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observatório ecopolítica

ano I, n. 4, fevereiro, 2016.

 

 

Notas sobre o dragão chinês.
a porosidade das fronteiras


Mesmo a China, conhecida pela mais empedernida das fronteiras e pelo seu longo período de isolamento ao mercado ocidental, parece não resistir aos processos de circulação global de capital, seja ele social ou econômico. Suas fronteiras, não impedem mais os invasores, mas agora os organizam, filtram e classificam. A arte de governar os aglomerados populacionais também desenvolve suas tecnologias no Oriente. E a Grande Muralha nada mais é do que um ponto turístico nos medíocres roteiros das agências de viagem.


Um dos maiores países do planeta em extensão territorial e o mais populoso, a China demarca fronteiras ainda mais sutis no interior de suas cidades. As duas maiores, Shanghai e Pequim, dividem a população entre cidadãos naturais destes municípios, cidadãos residentes e os demais, quase um terço, que não possui nenhuma destas duas identidades. Escalonam, entre outros, os direitos de compra de propriedade e acesso a serviços públicos como educação e saúde. Trata-se de uma forma de controle do fluxo migratório de chineses habitantes do interior do país para os grandes centros urbanos, dentre outras coisas, para graduar o acesso ao capital humano.


Aos domingos, na conhecida Praça do Povo em Shanghai, senhores e senhoras amontoam placas pregadas em guarda-chuvas e sombrinhas, anunciando filhos com mais de 30 anos que ainda estão solteiros. Algumas das qualidades dos filhos “encalhados” constantemente propagandeadas são: a residência legal no município, a estabilidade financeira e o bom humor.


Hong Kong, uma cidade-Estado classificada como região administrativa especial, tem prazo de cinquenta anos para ser anexada e submetida às leis do país. Em novembro, ali foi disputada uma partida de futebol pelas Eliminatórias Asiáticas para a Copa do Mundo 2018. O jogo fez reacender os protestos iniciados em setembro de 2014 no que ficou conhecido como Occupy Central e levou milhares às ruas, reivindicando, principalmente, o direito ao voto universal para as eleições de 2017 (atualmente o voto direto é permitido, mas apenas para eleger os candidatos pró-Pequim, já selecionados pelo governo chinês). Em frente ao estádio de futebol em Hong Kong, moradores da ex-colônia inglesa protestavam contra sua incorporação administrativa à China. Querem eleger seu próprio governante e acreditam ser esta a demonstração democrática de uma liberdade política. A cosmopolita Hong Kong luta pelo direito de ser governada “democraticamente”.


Ainda em novembro, o governo chinês anunciou uma mudança na lei sobre controle de natalidade, aprovando que cada casal pudesse ter dois filhos, em vez de apenas um como o determinado desde a década de 1980. A mudança de estratégia diz respeito ao envelhecimento da população e à preocupação com seus custos previdenciários. Além disto, em tempos de crise financeira mundial, os filhos únicos agora têm que arcar com o sustento de seus familiares aposentados, o que onera em demasia as famílias chinesas. O país mais populoso do mundo evidencia um objetivo de governo característico às condições urbanas modernas: planejamento familiar, aglomerados populacionais e fronteiras são objetos de intervenção econômica para a gestão governamental.

arranjos ambientais pela sustentabilidade de mercado


Em novembro de 2015, antes mesmo do início da COP 21, travou-se outra batalha entre Estados na APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation). Ocorrida nas Filipinas, a cúpula sobre o mercado Ásia-Pacífico reuniu alguns líderes nacionais, como os presidentes da China, Rússia e EUA.


O ponto de tensão foi a disputa pela “soberania” nos mares asiáticos. De um lado, a China constrói ilhas artificiais entre os mares de Vietnã e Filipinas na tentativa de expandir sua área marítima e de militarizar a região. De outro lado, os EUA veem a possibilidade de avançar no mercado asiático apresentando-se como defensor dos países menores contra o dragão chinês, chegando ao ponto de Obama, em seu primeiro discurso no evento, oferecer um navio de guerra às Filipinas para tranquilizar seus novos parceiros. Em janeiro de 2016, os chineses retrucaram, com uma visita festiva de navios de guerra à Indonésia a fim de celebrar uma parceria militar. No meio, alguns “militantes” foram às ruas, divididos entre protestos contra os yankees e outros contra o domínio do dragão chinês. Militantes que clamam pela soberania das Filipinas, pertencentes do grupo Nova Aliança Patriótica, dizem querer fugir dos imperialismos, mas não deixam de se render ao Estado bradando pela soberania nacional. A pauta era soberania e mercado, ou soberania de mercado, pouco importando os possíveis impactos ambientais, diante do fato de que as ilhas chinesas inteiras estão sendo construídas naqueles mares.


