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observatório ecopolítica

ano I, n. 8, abril, 2016.

 

Investimentos alternativos

O bem viver


O bem viver (buen vivir) no contexto andino é um conceito que procura acoplar saberes a práticas indígenas que redundariam na construção de vida comunitária em relação harmoniosa entre o ser humano e a natureza. Para alguns é a tradução da expressão Kichwa Sumak Kwasay, (vida plena).


No caso equatoriano foi um dos efeitos das mobilizações do movimento indígena organizado, unificado, a partir de sua diversidade, na Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE). .


As nacionalidades indígenas, organizadas através da CONAIE, agem em função do reconhecimento de seus sistemas jurídicos próprios, ainda sujeitados à constituição nacional. Lutam por suas nacionalidades, ao mesmo tempo em que ratificam a soberania do Estado equatoriano. Defendem a plurinacionalidade e o reconhecimento oficial de suas línguas.


Os direitos do bem viver expressam a constitucionalização dos direitos humanos internacionais, associados à dos direitos da natureza relacionados a um modelo de desenvolvimento do Estado e do capitalismo. O bem viver seria uma alternativa ao tradicional desenvolvimento “colonizador” pela inclusão de conhecimentos e práticas econômicas de povos tradicionais que se diferenciam da forma de produção capitalista. Por conseguinte, essas novas práticas ajustam-se aos programas de sustentabilidade que amenizam os efeitos negativos, ambientais e sociais acumulados, e incorporam sob a forma da inclusão os seus modos de vida.


A CONAIE, que pretende unificar o movimento indígena equatoriano, desde o seu Projeto Político de 1994, reivindica a oficialização do idioma Kichwa pelo Estado equatoriano; um reordenamento territorial que considere os territórios ocupados pelos indígenas antes da colonização espanhola; o desaparecimento de “forças coloniais” para que seja instituído uma “nova ordem econômica” e um “novo Estado plurinacional”. Age em benefício da “transformação da natureza do Estado” e por “uma nova nação plurinacional”, compreendendo com isso a unidade na diversidade. Ainda segundo o documento, é o controle territorial pelos indígenas que proporciona “um manejo harmônico e equilibrado dos recursos naturais”; “a conservação do meio ambiente” e o “desenvolvimento integral de todas as vidas”. Na seção “plano de ação”, propõe uma nova constituição política que reflita a “realidade plurinacional do país” e permita “o funcionamento efetivo do aparato estatal”.


A proposta de Assembleia Constituinte foi uma das bases do programa de governo de Rafael Corrêa e de seu partido o Alianza País. Em 2008 foi aprovada a Nova Constituição Equatoriana com 444 artigos. Entre os direitos e obrigações previstos estão os “direitos do bem viver”, que integram o capítulo 2 da constituição com 23 artigos, distribuídos em oito seções: água e alimentação; ambiente saudável; comunicação e informação; cultura e ciência; educação; habitação e moradia; saúde; trabalho e seguridade social.


No Equador o bem viver pretende trazer para dentro do Estado as demandas do movimento indígena organizado. Teve como efeito, até agora, além da constitucionalização dos seus direitos, a produção do Plano Nacional para o Bem Viver 2009-2013 e 2013-2017, pela Secretaria Nacional de Planificação e Desenvolvimento (SENPLADES).

 

A economia solidária


Foi com a realização do Fórum Social Mundial, em 2001, na cidade de Porto Alegre, que se abriu um espaço para a consolidação de diretrizes internacionais no interior das lutas latino-americanas em relação à pobreza, à defesa do meio-ambiente, às populações tradicionais e à garantia dos direitos humanos, concomitantemente com o início do programa da ONU, em 2000, dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.


