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observatório ecopolítica

Ano V, n. 85-86, março de 2021.

 

Por onde vão as minorias?

 

Tudo deve se ajustar aos tempos de hoje, democráticos e de racionalidade neoliberal. Com a substituição do governo Trump, parece que liberais, esquerdistas e todos aqueles no planeta que não se identificam com o personalismo reacionário ganharam seus respiradores.

 

Para cada humano, reacendeu a luz da esperança em que tudo será recomposto em benefício da humanidade livre. Nos EUA, com tradição institucional democrática bipartidária, sai um, entra outro, e o cerne da questão (nós comandamos o mundo) recebe outras feições.

 

As minorias vão se adequando aos novos tempos. E parece que a cada instante de retrocesso se torna mais positiva e forte a retomada da defesa de direitos de minorias, recompondo práticas políticas majoritárias. Os reacionários, como sempre, fazem um bom serviço para obstaculizar ou extirpar resistências e, simultaneamente, redimensionar o fluxo liberal, agora para os portadores de direitos inacabados. É educar para aprender a lutar para melhorar, para o desenvolvimento sustentável real, ou o imaginário que habita uma esquerda pouco imaginativa.

 

Direitos de minorias e capitalismo com racionalidade neoliberal recompõem os rebanhos e dão protagonismo a cada cidadão para que seja pastor do outro e de si mesmo, um cidadão-polícia. A boa polícia, a inevitável polícia, capaz de acumular junto com o jurídico um rol de impunidades a serem corrigidas e ajustadas.

 

Direitos de minorias para garantir a vida de quem é produtivo, como sempre. Um curioso mapa de heteronormatividades se reconfigura, do mesmo modo que saúde e solidariedades são incentivadas para sustentar este estado das coisas conformando a conduta moderada. Para efeitos gerais, a maioria sempre é branca.

 

Um objeto de castigo

 

Palmatória. De um galho de palmeira a um utensílio de aplicação do castigo. Seu uso como instrumento pedagógico (de tortura) foi introduzido pelos jesuítas na conversão de povos indígenas nas Américas. Os “soldados de deus”, a Companhia de Jesus a serviço da religião, do capitalismo e do Estado.

 

Palmatória. O instrumento de castigo utilizado sobre as mãos de negros escravos, e, posteriormente, em escravos libertos nas Américas.

 

Palmatória. O instrumento de tortura utilizado largamente sobre as mãos de crianças, jovens, homens, mulheres em sessões intermináveis de tortura, seja durante as ditaduras, seja nas democracias.

 

Palmatória. O objeto de castigo aplicado sobre as mãos de crianças e jovens na rua, em casa, na escola...

 

É possível que por meio deste pequeno objeto macabro, também, se possa estancar, desdobrar e escancarar, de forma brevíssima, o princípio do castigo que começa por seu exercício sobre os corpos de crianças e jovens para se espraiar em leis, direitos, cotas, mensurações entre cálculos de força e sua moderação, simultaneamente, inerente ao Estado e à política.

 

O espelhamento lúgubre entre Estado e religião compõe esse tríptico indissolúvel entre Estado, religião e direitos. O espelhamento ardiloso entre direitos e propriedade. Um quadrilátero encarcerador entre propriedade-religião-Estado-direitos.

 

A matança que corre solta, inerente à própria política, sempre se inicia por exercícios muito ordinários, pequenos mesmo, nesses disparates dos baixos começos que circundam e massacram os corpos de crianças, em casa, na escola... Na prática diária do castigo ao tomar o corpo de uma criança como propriedade da autoridade superior.

 

Palmatória nos EUA e...

 

Já foi? Não. É. Permanece.

 

Nos EUA, a prática do uso da palmatória é consentida e sacramentada pela lei, em escolas estatais e privadas, da pré-escola ao último ano do ensino médio. Em 19 dos 50 estados americanos sua utilização é permitida nas escolas estatais e nas privadas seu uso é aprovado em 48 estados, com exceção de New Jersey e Iowa.

 

A “etiqueta” para o uso deste castigo varia de acordo com cada estado. E versa sobre o tipo e tamanho da palmatória. As com buracos no meio objetivam produzir maior velocidade e dor a cada pancada. Assim como o número de vezes a ser aplicada de acordo com cada ocorrência e volume da força a ser empregada. Golpes de palmatória nas nádegas é o mais comum, mas também ocorrem uso de cintos, réguas, dentre outros. Sua aplicação pode ser efetuada por um professor, diretor ou funcionário autorizado. Há escolas que prescrevem a presença de uma testemunha para validar que o “procedimento” não feriu “a etiqueta do protocolo”.

