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observatório ecopolítica

ano III, ns. 55-56, agosto/setembro de 2019.

 

anarquistas pelo planeta e o avanço do anarcoterrorismo.

 

A Indonésia é composta por milhares de ilhas e está localizada no sudeste asiático com fronteiras terrestres com a Malásia, Papua Nova Guiné e Timor-Leste. Conta com 250 milhões de habitantes, a maioria adepta do islamismo. Foi colônia holandesa do século XIX até a II Guerra Mundial quando, em 1942, foi invadida pelo Japão com o auxílio da Alemanha nazista que acabara de invadir e dominar a Holanda. Com a liderança de Sukarno, aliado dos japoneses, buscou a independência em 1945, reconhecida quatro anos depois. Sukarno tornou-se presidente da Indonésia, aproximou-se do bloco soviético e chinês, declarou-se presidente vitalício em 1963, e acabou sendo deposto.

 

O país ocupou as manchetes de jornais no final da década de 1960 que noticiavam o sucesso dos EUA junto ao general indonésio Suharto, para barrar o avanço do comunismo. Na época, aproximadamente meio milhão de pessoas foram executadas sob a acusação de se oporem ao governo militar.

 

Esses corpos somariam-se a tantos outros que sumiram nos anos seguintes e aos milhares de mortos na guerra com o Timor-Leste na década de 1980, confronto também marcado pela alegação de barrar o avanço do bloco soviético.

 

Nos últimos anos, as notícias de práticas anarquistas na Indonésia passaram a ganhar repercussão. Como se sabe, as práticas anarquistas, quase do outro lado do planeta, não costumam ser muito noticiadas. Muitas vezes são vistas até mesmo como exóticas por aqueles que pretendem demarcar um berço europeu para os anarquismos.

 

Uma das procedências dos anarquismos na Indonésia, remonta à passagem do anarquista Zhang Ji no começo do século XX que percorreu Ásia e foi um dos fundadores da Associação de Solidariedade de Tóquio em 1907. Esta associação pretendia combater as produções intelectuais nacionalistas financiadas pelo Império japonês e utilizadas como justificativas para a colonização de territórios vizinhos.

 

Zhang Ji, na época, incansável na luta contra o Império do Japão, e combatente da dinastia Qing, aportou em Java e depois relatou em suas memórias as lutas espalhadas pelas ilhas em combates libertários contra a invasão holandesa.

 

Anarquistas procedentes da China, assim como Zhang Ji, reuniam-se em casas para fazerem leituras de textos libertários. Pelo arquipélago, espalharam-se associações que tinham como um de seus alvos combater a pretensão da Indonésia a se tornar império ou de dominar mercados da China, Holanda e Japão.

 

Assim, inventavam associações e publicavam periódicos contra o Estado e a favor de uma alimentação vegetariana, contra a violência aos animais e pelo uso de roupas naturais. Eclodiam mais associações em Java, Timor e Cingapura. Nos mares do sul também se divulgavam os escritos de um periódico procedente da China, o Minsheng (Vozes do povo), fundado pelo libertário Liu Shifu.

 

Liu Shifu ficaria conhecido pelas suas aventuras pela Ásia, por sua atração pelo anarcoterrorismo e por seu contato com anarquistas no Japão. Quando ali esteve, acompanhou os massacres perpetrados pelo Império do Japão contra coreanos e libertários na década de 1910.

 

Zhang Ji, anos mais tarde, envelhecido, aderiu à Revolução Chinesa e tornou-se integrante do partido. Tornou a publicar suas memórias contando episodicamente sobre os anarquistas naquela região do planeta.

 

Liu Shifu, morto na década de 1910 por conta de complicações de saúde, permaneceu vivo por meio de seus escritos pela Malásia, Hong Kong e Indonésia, percorrendo as associações camponesas pelo sul e sudoeste da Ásia e atiçando práticas libertárias principalmente na Indonésia e na Malásia, e rapidamente se tornando alvos da polícia.

 

Mesmo assim, sem se limitar a fronteiras, os libertários fugiram e inventaram outras sociabilidades apartadas da obediência ao imperador, ao sultão, ou à dinastia.

 

Na década de 1920, com a ascensão do fascismo japonês, o massacre que se seguiu por toda a Ásia, e que culminou na invasão japonesa ao país em 1942, acreditou-se que os anarquismos na Indonésia tinham sido sufocados.