Dias depois, na COP 21, os dois “líderes globais” realizaram um encontro bilateral para discutir um acordo satisfatório como resposta às mudanças climáticas. São ambos os que mais consomem energia no mundo, não assinaram o Protocolo de Quioto, realizam uma guerra de mercado de dimensões globais e se retroalimentam como antagonistas na geopolítica contemporânea. Todavia, seguindo a tradição desde o primeiro encontro ambiental global em Estocolmo, em 1972, a discussão recai sobre a prerrogativa de não impedir o crescimento econômico e, na melhor das hipóteses, mitigar os efeitos das agressões ambientais. No mês de dezembro, eles assinaram o Acordo de Paris.


Outro superlativo costumeiramente atribuído à China é o de país mais poluidor do mundo. Suas indústrias se utilizam da queima de carvão vegetal para gerar energia em que, somada às fumaças de seus carros, produzem uma neblina fétida que paira durante a maioria do inverno em cidades como Pequim, Shanghai e Chongqing. Em 7 de dezembro, mais uma vez, a prefeitura de Pequim anunciou seu alerta vermelho por poluição. Ordenou o fechamento de 2.100 fábricas, suspendeu aulas, instituiu o rodízio de carros alternando entre finais de placas pares e ímpares.


Enquanto isto, estão em pauta desde a COP 21 os planos nacionais de combate à mudança climática, com agendas de redução de emissão de gases de efeito estufa, cujos efeitos se contabilizariam daqui 10, 20, 30 e até mais de 50 anos. No “acordão” fechado ao final da cúpula, o principal ponto foi a diminuição da meta redução do aumento da temperatura global de 2ºC para 1,5ºC em relação ao período pré-industrial. Compensar carbono, em vez de reduzir emissões, significa equalizar a emissão de gás carbônico dos Estados desenvolvidos com a não geração dos mesmos gases por países menos desenvolvidos industrialmente ou que possuem grandes reservas florestais. Esta compensação representa investimento em mais tecnologias de captura deste gás, mais fazendas de florestas de eucalipto conhecidas como “desertos verdes”, mais suntuosas reuniões globais envolvendo os altos investidores ambientais e líderes mundiais, mais... mais... mais... O desenvolvimento sustentável não é um obstáculo, mas apenas uma boa oportunidade para negócios. Ainda assim, caso os resultados não apareçam, as metas também podem ser revisadas a cada cinco anos.   


Enquanto as populações claudicam nas megalópoles orientais e ocidentais, a maior preocupação dos governos é não comprometer o crescimento econômico, produtivo e o potencial consumidor global.


Tecnologia da miséria sustentável em seu movimento transterritorial.





R A D.A.R

A Construção de Ihas Chinesas

http://grapprics.wsj.com/south-china-sea-dispute/?mod=e2tw

Ondas gravitacionais


Observation of Gravitational Waves from a Binary Black Hole Merger. In Physical Review Letters, n. 116, February 2016.
http://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.116.061102#fulltext

Frevo: dançar-lutar


O frevo é ritmo e dança. Passo ligeiro que vem dos capoeiras com sua ginga de corpo, do encontro na rua, do carnaval solto, do desiquilíbrio malabarista entre guarda-chuvas ou sombrinhas. Ficou conhecido no carnaval, por avançar pelas ruas com música, inventar passos, desafiar a gravidade, a ordem e muitas vezes até a polícia.


Hoje, o frevo destrambelhado que ainda escapa pelo corpo de quem dança, também virou alvo de institucionalizações: passou a ser patrimônio histórico da humanidade, regulamentado pela UNESCO, com treinamento de meninos e meninas pobres em periferias do Recife em projetos sociais conectados a financiamentos europeus, campanhas eleitorais, polícia e ao contentamento de uma certa elite e sua prática higienista, que aprecia de seus camarotes, a coreografia governamentalizada dos esquadrões de passistas.


