informativos anteriores

observatório ecopolítica

Ano IV, n. 78, outubro de 2020

 

Os fatos do fogo

 

Pântanos. Florestas. Cerrado. Lavouras. Pastos. Matas ciliares. Árvores. Galhos. Animais. Em chamas. Em brasas. Em cinzas. Em partículas. Em aerossóis. Em monóxido de carbono. Em dióxido de carbono. Em óxido nitroso. Em metano.

 

Animais morrem de sede, de fome, de asfixia, de queimaduras em meio às chamas e calor e fumaça e cinzas. Restam carcaças retorcidas. Caso não chova copiosamente entre as brasas, nada brotará do solo. A fertilidade das cinzas se perderá em uma terra profundamente seca. No entanto, o excesso de chuva levará essas cinzas aos cursos d’água, assoreando-os, e ficará um solo estéril. Quase areia. A fertilidade das cinzas se perderá em uma terra profundamente seca. Quase areia.

 

A fumaça se esgueira como uma serpente quilométrica rumo ao sudeste da América do Sul. Partículas das cinzas de árvores, folhagens e animais impregnam alvéolos distantes e pousam em lajes, telhados, ruas. Poeira. Pó.

 

incêndios

 

A Terra arde. Em abril de 2020, o número de alertas de incêndio florestal no planeta aumentou 13% em relação a 2019, ano que fora recorde em focos de incêndios.

 

O Brasil, cujo nome se refere à cor de brasa da resina da árvore explorada pelos colonizadores no século XVI, também arde. Entre 1º de janeiro e 17 de setembro de 2020, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE registrou 138.263 focos de calor em todo território nacional, abrangendo todos os biomas. Número mais elevado do que a soma de todos os focos durante o ano de 2019, que totalizara 137.565 pontos de incêndio.

 

A Amazônia queima. Em abril deste ano, mês ainda dentro da estação mais úmida da região, um alerta e um apelo às providências preventivas tinham sido feitos pelos cientistas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM: as folhas, os galhos e os troncos secos das áreas desmatadas em 2019, acrescidos daqueles das áreas que estavam sendo desmatadas em 2020, gerariam um dos maiores incêndios florestais no Brasil. Não houve uma resposta. E a queima está em curso.

 

Em setembro de 2020, o INPE registrou 32.017 focos de incêndio na Amazônia, um aumento de 61% em comparação com o mesmo período do ano anterior, que somou 19.925 pontos de fogo. Este mês foi o segundo pior setembro em incêndios dos últimos dez anos.

 

O Pantanal, bioma que abrange parte dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, na bacia do rio Paraguai, perdeu nas queimadas recentes em 2020, 3.179.000 hectares (cada hectare soma 10 mil m²), o que equivale a 21% do bioma. De 1º de janeiro a 31 de agosto, foram detectados no Pantanal, de acordo com o INPE, 10.153 focos de calor. Houve um aumento de 220% em cotejo com os mesmos dias de 2019, quando foram contabilizados 3.165 focos. O mês de setembro fechou com 8.106 focos de calor no bioma, o maior número contabilizado desde o início do monitoramento em 1998, indicando um aumento de 180% em relação ao número de focos em setembro de 2019. Calcula-se que 26% do bioma do Pantanal foi já queimado, sendo que 14% apenas nesse mês de setembro. E o fogo se espalha.

 

Os pontos de calor decorrem ou da ação humana ou, em menor escala, de causas naturais. Os incêndios naturais ocorrem em áreas de vegetação mais seca, como a do cerrado e da caatinga, e dependem de descargas elétricas, combustão espontânea, atrito entre rochas e até do atrito do pelo de alguns animais com a mata seca. Entretanto, há os incêndios causados pela ação antrópica, tanto por algum acidente, como a explosão de algum maquinário, quanto por atos deliberados para queimar a vegetação.