 

Século XXI

No primeiro de maio de 2019, em Jakarta, os anarquistas romperam um bloqueio policial em uma estrada e um grupo de anarcossindicalistas pôde dar continuidade à sua manifestação e se reunir no ponto de encontro com outras milhares de pessoas.

 

Em agosto de 2019, na mesma cidade, em uma manifestação trabalhista em frente ao parlamento de Jakarta, um anarquista foi preso por usar uma camiseta com escritos pelo fim da existência da polícia. Outros sete anarquistas foram presos em seguida sob a acusação de serem integrantes da associação Anarko, que agitou o primeiro de maio de Bandung neste ano.

 

Até agora, não há mais notícias sobre eles.

 

O primeiro de maio de Bandung foi marcado por uma mancha negra que invadiu a cidade e que não estava interessada em negociar com empresários ou com o governo por melhorias em condições de trabalho. Bradavam contra o capitalismo, contra o sultão e contra o Estado. A polícia cercou a mancha negra anarquista por dois lados, dividindo em dois grupos para espancar e prender os jovens.

 

O resultado foi a prisão de vários anarquistas. Muitos deles foram torturados, despidos, tiveram as cabeças raspadas e seus corpos e rostos pintados com spray. Outros jovens foram obrigados a rastejar quase nus pelo asfalto. Posteriormente foram soltos. Entre eles estava Arpatam, de 20 anos, e que após ser atingida várias vezes no rosto pela polícia, ficou no chão sem conseguir respirar e com lesões no nariz e nos olhos.

 

Em seguida foi levada a uma base militar junto com outros jovens, onde teve sua roupa arrancada e recebeu uma nova sessão de espancamento. Somaram-se à jovem Arpatam outras 618 pessoas e um jovem atropelado. 3 deles ainda permanecem presos sob a acusação de destruírem propriedades.

 

Em uma conta na rede social Instagram foram reunidas fotos e vídeos daquele dia. Sob o codinome de Gardoefack, anarquistas lançaram um breve texto pedindo a quem tivesse outros registros, que os enviassem para serem divulgados.

 

Em meio ao material reunido, lançaram um vídeo com a leitura de um pequeno texto. Em uma passagem, afirmam: “Nós somos uma maldição para vocês. Mesmo sendo espancados, chutados, desnudados, continuaremos a lutar junto com milhões de antepassados… Somos o vento que se espalha em vários espaços para combater a dominação. Continuaremos a lutar. Combatendo. Combatendo. Nos tornaremos a fúria contra os ardilosos governantes”.

 

No Primeiro de Maio em outra cidade, Makassar, oito anarquistas desapareceram. Durante as manifestações, algumas pessoas foram sequestradas pela polícia e enviadas à delegacia de Panakukang. A cidade ficou completamente parada com a busca pela polícia aos anarquistas. Não há qualquer informação a respeito dos libertários. A eles se somaram outros 11 anarquistas que sumiram pela cidade. Além de prisões sumárias, alguns desaparecem após serem abordados e obrigados a entrarem em carros pretos sem identificação.

 

Porém, a presença dos anarquistas neste ano nas manifestações de primeiro de maio não foi novidade.

 

Percurso recente das lutas

Desde 2008, as perseguições aos anarquistas somente se intensificaram. Nas manifestações do Primeiro de Maio daquele ano, libertários atacaram o edifício Bakrie em Jacarta. É um prédio que articula escritórios de várias empresas pertencentes ao político e empreendedor Aburizal Bakrie ─ que foi Ministro da Economia (2004-2005) e era o então Ministro do Bem-Estar do Povo (2005-2009) ─ conhecido pela exploração intensiva e extensiva dos trabalhadores.

 

A polícia respondeu com prisões e espancamentos, mas muitos anarquistas conseguiram se libertar com a ajuda de outros companheiros e puderam retornar para a manifestação. Entretanto, a polícia reuniu um maior contingente e preparou uma emboscada. Em pouco tempo, todos os 200 militantes foram presos.

 

Em 2011, uma sede do Mcdonald's em Makassar foi destruída com tijolos arremessados. Em nota, os libertários declararam: “Sabemos o que vocês, multinacionais, fazem com o povo de Kulon Progo, Takalar, Bima e de outros lugares. Estamos com raiva e faremos mais!”

