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observatório ecopolítica

ano IV, n. 62, dezembro 2019

 

A década mais aquecida!

 

Ao longo de 2019, o clima se apresentou com uma estratégia de discussão entre as nações, além de ter sido pauta de manifestações de jovens em todos continentes nas famosas sextas, inspiradas no ativismo de Greta Thunberg (Cf. Observatório Ecopolítica 57). O desenho de um gráfico com o aquecimento anual em listras não deixou dúvidas: a década atual foi a década mais aquecida do planeta desde as primeiras medições.

 

Apesar disso, em dezembro, a 25ª Conferência das Partes — aquela que seria realizada no Brasil, depois no Chile e que, por fim, ocorreu em Madrid — não conseguiu chegar a um consenso em temas decisivos para a implantação do Acordo de Paris, em especial sobre a regulamentação do mercado de carbono, assunto que nem entrou no texto final do encontro e foi adiado para 2020, na COP-26, em Glasgow. Outros dois temas não chegaram a um consenso: o funcionamento de um fundo de adaptação, ou de “perdas e danos”, pelo qual os países mais ricos e com alta emissão de GEE (Gases de Efeito Estufa) ajudariam financeiramente países que pouco emitem GEE, mas são vulneráveis às mudanças climáticas, e o estabelecimento de um prazo comum para a consecução das contribuições determinadas nacionalmente (CND: Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDC, sigla em inglês).

 

A Conferência das Partes (COP) é o órgão político da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que reúne anualmente os 196 países, as Partes, os signatários dos acordos climáticos, e também representantes de outros grupos interessados, como ONGs, autoridades locais, empresas etc. As decisões finais devem ser coletivas e consensuais, só podem ser efetivadas se forem aceitas unanimemente pelas Partes.

 

Recentemente, o crescimento de posturas nacionalistas tem levado a alguns governos se afastarem de soluções globais que possam exigir maior cooperação. Isso não impede, porém, que acordos bilaterais ou envolvendo outras instituições e partes interessadas (os major groups estabelecidos pela Agenda 21 e stakeholders) sejam assinados nesses grandes encontros.

 

Tudo que é gasoso se solidifica em milhar

 

O mercado de carbono é considerado uma solução importante desde sua criação pelo Protocolo de Quioto (o primeiro acordo climático, em 1992, desde a formação da UNPCC) para estimular a diminuição das emissões dos GEE e que funciona desde o final dos anos 1990. Com o Acordo de Paris, em substituição ao Protocolo de Quioto, recomendações mais restritivas e centralizadas surgiram para enfrentar o aquecimento causado por tais emissões. A compra e venda dos créditos de carbono estão previstas no Artigo 6 do Acordo de Paris, o qual trata da cooperação voluntária entre os países na implantação de suas contribuições nacionalmente determinadas para permitir uma maior ambição em suas ações de mitigação e adaptação e, assim, evitar o aquecimento global acima de 1,5 C nos próximos oitenta anos. Cerca de 100 Partes signatárias do Acordo, representando 58% das emissões globais de GEE, consideram a criação de instrumentos de precificação de carbono para auxiliar no cumprimento de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDs).

 

Nesse mercado, os países ou empresas poluidoras, ou seja, emissoras de GEEs, compram créditos de carbono de países ou atividades econômicas que não emitiram tais gases e que por isso mesmo, detêm tais créditos a serem comercializados. Um crédito de carbono é a moeda desse mercado e equivale a uma tonelada de CO2 que não foi lançada na atmosfera. Esse crédito recebe um valor regulado por agências ambientais e financeiras, e essa compra permite diminuir ou até zerar a contabilidade da emissão poluidora de empresas e países compradores ao “compensar” a emissão.

 

Para que um mercado de carbono cumpra seus objetivos, foi estabelecida a necessidade de criar um sistema nacional de Mensuração, Relato e Verificação (MRV), para que os países possam monitorar o desempenho desse mercado, mitigar riscos de fraudes e de dupla contabilidade de emissões. A pauta climática planetária regulamentação envolve empresas de negociadores climáticos, cientistas, representantes de governos e do setor privado, coordenadas pelo sistema ONU.