Nesse Fórum funcionou a oficina “Economia Popular Solidária e Autogestão” cuja discussão consolidada teve como efeito a criação do Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária. O GT “buscou unidade na diversidade, favorecendo a construção da identidade do campo denominado economia solidária”. Após a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002, o GT produziu a carta “Economia Solidaria como Estratégia Política de Desenvolvimento” na qual reivindicava a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Em paralelo, criou-se o Fórum Brasileiro de Economia Solidaria (FBES), que se organiza em torno de 160 “fóruns municipais”, “microrregionais” e “estaduais”, envolvendo mais de 3000 “empreendimentos”, 12 governos estaduais e 200 municípios. Em 2003, o governo Lula anunciou a criação da Secretaria vinculada ao Ministério do Trabalho com a direção do economista Paul Singer.


Por economia solidária, entendem-se as atividades econômicas organizadas sob a forma de cooperativas, associações e “empresas autogestionárias”. Segundo seus teóricos, “é uma corrente do bem, que integra quem produz, quem vende, quem troca e quem compra”, sob os princípios de “democracia, solidariedade, cooperação, respeito à natureza, comércio justo e consumo solidário”.


Em documento produzido pela SENAES, a economia solidária tem como valor central “o direito das comunidades e nações à soberania de suas próprias finanças”. Baseia-se na “descentralização” econômica, apartando-se na medida do possível do “monopólio” das moedas nacionais e beneficiando a criação de “moedas comunitárias”. Gera-se “empoderamento” e “regulação” dos “fluxos financeiros da comunidade”, defendendo-se assim “a soberania do povo sobre o seu próprio mercado”.


Mais recentemente, o termo bem viver aparece como palavra-chave em cartilhas produzidas para a implementação da economia solidária no Brasil. Os defensores dessa outra economia são fundamentalmente organizações vinculadas à igreja católica, como a Caritas Brasileira e organizações sindicais, entre elas o sindicato de metalúrgicos do ABC; sindicato de químicos do ABC e a Central Única dos Trabalhadores, que deram apoio institucional a criação da UNISOL Brasil – Centro de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, grande parceira da SENAES.


Na divulgação do bem viver, no Brasil, as editoras Autonomia Literária e Elefante lançaram no final de 2015 o livro Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos do economista e presidente da Assembleia Constituinte equatoriana, Alberto Acosta. O livro, publicado originalmente em 2012, pela editora Abya Yala, em Quito, é considerado o principal referencial sobre o tema. Segundo Acosta, como o sumak kawsay é um modo de vida de povos que transmitem seus ensinamentos pela oralidade, não é possível fazer uma pesquisa documental sobre o tema.


O evento de lançamento no Brasil, financiado pela Fundação Rosa Luxemburgo, ocorreu em janeiro de 2016 no Espacio 945, um “espaço colaborativo” composto por instituições de comunicação e jornalismo. O espaço é “ocupado” pelas editoras do livro, pela Inanna Educação, a “rádio alternativa” Antena Zero, a Ponte Jornalismo (conhecido por publicar vídeos de violências praticadas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo), além da redação da revista eletrônica Outras Palavras e da Revista Fórum.


No Brasil, a economia solidária tornou-se uma secretaria estatal e tem no bem viver um de seus objetivos. O bem viver dá conteúdo moral às políticas de Estado e assegura a soberania política, em meio à diversidade, por meio da promoção de direitos e constantes institucionalizações da já institucionalizada sociedade civil.

 

Conexões


No Equador, assim como no Brasil, programas de ajustes relativos à inclusão se comunicam, reiteram suas especificidades e compõem uma nova maneira de levá-la adiante. Passaram da programática dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, 2000-2015 para a dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, 2015-2030. Pobres e populações indígenas passam a ser incluídos com dignidade aos interesses de cada Estado e da chamada economia sustentável.