 

Alguns dias depois deste ataque, uma nota foi encontrada em uma das sedes do Banco Central da Ásia: “Não queremos machucar ninguém, a destruição de propriedades não é a violência! O Estado, os militares, a polícia e os capitalistas são os verdadeiros terroristas!”. A nota, assinada pela Frente Insurrecional Deus Está Morto, assumia os ataques incendiários aos caixas eletrônicos.

 

Pouco depois, em Manado, mais um caixa eletrônico foi destruído. A Conspiração Internacional da Vingança, afirmava: “Ficamos cansados de todos os métodos padrão que nunca são ouvidos. Não há mais motivos para permanecermos passivos e não contra-atacar. Isso é guerra!”.

 

Ainda no ano de 2011, dois jovens conhecidos como Billy e Eat (Billy Augustian e Reyhard Rumbayan) foram capturados após um deles deixar a carteira cair depois de queimar um caixa eletrônico em Jakarta. O ataque foi em homenagem a Luciano Tortuga, anarquista chileno que perdeu as mãos enquanto manuseava uma bomba que instalava em um banco nas ruas de Santiago. O anarquista sul-americano ainda nomeava o grupo que articulou o ataque – Célula Vida Longa a Luciano Tortuga –, que depois, se uniu à FAI (Federação Anarquista Informal) na Indonésia.

 

35 dias depois de presos, Billy e Eat lançaram um comunicado saudando anarquistas pelo planeta: “Enviamos nossos abraços a todos os integrantes da FAI em todo o planeta (aqueles que estão livres e presos) e também aos membros da CCF [Conspiração das Células de Fogo] na Grécia, nossos verdadeiros sentimentos revolucionários e calorosos a todos vocês. (...) Abraços calorosos e saudação a todos os combatentes no Chile, Grécia, Portugal, Itália, Espanha, Alemanha e todos os anarquistas revolucionários que não recuam diante da repressão”.

 

Manifestações anarquistas pela libertação de Billy e Eat passaram a tomar as ruas das principais cidades da Indonésia. A resposta foi o aumento das perseguições e em uma delas, quatro jovens foram presos por portarem sprays e cartazes de solidariedade a Billy e Eat. O interrogatório e a tortura dos quatro durou vários dias. E esse passaria a ser o método usado pela polícia para o mapeamento das informações sobre as associações anarquistas que irrompiam pela Indonésia. Após um ano e meio na prisão, Billy foi liberto em novembro de 2012, um mês depois, Eat voltou às ruas.

 

Em 2013, quando uma manifestação foi organizada por sindicalistas e outros grupos contra o aumento programado do combustível, os libertários comunicaram por meio da FAI: “não estamos interessados em nos envolver na onda de protestos em massa contra os aumentos dos preços dos combustíveis (...). Aqueles que saíram às ruas carregando faixas e gritando, realizando ações repetitivas e previsíveis, escondendo-se na terminologia de 'protesto pacífico' para esconder sua incapacidade de atacar os opressores”.

 

No mesmo ano de 2013, um grupo ligado a ELF (Frente de Libertação da Terra) atacou um carro e uma loja pertencentes ao vice-secretário do Partido Democrata no sul de Sumatra. Também foram realizados ataques contra caixas eletrônicos em Makassar, sabotagem de estações de eletricidade em Jakarta, um incêndio em uma fábrica de coletes à prova de balas em Bandung e outro incêndio contra o Instituto Kesenian, espaço voltado a cursos de artes para a burguesia.

 

Uma das respostas foi a internação de 64 anarquistas em campos de reabilitação em Aceh. A região é marcada pela religiosidade e como um dos principais pontos do islã no sudoeste asiático. A FAI não se aquietou e lançou ataques em um karaokê e uma loja de roupas em Jakarta, e a uma escola de polícia na Kalimantan Oriental. Em Aceh, onde os anarquistas estavam presos, ao todo três prédios pertencentes a Hamdan Sati, chefe do distrito de Tamiang, foram incendiados. Os anarquistas declararam: “queremos esclarecer que não somos acehneses. Não temos cidadania porque não temos fronteiras”.