 

Uma queimada resulta de algum tipo de manejo do fogo com uma intenção econômica, seja o preparo de um terreno para um roçado, no caso de pequenos agricultores e de comunidades indígenas; seja um manejo agropecuário em lavouras comerciais de grande escala e para a renovação do pasto; seja a limpeza de áreas desmatadas por corte raso ou a desmatar após a queima, visando ocupação agropecuária de área nova ou especulação imobiliária, ou ambas as intenções. Nestes três últimos casos, a ausência de uma autorização por órgão ambiental caracterizaria um ‘crime’ e levantaria a hipótese de que o fogo foi colocado para se garantir a posse de terras invadidas pelos “grileiros”.

 

Em 16 de julho de 2020, o Decreto Federal nº 10.424 proibiu as queimadas até 15 de novembro, exceto nos casos das atividades de subsistência das comunidades tradicionais e indígenas, de pesquisas científicas, de controle fitossanitário ou de prevenção de incêndios, esses três últimos somente mediante autorização. As queimadas controladas para a agropecuária fora da Amazônia e do Pantanal seriam permitidas apenas mediante autorização dos órgãos ambientais estaduais, mantendo a conformidade às regras do Código Florestal de 2012. Todos os novos focos de calor na Amazônia e no Pantanal, causados por ações humanas a partir dessa data, são considerados ilegais. Em 15 de novembro, talvez, voltarão à legalidade mediante licenciamento ambiental? Legal, ilegal, acidental, natural, o fogo é um fato.

 

Nas florestas densas o fogo pode seguir rasteiro, sem labaredas, mas não é menos destrutivo. Vistos do alto, em sobrevoos, às vezes tais incêndios se mostram apenas como uma fumaça de vapores. As árvores altas parecem se preservar nesses incêndios rasteiros, mas os efeitos do fogo nelas se farão sentir em pouco tempo. Por sua vez, em uma vegetação florestal mais seca, o fogo se alastra com vigor.

 

O vice-presidente, coordenador do Conselho da Amazônia Legal lançou em agosto, a campanha para inglês ver: “Diga sim à vida e não às queimadas”. O que lei e campanha significam? Nada. Alguns funcionários de órgãos ambientais, bombeiros, policiais e militares da Operação Verde Brasil 2, que juntos mal somam algumas centenas, não conseguem evitar, tampouco apagar as labaredas. E os donos de vastas fazendas continuam a pôr fogo no “mato”, preferencialmente em locais próximos às florestas.

 

Plataformas de monitoramento dos focos de fogo estão disponíveis para todos, com dados do INPE e de satélites da NASA. Cruzamentos de dados vindos da NASA, do INPE e dos Cadastros Ambientais Rurais-CAR (registro eletrônico obrigatório, previsto pelo Código Florestal de 2012, para todos os imóveis rurais, com a identificação das áreas preservadas) mostraram que, no Pantanal, parte significativa dos incêndios e novos focos se localizam em grandes propriedades rurais. Com atualizações diárias, essas plataformas possibilitam informações sobre invasões do fogo em unidades de conservação e incidência de incêndios em terras públicas, indicando atividade de grilagem dessas áreas.

 

fogo fátuo

 

Apesar da fumaça espalhada pelo continente sul-americano e das imagens dos focos de calor captadas em tempo real durante a passagem de diversos satélites de monitoramento do planeta, há aqueles que negam o fogo. Não são nem os terraplanistas, pois estes nem na passagem de satélites rodeando a bola terrestre acreditam, afinal, para eles, a verdade que se tenta esconder da humanidade é que a terra é plana. Chata.

 

A Amazônia não está queimando. Há os que falam que um ou outro foco de calor teria ocorrido para a limpeza do terreno, já desmatado, na área leste da floresta úmida, pelos índios e caboclos para sua sobrevivência. A Amazônia não está queimando. Incêndios no Pantanal? O Pantanal brasileiro seria igual à Califórnia: ambos pegariam fogo por causa das altas temperaturas e da vegetação seca. Essas afirmações abriram a Assembleia da ONU na videoconferência do presidente do Brasil.