R A D.A.R


Buen Vivir
CONAIE. Proyecto politico de la CONAIE.
https://www.yachana.org/earchivo/conaie/proyectopolitico.pdf


Constituição do Equador, 2008.
http://www.pichincha.gob.ec/phocadownload/leytransparencia/literal_a/normasderegulacion/constitucion_republica_ecuador_2008.pdf


Plano Nacional para o Bem Viver 2009-2013 e 2013-2017.
http://www.buenvivir.gob.ec/


Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
http://cirandas.net/fbes/o-que-e-o-fbes


UNISOL Brasil – Centro de Cooperativas e Empreendimentos Solidários.
(http://www.unisolbrasil.org.br/)


PNUD e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
http://www.pnud.org.br/ODS.aspx

 

Colin Salter. Activism as Terrorism: The Green Scare, Radical Environmentalism and Governmentality. In Anarchist Developments in Cultural Studies.Ten Years After 9/11: An Anarchist Evaluation, 2011
http://www.anarchist-developments.org/index.php/adcs_journal/article/view/36/37

 

Voltairine de Cleyre. "The dominant Idea". In Mother Earth, Vol. 05, n. 03, maio de 1910.
https://theanarchistlibrary.org/library/voltairine-de-cleyre-the-dominant-idea

 

 

Uma agenda planetária do PNUD para os indígenas


Em setembro de 2000, a ONU deu início à agenda de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), balizada pela principal meta: a redução da pobreza. Após seu autoproclamado sucesso produzido por meio da fabricação, difusão e compartilhamento de índices de aferição, os ODM puderam declarar-se como agenda cumprida e dar lugar aos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).


Criaram-se condições para projeção e vigência, até 2030, de novos campos de ação e agendamento planetário. Para o alcance do chamado desenvolvimento humano sustentável, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) orienta todos os seus projetos e relatórios para a promoção das metas globais da ONU.


O principal método de avaliação e monitoramento do cumprimento destes objetivos se dá pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq e pelo econometrista indiano Amartya Sen, laureado com o Prêmio Nobel de Economia, em 1998, por seu trabalho sobre o “bem-estar econômico”.


Diferente do Produto Nacional Bruto (PNB), que considera apenas o lucro de um país, o IDH é tido como uma medida mais eficiente do “progresso das nações”, ao levar em conta as escolhas e participação das pessoas ajustada às variáveis de expectativa de vida, grau de escolarização e renda per capita, passíveis de serem complementadas ou alteradas em sua aplicação.


Nesse sentido, o trabalho de Sen apresenta uma abordagem das capacidades humanas como ampliação da teoria do capital humano, ao aumentar o leque de “potenciais humanos” diretos e indiretos que podem se converter em benefícios ao desenvolvimento em âmbito local e regional, sempre em consonância com políticas planetárias.


Em julho de 2013, apresentou-se o Atlas do Desenvolvimento no Brasil, produzido pelo o PNUD, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Fundação João Pinheiro de estatística. O Atlas consiste em uma plataforma de consulta ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), contabilizando 5565 municípios brasileiros, podendo ser analisados por mais de 180 indicadores com dados de 1991, 2000 e 2010, relativos à população, educação, habitação, saúde, trabalho, renda e medições da chamada vulnerabilidade.


Segundo o Representante da ONU e do PNUD no Brasil, Jorge Chediek, o Atlas orienta e indica possíveis implementações das “políticas públicas” e melhorias da qualidade da gestão por meio de uma melhor avaliação dos níveis de qualidade de vida do país.


Um dos Estados com pior colocação na escala do IDHM foi o Mato Grosso, devido à estagnação econômica e ao analfabetismo. O pior município no ranking foi Campinápolis, a 565 km da capital Cuiabá. A justificativa é clara: mais de 50% da população do município é indígena. Segundo o prefeito da cidade, os quase 8 mil habitantes, em sua maioria do povo Xavante, pouco se inserem e contribuem para a economia local, são pouco alfabetizados e recebem assistência à saúde de maneira precária por parte do governo federal.


Com base em índices para aferir a participação dos indivíduos em suas localidades por meio de práticas que beneficiem o desenvolvimento sustentável em âmbito planetário é que o PNUD orienta políticas e realiza projetos e oficinas que estimulem as chamadas capacidades humanas em termos de adaptação e integração.


