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observatório ecopolítica

ano III, n. 33, abril de 2018.

Detecta e City Câmeras

 

monitoramento colaborativo e compartilhado

 


Logo após as manifestações do movimento conhecido como Occupy Wall Street, a polícia da cidade de Nova York assinou um novo contrato com a Microsoft. Não se tratava de fornecimento de computadores para catalogação de dados ou documentos, mas do desenvolvimento de um sistema de policiamento preditivo sem precedentes.


O policiamento preditivo, ou PredPol, como é conhecido pela indústria de segurança, utiliza o big data e inúmeros algoritmos para tentar prever quando e onde um crime acontecerá e quem será o autor. As pesquisas iniciais remontam ao Escritório de Pesquisas do Exército estadunidense sob o comando do Pentágono. Na cidade de Nova York, após inúmeras pesquisas, foi implementado o sistema Domain Awareness System (DAS – Sistema de Domínio da Consciência) componente do projeto CityNext da Microsoft, que possui equipamentos para monitoramento e melhoria de serviços da saúde até desenvolvimento de inteligência das Forças Armadas, funcionando sob o lema Empoderar cidades para serem mais sustentáveis, prósperas e inclusivas.


A Microsoft possui larga experiência em monitoramentos e é conhecida por suas parcerias com o governo estadunidense em torno do PRISM (Programa de Vigilância), uma atualização do Programa de Vigilância do Terrorismo, para quebra de qualquer mensagem criptografada trocada via internet, e que protagonizou os vazamentos do ex-assessor militar Edward Snowden. O PRISM era operacionalizado pela Microsoft e contava com as parcerias da Google, Facebook, Yahoo!, Apple, YouTube, Aol, Paltalk e Skype. Para o funcionamento desse novo projeto, a Microsoft estabeleceu outras parcerias com a Motorola Solutions, Accenture, Avanade, Capgemini, Allen, Telefônica, Genetec e Esri.


O DAS, por sua vez, é voltado para a segurança urbana e permite o acesso e cruzamento de inúmeros dados de câmeras de segurança, placas de carros, mandados de prisão, ligações de emergência, boletins de ocorrência, históricos individuais de crimes e infrações... Ou seja, reúne, organiza e ordena fluxos de dados de segurança captados em tempo real, extraindo-os de milhares de câmeras e bancos de dados, notificando-os no Windows Phone dos policiais. O DAS não está restrito somente a Nova York; é utilizado também nas cidades onde ocorreram manifestações contra execuções de negros pela polícia, como Baltimore, Chicago e Oakland.


Com funcionamento similar ao dos sites de busca mais populares, o DAS possibilita o cruzamento de inúmeros dados indexados para a produção rápida de informações a respeito do que pode ser considerado ou não como suspeita de conduta criminosa.


Ele segue o mesmo funcionamento de inúmeros aplicativos operados por algoritmos: primeiro, categoriza ações previamente programadas como conduta criminosa, passíveis de serem realizadas por qualquer sujeito-dado; assim, constrói um padrão e identifica o que é tido como suspeito. Em 7 anos, somente em Nova York, foram elaborados pelos algoritmos 10 mil padrões para emissão de alertas.


O DAS procura realizar a utopia da polícia automatizada.


O big data, a partir da utilização de inúmeros bancos de dados, cruza elementos automaticamente sem a necessidade de solicitação. Não é somente mais um banco de dados estático que acumula informações, mas um agente smart na multiplicação do monitoramento do que se estabelece, previamente, como conduta criminosa.


Programas como estes, apesar de toda parafernália, apenas atualizam o ideal do sistema penal em suprimir a cifra oculta, ampliando sua seletividade inerente, desta vez nas mãos também dos programadores.


monitoramento colaborativo e compartilhado no Brasil


No Brasil, o CityNext ficou conhecido quando a Microsoft, em parceria com a Google, iniciou o mapeamento das supostas favelas pacificadas, agora nomeadas como comunidades, da cidade do Rio de Janeiro em 2014, ano de Copa do Mundo da FIFA.


No mesmo ano, o governo do estado de São Paulo importou o DAS, que passou a ser conhecido como Detecta. Hoje, ele é o maior banco de dados policiais da América Latina.


Após diversos ajustes, o Detecta conta com inúmeras câmeras espalhadas pelo estado. Destas, mais de 2.000 foram instaladas apenas na capital, em parceria com a Prefeitura de São Paulo e a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).


De funcionamento similar ao modelo estadunidense, são incontáveis as fontes de informação do Detecta. Somam-se às imagens captadas dados das polícias civil e militar, do Registro Digital de Ocorrências, Instituto de Identificação, Sistema Operacional da Polícia Militar, Sistema de Fotos Criminais e do Detran, contemplando dados de veículos e da carteira de habilitação. Em casos específicos, também são recolhidos dados das câmeras particulares. A câmera de cada esquina passou a ser um potencial coletor de dados que podem ser solicitados, de forma remota, a qualquer momento.