 

Em agosto, na 2ª Cúpula Presidencial do Pacto de Letícia — pacto, assinado pelo Brasil, Bolívia, Equador, Colômbia, Peru, Guiana e Suriname na cidade colombiana de Leticia para defender a Amazônia sul-americana —, o presidente do Brasil foi enfático: “Desde a primeira cúpula, em setembro do ano passado, temos lutado com firmeza no combate ao desmatamento ilegal e aos crimes ambientais. No Brasil, criamos até uma operação denominada Operação Verde Brasil com ativa participação das Forças Armadas. (...) Mas, mesmo assim, somos criticados, afinal de contas, o Brasil é uma potência no agronegócio. (...) Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira. E nós devemos combater isso com números verdadeiros”.

 

No mesmo mês, o ministro de Gabinete de Segurança Institucional do governo, declarou que a Amazônia estava protegida e enfatizou a segunda fase da Operação Verde Brasil, que coloca militares para agir na Amazônia combatendo os chamados “crimes ambientais”, com investimento de R$520 milhões. Ressaltou que “nações, entidades e personalidades estrangeiras” são mentirosas na questão da proteção do governo à Amazônia, pois têm como objetivo “oculto, mas evidente, prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”.

 

Um dos alvos dessa e de outras defesas enfatuadas seria a campanha internacional Defund Bolsonaro, divulgada pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB. A intenção é convencer empresas, financiadores, líderes internacionais, organizações diversas, consumidores a não financiarem de maneira alguma o governo do Brasil, considerado o inimigo da maior floresta tropical do planeta. É feita uma pergunta: “De que lado vocês estão? Amazônia ou Bolsonaro?”

 

Tanto o vice-presidente, quanto o ministro do meio ambiente passa-boi passa-boiada compartilharam no twitter um vídeo de uma associação de ruralistas do Pará que negava os incêndios na Amazônia, usando imagens de arquivo, inclusive de um mico-leão dourado, espécie da mata atlântica do Rio de Janeiro. Ridicularizados, apagaram a postagem. Tinham tentado responder à pergunta do Defund: “De que lado você está? De quem preserva de verdade ou de quem manipula seus sentimentos? O Brasil é o país que mais preserva suas florestas nativas no mundo. Essa é a verdade. Nós cuidamos!”

 

Faltaram dizer que o fogo é um vislumbre da passagem pela vegetação mais preservada do planeta da cobra Boitatá (lenda baseada na imagem tremeluzente do fogo fátuo que teria a forma de uma serpente, defensora da mata). Mas é melhor não sugerir mais lendas fantásticas a essa gente.

 

Fogo Fátuo são altas chamas luminosas da explosão do encontro entre metano e fosfina que resultam da decomposição de matéria orgânica putrefata e de cadáveres.

 

boi bombeiro

 

Negar incêndio no meio da fumaça, em outras palavras, é mentir! Os elementos do governo e asseclas repetem o mesmo discurso, ou o que chamam de “narrativa” com base em fatos alternativos (expressão famosa de uma conselheira do presidente Trump, o muy amigo “americano” do presidente brasileiro). Quando não negam a fumaça que bate na cara, tergiversam sobre o carvão com explicações atravessadas. Vamos às palavras recentes do ministro passa-boiada cuja conduta e caráter já foram assunto de observatórios anteriores (Cf. 62; 54; 48).

 

O ministro não nega as queimadas no Pantanal, lembra até da existência da mudança climática como capaz de reduzir as chuvas! Mas atribui à ideologia as três causas da disseminação dos focos de calor. A ideologia impediria o uso do fogo preventivo para combater os incêndios — teria o ministro se esquecido do Decreto Federal 10.424/20? A ideologia estaria limitando a expansão da pecuária no Pantanal, e isso impediu a atuação da boiada bombeiro — aqueles bois que devoram todo mato seco da região e “evitam incêndios”. Fato contestado pelos dados estatísticos, que mostram o crescimento do rebanho bovino na região nos últimos anos. A ideologia impede o uso dos retardadores de fogo. “Todo o mundo usa os bloqueadores de fogo. É um produto químico parecido com fertilizantes que você mistura na água da aeronave [que pulveriza pesticida e adubo e agora atua nas queimadas] e o combate ao incêndio se torna cinco vezes mais eficiente.”

