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observatório ecopolítica

ano IV, n. 73, julho de 2020.

 

manifestações pelo planeta [parte 1]

 

Milhares de manifestações eclodiram em cidades de todos os continentes após a execução de George Floyd, nos Estados Unidos, no fim de maio. Foram amplamente noticiadas pela imprensa. Milhões de pessoas surpreenderam pela coragem de sair às ruas em meio à chamada pandemia, muitas vezes em lugares com elevados índices de contaminação e mortes, como os Estados Unidos, epicentro do acontecimento. Contudo, essas manifestações não foram as primeiras durante este período.

 

Em março, momento em que o novo coronavírus disseminava-se pela Europa, alardeava-se o início da “pandemia” e o medo se espalhava. Xs anarquistas foram precisos com suas atitudes urgentes. Dezenas de ações diretas foram levadas adiante em diferentes cantos. Turquia, Suécia, Alemanha, França, Itália, Suíça, Espanha, Ucrânia foram alguns dos lugares nos quais libertárixs incógnitos ou em grupos, como Children of Mother Anarchy, Trabajadores de la noche e célula Niilistas Esperando o Fim da Civilização FAI/ELF, reivindicaram suas ações diretas.

 

Os alvos dessas ações diretas, que irromperam em março, foram empresas que financiam e colaboram com o governo turco e a guerra contra xs curdxs insurgentes: empresas de segurança privada e que prestam serviços de monitoramento para o Estado; imobiliárias e propriedades que integram projetos de smart city, como carros e motos elétricas; agências bancárias; automóveis de autoridades; antenas e cabos de transmissão de sinais de telecomunicação; delegacias, postos policiais, escolas de polícia, viaturas; a sede de Administração Penitenciária de Bolonha, na Itália. Essa última ação direta, realizada no dia 10 de março, deixou os vidros da fachada quebrados e a entrada do prédio foi marcada com a frase: “ACAB. Solidariedade com os presos em luta, fogo ao cárcere e aos carcereiros assassinos.”

 

A luta contra as prisões e pela libertação de encarceradxs, ainda mais expostxs à Covid-19 e tantos outros vírus e doenças, levou libertárixs às ruas, mesmo diante de medidas de estado de sítio, agora renomeadas como lockdown e outras modulações de quarentena.

 

Na Itália, o Estado aproveitou as alegadas “pandemia” e “crise” para promulgar e encrudescer medidas que visaram à perseguição de quem desobedecesse às determinações do governo. Diante disso, no primeiro dia de quarentena, libertárixs saíram pelas ruas do centro de Roma. Em frente ao Ministério de Justiça, exigiram a liberação imediata de todas as pessoas encarceradas. A manifestação apoiou as rebeliões que ocorriam no interior de prisões italianas.

 

Na Espanha, após a campanha digital #YoMeQuedoEnCasa angariar adesão massiva da população, foi declarado estado de emergência e quarentena em todo o país. Em Madri e Barcelona, libertárixs foram às ruas pela libertação de todxs xs presxs. Em frente à embaixada italiana, na capital, e ao consulado, em Barcelona, afirmaram: “não nos cansaremos de dizer: as prisões são centros de extermínio”.

 

Na madrugada do dia primeiro de abril, anarquistas quebraram a fachada de uma imobiliária em Madri, no bairro de Vallecas, espaço histórico de luta antifranquista. A ação direta foi um brinde à propagação da greve de pagamento de aluguéis e um ataque ao chamado estado de emergência.

 

O fogo se alastrou pelo mês de abril. No dia 03, em Berlim, alguns anarquistas foram às ruas para alertar sobre a conduta de “auto-aprisionamento” daqueles que aceitaram e obedeceram às medidas de governo pelo isolamento social. No dia 04, em Madri, um jovem garoto lançou um coquetel molotov contra policiais que patrulhavam a região de Alcorcón, monitorando a obediência às medidas de governo referentes à chamada pandemia. Ele foi detido.

 

Expandiram-se as ações diretas contra antenas e cabos, interrompendo os sinais de internet e telefonia móvel. Foram dezenas de ataques incendiários deste tipo, notadamente na França, mas também no Reino Unido, na Bélgica e na Itália. Muitos dos textos que reivindicam essas ações afirmam um anarquismo anticivilização, vinculado à luta pela libertação animal e da Terra (Animal Liberation Front – ALF e Earth Liberation Front – ELF), e por vezes a células niilistas.