No estado de São Paulo, o big data está em funcionamento com o business inteligence, que processa dados de acordo com um objetivo específico, por exemplo, de acordo com um alerta configurado para reconhecer quais são os comportamentos construídos como suspeitos em uma região e emitir alarmes para as viaturas mais próximas. Para reduzir as possibilidades de hackeamento, o Detecta não utiliza a internet. Seus servidores estão na Prodesp (Companhia de Processamento de dados do Estado de São Paulo), fundada durante a ditadura civil-militar e instalada na cidade de Taboão da Serra.


Do litoral de São Paulo até o Alto do Tietê está o cinturão eletrônico, como é chamado pela polícia, que é o maior anel de sistema de videomonitoramento da América Latina. Só nessa região são mais de 2.000 câmeras vinculadas ao Detecta, abrangendo 38 cidades. Com o Detecta, algumas das câmeras identificam simultaneamente uma ação designada como suspeita — como uma placa de carro que está com registro desaparecido, cujo proprietário é procurado ou desaparecido, um carro no acostamento, uma moto parada, ou pessoas transitando entre ou nas paradas próximas a veículos — e se emite alerta aos policiais mais próximos.


O Detecta, uma atualização do DSA, ainda dispõe de multiplataformas. Os policiais acessam o software por meio de notebooks, computadores, tablets e smartphones em uma interface simples que alerta sobre os incidentes. Cada dispositivo eletrônico possui campo de busca, mapa de incidentes com a sinalização de onde está cada câmera e outras funcionalidades. O acesso é realizado por comando a partir do COPOM (Centro de Operações da Polícia Militar), do CEPOL (Centro de Comunicações e Operações da Polícia Civil) e do CIISP (Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública do Estado de São Paulo).


Articulado ao Detecta, na capital, o City Câmeras foi instalado em julho de 2017 pela Prefeitura de São Paulo, em parceria com inúmeras empresas de segurança de monitoramento computo-informacional colaborativo. Logo após seu lançamento, a prefeitura recebeu a doação de 1.000 câmeras e um drone da empresa chinesa Hikvision, recém-chegada ao Brasil e uma das líderes no mercado de codificação de áudio e vídeo, processamento de imagens e armazenamento de dados. As câmeras doadas se somaram às outras 540 da prefeitura, e têm como diferencial a filmagem em resolução HD, infravermelho para imagens noturnas para até 30 metros, proteção para ambientes externos, detecção de movimentos e de obstrução, além de funções para o aprimoramento de imagens.


Com essas doações, a capacidade de coleta de imagens pela prefeitura praticamente triplicou. Porém, o City Câmeras prevê ainda o aumento exponencial das filmagens ao disponibilizar uma plataforma que reúne imagens de câmeras voluntárias. Diferente do Detecta, o City Câmeras não faz uma solicitação para acessar as imagens, mas dispõe colaborativamente de câmeras particulares cadastradas para o monitoramento e que podem ser acessadas simultaneamente pela guarda civil metropolitana, polícia civil, polícia rodoviária federal e polícia militar de São Paulo.


Qualquer proprietário de uma câmera pode participar. Basta contratar uma empresa de armazenamento de imagens em nuvem, obviamente indicada pela prefeitura, em vez dos tradicionais armazenamentos em gravadores cujos dados podem se perder com maior facilidade ou ser apagados após 24 horas do registro, como era comum.

 

A governada internet garante que os dados não se percam e que permaneçam seguros na nuvem e disponíveis para consultas quase concomitantes à sua gravação.


O monitoramento não é um epifenômeno colateral ou desejado das tecnologias computo-informacionais; ele é uma tecnologia de governo que convoca os cidadãos a alimentarem seu campo de atuação e cobertura. Não se trata de uma tecnologia a ser politizada, mas, antes, de política.


No site do City Câmeras pode-se verificar onde estão todas as câmeras da prefeitura na cidade e acompanhar ao vivo as movimentações, até mesmo formalizar uma denúncia mediante a localização de algo suspeito. Os que colaboram, disponibilizando suas imagens, podem acessar as câmeras públicas da região e recebem um certificado de integrante do City Câmeras.


O programa depende da participação protagonista daqueles prontos a disponibilizar seus equipamentos para policiar os outros, monitorar quem puder e denunciar o que o algoritmo não captar, ou seja, do cidadão-polícia!


Assim, o City Câmeras promove um monitoramento compartilhado e atualiza o Detecta na medida em que expande a malha de câmeras disponíveis.


Não basta só a fé nos algoritmos e em seus padrões a determinar o futuro seguro, mas um monitoramento colaborativo e compartilhado que alimenta a utopia da vida segura. Se a internet e as redes sociais digitais fortaleceram as denúncias escritas ou gravadas pelo celular, agora, expande-se, também, o monitoramento quando se compartilha os equipamentos e se convoca os interessados a ficarem assistindo e registrando as ações dos outros.


Tá tudo monitorado?



R A D.A.R


City Câmeras

Microsoft CityNext

Cinturão eletrônico do Detecta

Cartilha de adesão ao Detecta

Nu-Sol. Documentário Ecopolítica. A Céu Aberto

Abolicionismo Libertário – verbetes (polícia e vulnerabilidades)

Hikvision

The NSA files

hypomnemata 158







 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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