 

Entretanto, com o aumento das perseguições, os ataques passaram a diminuir. Nos últimos anos, estiverem mais rarefeitos.

 

Se o Primeiro de Maio apareceu como uma oportunidade nos últimos anos enquanto uma maneira de rearticulação, a Papua Ocidental também se tornou um dos alvos dos libertários.

 

Em Papua...

Neste mês de setembro de 2019, anarquistas foram vistos em manifestações contra as violências perpetradas pela Indonésia na Papua Ocidental. Desde 1962 o território foi anexado ao Estado indonésio por meio de negociações do presidente estadunidense Robert F. Kennedy.

 

Entretanto, nos últimos anos, a questão da independência e a formação do Estado da Papua Ocidental tem sido cada vez mais latente. Sob controle dos militares, a Papua Ocidental é uma fonte de extração de minerais.

 

Nas últimas manifestações, as cifras de mortos apenas aumenta, e estima-se que nas manifestações do dia 2 de agosto, quando comemorou-se 50 anos da invasão da Indonésia à Papua Ocidental, 12 prédios do governo foram destruídos.

 

A resposta pelo governo da Indonésia veio no dia primeiro de setembro, quando seis pessoas foram assassinadas pela polícia em uma manifestação. Somou-se a isso um blackout nas conexões com a internet na província e a dificuldades em se receber qualquer informação a respeito do que aconteceu com as pessoas que estavam por ali.

 

Entretanto, anarquistas destoam do grito uníssono por uma Papua Ocidental Livre, ou das hashtags compartilhadas pelo ocidente – #freewestpapua – para afirmar a vida livre e lutar contra o governo, seja ele qual for, indonésio ou da Papua Ocidental.

 

Tomam parte nas manifestações interessados em ataques incendiários. A resposta é a mesma. No começo do mês de setembro, o governo da Indonésia, sob mando do Ministro da Segurança e Assuntos Jurídicos e Políticos Wiranto, enviou mais 2.500 policiais para a região. Wiranto é conhecido pelas violências contra o povo do Timor Leste quando da retirada dos militares do país no final da década de 1990 e também pelo seu incondicional apoio às milícias de Jakarta que atuavam ali.

 

O governo declarou: “Todos estão proibidos de realizar manifestações e transmitir opiniões em público que possam dar origem a atos anarquistas, danos e queima de instalações públicas”, publicado na conta do Twitter da polícia indonesiana.

 

Mesmo diante das ameaças, anarquistas estão atentos, não levantam e nem se encantam pela bandeira da Papua Ocidental, proibida de circular e passível de pena de 15 anos de prisão para aquele que a portar. Em dissonância e atentos ao que é o governo, a polícia, a propriedade e toda autoridade centralizada, levantam a bandeira negra e continuam em seus ataques incendiários.

 

Noticia-se que por toda Indonésia, já se espalham faixas de apoio aos anarquistas em Papua Ocidental.

 

Operações de perseguição aos anarquistas

Ações repressivas e operações policiais que encarceram muitos anarquistas não ocorrem apenas na Indonésia, nem estão restritas ao continente asiático. Na fronteira geográfica entre este continente e a Europa, a Rússia segue como um dos países que mais persegue anarquistas, processo intensificado desde os preparativos para a Copa do Mundo de Futebol de 2018 – contando com a conivência silenciosa da FIFA e de todos os países participantes do megaevento. As detenções e o uso de torturas, incluindo eletrochoques, foram amplamente noticiados na internet, mesmo com a forte censura e o domínio estatal da imprensa russa (como foi registrado no número 37 do Observatório Ecopolítica). Até hoje, 9 anarquistas detidos preventivamente em nome da segurança da Copa, seguem encarcerados. Muitos ainda sequer foram julgados. Outros, como Evgeny Karakashev, receberam suas penas neste ano, depois de um ano presos.

 

Em novembro de 2018, já após o evento, Kirill Kuzminkin, um garoto de 14 anos, foi preso acusado de incitar Mikhail Zhlobitsky a explodir uma bomba em um escritório da diretoria do FSB (Serviço Federal de Segurança). A explosão tirou a vida de Zhlobitsky, então com 17 anos, e feriu três oficiais. Kuzminkin foi acusado de produzir e transportar explosivos.