 

Contudo, não se restringem a estas causas, sendo levados adiante como um golpe certeiro capaz de interromper, mesmo que por algumas horas ou poucos dias, a incessante comunicação instantânea e dificultar ou impossibilitar o funcionamento de aparatos tecnológicos de monitoramento. A interrupção dos sinais atingiu trabalhadores em home office, produziu instantes de silêncio diante de tanto entretenimento online, impossibilitou transações financeiras e compras, pôde levar as pessoas a refletirem sobre suas relações e o que estão aceitando para suas vidas.

 

Por vezes, essas ações afirmaram a recusa ao Estado e às polícias. Como a realizada em Roma, no dia 29 de abril, que deixou o recado: “contra o Estado e suas medidas. Contra tecnologias de controle. A ação sempre é possível.” Deste modo, diferenciam-se de protestos virtuais ou por meio de abaixo-assinados contra instalações de antenas 5G, restritos ao medo dos efeitos das ondas emitidas por estes aparatos na “saúde humana” e “no meio ambiente”.

 

Em Montreal, no Canadá, libertárixs foram às ruas e alertaram para o fato gritante: em todo o planeta, enquanto a maioria das pessoas estava em quarentena, a polícia seguia nas ruas; ela é o serviço “mais essencial” para todos os Estados. No mês seguinte, em Hamilton, outrxs libertárixs fizeram a primeira manifestação na cidade durante a chamada pandemia. Em frente à prisão Barton exigiram a liberdade de todxs xs presxs.

 

Em Bruxelas, na Bélgica, o toque de recolher também fora decretado para prender as pessoas em casa, enquanto medida de contenção ao novo coronavírus. No dia 11 de abril, um jovem de 19 anos resolveu passear em sua scotter e se recusou a mudar de percurso quando deu de frente com a polícia. Foi executado. Imediatamente, centenas de pessoas foram às ruas. Enfrentaram a polícia, que respondia com sua intrínseca violência à manifestação, arremessando pedras contra ela e incendiando viaturas.

 

No dia 19 de abril, em um bairro pobre de Turim, na Itália, uma dezena de policiais abordaram dois homens que desobedeciam à ordem de confinamento. De janelas e sacadas, muitas pessoas viram o trato violento da polícia, que mantinha os dois rapazes contra o chão. Algumas dessas pessoas desceram para a rua e protestaram. Os dois foram detidos. Enquanto isso, mais gente chegou ao bairro e uma manifestação aconteceu aos gritos de “todos livres, todas livres”. Outras manifestações pela soltura dos dois detidos e de todxs xs presxs foram realizadas nos dias seguintes em Turim, Saronno, Cagliari, Roma, Napoli e Milão.

 

Nas primeiras horas do dia 1º de maio, ações diretas em diferentes lugares deram vida combativa a este Dia do Trabalhador marcado por lives, protestos de redes sociais e uma ou outra paralisação de empregados com duração de um só dia.

 

Em Berna, na Suíça, as janelas de uma agência bancária e de um shopping foram quebradas. Houve também uma pequena manifestação em Zurich, pelo fechamento imediato de um bunker para imigrantes. Na madrugada, Algunxs Anarquistas em Barcelona, na Espanha, queimaram caixas eletrônicos, incendiaram lixeiras, martelaram a entrada da sede do Instituto Nacional de la Seguridad Social e de uma imobiliária, e inscreveram afirmações libertárias em muros, paredes e na fachada da Sede de la Seguridad Social de Sant Andreu. Em Madri, Algunxs anarquistas y otrxs amigxs del destrozo atacaram agências bancárias e uma academia de polícia. Antenas de telefonia móvel foram incendiadas na França, em Côtes-d’Armor, e nos Estados Unidos, na Filadélfia. Em Los Angeles, vans da Amazon foram queimadas. Em Montevideo, no Uruguai, anarquistas incendiaram carros em uma concessionária e afirmaram a recusa à “velha e nova normalidade”.