 

Há escolas que também oferecem uma gama de múltipla escolha para quem vai ser punido à palmatória ou outro tipo de castigo, nota baixa ou suspensão, dentre outros. Há escolas em que os pais assinam um termo autorizando ou não o uso da palmatória, dentre outros, em seus filhos. Há muitos pais que não permitem o uso do castigo físico na escola. A maioria porque só reconhece o direito de bater e surrar pelas suas próprias mãos e de preferência em casa. Ou seja, no recôndito do lar, isto é, no funesto “home, sweet home”.

 

Lar e escola perfazem o macabro itinerário que mede a vara do castigo. E o governo estadunidense sacramenta e abençoa. Isso, também, é a política. Afinal, é do e no castigo que ela se sustenta, se reproduz e sobrevive.

 

No Brasil, o exercício do poder familiar prevê que se castigue desde que não imoderadamente os filhos a fim de educá-los.

 

Lá e cá, no espelho invertido e contíguo, o castigo sobre o corpo de crianças e jovens é visto como cálculo econômico e político da pena em torno de possíveis excessos cometidos.

 

No Brasil, tem pastor-ministro da educação que diz ser indispensável educação com dor e que a “vara da disciplina não pode ser afastada de nossa casa”.

 

A fixação no castigo vai muito além das leis e começa muito aquém delas. Está aí no óbvio do inominável. O inominável que pica, tritura e massacra, cotidianamente, corpos tenros e jovens.

 

O resto do inqualificável, deriva deste inominável tornado costume e praticado por cidadãos e cidadãs de bem, limpos e assépticos, sujos ou mal cheirosos e os carnífices de toda cepa que pretendem naturalizar isso que se chama amor ao castigo.

 

O estado das coisas: a assimilação lgbt+

 

No dia 20 de janeiro de 2021, mesmo dia de sua posse na presidência dos Estados Unidos da América, Joe Biden assinou a “Ordem Executiva de Prevenção e Combate à Discriminação com Base na Identidade de Gênero ou Orientação Sexual”.

 

Postula que: “Todas as pessoas devem ser tratadas com respeito e dignidade e devem poder viver sem medo, não importa quem sejam ou quem amem. As crianças devem poder aprender sem se preocuparem se não terão acesso ao banheiro, vestiário ou esportes escolares. Os adultos devem poder ganhar a vida e seguir uma vocação sabendo que não serão demitidos, rebaixados ou maltratados em razão de com quem vão para casa ou pela forma como se vestem não estar adequada aos estereótipos baseados no sexo. As pessoas devem ter acesso aos cuidados de saúde e a um teto seguro sobre suas cabeças, sem serem submetidas à discriminação sexual. Todas as pessoas devem receber tratamento igual perante a lei, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual. (...) É política da minha administração prevenir e combater a discriminação com base na identidade de gênero ou orientação sexual”.

 

Ele cumpriu uma promessa de campanha. Biden foi o primeiro presidente estadunidense a incluir a “comunidade trans” em um discurso da vitória. Em seu Twitter, pouco tempo após sua eleição, ele declarou às pessoas trans: “[minha administração] olhará vocês, ouvirá vocês e lutará não apenas pela sua segurança, mas também pela dignidade e justiça que lhes foram negadas”.

 

A vice-presidente Kamala Harris também se mostra sensível à política de identidade trans, ostentando na bio (biografia) de seu perfil no Twitter a informação dos pronomes com os quais ela se identifica, ela/dela. “Fighting for the people. Wife, Momala, Auntie. She/her.”

 

Cinco dias depois, o presidente dos Estados Unidos assinou uma nova “Ordem Executiva Para Capacitar Todos os Americanos Qualificados para Servir ao Seu País de Uniforme”.

 

O documento oficial autoriza que todo estadunidense qualificado para “servir à pátria”, deve poder fazê-lo, porque a instituição militar também “prospera” com a diversidade, “um exército inclusivo fortalece nossa segurança nacional”.