 

No dia 1 de fevereiro de 2019, o anarquista Azat Miftakhov foi detido e torturado durante 24 horas na delegacia de Balashikha. Depois, encarcerado no Centro de Detenções Temporária de Balashikha, foi solto após quatro dias por falta de provas. A acusação era de produção de explosivos. Ao sair do Centro de Detenções, foi pego novamente, acusado de “conduta desordeira” e “vandalismo” em Khovrino e encaminhado para outra prisão. Foi absolvido no dia 7 de março.

 

Em março, o anarquista Dzmitry Palijenka foi preso na Bielorussia sob a acusação de “hooliganismo”, por uma briga de bar; “incitar a discórdia social”, por imagens postadas nas redes sociais; “dessacralização de construções e dano à propriedade”, por uma pichação antipolícia. Ele já cumprira dois anos de encarceramento acusado de agredir um guarda de trânsito durante uma manifestação. Em julho, Vladislav Barabanov foi preso e aguarda julgamento por participar de “desordem em massa”, ou seja, por participar de uma manifestação de rua desautorizada.

 

De acordo com a lista de presos anarquistas divulgada pela organização da Week of Solidarity with Anarchist Prisioners, em agosto deste ano, há 114 libertários encarcerados e distribuídos por masmorras em todos os continentes. Certamente este número é resultado de apenas um levantamento, possível a partir de casos notórios, e supõe-se que o total de anarquistas presos deve ser muito maior. Além da Rússia, os outros países com mais libertários encarcerados são os Estados Unidos, a Grécia e a Itália. O levantamento, feito pela organização estadunidense, apresenta uma lista de anarquistas presos neste país desde o século passado, e não indica operações de repressão generalizada de libertários. Na Grécia, desde os embates anarquistas iniciados em 2008 até o presente, o fortalecimento da cultura libertária, das ações diretas e o acirramento do confronto com o Estado e suas instituições produz muita repressão. Desde agosto deste ano, com a posse do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis, as investidas policiais aumentaram consideravelmente no bairro autogestionário de Exarchia, por meio da invasão de okupas, squats, centros sociais e pela detenção de libertários e de centenas de imigrantes “ilegais” e refugiados. No entanto, os anarquistas na Grécia não esmorecem, seguem na luta incessante, evitam prisões, colocam a polícia para correr, fazem manifestações e festas, revidam e contra-atacam sem trégua.

 

Diferente dos outros países que lideram este ranking, a Itália vem perseguindo e prendendo muitos anarquistas por meio de grandes operações policiais, desde 2017, que incluem a destruição de espaços libertários. No fim de junho deste ano, trinta anarquistas adentraram na Catedral de Turim, interrompendo a missa de celebração de Corpus Christi. A ação foi levada adiante em apoio a Anna Beniamino e Silvia Ruggeri, duas libertárias encarceradas e que estavam em greve de fome há mais de um mês, exigindo transferência. Elas continuam presas na seção de segurança máxima do presídio feminino L’Aquila, a AS2. Uma seção destinada as pessoas enquadradas no artigo 41-bis: “mafiosos”, “traficantes”, “homicidas com agravantes”, “sequestradores”, “terroristas” e “subversivos do sistema constitucional”. Em carta assinada em conjunto, elas expuseram as torturas e violências praticadas nesta ala, enfatizando que apesar da maior intensidade na AS2, tais práticas são inerentes a qualquer prisão. Informaram viverem em um laboratório da última novidade do Departamento de Administração Penitenciária italiano que intenta criar seções mistas destinadas a prisioneiros anarquistas e islamitas.

 

Anna Beniamino foi detida em 2016, pela operação antiterrorista “Scripta Manent”, junto a outros quatro anarquistas: Alfredo Cospito, Nicola Gai, Alessandro Mercogliano e Marco Bisesti. Condenada a 17 anos de prisão pela participação em duas ações explosivas contra escolas de Carabinieri, em Fossano e em Turim, nos anos de 2006 e 2007, e pelo envio de bombas para o prefeito de Turim, para o editor do jornal reacionário “Torino Cronaca” e para a COEMA Edilità, empresa de construção civil envolvida na reestruturação do CEI (Centro de Identificação e Expulsão de Imigrantes).