 

Mais ações diretas contra propriedades da Amazon ocorreram ao longo do mês de maio, nos Estados Unidos. Os ataques às antenas 4G e 5G prosseguiram incendiários, especialmente na França, sendo numericamente as maiores ações diretas no mês de maio. Também deram continuidade, em diferentes localidades, aos golpes contra empresas de segurança privada e colaboradoras dos governos (especialmente atuantes na denúncia de pessoas “sem papel”) e contra a polícia.

 

No início do mês, em Nivillac, na França, libertárixs incendiaram carros e viaturas em um pátio da polícia. O fogo atingiu a porta da garagem e parte da estrutura do local. Xs anarquistas se precaveram para que o fogo não alastrasse até moradias de policiais e suas famílias, próximas ao pátio. O cuidado para não ferir pessoas e outros seres vivos é característico das ações diretas contemporâneas.

 

Durante uma ação na cidade alemã de Bremen, na qual dois automóveis de imobiliárias foram incendiados, o fogo se espalhou, danificando a janela de um apartamento que foi evacuado por algumas horas. No texto em que reivindicam a ação, xs anarquistas se desculparam e alertaram outrxs “ativistas noturnos” para terem cautela com o fogo aceso em ruas estreitas.

 

No dia 26 de maio, horas antes da execução de George Floyd em Minneapolis, integrantes da Lorenzo Orsetti Anarchist Brigade sabotaram vans de entrega da Amazon, na Carolina do Norte.

 

outras manifestações, outros cantos do planeta e leis antiterrorismo

 

Na última semana de abril, um protesto ocorreu nas ruas pobres de Trípoli, no Líbano. Pessoas famintas se revoltaram e atacaram agências bancárias. A polícia reprimiu e executou a tiros um jovem de 20 anos. Os manifestantes ergueram barricadas incendiárias, atacaram propriedades e revidaram a polícia. Em Beirute e Sidon pessoas também foram para as ruas. Lá, os manifestantes também enfrentaram a polícia e atacaram agências bancárias.

 

Os protestos levados adiante desde outubro de 2019 foram retomados. Ocorreram manifestações durante o 1º de maio e novos protestos nas duas primeiras semanas de junho, sempre revidando a repressão policial com fogo. Em geral, preponderam as reivindicações por melhores condições de vida, mais empregos, melhor administração da “crise”, mais democracia e uma polícia menos violenta. Contudo, ao vermos imagens das ruas libanesas em chamas, encontramos bandeiras negras da anarquia.

 

Em Jerusalém, em 19 de julho, o vice-prefeito decretou o banimento de manifestações anarquistas em frente à casa do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.. Caso elas mesmo assim ocorressem, ordenou que a polícia respondesse com violência até elas acabarem, para que se mantenha a ordem e que não se prejudique quem é o cumpridor da lei. Segundo ele, anarquistas atingem residentes e empresários “inocentes” da cidade.

 

Na China, enquanto o governo central em Beijing dizia que os EUA seguiam menos os Direitos Humanos do que eles, após a execução de George Flyod, a Lei de Segurança Nacional foi posta em funcionamento no dia 30 de junho de 2020. Foram vetados livros, slogans, palavras de ordem e até mesmo levantar folhas em branco enquanto uma crítica à censura está proibida. A pena obrigatoriamente deve ser de 3 a 10 anos para aqueles que forem presos em manifestações. Somente em 1º de julho, quando houve manifestação em Hong Kong pela independência e contra a Lei de Segurança Nacional, foram centenas de prisões. Foi a maior manifestação desde o início da chamada pandemia. Além disso, o governo de Hong Kong, seguindo as ordens de Beijing, declarou que alguns dos presos poderiam ser extraditados para o continente. Retomando assim um dos motes dos protestos que eclodiram em Hong Kong no último ano contra a lei de extradição.

 

De acordo com a Lei de Segurança Nacional, estão proibidos quaisquer tipos de manifestações de independência de Hong Kong, de discutirem o tema, ou ofenderem de alguma maneira um policial, entre outros termos. O alvo são as pessoas consideradas “secessionistas”, “subversivas”, “terroristas” e em “conluio com forças estrangeiras”.

 

Sobre os manifestantes dos guarda-chuva amarelos, que marcam o traço majoritário dos protestos recentes na região, continuam a pedir por moderação policial, contra a corrupção e democracia. Acreditam e pedem piamente por reformas. Durante a chamada pandemia, algumas manifestações esparsas ainda ocorreram em shopping centers, marcando o tom reformista e pró-democracia.