 

Em agosto, atendendo aos latifundiários locais, o ministro autorizou o uso desse bloqueador “parecido com fertilizante”. Foi prontamente contestado, inclusive pelo ICmBio, cujo chefe, mesmo tendo sido nomeado como “de confiança” pelo passa-boiada, acabou demitido por também ter se oposto ao uso desse produto “parecido com fertilizante”. Na imprensa foi noticiado que o bloqueador conteria nitrato de amônia, substância que explodiu Beirute, no Líbano, poucas semanas antes. Não é exatamente nitrato de amônia um dos compostos, mas sim o sulfato de amônia, cujo uso para apagar o fogo aceleraria o aproveitamento agrícola do solo, motivo da solicitação pelos proprietários das terras. Em todo caso, o uso de qualquer bloqueador químico estava já proibido por falta de garantia da segurança ambiental na água e no solo. Semanas depois, o passa-boiada conseguiu, sem consultar ninguém ou avisar os moradores próximos, jogar o retardante — uma cortesia da empresa vendedora — em um incêndio florestal em Goiás, uma ação de trade marketing de degustação do produto.

 

Com ou sem fumaça, palavras iguais circulam de boca em boca, desde ministros a influencers em redes sociais de apoio ao governo. A lenda pantaneira do boi bombeiro pode correr o mundo divulgada pela Ministra da Agricultura, que em uma falação recente, afirmou também que se houvesse mais gado no Pantanal não ocorreria incêndios em tão grandes proporções. Uma nova tradição: a lenda do Boi Bombê.

 

boi na brasa

 

Terra Indígena TI Munduruku, Jacareanga, Pará. Uma ação da Polícia Federal, dentro do escopo da Operação Verde Brasil 2, coordenada pelo vice-presidente, estava em curso para combater atividades de garimpo de ouro dentro da TI. Inesperadamente, surgiu um helicóptero sobrevoando a área. Vistoriando a extensão da garimpagem, lá estava o ministro passa-boi passa-boiada, o amigo das atividades minerárias, como deixou claro em sua passagem como secretário do meio ambiente em São Paulo. No aeroporto da cidade, logo depois, os garimpeiros se encontraram com ele, protestavam contra as operações policiais em suas lavras, ameaçaram até derrubar o helicóptero do IBAMA caso este levantasse voo para reprimi-los. Depois, garimpeiros, ministros e asseclas seguiram para Brasília em um grandioso avião da Força Aérea Nacional para negociações. Naquele mesmo dia, a operação foi suspensa pelo Ministério da Defesa que alegou ter sido um “pedido dos próprios indígenas”, afinal como justificou o vice Mourão: “os garimpeiros são os indígenas que moram lá”.

 

No entanto, lideranças Munduruku afirmaram que, de fato, há alguns indígenas, desaldeados e dependentes do modo de vida urbano, que apoiam o garimpo pelo ganho fácil e, mediante uma porcentagem do lucro, levam pessoas estranhas para dentro da TI à revelia dos demais indígenas. Além disso, a riqueza gerada pela lavra dentro da TI fica quase toda com um grupo de empresários locais, o grupo Boi na Brasa.

 

sob as patas da boiada.

 

“Em Roraima, tem R$ 3 trilhões embaixo da terra. E o índio tem o direito de explorar isso de forma racional, obviamente. O índio não pode continuar sendo pobre em cima de terra rica”, falou o presidente Bolsonaro, em abril de 2019, em um encontro com indígenas Pareci, de Mato Grosso; Macuxi, de Roraima; Xucuru, de Pernambuco e Yanomami, do Amazonas e Roraima, que estariam reivindicando o direito de explorar minérios e a agropecuária em suas respectivas terras. Os índios foram arregimentados pelo secretário especial de assuntos fundiários, a fada madrinha do ministro passa-boiada e conhecido por manter uma milícia rural armada no Pontal do Paranapanema, São Paulo.

