiu à “Coalizão de Alta Ambição” – grupo de mais de 100 países a favor de limitar o aumento da temperatura para 1,5ºC até 2100 –, uma iniciativa das Ilhas Marshall, espaço considerado vulnerável pela ameaça de elevação do nível dos oceanos.


De modo geral, o acordo se gaba por abarcar todos os países, países insulares, ilhas. Para tanto, os encontros contaram com inúmeros “facilitadores”, que propuseram mudanças e negociações para facilitar o consenso, bem como com mediadores, ONGs e membros da sociedade civil, que deram embasamentos e adesões ao processo. Ricos e pobres, “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”, resilientes e vulneráveis, a busca é por equilíbrio de interesses em uma configuração de cooperação entre Estados, mercado e cidadãos resilientes que proporcionem ambientes seguros que sustentem a perpetuação do capitalismo como o real e o ideal construído em torno de um futuro comum.  

 

Mudanças climáticas e tecnologias do governo planetário

 

Além de espaço para o fortalecimento da chamada governança global, a COP-21 funcionou como ambiente propício para o compartilhamento de tecnologias voltadas para a gestão do planeta. Para impedir que o aquecimento global ultrapasse o intervalo de 1,5oC a 2oC, conforme a decisão dos países reunidos em Paris, um arsenal de tecnologias para o monitoramento contínuo da Terra deve ser orquestrado para que seja possível verificar não apenas a evolução das temperaturas globais, mas acompanhar as dinâmicas de uso do solo de cada país ou mesmo de escalas locais cada vez menores, abrangendo cidades, vilarejos, fazendas ou até mesmo porções de florestas.


Durante a COP-21, a plataforma MapBiomas foi apresentada como uma solução de baixo custo capaz de fornecer dados atualizados sobre a geração de gases de efeito estufa no território brasileiro. Com base em imagens de satélite, a plataforma, que se encontra aberta na internet, oferece mapas anuais da cobertura e do uso do solo do território brasileiro, compreendendo dados sobre a biodiversidade, a produção agropecuária, o crescimento das cidades e o desmatamento, entre outros. O controle dos desmatamentos é uma das variáveis utilizadas para a elaboração das estimativas de geração de gases do efeito estufa, daí o interesse em monitorar as mudanças na utilização dos solos.


A criação e a execução do MapBiomas envolvem uma rede colaborativa de organizações não-governamentais, universidades e empresas, dentre elas a Google, que forneceu à entidade responsável pela iniciativa, o Observatório do Clima, a tecnologia do Google Earth Engine para o processamento de imagens de satélite armazenadas de forma não centralizada em nuvens de dados, podendo ser acessadas de forma rápida, mas que mantém o armazenamento físico das informações como monopólio da Google.


A base de dados dos mapas disponibilizados pelo MapBiomas são as imagens geradas pelos satélites estadunidenses Landsat. Estes satélites foram os primeiros lançados pela NASA para o sensoriamento remoto da superfície do planeta, ainda em 1972. A série Landsat é composta por oito satélites que foram sequencialmente substituídos ao longo dos anos. O último deles, o Landsat 8, foi colocado em órbita em 2013.


À medida que forem aperfeiçoadas as tecnologias de reconhecimento, principalmente os algoritmos que detectam automaticamente as diferentes coberturas do solo, o Observatório do Clima pretende produzir mapas anuais retroativos ao ano de 1985, também utilizando as imagens dos satélites Landsat.


Por meio desta série histórica de mapas será possível acompanhar as transformações do território brasileiro quanto à expansão das áreas de pasto, de agricultura e urbanas em detrimento das áreas de floresta. A aposta dos idealizadores do MapBiomas é que, ao permitir uma melhor compreensão das mudanças do uso da terra no Brasil ao longo das últimas décadas, a plataforma se torne referência para a produção de estimativas mais eficazes das emissões de gases de efeito estufa, além de fornecer dados atualizados e mais precisos para a gestão da ocupação territorial e para a formulação de políticas públicas.