 

Mas existem forças libertárias em luta pelas ruas de Hong Kong. No início deste ano, mesmo com o novo coronavírus se espalhando pela China, ampliavam-se as ações diretas durante manifestações. Ataques foram desferidos contra agências bancárias, propriedades de grandes empresas e empreendimentos de luxo, propriedades do governo e pró-Pequim. Grupos seguiam em protesto pelas ruas, bloqueando-as com barricadas. Também se intensificavam os ataques explosivos, anônimos na calada da noite, contra delegacias e viaturas policiais.

 

Com a veloz disseminação do vírus, os protestos foram reduzidos ao longo do mês de março. Antes mesmo da Lei de Segurança Nacional outorgada pelo Partido Comunista Chinês, o governo administrativo de Hong Kong já recrudescera a repressão. Em meados de abril, ativistas identificados como lideranças dos protestos que eclodiram em 2019 foram detidos. Assim como algumas pessoas flagradas por câmeras de segurança participando de manifestações no último ano, acusadas de causarem “distúrbios”. As medidas repressivas parecem surtir efeito positivo sobre os grupos pró-democracia.

 

Elas também dificultam a veiculação de textos e notícias anarquistas vindas de Hong Kong.

 

Na Filipinas, o Senado também aprovou sua Lei Antiterrorismo, atualizando a chamada Lei de Segurança Humana. Desde o dia 03 de julho, é “terrorista” qualquer um que carregue um texto (digital ou físico), arrecade qualquer tipo de doação não reconhecida pelo governo para manter um espaço ou ajudar alguém, e participe em protestos de rua. Sob o argumento de combater o inimigo invisível, as pessoas podem ser presas sem mandado, e se condenadas, podem ficar por até 12 anos encarceradas. Além disso, em nome do controle da quarentena, a lei também autoriza e amplia os monitoramentos de chamadas telefônicas de qualquer um. Diante do posicionamento de muitos cidadãos filipinos, de que não há o que temer na lei se você não for um terrorista e que talvez seja necessária uma reforma da polícia para que seja mais humana, um manifesto de libertárixs que vivem no país afirma: “Não há policial bom. (...). Terrorista é o Estado”.

 

Enquanto isso, no país seguem as perseguições aos anarquistas. Sob o argumento da pandemia, o grupo paramilitar DDS (Dutertes Death Squad), formado por ex-policiais e apoiado pelo governo, tortura anarquistas ou some com eles. Os paramilitares também se infiltram em manifestações e associações para listar quem deve ser perseguidx. A polícia também realiza as perseguições prendendo xs libertárixs, e muitas vezes, trabalhando articulada com o DDS. Em 05 de maio, um jovem, baixista de uma banda, foi executado pelo esquadrão DDS, atingido por 5 tiros na cabeça por homens que passaram em uma moto vestindo máscaras de esqui. Em uma carta redigida pelos libertárixs, noticiou-se: “talvez nosso nome esteja na lista, mas não vamos desistir de propagar a anarquia! (...) Viva Anarkista (viva a anarquia)”.

 

Por sua vez, na Tailândia, o governo aproveitou a declaração de pandemia para decretar a proibição de manifestações ou encontros públicos. Para muitos a solução seria os encontros online, entretanto, também estão sob monitoramento do governo. Além disso, o centro de Anti-Fake News foi acionado para que vetasse qualquer comunicação que fosse contrária ao governo. Um dos casos que ganhou maior repercussão foi o de Danai Ussama, um artista de Phuket, que foi preso pela polícia sob a Lei de Crimes na Internet após publicar não haver triagem de Covid-19 no aeroporto de Suvarnabhumi. Adaptando-se velozmente, o ativismo dos tailandeses adotou flash mobs online e hashtags contra o governo. A demanda é por reforma, democracia.

 

Na Indonésia, a perseguição a anarquistas também não cessa. Vários foram presos durante a pandemia do novo coronavírus por terem feito inscrições nas paredes como “já existe uma crise, é hora de incendiar” e “lutar ou perecer”. As penas que receberam variam entre 4 meses e 10 anos de prisão.