 

A Constituição Federal de 1988 garantiu a posse dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente têm ocupado, mas deixou uma abertura (§3º do Artigo 231) para o aproveitamento dos recursos hídricos e minerais dessas áreas mediante autorização do Congresso Nacional e atendimento a uma legislação, ainda a ser aprovada, que assegurasse a participação nos lucros.

 

Em fevereiro de 2020, foi encaminhado à Câmara dos Deputados o Decreto 191, o mais recente projeto, dentre outros apresentados desde a Constituição como o PL1610/96, para definir as condições em que poderá haver pesquisa e lavra de recursos minerais e de hidrocarbonetos (petróleo, gás natural) em terras indígenas, bem como o aproveitamento hídrico para geração de energia elétrica nessas áreas. A Covid-19 dessa vez desacelerou um pouco a tramitação galopante dessa boiada legislativa...

 

Contudo, outras boiadas têm pisado, não só nas TIs, como também em outras áreas protegidas e em terras públicas em todo Brasil. O governo atual acenou com a aprovação legal da atividade minerária e, ao mesmo tempo, enfraqueceu o quanto pôde os órgãos de fiscalização, tirando verba, funcionários, atribuições, especialmente os da pasta do meio ambiente. Estimulado pela diminuição da fiscalização e promessas de apoio a invasões consumadas, o “empreendedorismo” dos garimpeiros e outros mineradores, assim como de grileiros, recrudesceu nos dois últimos anos.

 

No ano de 2019, invasões de terras indígenas aumentaram 153%. Neste 2020, de janeiro a abril, segundo o INPE, 72% de todo o garimpo realizado na Amazônia ocorreu dentro das chamadas áreas “protegidas”. Em relação às Unidades de Conservação, o garimpo destruiu 879,8 hectares de floresta nesses quatro meses, o que representa um aumento de 80,62% se comparado ao mesmo período de 2019, quando foram desmatados 487,12 hectares. Nas terras indígenas, a área de desmatamento para garimpo cresceu 13,44% em relação ao mesmo período do ano anterior, passando de 383,3 hectares em 2019, para 434,9ha em 2020. A TI Munduruku foi a mais invadida nesses poucos meses. Além da devastação da área das TIs, da contaminação dos cursos d’água com mercúrio e sedimentos do descarte, os garimpeiros levam o novo coronavírus para dentro das aldeias.

 

Enquanto a aprovação da legalidade da exploração mineral nas TIs não vem, o Ministério das Minas e Energia lançou em setembro o Programa Mineração e Desenvolvimento: Planos e Metas para 2020/2023, inclusive com uma versão em inglês para atingir o target da iniciativa. Em um dos planos: “Avanço da Mineração em Novas Áreas”, no programa “Minera Brasil”, uma das metas é “promover a regulamentação da mineração em área indígena.” O tema da regulamentação da atividade minerária nas TIs já tinha sido citado em um Plano de Mineração anterior, datado de 2011, e tem sido alvo de debates desde 1988.

 

O interesse em minérios do subsolo e dos sedimentos fluviais das terras indígenas e arredores não é recente. Há levantamentos detalhados para elaboração de cartas temáticas do território brasileiro, datados de anos anteriores à demarcação de TIs e de unidades de conservação, que incluem o potencial minerário do Brasil.

 

Em 1942 e 1943, no auge da II Guerra Mundial, um acordo do governo Vargas durante a ditadura do Estado Novo com a United States Air Force – USAF gerou 250 mil fotos com o método Trimetrogon (três câmeras acionadas simultaneamente nas fotos aéreas), usadas para mapas do IBGE. As fotos captaram de forma descontínua 2/3 do território do Brasil. Há maior concentração de aerofotos na faixa litorânea do sudeste e parte do nordeste, e em algumas bacias hidrográficas da Amazônia: Rios Amazonas, Madeira, Purus, Teles Pires, Tapajós, Solimões, Negro, Trombetas, nascentes do Xingu, foz do rio Amazonas com a ilha do Marajó e parte do litoral do Pará; áreas extensas da parte norte de Roraima, do Amapá, uma parte a leste do Acre, uma faixa norte de Rondônia.