Sobre liberações da fervura do corpo eletrizado ao som dos metais, incide uma série de interesses pelo governo da chamada escória que a qualquer momento pode ferver e implodir a ordem dos pacificadores e pacificados.


O frevo ganhou uma origem a partir da pesquisa de Evandro Rabello, que encontrou em uma notícia de jornal do início do século XX, na imprensa de Recife, a primeira publicação da palavra “frevo”. Rabello estabeleceu o ano de 1907 como marco e este foi o dado utilizado pelo governo brasileiro para conduzir na UNESCO o processo de institucionalização do ritmo e da dança como patrimônio da humanidade.


O frevo recebeu data comemorativa e foi imediatamente capturado como ícone nacional do Estado e a ele vinculado. O marketing da prefeitura, os interesses das empresas de turismo, e o patrocínio desde marcas de cerveja a bancos reduziram o frevo do carnaval de Recife a uma pequena sombrinha colorida manipulada por treinados ginastas para agradar gringos, turistas e a própria ONU.


As prefeituras de Recife e Olinda, entre seus tantos representantes, insistem em dizer que o carnaval é democrático, e que Pernambuco é a prova do empresariado que abre vagas de emprego, do cidadão empreendedor por meio de vendas ambulantes, e principalmente da satisfação do folião, protegido pela polícia civil, militar e científica, como insistentemente afirmavam os cartazes espalhados por toda cidade.


Não é de hoje que o Estado visa capturar as práticas mais sediciosas que irrompem, como definiu o Plínio Marcos, nas quebradas do mundaréu. A capoeira e o samba foram proibidíssimos até o governo Getúlio Vargas, no início do Estado Novo. Mas durante a ditadura, capturá-los foi o mote para fortalecer a propaganda de um Brasil genuíno.


O frevo é ritmo solto e febril, de corpos que se encontram, se esbarram, suam e fervem ao dedilhado melódico, ao som dos metais no sopro cúmplice dos músicos e da percussão sincopada. A vida pulsa e sempre pode lançar escapes, botar pra ferver o que perece, e fazer da capoeira ágil do passo a nota insistente da saúde de quem prefere sua liberdade na rua sem o aval do Estado e dos seus negócios.

Crianças


Emma Goldman. The child and its enemies. In: Mother Earth, Vol. 1; No. 2, abril de 1906.
http://theanarchistlibrary.org/library/emma-goldman-the-child-and-its-enemies

Fundação CASA, uma fratura exposta do regime do castigo.


Há momentos na vida em que salta na pele, no sangue e nos ossos, nas vísceras e na medula, o insuportável daquilo que não tem nome. Aprisionar jovens é algo do espaço do inominável.


Em momentos assim, é o óbvio escancarado que se apresenta diante da visão que turva, do olfato que nauseia, do toque que exaspera, da audição que tonteia, da língua que se engrossa em meio à saliva que seca. É a própria palavra que se esvai, como se recusasse a ser encontrada e pronunciada, diante do monumental prosélito punitivo e da tão retocada retórica restauradora de encarceramentos, sob a lustrosa designação de “aplicação de medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei”. Urge abolir a prisão para jovens no país!


E qualquer concessão que se faça em detrimento desta afirmação e em favor da continuidade de encarceramentos é compactuar com as atuais plasticidades protetoras dos aprisionamentos, intra e extra muros.


No dia 26 de novembro de 2015 a Fundação CASA, por meio de sua Escola de Formação e Captação de Profissionais (EFCP), realizou o III Seminário de pesquisa — Medidas socioeducativas: avanços e desafios. O Seminário ocorreu na Unidade da Fundação CASA situada na Avenida Celso Garcia, no mesmo local do antigo quadrilátero Tatuapé da FEBEM-SP, que ficou conhecido também como o “quadrilátero da morte”.


O cheiro que lá exalava era o de prisão, manicômio e tribunal. Da medonha FEBEM à abominável Fundação CASA, é do cárcere para jovens que se trata. Da Fundação do Bem-Estar do Menor à Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, o pasto é farto e só mudam as moscas. E algumas permanecem as mesmas, contradizendo a própria dipterologia quando define que o tempo de duração da vida de uma mosca é de 24 horas. Hoje, mais do que nunca, o pasto farto e seletivo é próspero.