 

Em Varsóvia, na Polônia, no final de junho uma fundação pró-vida declaradamente homofóbica seguia pelas ruas com seus gritos de ordem, quando repentinamente, foi interrompida por um grupo de queers e anarquistas, no centro da cidade. A van da fundação foi repintada, as faixas foram rasgadas e o motorista, juntamente com o rebanho que o seguia, foram postos para correr. Os queers e xs anarquistas precisaram apenas de 10 minutos, momento em que a polícia chegou.

 

Na mesma cidade, o grupo anarco-queer Stop Bzdurom realizou danças para barrar uma campanha da fundacja pro prawo do ciaycia (“fundação pró-direito à vida”), além de destruírem pôsteres contra o aborto que são pregados pela cidade. Como represália, Małgorzata Szutowicz, integrante da associação e anarquista, foi sequestradx de sua casa no mês de julho por polícias à paisana. Szutowicz foi presx sem ao menos vestir seus sapatos. Desde o começo de julho, não se tem notícias sobre seu paradeiro. O governo polonês, aliado de primeira hora do governo brasileiro, recentemente reelegeu o seu Chefe de Estado: líder da extrema-direita, apoiado pelo nacionalista Partido Direito e Justiça e que tem como uma das propostas salvar a família tradicional e acabar com o que chama de ideologia LGBT.

 

Na Bélgica, como reação às ações incendiárias, foi declarado pelo Serviço de Segurança Estatal da Bélgica em relatório intitulado de “O perigo oculto do Covid-19”, que anarquistas usariam a crise para realizar ataques. Acusação semelhante à proferida pelo governo da Indonésia, em abril, e que justificou a escalada repressiva contra libertárixs no país. Segundo investigações do governo belga, haveria conexões entre uma postagem no site Indymedia Bruxsel que convidava para a realização de ações diretas contra o governo e a polícia com um ataque incendiário a uma antena de telefonia na cidade de Pelt. Diante do relatório e da proibição de manifestações nas ruas, em 14 de junho de 2020, pessoas se reuniram em jangadas e barcos ocuparam o canal de Bruxelas para reivindicarem os mais variados itens de reformas estatais. No início de maio, o Postal Services and Telecommunications (BIPT), órgão federal regulador de telecomunicação, tirou de seu site o mapa de localização das antenas belgas.

 

Em 13 de maio, a Operação Ritrovo da polícia italiana prendeu sete anarquistas. Outros cinco foram proibidos de sair dos municípios onde moram. A polícia invadiu o espaço de documentação anarquista Il Tribolo, em Bolonha. Xs libertárixs detidos são acusadxs de “associação subversiva com o propósito de terrorismo ou subversão da ordem democrática”, “incitação ao delito”, “vandalismo e depredação” e “danos à propriedade” pelo “crime” de “afirmar e difundir a ideologia anarco-insurrecionalista, assim como instigar, pela difusão de material de propaganda, que cometam atos de violência contra as instituições”. A prisão dxs sete libertárixs teve “valor preventivo estratégico destinado a evitar que isso aconteça em qualquer momento posterior da tensão social, derivado da situação particular de emergência, ou em outros momentos em que uma campanha de luta antiestatal mais geral possa ter espaço.”

 

No dia seguinte, uma centena de pessoas tomou as ruas de Bolonha exigindo a liberdade dxs anarquistas detidxs e perseguidxs. Na cidade de Rovereto, uma ação direta provocou um apagão nos sinais de internet e telefonia celular. Nos muros da companhia de telecomunicação, pixaram: “liberemo-nos das jaulas tecnológicas”, “solidariedade axs companheirxs de Bolonha” e “liberdade axs encarceradxs”. No dia 30 de maio, elxs foram liberadxs da prisão. Poucas horas antes da decisão judicial ser divulgada, em Bolonha, uma manifestação saiu às ruas pela liberdade dxs setes.