Até a criação do MapBiomas, os dados nacionais de transformação de uso do solo eram produzidos, em média, a cada 6 anos. Os mapas que já foram produzidos pelo IBGE, INPE e IBAMA por meio da interpretação de imagens de satélite serão utilizados para o aprimoramento dos novos mapas.


O acesso aos mapas pode ser feito pelo portal MapBiomas. Eles trazem ferramentas que permitem visualizar informações e estatísticas em escala municipal, estadual e por biomas nos diferentes anos. Os biomas brasileiros são a Amazônia, a Caatinga, Cerrado, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica. Os mapas ainda apresentam a evolução das áreas dedicadas à agricultura e à pecuária, além de dados sobre a zona costeira.

 


O Brasil é o primeiro país a contar com a produção de monitoramentos contínuos da cobertura e do uso do seu território. Sinaliza-se que esta tecnologia, brevemente, poderá ser aplicada a outros países, à medida que mais pesquisadores e ONGs participem da iniciativa e colaborem para expandi-la.


Iniciativas como o MapBiomas e outras que certamente devem surgir em breve respondem à exigência colocada pela governamentalidade planetária, não deixando de prescindir do tradicional governo conectado por meio de acordos internacionais.Esta governamentalidade prefere investir em dispositivos flexíveis que convocam à participação, estimulam a criatividade e o compartilhamento de informações e incitam à negociação permanente como estratégia para o seu funcionamento, recobrindo-se de legitimidade.


O MapBiomas vai diretamente ao encontro do que fora acordado no documento final da COP-21. Mostra-se como um instrumento para mensurar e verificar o cumprimento das metas voluntárias apresentadas por cada país (as chamadas INDCs) para a redução do aquecimento global. Permite que todos os Estados produzam os seus próprios monitoramentos e que estes dados sejam compartilhados e acompanhados por órgãos internacionais e outros Estados, visando o crescimento do grau de confiança nesta nova forma de se governar o planeta, incluindo o controle das mudanças climáticas.


Não assombra que o controle climático planetário reatualize a máxima ecoambientalista do final dos anos 1960, depois também incorporada pelas empresas multinacionais em suas estratégias de expansão global, que diz: “pense globalmente e aja localmente”.


A sociedade de controle investe sobre o corpo do planeta e procura imprimir ao conjunto de viventes um tratamento sistêmico que conecta a menor porção de terra, todo e qualquer território, à transterritorialidade. Esforça-se para desenvolver meios para monitorar os mais diversos fluxos que atravessam o planeta e, desta maneira, impulsionar a produção de informações que tornem os fluxos planetários disponíveis para os variados dispositivos de governo.

 

 

 

R A D.A.R

 

Mother Earth, n. 11, fevereiro de 1914.
http://theanarchistlibrary.org/library/emma-goldman-intellectual-proletarians.pdf

 

Acordo de Paris

http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf
http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/spa/l09s.pdf
http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/fre/l09f.pdf 

 

Quadro da ONU para o Clima
http://newsroom.unfccc.int/

 

Carta de princípios do Banco Mundial e outas agências integrantes de ações para o clima http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/document/Climate/5Principles.pdf

 

Observatório do Clima
http://www.observatoriodoclima.eco.br/tag/seeg/

 

SEEG- Brasil (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa)
http://seeg.eco.br/

 

MapBiomas
http://mapbiomas.org

 

De onde vêm as perguntas?

 

A racionalidade neoliberal tem um poder de imantação impressionante. O movimento dos estudantes secundaristas em São Paulo contesta a política de redução de custos sob o manto pedagógico tecido pelo governo do estado. Ocupa os prédios, mobiliza pais e simpatizantes, interrompe o trânsito na cidade e faz a polícia exercer sua função principal e inerente: reprimir com violência quem desafia as decisões governamentais.