O objetivo do Seminário foi “compartilhar o conhecimento produzido por pesquisadores”; reiterado pela procuradora do Estado Berenice Gianella (Presidente da Fundação CASA) na conclusão de sua fala de abertura por meio da seguinte frase “É importante mostrar que a Fundação CASA se importa, muito além da questão do atendimento, também, com a pesquisa e o conhecimento”.


Do compartilhar conhecimento e pesquisa à atual ênfase na gestão compartilhada, que também teve um de seus baixos começos no país pelo estado de São Paulo, no vaivém de reformas, descentralizações e inovações, sob a chancela da proteção integral, é do compartilhamento do governo que se trata, na usurpação da vida que se inicia pelo sequestro de quereres e corpos de jovens e do castigo incidindo neles. Os negócios protetores-socioeducativos são volumosos e vultosos no pasto que não finda para as moscas que abundam.


No auditório I da EFCP, um enorme galpão similar a um container, cadeiras escolares dispostas disciplinarmente estão ocupadas por funcionários de décadas e outros tantos mais recentes, pesquisadores da própria Fundação CASA, pesquisadores externos de universidades, institutos e ONGs que aguardam a chegada da presidente da Fundação para a abertura do seminário.


As atmosferas estampadas na cara, nos gestos, nas roupas, nas vozes do público em trajes variados, formam um bloco homogêneo. A presidente da Fundação chega. Abre sua fala nos seguintes termos: “quero destacar e agradecer a presença no dia de hoje de duas pessoas que se encontram na plateia, o pesquisador Fernando Sala [do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP)] e a Bia, do Sou da Paz [Beatriz Miranda, assessora sênior do Instituto Sou da Paz]”. A presidente da Fundação, festejando a parceria recém firmada, anunciou que o Instituto Sou da Paz passará a fazer parte do Conselho Curador da Fundação CASA.


Nunca é demais repetir que um dos baixos começos do Instituto Sou da Paz se encontra no movimento Reage São Paulo, que congregou as mais variadas facetas autoritárias quando na ocasião do caso Bar Bodega, envolvendo jovens considerados infratores, e que derivou em ondas de manifestações que clamavam pela pena de morte. Uma de suas cristalizações redundou na criação da lei de crimes hediondos no país.


O seminário consistiu em três sessões, com variados painéis, duas pela manhã e uma à tarde, mediadas por funcionários da Fundação CASA. A primeira comunicação programada para o período da manhã “A adolescente em privação de liberdade em São Paulo: reflexões sobre a internação feminina no CASA Parada de Taipas”, não ocorreu pois a palestrante Cristiane Batista da Conceição não compareceu. Na segunda mesa da tarde foi suprimida a palestra “Um arte-educador no ensino não formal: um estudo dos sentidos e significados constituídos para a atividade docente de Arte e Cultura em medida socioeducativa”, de Vanessa Cristina da Silva, diante de sua ausência. Remontou-se tudo. A comunicação “Corpo e a CASA: etnografia de jovens infratores no contexto socioeducativo”, da terapeuta corporal Tatiana Molero Giordano, que concluiria a primeira mesa do dia, abriu as sessões.


Giordano foi agente na unidade Guarulhos e seu mestrado derivou de pesquisa efetuada em diversas unidades de internação entre os anos de 2010 a 2012. A ênfase de seu trabalho concentra-se na Unidade de Internação Chiquinha Gonzaga, destinada a garotas consideradas infratoras, que comporta, ainda, ala específica para as grávidas e berçário para os bebês que acabaram de nascer e ainda não foram arrancados das mães. Durante sua exposição, Giordano convidou para acompanhá-la Ana Borboleta, que trabalha com oficinas “arte na medida”. A técnica utilizada por Ana Borboleta, de acordo com suas palavras, “baseia-se na concepção que orienta o teatro do oprimido” de Augusto Boal e a pedagogia do oprimido de Paulo Freire. Segundo Giordano: “No mundo todos oprimem e são opressores e a oficina possibilita vivenciar a saída do papel de opressor.” Diante desta colocação ressalta a importância do que chama de “teatro Fórum”, baseado no diálogo e na justiça restaurativa, sublinhando seu efeito positivo junto aos jovens encarcerados na Fundação CASA ao articular responsabilidade e protagonismo. Giordano, ainda, lança mão da neurociência, para destacar o papel da Arte nos estudos de neurofisiologia como aquele capaz de ativar várias partes do córtex cerebral que mediarão, por sua vez, várias partes do corpo. Segundo ela, portanto, trata-se da “consciência corporal, protagonizando a história”. Sua conclusão é, literalmente, a seguinte: “durante o trabalho no período de um ano houve apenas uma rebelião”. Giordano conclui de forma tautológica, que “é necessário continuar investindo naquilo que vem dando certo na Fundação CASA para ter uma nova Fundação CASA”, e destaca em especial: “a neurociência; a justiça restaurativa; a arte-educação”. De forma simultânea, dá uma dupla longevidade tanto à prisão para jovens quanto ao tempo de aprisionamento quando em sua fala acena para uma inversão da idade penal, por meio do prolongamento da aplicação da medida socioeducativa, lançando mão do argumento neurocientífico de que o cérebro só está totalmente formado aos 24 anos.