 

Em junho, ordens de prisão contra sete anarquistas foram despachadas de Roma. No dia 12, uma operação policial articulada internacionalmente, levou à detenção de cinco anarquistas; três detidxs na Itália, um na França e uma na Espanha. Batizada de Operação Bialystock, visou à prisão de anarquistas acusadxs de formarem uma “célula anárquica da FAI-FRI” com “fins terroristas”, de “subversão da ordem democrática”, que promove ataques ao Estado e atos de “sabotagem com objetivo de reorganizar o movimento anarquista insurrecional”. Elx são suspeitxs de uma ação explosiva contra uma delegacia, em 2017, na capital italiana. Assim que as prisões foram anunciadas, libertárixs incendiaram carros pelas ruas de Roma. No fim do mês, em Gênova, três motos da polícia foram incineradas em uma ação que saudou a todxs xs anarquistas encarceradxs no país. Em, Nantes, na França, durante a madrugada de 29 de junho, um smartcar, dispositivo smartcity de um projeto de “cidade inteligente e segura”, foi queimado. A ação foi solidária a/xs libertárixs detidxs e perseguidxs pela Operação Bialystok.

 

Foi também no mês de junho que vieram as retaliações do Estado francês às dezenas de ataques contra antenas de telecomunicação. Em Contes, dois rapazes foram pegos ao tentarem entrar em uma propriedade da companhia Free. Ações diretas nesta propriedade ocorreram outras vezes durante a quarentena, com o corte de cabos e interrupção de sinais. As autoridades francesas mobilizaram as polícias de Nice e Marseille para os emboscarem. Os dois são acusados de “danificarem propriedade de terceiros por meios perigosos” e “associação criminosa”. Em Lille, no fim de junho, cinco pessoas foram detidas após serem identificadas em imagens de câmeras de segurança nos arredores de uma antena 5G, incendiada em maio. São acusados de “protestos violentos”, “destruição de propriedade” e “associação criminosa”. Tecnologias de monitoramento implantadas para assegurar a quarentena na região foram usadas pelas autoridades para identificar outros suspeitos.

 

No dia 1º de julho, em Amiens, o apartamento de uma pessoa “suspeita” foi invadido pela polícia francesa, revirado e livros e panfletos anarquistas foram sequestrados. A acusação é de que esta pessoa, cuja identidade não foi revelada publicamente, tenha participado de uma ação direta incendiária contra veículos do SPIP (Somme’s Integration and Probation Prison Service), no dia 2 de abril. No muro do estacionamento, foi pixado um “a na bola” e “morte à justiça, morte à cadeia, morte ao estado!”

 

Na Holanda, em 21 de junho, milhares de pessoas foram às ruas de Haia contra as medidas adotadas pelo governo para conter a disseminação do novo Coronavírus. O resultado foi: 100 pessoas presas, cavalaria e canhões de água para dispersar a manifestação.

 

Enquanto isso, na Nigéria, em um mês, a polícia matou um número maior de pessoas que não estariam cumprindo o lockdown no país. Por duas semanas, em junho, mulheres foram às ruas contra as violências perpetradas contra elas e meninas, pelos lares e pelas ruas do país. Além do aumento exponencial no número de denúncias de “violência doméstica”, o estopim para os protestos veio após duas jovens serem violentadas e brutalmente executadas em um intervalo de poucos dias. Diante destes protestos, uma garota de 15 anos, presa acusada de ter reagido e matado o homem que a violentou, foi libertada. O Estado decretou “estado de emergência sobre estupro”. Os protestos findaram.

 

Em julho, manifestações em Bamako, capital do Mali, levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas para protestar contra o presidente Ibrahim Boubacar Keita, há 13 anos no cargo. Convocadas pelo Movimento 5 de junho, o mote dos protestos de rua foi a eleição legislativa realizada em abril. As reivindicações majoritárias foram por reforma política e fim da corrupção. Ao menos 11 pessoas foram executadas por forças do Estado e 160 foram feridas no confronto que se estenderam por dias. Pesquisadores no país alertam que a alegada composição inovadora e plural do Movimento 5 de junho reveste homens há anos circulando entre gente poderosa e, também, para o aspecto nacionalista e religioso. No dia 12 de julho, o presidente recuou e acatou o pedido de dissolução da corte constitucional. Os protestos pararam.