Em 2015, com o objetivo de “atender às demandas dos povos indígenas sobre os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio e da Agenda pós-2015”, o PNUD publicou resultados de três oficinas realizadas com povos indígenas no município de Bela Vista (MS), a fim de indicar quais são os objetivos relacionados ao chamado “bem viver indígena”, respeitando o meio em que vivem e o papel de suas “práticas tradicionais”.


Ainda em 2006, especialistas da ONU inseriram os ODM nas escolas das aldeias do Mato Grosso do Sul, por meio da capacitação de professores, agentes de saúde e lideranças indígenas. O objetivo era o de levar os indígenas a aprender a trabalhar em prol destas metas globais. Uma parceria entre a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a antiga FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), prefeituras e governos estaduais, incluiu seminários com temas ligados à cidadania brasileira, formas de integração entre a cultura indígena e a não-indígena, solução de conflitos, enriquecimento da produção agrícola, questão de gênero e higiene. De acordo com o consultor para políticas internacionais e desenvolvimento humano, Hermann Gebauer, que visitou as aldeias a convite do PNUD, o objetivo era proporcionar aos indígenas implementos de atividades e trabalhos na própria aldeia. Ao longo do processo, os indígenas foram monitorados e avaliados, e assim foi possível medir os objetivos em prol do desenvolvimento humano sustentável e, quando necessário, renová-los. Segundo a gerente do PNUD no Mato Grosso do Sul, Eloísa Barro, ainda fizeram parte da continuidade do projeto campanhas sobre a importância dos estudos para o aumento da escolaridade e profissionalização do jovem indígena.


Uma intervenção frequente, fomentada pelo PNUD global, que responde à denominada “fuga de capital humano”, consiste em enviar especialistas altamente qualificados para seu local de origem com o objetivo de prestar consultorias específicas e de curto prazo sobre desenvolvimento humano. Estes especialistas são originários de países considerados “em desenvolvimento” e formados no “mundo desenvolvido”.


De maneira similar, um projeto do PNUD Brasil incentiva indígenas da região de Dourados (MS) estudantes universitários e recém-formados, a voltarem para suas aldeias e aplicarem ali o conhecimento que adquiriram. Este projeto, em especial, é voltado às propostas na área de segurança alimentar. Segundo a coordenadora técnica do PNUD no Programa Conjunto de Segurança Alimentar, Renata Oliveira Costa, este conceito é utilizado de forma ampla, orientando-se também pela gestão sustentável do ambiente local e o empoderamento comunitário, para que os indígenas se tornem capacitados a fazer as melhores escolhas.


Por fim, os índices produzem a avaliação de vulnerabilidade, e os indígenas ganham o estatuto de cidadão brasileiro. Abre-se o campo para os programas de erradicação da miséria e cuidados com o ambiente que contam com a participação dos próprios indígenas transformados em agentes gestores. Nesta lógica, povos indígenas são produzidos como elementos vulneráveis que devem se capacitar para se tornarem potenciais capitais humanos. E assim são inscritos na agenda planetária.


Se os indígenas são considerados cidadãos brasileiros, com base no “reforço e respeito da diversidade”, interessa aos fomentadores e orientadores de políticas sociais, como o PNUD, o ambiente em que um grupo ou indivíduo se encontra. Capacitados a fazer as melhores escolhas, devem se sentir seguros em ambientes pacificados e apropriados para se desenvolver. A abordagem das capacidades humanas, com vistas a alcançar, continuadamente, o desenvolvimento humano sustentável, envolve um conjunto de habilidades, condutas e valores que devem ser comuns e em prol do bem comum da humanidade.


Na racionalidade neoliberal, indígenas também fazem parte do leque de investimentos em capital humano como forma política de governo do ambiente. Ser capacitado e saber gerenciar, monitorando e avaliando escolhas seguras, é fundamental, e a participação de todos em prol de uma agenda comum é prerrogativa para o desenvolvimento.





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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