Fábio Meirelles Alves, com a palestra “Comportamento infracional e as normas: regulação da conduta pelo constrangimento interno e externo”, apresentou os resultados parciais do mestrado em andamento em Psicologia na USP/Ribeirão Preto. O trabalho tem por objetivo, segundo o autor, “melhorar o atendimento da instituição” e se fundamenta na teoria da regulação da conduta de Marc Le Blanc: “quanto mais o adolescente legitima autoridades com as quais ele convive, com destaque para a polícia, mais ele estará protegido de cometer delitos. Quanto mais ele achar que vai sofrer uma sanção, mais ele vai estar protegido de cometer delitos”. Sua pesquisa baseia-se na aplicação de instrumento de avaliação que escalona “as normas e os valores dos adolescentes”, em entrevistas aplicadas junto a 72 garotos entre 12 e 16 anos e divididos entre os submetidos a medidas de internação e semiliberdade e estudantes na escola. Seu trabalho glorifica a polícia, a punição, o aprisionamento e ratifica a racionalidade neoliberal da gestão dos riscos articulada pela política de proteção da segurança.


Alex Sandro Gomes Pessoa apresentou em sua palestra os resultados finais de seu doutorado na UNESP de Presidente Prudente. “Trajetórias negligenciadas: processos de resiliência em adolescentes com histórico de envolvimento no tráfico de drogas”, financiada pela FAPESP. Pessoa trabalhou com 565 garotos e garotas inseridos em variados lugares, como escola, projeto social, CREAS e Fundação CASA. Sua conclusão reafirma a importância do conceito de resiliência, ressaltando que o tráfico é um ambiente que a reforça, pois por meio dele as pessoas também vislumbram possibilidades positivas de melhorar de vida. Segundo suas palavras “o tráfico só se torna positivo quando falhamos como sociedade”. Ressaltou ainda que a pesquisa mostrou a escolaridade mais positivada no interior da internação do que fora dela. Finalizou sua fala fazendo referência à criação de uma nova unidade de internação em Presidente Bernardes e acenou que “espera continuar com novas parcerias com a Fundação CASA”. Durante o debate, a Superintendente Pedagógica da Fundação CASA aproveitou a deixa de Pessoa e o convidou para fazer uma nova pesquisa junto a assistentes sociais, psicólogos e demais técnicos para medir quem são na Fundação CASA os “tutores de resiliência”. Ele aceitou prontamente. O investimento na formação de jovens resilientes é um dos atuais campos explorados para adequá-los à vida na prisão e conformá-los à miséria da existência dentro ou fora dela.


Elvio Luciano Bono, que trabalhou por muito tempo como agente no complexo Tatuapé da FEBEM, apresentou a palestra “Atos infracionais e consumo de álcool e outras drogas na adolescência: investigação das relações existentes”. Sua pesquisa consistiu na avaliação de 120 jovens, por volta de 13 anos, em internação provisória que aguardavam decisão judicial. Bono aponta que o uso da maconha se destaca entre outras drogas e enfatiza, segundo suas próprias palavras, que “a desvinculação do ambiente da escola é o grande fator de risco”. Sua exposição calcada em medidas preventivas e protetivas exaltou, simultaneamente, o que constitui a grande eficácia moral do discurso de prevenção a certas drogas e da defesa da escola: ensinar a temer e obedecer.