 

Silvia Ruggeri foi detida no dia 7 de fevereiro deste ano, durante a “Operazione Scintilla” (Operação Faísca) que destruiu o Asilo Occupato, um squat que existia em Turim desde 1995. Ruggeri e mais cinco anarquistas – Antonio Rizzo, Lorenzo Salvato, Giada Volpacchio, Niccolò Blasi, Giuseppe De Salvatore – foram presos sob a acusação de: “promover, constituir, organizar e participar na criação de associações subversivas” e “possuir, manufaturar e transportar explosivos”. Foram pegos pelo Estado para vingar “21 ataques subversivos” realizados em diversas cidades italianas, em sua maioria, ações diretas contra as violências, perseguições, detenções e deportações de “imigrantes ilegais”. Outro anarquista buscado pela polícia conseguiu escapar.

 

Manifestações intensas ocorreram na vizinhança do Asilo nos dias seguintes a essas prisões e à destruição do espaço, produzindo embates contra a polícia, novas detenções e pessoas feridas – uma gravemente, após ser atropelada por uma viatura da polícia.

 

A operação “Scripta Manent”, iniciada em novembro de 2017, explicita a tentativa das autoridades italianas de centralizar e responsabilizar alguns anarquistas por ações diretas praticadas nos anos de 2005, 2006 e 2007 por meio do envio de bombas para autoridades à frente de instituições como o CPT (Centro de Detenção para Imigrantes); chefes da polícia; quartéis policiais e escolas de Carabinieri; prefeitos; organizações civis de extrema-direita. As sentenças desta operação foram promulgadas este ano. Alfredo Cospito foi condenado a 20 anos de prisão, sendo considerado o líder destas ações. Anna Beniamino, aos já mencionados 17 anos, como “promotora da FAI, associação subversiva com propósitos terroristas e de debilitar a ordem democrática”. Nicola Gai, Alessandro Mercogliano e Marco Bisesti foram condenados, também por “associação subversiva com propósitos terroristas”, a 9, 5 e 5 anos, respectivamente. Outras 23 pessoas, também processadas foram absolvidas por apenas “instigarem a cometer um crime ou ataque terrorista”. A justiça italiana não intenta apenas centralizar e unificar a guerra às ações diretas de anarquistas, mas imputar lideranças e uma hierarquia por meio da aplicação das penas.

 

Em julho deste ano foi declarada a sentença da “Operazione Panico”, condenando 28 anarquistas, mais Ghespe, Giova e Paska, que foram penalizados como sendo lideranças, com 9 anos, 9 anos 10 meses e 15 dias, e 9 anos e dez meses, respectivamente. As demais pessoas presas receberam penas que variam entre 1 mês e 6 anos. Esta operação foi a pioneira. Iniciada no dia primeiro de janeiro de 2017, imediatamente após a explosão de uma bomba em frente a uma livraria fascista em Firenze. Na ocasião, o policial da unidade de desativação de bombas foi malsucedido e perdeu uma mão e um olho. As casas de muitos anarquistas e de seus amigos foram invadidas, 35 pessoas foram acusadas de terem ligações com este caso e outras ações “criminosas” realizadas na cidade em 2016, que incluem o arremesso de pedras nesta livraria, uma tentativa de explodi-la e até uma panfletagem de material antimilitarista.

 

No dia 19 de fevereiro deste ano, outra operação da polícia italiana, a “Renata”, deteve mais 7 anarquistas – Agnese, Giulio, Nico, Poza, Rupert, Sasha, Stecco – em Trentino, também por “associação subversiva com propósitos terroristas e de debilitar a ordem democrática” e também apresentando diferentes sentenças entre cada um dos libertários pegos. Mais 50 mandatos de busca e apreensão foram utilizados para invadir casas de suspeitos.

 

No dia 21 de maio, outra operação, a “Prometeo”, prendeu Natascia Savio, Robert Firozpoor e Giuseppe Bruna como culpados pelo envio de explosivos, em 2017, a dois promotores (que depois estiveram a frente da Operação “Scripta Manent”) e ao diretor do Departamento de Administração Penitenciária de Roma.