 

Em meados dos anos 1950, foi implantada na Serra do Navio, no Amapá, a grande mina de manganês, substância importante usada em ligas metálicas, que colocou o Brasil como o quarto produtor do minério durante os 40 anos de seu funcionamento. A empresa mineradora, em parceria entre uma empresa brasileira e outra estadunidense lucrou em bruto quase 5 bilhões de dólares até o esgotamento da reserva do minério em 1998.

 

Entre 1955 e 1962, o Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM realizou levantamentos geológicos mediante fotos aéreas circunscritas à região do Pará, Mato Grosso e Goiás, o que auxiliou na descoberta de grandes polos minerais. Apenas entre 1964 e 1966, foi realizado outro levantamento em grande escala, uma parceria do governo brasileiro pós-golpe civil-militar com a USAF: o Projeto AST-10, que fotografou mais de 50% do território do Brasil em um bloco contínuo, abarcando as regiões sul, sudeste, centro-oeste, interior do nordeste e da região norte, Mato Grosso, Rondônia e parte sudeste do Pará.

 

Pelo ano de 1967, a empresa United States Steel, a maior siderúrgica do mundo, iniciou um programa de exploração mineral geológica no Brasil, conduzido por sua filial nacional a Companhia Meridional de Mineração (CMM). A meta era encontrar manganês com o auxílio dos aerolevantamentos, mas acabou encontrando ferro na Serra dos Carajás, que se tornou uma Província Mineral por contar com outros minerais: manganês, cobre, zinco, níquel, ouro, bauxita, cromo, estanho, tungstênio e urânio. É considerada a maior reserva de ferro do planeta, atualmente com uma produção anual em torno de 150 milhões de toneladas, gerida pela Companhia Vale do Rio Doce.

 

Graças aos resultados e às parcerias proporcionadas por estes grandes levantamentos surgiu o Projeto RADAM (Radar da Amazônia), estabelecido a partir de 1970, pelo DNPM, com os recursos do Plano de Integração Nacional - PIN, criado durante a ditadura civil-militar. O projeto RADAM foi um desdobramento de uma associação entre a estadunidense NASA e a Comissão Nacional de Atividades Espaciais - CNAE (precursora do INPE), que, em 1965, implantou um programa de levantamento de recursos naturais mediante sensoriamento remoto (Projeto SeRe). Os sensores usados tinham capacidade de rastrear as ondas mesmo através de nuvens, então surgiu a ideia de usá-los na região amazônica, em geral coberta pelas nuvens eternas. Foi feito um teste bem sucedido na região da Transamazônica (BR-230) que estava começando a ser aberta através da floresta sob as ordens do general Médici, na proximidade do Rio Tapajós. Depois o projeto prosseguiu para a Amazônia inteira. A partir de 1975, estendeu-se para as demais regiões do Brasil.

 

O aerolevantamento teve como sensor principal o Radar de Visada Lateral, da Goodyear Eletronic Mapping System, na faixa de micro-ondas, complementado por outros sensores óticos infravermelhos, acoplados em um avião comum, além do auxílio do satélite Landsat-3 e, posteriormente, de outros satélites do tipo Landsat e do Spot. Havia também a checagem local dos dados com minuciosos trabalhos de campo.

 

O resultado foram textos e detalhados mapas temáticos, abrangendo de forma integrada geologia, cartografia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Foram identificados mais de trinta polígonos importantes para a mineração. Aqui citamos dois exemplos, dentro de terras indígenas na Amazônia, que, como todas as demais TIs foram homologadas a partir da década de 1980, portanto, depois da divulgação dos resultados do RADAM.