 

O alvo principal desta Ordem Executiva é que a identidade de gênero não deve ser um obstáculo para o serviço militar. “Será política dos Estados Unidos garantir que todos os indivíduos transgêneros que desejam servir nas Forças Armadas dos Estados Unidos e podem atender aos padrões apropriados sejam capazes de fazê-lo abertamente e sem discriminação.”

 

O secretário da Defesa e general aposentado, Lloyd Austin, arrematou: “Se você está apto e qualificado para servir, e pode manter os padrões, você deve ter permissão para servir”, afinal “o negócio das Forças Armadas dos Estados Unidos é defender nossos concidadãos de nossos inimigos, estrangeiros e domésticos. Eu acredito que cumprimos nossa missão mais efetivamente quando representamos todos os nossos concidadãos”. Austin foi Comandante General das Forças dos Estados Unidos no Iraque, Vice-chefe do Estado-Maior do Exército e Comandante do Comando Central. Foi aplaudido como o primeiro afro-americano a assumir o cargo de secretário de defesa.

 

Com isto, o atual governo revoga os Memorandos Presidenciais de Donald Trump (de 23 de março de 2018 e 25 de agosto de 2017) referentes à proibição de pessoas transgêneros servirem ao exército. Restaura a política anunciada por Barack Obama no fim de seu último mandato. Reescreve a heteronormatividade de um jeito menos retrógrado, acompanhando os reconhecimentos dos portadores de direitos inacabados nesta sociedade. Direitos aos que se reconhecem majoritários.

 

Em 2016, o governo Obama determinou que transgêneros que já estavam no Exército poderiam continuar servindo assumidamente e estabeleceu que, a partir de julho de 2017, o exército poderia recrutar pessoas trans como novos soldados. Esta data foi adiada pelo novo presidente, Donald Trump, com a finalidade de averiguar quanto a inclusão de soldados trans poderia afetar a instituição. Retorno à heteronormatividade convencional.

 

No mês de julho, ele tuitou: “nossos militares devem estar focados em uma vitória decisiva e completa, e não podem ser submetidos à carga da tremenda perturbação e custos médicos que as pessoas transgêneros acarretariam ao Exército”.

 

Em abril de 2019, sob a alegação de perturbação e aumento de gastos, devido aos procedimentos médicos e de medicalização, Trump revogou a política proposta pelo presidente anterior. Antes de sua decisão, chefes da cúpula militar declararam no Congresso que não havia comprovação que os serviços militares de pessoas transgênero causassem perturbação ou fossem onerosos.

 

O jogo em relação às políticas de identidade e à heteronormatividade (convencional ou atualizada) voltadas à população trans não começou aí.

 

Em fevereiro de 2017, poucas semanas após assumir a presidência, Trump rescindiu os “Exemplos de Políticas e Práticas Emergentes para Apoiar Estudantes Transgêneros”. Em maio de 2016, o Departamento de Educação “havia se comprometido a fornecer às escolas as informações necessárias para oferecerem um ambiente de aprendizado seguro, favorável e não discriminatório para todos os alunos”. Em especial, o documento se voltava para as crianças e jovens trans, muitos dos quais “reportam sentimentos de insegurança e experiências de assédio verbal e físico ou agressão na escola, e que estes estudantes podem ter performances acadêmicas piores por isso”. Estabelecia orientações e informações direcionadas a administradores escolares, professores, pais e aos próprios estudantes.

 

Se Biden foi o primeiro presidente dos EUA a incluir a “comunidade trans” em seu discurso de vitória, Barack Obama foi o primeiro a mencionar os direitos gay, reconhecendo igualdade formal, em um pronunciamento de posse (sua segunda posse, em 2013).

 

Desde seu primeiro mandato, o governo Obama investiu nas políticas de identidade voltadas às ditas minorias sexuais. Em outubro de 2009, ele sancionou o “Ato Mathew Sheppard James Byrd Jr. de Prevenção ao Crime de Ódio”, primeira lei federal a penalizar “crimes de ódio” motivados por identidade de gênero ou orientação sexual. Em dezembro do ano seguinte, ele revogou a política “Don’t Ask Don’t Tell” (Não pergunte, não conte), que vigorava desde 1993 nas Forças Armadas, coibindo que soldados identificados como gays e lésbicas se assumissem publicamente no interior da instituição. Ambas as medidas foram amplamente aclamadas por cidadãos estadunidenses lgbt+ — e também por lgbt+ de outras nacionalidades, imantados na democracia estadunidense e no sonho americano.