Conseguiu que o governo retirasse, temporariamente, sua medida educativa, comprometendo-se a dialogar com alunos e pais no próximo ano. Mas o movimento não está disposto a desocupar os prédios. Exige a retirada da medida do governo e o retorno ao que era antes. Os alunos argumentam que a vida da comunidade não pode ser prejudicada e exige a punição de policiais violentos.


A presidenta da UBES, em programa de entrevistas na TV por assinatura, enfatizou que a medida quebraria com os laços de familiaridade entre alunos, professores e funcionários, tratados por “tios” e “tias”. A bela presidenta desconhece que essa terminologia de referência vem das relações de presos com carcereiros nas prisões, assim como não deve ter lido, ainda, nenhuma página de Paulo Freire. Eis a liderança partidária ressignificada de hoje em dia. A miséria inventiva é uma marca registrada da burocracia sindical e partidária, condição da sustentabilidade de seus gestores.


Por sua vez, o apartidário movimento dos estudantes secundaristas, a exemplo de outros que o antecederam, por seu amor à causa e às cidades, parece aguardar o momento certo para externar sua partidarização. Por isso mesmo, antes que intelectuais elaborem sua tautológica pergunta sobre a gestão da escola, ao saudar o movimento, é preciso saber qual é a sua questão.


A racionalidade neoliberal é hábil em produzir convocações à participação, e nesse sentido, após sucessivas repressões, proporciona condições para o diálogo inovador e democrático. No movimento de 2013, o deslocamento da polícia de força repressiva da ordem para guardiã do movimento ocorreu quando o governo passou a considerá-lo pacífico, ao aceitar sua reivindicação de supressão do aumento de R$0,20 na tarifa do transporte público. Foi quando localizou em seu interior, entre tantas outras, a força inimiga, “os vândalos”. Ao identificar a força desviante, fez das demais suas parceiras de governo e aptas ao diálogo. Eis o resultado, em outras palavras, de se pedir punição aos policiais violentos! Desconhece-se que a polícia não se excede, mas exerce o poder legítimo de repressão física, cuja função é a de também quebrar o crescimento do movimento.


É desnecessário lembrar a prática da polícia contra manifestantes que protestavam na abertura da COP-21 em Paris. Assim como o apoio que a polícia recebeu das mídias que bradavam contra a profanação da mobilização do respeito aos mortos pelo Exército Islâmico na semana anterior.


Quebrar o movimento é uma estratégia conhecida que acaba unindo partidários e apartidários, disciplinando a todos para outros eventos legítimos, e intercepta, o quanto pode, as contestações radicais. É assim que uma contestação em formulação abre passagem para o conjunto das forças reativas.


De onde vêm as perguntas? Elas vêm das forças em luta. Porém, quando essas forças não ampliam e ultrapassam o tópico que as acionou, em vez de questões aparecem protestos, ainda que carnavalizados, que incentivam a reposição da ordem. A escola, além de ensinar o futuro cidadão a obedecer, preparando-o para a cidadania dos deveres, massacra os professores em um regime de procedimentos e “educa” crianças e jovens para seguirem, resilientes, as disciplinas e os monitoramentos.


A racionalidade neoliberal até agora pretendeu pavimentar as placas tectônicas dos continentes, pretendendo deixar claro que só há um movimento possível: o que repercute intempéries da natureza. E que a natureza deve ser conservada, gerida e controlada no capitalismo pela dedicação de cada um, seja criança, adulto ou idoso. A democracia, nestas relações participativas e inovadoras, mescla as convencionais direita e esquerda, da mesma forma que a natureza perturbada pelo humanitarismo capitalista ameaça levar, em breve, ao desaparecimento de várias ilhas. De um modo singelo, isso é o melhor que devem esperar as futuras gerações. Então, se não há como aguardar questões advindas desse reativismo, restam-lhes os programas que conjugam vulneráveis e resilientes.


Entretanto, as perguntas virão das ilhas, e não desses continentes que pretendem soldar seu subsolo móvel, convulso e revolto. As intempéries da natureza também são imprevisíveis e a vida da Terra jorra em lavas capazes de produzir novos arquipélagos de liberdade.





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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