 

A perseguição não para por aí, também há prisões de libertários fora das megaoperações. Maddalena Calore, a Madda, foi presa em sua casa em 2017, depois de uma batida policial que reportou ter encontrado uma “pistola” e “5 dinamites capazes de explodir um carro”; uma arma de brinquedo e 5 fogos de artifício. Juan Sorroche foi encarcerado na seção AS2, em maio, após três anos na clandestinidade. Sua sentença cumulou 9 anos por acusações de furtos, resistência e desacato, danos materiais, ocupação de lugares públicos e privados, agressão, falsificação de identidade e participação no movimento NO TAV. Somam-se a estas acusações outras duas participações em ataques com artefatos explosivos – ao centro de formações de policiais (POL GAI) e à sede do partido de extrema-direita, Lega Nord –, nas quais o anarquista nega ter tomado parte, e que foram reivindicadas pelas associações Célula ACCA e Célula de Haris Hatzimihelakis – Internacional Negra 1881-2018, das quais ele não é membro e com o agravante de estar foragido, no caso destes dois ataques (2015 e 2018). Dentre as alegadas provas está uma entrevista com Alfredo Cospito ao jornal anarquista Vetriolo, publicada este ano.

 

A caçada empreendida pela polícia anti-extremismo do Estado italiano articula-se com as políticas anti-extremismo de outros Estados. No dia 08 de agosto, em Rochefort en Terre na Bretanha, Vincenzo Vecchi foi detido e extraditado. Em 2006, ele esteve em uma concentração de antifascistas classificada como desautorizada pelas autoridades, em Milão e, em 2001, batalhou contra o G8 em Gênova. A repressão em Gênova tornou-se emblemática, após a execução de Carlo Giuliani, e pelas sentenças longas (08 a 15 anos de detenção) sob a acusação de “devastação e pilhagem”, um “crime” introduzido pelo código fascista Rocco de 1930, utilizado na repressão de revoltas de rua e que pune pela simples presença em manifestações consideradas violentas. Vecchi foi condenado a 12 anos de prisão em 2012, por “devastação e pilhagem”, e agora cumpre esta sentença.

 

O crescimento da repressão

Os anarquistas sempre estiveram no embate direto contra o Estado, suas polícias e o sistema penal. Sempre foram alvos preferenciais das forças repressivas, em todos os cantos do planeta, sendo mais penalizados e encarcerados conforme se acirram as lutas sociais. Hoje, presencia-se o aumento da repressão na França, na Grécia, no Chile e em Hong Kong. Resposta à intensificação das manifestações de rua incendiárias, às ações diretas, ao estilo de vida insuportável para autoritários de toda ordem e ao contra-ataque vigoroso às investidas jurídicas e policiais nestes lugares.

 

Os casos persecutórios na Rússia e na Itália apresentam particularidades. De um lado, prenderam e torturaram preventivamente, e mantém estas pessoas encarceradas – condenadas ou não – por constituírem ameaças construídas pelo próprio Estado que alega conter a Rede Anarquista, uma suposta associação de anarquistas russos. De outro lado, perseguem e prendem, atribuindo penas hierarquizadas, por ações classificadas como criminosas e praticadas há mais de uma década.

 

 

Descartando polêmicas

No começo do século XXI, as ações anarcoterroristas sinalizam para um basta às negociações e alternativas. Sem travar qualquer diálogo, arruínam a participação democrática ou a tentativa de qualquer reforma.

 

Seja na Ásia, na Europa, na América Latina e por outros cantos do planeta em que as práticas anarcoterroristas irrompem, não há qualquer acordo. Trata-se de uma atualização das práticas do final do século XIX e do início do século XX que escancaram não haver sossego. Hoje, com maior preocupação em não ferir pessoas, a não ser os agentes da ordem que intentam usar do monopólio da força para conter a anarquia. Não há como domar a vida livre com participação, partidarismos ou apartidarismo; com a construção de uma nova bandeira, com mais tribunais, variedades de polícias e etc. Em resumo, o anarcoterrorismo anuncia experimentações de liberdade no presente, sem esperar pelo momento oportuno, pelo comando ou por qualquer outro sinal que irá chegar. Mas um fazer no agora sem abrir qualquer conversa voltada para a vida governada.