 

Durante sua segunda gestão, o governo Obama publicou um Memorandum no qual demarcou que a melhor interpretação do “Title VII of the Civil Rights Act of 1964”, em relação à proibição da discriminação com base no sexo, é que ela abarca identidade de gênero e inclui as pessoas trans. Argumento que foi reiterado por Biden no início deste ano.

 

Em abril de 2015, Barack Obama atendeu ao clamor mais esperado com a decisão da Suprema Corte por tornar o casamento entre pessoas do mesmo sexo um direito fundamental do cidadão estadunidense. “Esta decisão afirma o que milhões de americanos já acreditam em seus corações: quando todos os americanos são tratados como iguais, somos todos mais livres”, declarou na ocasião. Heteronormatividade atualizada.

 

Se as políticas de criminalização e de inclusão assumida no exército já haviam agradado lgbt+ em todo o planeta, a autorização do casamento produziu uma algaravia ainda maior. No Brasil, nas mídias, celebrou-se com frases sobre o amor; nas redes sociais, com filtros de arco-íris em fotos de perfis. Na produção do mainstream ― do mercado da música à Hollywood e Netflix ― cresceu sobremaneira a representatividade lgbt+. A legalização do casamento homoafetivo nos Estados Unidos repercutiu mostrando que o sonhado american way of life encontra suas bases sólidas na comunhão da propriedade, do sobrenome e da herança; na constituição da família homo ou bi modulada à velha hetero-monogâmica-burguesa. Hoje, falar em heteronormatividade não basta mais, quando vemos na história recente a produção de uma homonormatividade. Ou melhor, como tudo tende a se ajustar à heteronormatividade atualizada.

 

Vale ressaltar que, em 2016, quando Obama anunciou a política de inclusão trans no exército, o Federal Bureau of Prisons, Health and Human Services, Department of Housing and Urban Development adotaram medidas e políticas semelhantes.

 

O que as revogações de Donald Trump ― além das mencionadas, por meio de um memorando em 2017, o Departamento de Justiça retirou a proteção federal às pessoas transgênero contra a discriminação em seus empregos ― produziram além de polêmicas políticas? Quantos ex-soldados trans não se empreenderam como ativistas em Ongs, Institutos, Fundações ou mesmo no ramo da segurança privada? O quanto foi feito para acariciar as bases eleitorais puritanas e só?

 

Durante o período pré-eleitoral de 2016, Trump falou em “proteção aos cidadãos LGBTQ” e posou com uma bandeira do arco-íris, junto de seus adoradores do “Gays for Trump”. Quando empossado e questionado sobre o casamento gay, respondeu que era lei e ponto.

 

As identidades de gênero e sexualidade se acoplam, se combinam, com as políticas à direita e à esquerda. Sem problemas! Pelo contrário.

 

Diante das medidas adotadas pelo governo Biden no início deste ano, especialmente as que permitem a participação conforme a identidade de gênero em esportes escolares, não faltaram críticas e reclamações nas redes como a #BidenErasedWomen.

 

A acusação de que o presidente promove o “apagamento de mulheres” (biomulheres, ou de acordo com o léxico identitário, mulheres cisgênero) é compartilhada entre religiosos, republicanos, devotos de Trump, alt-right... e feministas radicais. Estas últimas, majoritariamente localizadas à esquerda, defendem que a experiência de mulheres nascidas mulheres é incomparável à de mulheres trans, que elas consideram pessoas socializadas como homens. Para feministas radicais, a luta deve ser protagonizada exclusivamente por mulheres ― dotadas de sistema reprodutor feminino e socializadas como mulheres desde crianças ―, reivindicando uma separação radical das lutas trans, gays e queers. Esta vertente do pensamento feminista não é nova, remete à segunda metade do século passado, mas vem causando crescente alarido, notadamente nas redes sociais, conforme os movimentos trans angariam destaque no âmbito das políticas de identidade e no mercado.

 

Escândalo antiassimilação

 

Durante a campanha eleitoral de Barack Obama, em 2008, eclodiu nos Estados Unidos a bash back!. Anarco-queers espalhadxs pelo país praticavam ações diretas e enfrentavam o coro democrático das minorias portadoras de direitos que esperavam seu salvador. A bash back! afirmou a existência queer antiassimilacionista e antiestatal.