 

A COP-25

 

A realização da COP-25 foi tumultuada desde o ano passado. A reunião seria no Brasil, que, quando se candidatou, estava interessado em mostrar a posição do país na consecução das metas climáticas. Contudo, houve eleições em 2018, ganhou aquele candidato cuja campanha nem citava o termo meio ambiente e que cogitou a saída do Brasil do Acordo de Paris, copiando a atitude de seu líder: o presidente estadunidense, Donald Trump. Sendo assim, ainda em 2018, um pouco antes da posse, o governo da ocasião retirou a candidatura para o encontro.

 

O Chile ofereceu-se para sediar a Conferência, afinal a intenção da ONU era organizar uma conferência na América do Sul. Não foi possível realizá-la, pois os protestos da população chilena contra o governo não arrefeceram em 2019, e o Chile cancelou também sua candidatura. A poucas semanas da data do evento, o governo espanhol acolheu o encontro em Madrid, mantendo a sua Presidência com as autoridades chilenas.

 

Havia uma expectativa que essa COP traria mais resultados práticos do que as três anteriores. Durante o ano, a discussão sobre a mudança climática envolveu diversos setores sociais ao redor do planeta e estudos científicos foram amplamente divulgados. Em final de novembro, o Parlamento Europeu declarou que o continente enfrentava uma ‘emergência climática’, visando pressionar a adoção de medidas mais efetivas para evitar o aquecimento global.

 

Em todo caso, a pauta da Conferência mostrou com mais ênfase pontos derivados de pesquisas científicas recentes. Estudos e prospecção de cenários futuros estabeleceram que a redução do uso de combustíveis fósseis para se alcançar a meta de redução da temperatura a 1,5 C deverá ser da ordem de 7 C em 2020. Isso deve fazer com que as contribuições (CNDs) dos países, em especial dos que dependem desses combustíveis, sejam mais restritivas à emissão dos GEE.

 

Pela primeira vez, começou ser tratada a constatação de que o aquecimento global se aproxima de um ponto do qual não haverá retorno. Estudos mostraram que, mesmo que todas as CNDs de cada país sejam cumpridas, o aumento de temperatura será de 3 C até o fim do século e não de 1,5 C, aumento limite para manutenção da vida planetária como é conhecida. Tornou-se necessário começar a elaborar propostas de mitigação dos efeitos deletérios de um planeta mais quente dentro do âmbito das decisões climáticas.

 

Outro fator que trouxe algo novo ao debate entre as Partes foi a mobilização dos jovens de várias partes do globo, as chamadas de “futuras gerações”, em passeatas disciplinadas, reivindicando medidas de combate ao aquecimento global, além do ativismo das organizações ambientalistas. A figura de Greta Thunberg tornou-se o emblema dessa novidade; ela inspirou e participa de marchas nas ruas e simultaneamente é uma convidada VIP para eventos da agenda oficial dos principais encontros climáticos.

 

Vai que cola...

 

O governo brasileiro enviou sua delegação à COP, chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o 171º. Cientes de que enfrentavam uma “guerra de narrativas”, os representantes da pátria-amada Brasil imbuíram-se da tarefa de mostrar ao mundo, o “esforço muito grande do governo para reduzir as emissões até 2020“ e, principalmente, exigir a compensação financeira por isso. Entretanto, nem houve estande chapa branca para fazer negócios, receber convidados e trocar informações como em outras COPs, nem contato estreito com a imprensa.

 

A chamada “sociedade civil” composta de ONGs, cientistas e setor privado montou, porém, um estande, o Brazilian Climate Action Hub, mostrando que há ações e debates independentes de uma delegação oficial.