 

Em Ljubljana, capital da Eslovênia, desde meados de março libertárixs protestam contra as medidas do governo, recrudescidas e ainda mais repressivas, diante da disseminação do novo coronavírus. Inicialmente, os protestos ocorriam das janelas e sacadas, mas logo saíram às ruas. As primeiras manifestações foram “bicicletadas”. Depois gente a pé se juntou aos ciclistas em atos propostos por grupos anarquistas como o espaço (A) Infoshop e a Federacija za Anarhistično Organiziranje (FAO). Tornou-se frequente xs libertárixs se reunirem às sextas-feiras para agitar ações e protestos, comer e beber juntos, andar de bicicleta. A prática se expandiu para outras cidades e hoje milhares de pessoas convivem em espaços libertárixs ou pelas ruas da Eslovênia. Também se juntam para interromper e impossibilitar marchas da extrema-direita, pró-governo, repletas de grupos declaradamente neo-nazistas. Os mesmos grupos instrumentalizados pelo governo para acossar xs anarquistas e investir violentamente contra eles durante manifestações e eventos públicos. Xs libertárixs na Eslovênia não dão sinais de esmorecerem, ao contrário afirmam suas existências, seguem com suas práticas e sociabilidades e não temem enfrentar a polícia oficial e extraoficial.

 

Nas cidades de Balıkesir, Sakarya, Istambul, Izmir, Bursa, Adana, Antalya, Kocaeli, Antep, Ancara, Trabzon, Manisa, Denizli, Muğla, Isparta, Konya e Çanakkale, todas na Turquia, a organização antifascista Children of Fire Initiative realizou ataques incendiários. Ao todo foram 88 somente no mês de junho de 2020; as ações do grupo ocorrem desde 2019 e a cada mês são dezenas de ataques. Entre os locais destruídos ou quase destruídos estavam 23 fábricas, 38 veículos, dois pontos turísticos, 7 empresas, um edifício do governo, um canteiro de obras municipal, dois alojamentos militares, uma loja de produtos militares, um porto, um estacionamento, um barco e uma escola. Além disso, também foram realizados cortes de pneus em 45 veículos. Segundo o grupo, as ações visam à destruição de qualquer edifício que apoie o governo ou tenha contato com fascistas. Declararam em uma das cartas que assumiam os ataques: “os isqueiros em suas mãos são como uma bomba atômica. Use seus isqueiros para atingir os fascistas com raiva, é algo simples e barato”.

 

situação das resistências

 

Em qualquer canto do planeta, há uma manifestação. Acompanhá-las e ver os seus surpreendentes, ou não, desdobramentos é atentar-se para o pulsar das resistências. Neste percurso, muitas forças se mostram nos campos de batalha.

 

Em alguns cantos do planeta, pelo desconhecimento da língua e dos costumes, por vezes também pela falta de interesse no que ocorre muito distante de nós, torna-se mais difícil perceber as nuances e o que está em jogo.

 

Mas não resta dúvida de que as constatações majoritárias que reduzem todas as movimentações “legítimas” pelo planeta à luta pela democracia, por reformas e melhorias, buscam silenciar os ruídos, os berros e o estalar do fogo, dos fogos de artifício e dos vidros estilhaçando.

 

Não resta dúvida de que a classificação de terrorismo, empurrada sobre xs libertárixs que praticam ações diretas contra propriedades, sempre cuidadosxs para que nenhuma pessoa ou ser vivo seja ferido ou morto, tenta desesperadamente proteger a continuidade desta ordem e a sobrevivência desta sociedade. A vida não é só existência biológica.

 

R A D. A. R

 

Children of Fire Initiative claims it set factory on fire

 

Ateşin Çocukları İnisiyatifi'nden Eylemler: Faşizm İntikamla Yıkılacaktır! (vídeos)

 

L’Etat nous interdit la rue, nous manifestons sur le canal

 

Queer Anarchist Małgorzata Szutowicz from Stop Bzdurom Collective Kidnapped by Police

 

Lebanon protests: Hundreds take to streets for second night

 

Milhares protestam contra governo de Israel pelo 2º final de semana

 

Tens of Thousands Protest in Mali Amid Growing Opposition to Keita Presidency

 

Who Is Behind Mali's Surging Protest Movement?

 

[A]Infoshop

 

Anarchist News

 

Contra Madriz

 

The Plague And The Fire

 

Flecheira Libertária 572

 

Flecheira Libertária 574

 

Flecheira Libertária 575

 

Flecheira Libertária 576

 

Flecheira Libertária 578

 

Flecheira Libertária 579

 

Flecheira Libertária 580

 

Flecheira Libertária 581

 

Flecheira Libertária 582

 

Flecheira Libertária 585

 

Flecheira Libertária 588

 

Flecheira Libertária 590

 

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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