Fernanda Augusta Penacci Torralbo, Diretora da Saúde da Região Sudoeste da Fundação CASA, apresentou a palestra “O sistema de referência e contra-referência no atendimento do adolescente infrator: percepção dos profissionais de saúde da Fundação CASA”. O trabalho realizado abrangeu o período de 2006 a 2008 e concluiu que “o modelo de atenção à saúde na Fundação é primário, englobando a prevenção e promoção. Não há a dimensão secundária nem terciária, pois depende do SUS para sua integralidade. (...) O pacto pela saúde é o pacto pela vida”. Destacou, ainda, que os atendimentos mais rápidos e frequentes são aqueles encaminhados para o psiquiatra por meio de interferência do juiz. Esta é uma das possíveis sinalizações para a regular psiquiatrização a que são submetidos os jovens sob medidas socioeducativas. Investe-se em amansá-los, também, por meio de drogas psicotrópicas.


Anderson Soares de Souza apresentou as conclusões de seu mestrado em pedagogia na USP, defendido em 2015. Sua exposição concentrou-se em anunciar a necessidade de valorizar a figura do pedagogo nas unidades de internação da Fundação CASA, que segundo ele vem perdendo espaço para profissionais de outras áreas que são absorvidos como “educadores”. Neste momento explicitou-se a atual disputa por nichos e reservas no cárcere para jovens de um dos campos que configuram o “mercado socioeducativo”.


Miriam Aparecida Guedes apresentou a palestra “Educação e os jovens em medida socioeducativa de semiliberdade: um desafio ao educador no cotidiano escolar”. A conclusão de seu mestrado em educação defendido na UNINOVE em 2014 repisa, mais uma vez, a articulação entre o cárcere para jovens e a escola com ênfase na atual “formação permanente” dos profissionais da educação, promoção de “ambiente escolar” favorável ao “acolhimento”. Evidencia-se, assim, em espaços abertos, semifechados e fechados o duplo recíproco e complementar entre o que se chama de recolhimento e acolhimento.


Rodrigo Alves Linhares, psicólogo e arte-educador, apresentou a palestra “Educação musical e medidas socioeducativas: a trajetória do Projeto Guri e seus fundamentos metodológicos”, resultado de seu mestrado profissional defendido na UNIBAN, quando ele trabalhava no Projeto Guri. Ele foi responsável na época pela gravação de dois CDs com os jovens internos: FEBEM concert 1 e FEBEM concert 2. Hoje ele é coordenador da Associação Horizontes, outro atual parceiro institucional da Fundação CASA. Em sua exposição reafirmou a importância de aliar arte e cultura ao trabalhar com o ensino coletivo da música e com as emoções. Sua conclusão já explicita o que está em jogo: “no início das aulas começam com o som descompassado, depois vai alinhando. Depois que passam a ter aulas musicais eles ficam mais calmos.” Pretende-se domesticá-los, alinhá-los, amansá-los.


O Seminário da Fundação CASA constitui, simultaneamente, de maneira específica e explícita, uma vitrine e um monumental balcão de negócios de pequena, média e alta magnitude na gestão compartilhada do aprisionamento de jovens intra e extra muros. Trata-se da evidente conexão agenciadora de pesquisas, suportes tecnológicos, acordos com a polícia, programas e projetos dentro e fora das unidades de internação, em unidades de semiliberdade, em acompanhamento de jovens cumprindo medidas socioeducativas em meio aberto, em acompanhamento de egressos, enfim, arranjos e ajustes que pretendem inovar o bolor apodrecido da prática penalizadora e aquecer o mercado dos mascates da miséria.


E se já no início da manhã daquele seminário consagrava-se o mais recente negócio, de alta magnitude, realizado entre a Fundação CASA e o Instituto Sou da Paz, outros negócios e acertos, pautados pelo quadrilátero da arte-educação-resiliência-neurociência-justiça restaurativa foram fechados ou renovados com velhos e novos parceiros até o entardecer.


A palavra mais repetida no seminário da Fundação CASA foi proteção. E é em nome dela que se atualiza a versão carnífice das moscas que zunem e pousam sobre os corpos de crianças e jovens. Nos encostos das cadeiras do galpão-container havia uma placa de metal prateado contendo o nome FEBEM-SP em cima do número de patrimonialização, logo abaixo, um adesivo plástico colorido contendo o nome Fundação CASA e o mesmo número de patrimonialização. Não há dúvida de que o pasto é vasto e que há moscas que duram mais que um dia. Urge abolir a prisão para jovens no país!






 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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