 

Um dos polos que os levantamentos mostraram ser de grande potencial localiza-se no Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira, na fronteira com a Venezuela, hoje também uma TI, a Balaio, em que há ocorrência de nióbio. O local é uma das maiores reservas de nióbio do planeta, além de manganês, tório, vanádio, ferro e terras raras. Em 1975, a empresa Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, que explora a única mina de nióbio em funcionamento, em Minas Gerais, recebeu uma autorização de pesquisa, aliás a única na TI, mas não a utilizou (autorização de pesquisa é uma licença que permite alguma exploração).

 

Outro polo importante identificado pelo Projeto Radam está na Serra dos Surucucus, em Roraima, hoje dentro da TI Yanomami. Foram identificadas reservas de ouro, cassiterita, diamantes, urânio e muitos outros minérios. Dados recentes mostram que na área Yanomami há 657 processos de interesse minerário, ocupando 54% do total da TI. Estão na fase de requerimento, ou seja, nenhum tem qualquer tipo de licença de exploração, nem para pesquisa. Os minerais envolvidos: ouro, nióbio, lítio cobre, zinco, berílio, alumínio, estanho, vanádio, potássio, prata, platina, manganês, tungstênio, rutilo, wolframita, tântalo, níquel, chumbo, zircônio etc.. Anterior a 1980, havia apenas três requerimentos de pesquisa para cassiterita, um de ouro e um de titânio.

 

O ouro sempre foi o destaque da garimpagem amazônica. As imagens de Serra Pelada no Pará, hoje esgotada, ainda estão na memória. Os altos preços que o minério vem obtendo como um dos efeitos econômicos da disseminação da Covid-19 pelo globo estimulam a atividade onde quer que haja ouro à revelia de processos legais e avaliações de impactos no ambiente. O ouro extraído sem autorização é legalizado e pode até ser exportado à luz do dia, pois entra no circuito como se fosse produção de alguma empresa aurífera quites com a lei. Enquanto não consegue uma certificação oficial imediata, esse ouro segue clandestino para o mercado global.

 

A extração do ouro, legal ou ilegal, além de devastar a área com métodos de desmonte de barrancos ou dragagem de sedimentos dos rios, depende do uso de substâncias nocivas, ou de mercúrio ou de cianeto. Há um discurso recorrente que tenta fazer crer que a legalização das atividades minerárias, inclusive do garimpo, trará um controle dos impactos no meio ambiente, além das benesses sociais da carteira assinada, da melhoria das condições de trabalho e outras promessas.

 

Contudo, a poderosa Companhia Vale deixou que um distrito de Mariana e parte de Brumadinho fossem destruídos, com centenas de mortos, mesmo tendo sido alertada de problemas na estrutura dos diques de contenção de resíduos. Outro exemplo: a empresa canadense Belo Sun, que tem intenção de extrair cinco toneladas de ouro por ano em 2.759,51 hectares a 200 metros do rio Xingu, próximo à hidrelétrica Belo Monte em Altamira, Pará, insiste no uso do veneno cianeto para facilitar a extração do ouro. Alega que haverá cuidado com esses efluentes, que serão destruídos e levados para a futura barragem de contenção que deverá receber um total de 35,43 milhões de metros cúbicos de rejeitos e chegar a 14 metros de altura, apenas “um terço da altura do Pão de Açúcar”. Porém, por enquanto, a Licença de Instalação está suspensa.

 

tem boi no ar?

 

A linha da fronteira do Brasil com os demais países da América do Sul (exceto Chile e Equador) e a França (representada pela Guiana Francesa) mede 15.719 km. Uma faixa de 150 km de largura paralela a essa linha seria a Faixa da Fronteira, protegida por diversas limitações de ocupação, inclusive de atividades minerárias, por uma lei datada de 1979. No caso da mineração, a instalação de uma mina ou de uma lavra dependeria da aprovação de um Conselho de Segurança Nacional, e a empresa não poderia ter mais de 49% de capital estrangeiro e 1/3 de trabalhadores estrangeiros. No caso de empresa individual, a atividade só poderia ser desenvolvida por brasileiros. No citado Programa Mineração e Desenvolvimento: Planos e Metas para 2020/2023, uma das metas é “implementar novas oportunidades de mineração em faixa de fronteira”, e talvez isso seja usado para flexibilizar a proibição a estrangeiros, como tem sido proposto por projetos de lei recentes.