 

A expansão do anarcoterrorismo não pode ser reduzida a uma opção geral dos anarquismos. Apenas escancara os limites da democracia burguesa com suas intencionalidades em ajustar as forças em um pluralismo institucional, ampliação das medidas de segurança, disseminação de monitoramentos presenciais e eletrônicos, sua tolerância com o crescimento de práticas fascistas (por dentro e por fora da institucionalidade política), a obsessão contínua pelo regime do castigo e das recompensas, hoje em dia revestido pelo slogan “combate às impunidades”.

 

De fato, a presença do anarcoterrorismo não se restringe a episódios extraordinários que escapam da programática protocolar fundada na adesão de uma sociedade civil organizada crente na possibilidade de paz no regime da propriedade e de sua segurança, e nas práticas do ativismo, como se tudo em política não passasse de um aperfeiçoamento na gestão dos conflitos.

 

As práticas anarcoterroristas explicitam os alvos constantes da propriedade e do Estado, os engodos dos incentivos ao diálogo e a presença acentuada de suas práticas diante do insuportável. Para isso nem a democracia, nem os fascismos são capazes de contenção. Servem-se do trágico para incentivar o drama e sinalizar para a idealização em programas de pacificação. Quando algo cresce, à revelia de quem deseja contê-lo ou administrá-lo, é sinal que alvo vai mal para alguns que comandam e começa ir bem para quem não se acomoda.

 

O anarcoterrorismo contemporâneo mesmo filiado às práticas advindas do final do século XIX, não se resume a atos isolados. Hoje, é um fluxo a mais que emana das novas práticas antipolíticas de vida outra livre. Não está disponível a ser julgado pelos moralizadores. Expõe as demarcações invisíveis das fronteiras aos que se apegam ao diálogo e às utopias. Não pretende ser força hegemônica ou compor forças que buscam um lugar para resistir. Defende suas práticas libertárias sem a pretensão de denunciar o que é fartamente conhecido por quase muitos: a desigualdade social fundada na competitividade e na participação inovadora que captura e dociliza o trabalhador como capital humano, adestrado a pedir por mais empregos, garantia de empregos, em ser parceiro do capital, para de vez em quando clamar por mais uma política pública disputando o mercado político. Deixam claro que política pública antes de tudo é política de segurança, captura e seletividade de novas lideranças, recheando o amplo leque que vai da direita à esquerda encarceradas nos parlamentos ou na chamada sociedade civil organizada, compondo um ambiente planetário em que se destaca a ampliação por medidas de segurança.

 

O anarcoterrorismo não é uma disfunção, se o fosse estaria pleiteando ser cooptado. Não é uma função, se o fosse pretenderia ser hegemônico. O anarcoterrorismo apenas sublinha os efeitos do insuportável e da revolta incontrolável. Nem mesmo os tribunais e suas toneladas de práticas legais e ilegais conseguem encarcerar os denunciados o tempo todo. Eles dão sinais que não funcionam para o que se destinam, pois ao serem seletivos abrem as devidas brechas para que acusações díspares sejam interceptadas no próprio dispositivo. E revirar o dispositivo segurança é também um efeito irremediável da prática anarcoterrorista. Se os tribunais são “tolerantes” com práticas fascistas, eles também não têm meios para estancar todas as práticas anarcoterroristas. Por isso mesmo, é que suas polícias matam nos confrontos; por isso mesmo é que o anarcoterrorismo contemporâneo evita o mercado da produção das chamadas “vítimas inocentes”. Suas ações não contam com “balas perdidas” sempre disparadas pelas polícias e as milícias. E, tampouco, os anarcoterroristas estão disponíveis a serem heróis ou mártires. São distintos de outros terrorismos transterritoriais.

 

A prática anarcoterrorista é apenas um efeito do combate para se instaurar uma vida outra livre. Não está em jogo a polêmica, apenas o querer das práticas de liberdade anarquistas.

 

R A D. A. R

 

A 2010 interview with Indonesian anarchists about the anarchist movement there.

 

Anarquistas cantam em manifestação em Bandung, maio de 2019.

 

Indonesia's New Anarchists, por Dominic Berger.

 

Polícia da região de Papua na Indonesia bane manifestações anarquistas depois dos protestos.

 

International Week of Solidarity with Anarchist Prisoners.

 

observatório ecopolítica, n. 37.

 

Italy: Declaration of Anarchist comrades Silvia Ruggieri and Anna Beniamino on beginning a hunger strike in L’Aquila prison

 





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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