 

O desmatamento crescente na Amazônia, constatado em torno de 30% em um ano; as queimadas na floresta com a conivência das autoridades; o desmanche das instituições de proteção ambiental do país; a desqualificação de cientistas; o fim do Fundo da Amazônia e a consequente devolução à Noruega e Alemanha de pelo menos 400 milhões de dólares que seriam destinados à proteção às florestas; as ameaças ao zoneamento ambiental às terras indígenas e a dos quilombolas, entre outros fatos ao longo de 2019, tiraram do governo do Brasil qualquer condição de pleitear alguma coisa, muito menos ressarcimento monetário. Além disso, as promessas de redução das emissões brasileiras, estabelecidas em anos anteriores, nunca foram condicionadas à compensação financeira.

 

A posição oficial brasileira foi considerada, junto com a da Austrália, que literalmente pegava fogo, uma das principais forças que bloquearam as decisões para se estabelecer mecanismos para a comercialização de créditos de carbono. O Brasil defendeu que os créditos de carbono vendidos a outros países deveriam ser descontados em uma prestação de contas nacional para que não fosse necessário nenhum ajuste nas metas nacionais de redução das emissões. Isso implicaria uma contagem dupla: a mesma quantidade de crédito de carbono seria contabilizada tanto pelo país que comprou quanto pelo que vendeu. Isso foi interpretado por outros participantes da COP como um modo de fraudar a redução das emissões. Outro ponto polêmico defendido pelo Brasil seria o de os créditos de carbono gerados pelo Protocolo de Quioto continuassem válidos para compra e venda e para a contabilidade das emissões.

 

Alguns negociadores da COP classificaram o ministro 171 como um ‘chantagista imaturo’. Delegações de países desenvolvidos que se encontraram com o ministro em reuniões bilaterais relataram que ele pedia dinheiro como contrapartida para abrir mão de sua posição isolada, impeditiva do consenso sobre o mercado de carbono.

 

A ação do Brasil na COP foi qualificada de “vergonhosa” por vários especialistas, em especial, o climatólogo William Moomaw, Premio Nobel da Paz em 2007: “O Brasil queria receber em dobro seus créditos de carbono, mas a natureza não sequestra o gás carbônico em dobro”.

 

Sob a ordem direta do ministro, o Brasil foi contra a inclusão de conclusões científicas de relatórios do IPCC no texto final da conferência. Também, se opôs a que se se fizesse menção a direitos humanos e direitos dos povos dos indígenas no debate sobre o Artigo 6, que será discutido na COP 26. As obstruções não pararam por aí. O Brasil tentou impedir que se utilizasse no texto final o termo “emergência climática” e tentou bloquear discussões sobre os oceanos e sobre o uso da terra, pois isso poderia ensejar novas metas para as emissões. Todas essas posições foram vencidas e a imagem do Brasil no quesito ambiental ficou mais manchada.

 

And the Colossal Fossil of 2019 goes to...

 

     ...Brasil! Pela primeira vez, desde que a premiação foi instituída há vinte anos pela Rede de Ação Climática composta de 1300 ONGs ambientalistas, o Brasil recebeu o troféu máximo: o “Fóssil Colossal”, por ter sido “o país que mais atrapalhou o clima durante o ano de 2019.“ O sucesso do Brasil já tinha sido anunciado. Logo no primeiro dia da COP, dividiu com a Austrália e o Japão o prêmio Fóssil do Dia.

 

Troféus irônicos, tentativas de fazer humor com a morte anunciada.

 

R A D. A. R

 

Observatório Ecopolítica 57

 

Listras do Aquecimento Global

 

Acordo de Paris (consulte, em especial, o Artigo 6)

 

Manual de Mensuração, Relato e Verificação

 

Gestão e Precificação de Carbono: riscos e oportunidades para Instituições financeiras.

 

Parlamento Europeu e a emergência climática

 

COP 25

 

Resumo Executivo de Emissions GAP 2019

 

Cientistas analisam perspectivas da participação brasileira na COP 25

 

Espaço Clima Brasil

 

Brasil tenta bloquear acordo

 

Premiação Fóssil 2019

 

Fóssil Colossal do Ano 2019

 

Fóssil do dia 5 de dezembro 2019

 

texto final da COP 25

 

resultados da COP 25 (resumo)
Spanish pager • UN Climate Change Conference

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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