 

O estímulo a novas áreas minerárias implica o avanço em terras indígenas, e, também, na Faixa de Fronteira, com destaque para a região amazônica. O atual governo deixou muito claro que vai fortalecer o setor ao participar de eventos internacionais e mostrar para grandes empresas estrangeiras “a mina de oportunidades” que é o Brasil.

 

Simultaneamente, o Ministério da Defesa tem mostrado interesse em adquirir o acesso a novos satélites e modernos radares, que ficariam no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia - CENSIPAM, para um monitoramento ainda mais detalhado das fronteiras. Por sua vez, a Polícia Federal contratou o uso de imagens satélites de alta resolução da empresa estadunidense Planet. Assim falou o atual delegado da PF do Amazonas (que quase foi para a PF do Rio de Janeiro em 2019 a mando do presidente...): “Do ponto de vista policial, vamos entrar numa nova fazer de proteção da Amazônia.(...) Não terá mais como os criminosos não serem vistos”. Essas iniciativas promovem uma maior militarização da Amazônia que, aliada à abertura da “mina de oportunidades” em faixas fronteiriças para empresas de exploração de minérios, neutralizarão resistências e outras possibilidades de ocupação da terra.

 

Uma nuvem monstruosa de fuligem, fumaça e poeira formou-se no Pantanal. O deserto mostrou seu rosto. Dias piores virão?

 

R A D. A. R

 

Emissões de queimadas em ecossistemas da América do Sul.

 

Amazônia em Chamas: o fogo e o desmatamento em 2019 e o que vem em 2020.

 

As imagens mostram o avanço de fumaça de queimadas no Brasil (22/09/2020).

 

Queimadas batem recorde em setembro (1/10/2020).

 

Fires Forests and the Future.

 

Amazônia sufocada: Mapa do fogo na Amazônia Legal atualizado a cada 24 horas (Satélite S-NPP, da NASA) Obs. Cada ponto com foco de calor representa 375m².

 

Comentários em tempo real sobre focos de incêndios na Amazônia (complemento de Amazônia Sufocada).

 

Monitor das Queimadas (dados do INPE).

 

Cortina de Fumaça.

 

Plataforma Mapas da Panamazônia.

 

Decreto Federal nº 2661/98 - uso do fogo em atividades agropastoris e florestais.

 

Decreto Federal nº 10.424 de 15 de julho de 2020 - suspende a permissão do uso do fogo.

 

Código Florestal Capitulo IX-Proibição do uso do fogo e controle dos incêndios.

 

Grilagem.

 

Conselho Nacional da Amazônia Legal.

 

Defund Bolsonaro.

 

Vamos falar de queimadas.

 

Retardantes de Fogo: avaliação dos efeitos e da toxidade.

 

Ministro passa-boi passa-boiada e os incêndios.

 

Boi Bombê.

 

Garimpo na TI Munduruku 2.

 

Garimpo na Terra Indígena Munduruku, imagens da lavra.

 

Projeto de lei 191/ fevereiro de 2020.

 

Plano Nacional de Mineração 2030.

 

Programa Mineração e Desenvolvimento 2020/2023 -30 de setembro de 2020.

 

Garimpo em TIs.

 

Invasões em TIs.

 

RADAM.

 

Mineração em Terra Indígena .

 

Ouro na Amazônia.

 

Belo Sun.

 

Projeto de lei para a mineração em faixa de fronteira, do Sen. Chico Rodrigues.

 

Brazilian Mining Day – 4 de março 2020.

 

Programa Brasil MAIS –uso de satélites.

 

Planejamento Estratégico 2020-2023.

 

Observatório NASA da Amazônia.

 

 

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

www.nu-sol.org
www.pucsp.br/ecopolítica
http://revistas.pucsp.br/ecopolitica
05014-9010 Rua Monte Alegre, 984 sala s-17
São Paulo/SP- Brasil
55 11 3670 8372