 

No final dos anos 1980, certas pessoas romperam com o movimento gay por recusarem sua majoritária adesão à política, reivindicando o que queers bem humoradxs definiam como “a santíssima trindade”: direito a casar, a ser gay/lésbica assumido no exército, ter a segurança de uma lei que criminalizasse condutas e violências motivadas por preconceito quanto à sexualidade. Estas pessoas se diziam queers e combatiam essa adesão à política e ao heteronormativo american way of life afirmando uma luta antiassimilacionista.

 

E hoje? Quais foram e são as atitudes antiassimilacionistas e antiestatais frente à vitória de Joan Biden? Será que havia anarco-queers entre xs libertárixs que incendiaram as ruas de Portland e agitaram Seattle? Algo foi silenciado? Ou será que as disputas políticas com suas polêmicas e a alardeada vitória da democracia acomodaram ainda mais gente ao sonho americano e à esperança de que seja para sempre? A heteronormatividade atualizada está in progress.

 

A pandemia nas estatísticas estadunidense

 

Segundo dados estatísticos, em 2019, a população estadunidense era composta por: 60,1% brancos (não-hispânicos); 18,5% hispânicos; 12,2% negros; 5,6% asiáticos; 2,8% “raças” múltiplas; 0,7% indígenas e nativos do Alasca; 0,2% havaianos nativos/outras ilhas do pacífico.

 

Quando a chamada pandemia provocada pelo novo coronavírus estourou no país, o impacto nas mortes, como constatado nos diversos cantos do planeta, não foi proporcional às estatísticas populacionais.

 

Até março de 2021, de acordo com o Centro para Controle e Prevenção de Doenças – CDC, a relação de mortes por Covid-19 em proporção à população branca (não-hispânica) apontava para: 2,4 vezes maior entre indígenas e nativos do Alasca; 2,3 vezes maior entre latinos e hispânicos; 1,9 vezes maior entre negros; e equivalente entre asiáticos.

 

Um estudo realizado entre o início da chamada pandemia no país e setembro de 2020, procurou traçar uma relação entre a segregação racial nos Estados Unidos da América e o impacto na mortalidade de determinados grupos.

 

Algumas das constatações apontam para a super-representação de negros e latinos em atividades consideradas essenciais; a maior propensão de viverem em habitações multigeracionais; a menor probabilidade de possuírem um plano de saúde (lembrando que o acesso à saúde nos EUA é privado); e a maior predisposição para doenças respiratórias, circulatórias, cardíacas, etc, etc... Além disso, foi ressaltado que grupos segregados têm a tendência de circularem quase que exclusivamente entre seus pares, circunscrevendo o risco de infecção.

 

Com a chegada da vacina no final de 2020, novas estatísticas sinalizaram para a continuidade das desigualdades entre brancos e a população segregada. 66% da população branca (não-hispânica) recebeu ao menos uma dose da vacina até março de 2021, em comparação com 9% de latinos/hispânicos, 8% da população negra, 4,8% da população asiática e 1,4% da população indígena e nativos do Alasca.

 

Além do evidente difícil acesso a estabelecimentos de saúde, explicou-se a disparidade divulgada pela dificuldade dos segmentos mais atingidos em acertar folgas no emprego, e no caso dos chamados imigrantes ilegais, de evitar colocar em risco sua situação no país. Soma-se a isso, a desconfiança em relação ao sistema médico e ao governo, que historicamente fizeram dessas pessoas ratos de laboratório em nome do progresso e da ciência (ver observatório ecopolítica n.83-84: https://www5.pucsp.br/ecopolitica/observatorio-ecopolitica/n83-84.html).

 

Os benfeitores

 

Diante da gritante discrepância, a administração do governo do recém-eleito presidente, o democrata Joe Biden, prometeu $250 mi para iniciativas de combate à Covid-19 voltadas à chamada população carente. Junto a isso justificou a necessidade de um maior controle de dados sobre a população.

 

O governo do Estado da Califórnia tomou a dianteira em relação às medidas de contenção do novo coronavírus com foco nas comunidades em maior situação de risco e adotou um plano de vacinação em que 40% das vacinas são destinadas aos condados mais atingidos pelo vírus que, como esperado, possuem em geral um número expressivo de negros e latinos.

 

O plano faz parte da abordagem Blueprint For a Safer Economy [Pegada Azul para uma Economia Mais Segura] lançada em agosto de 2020. O governo californiano, duramente criticado no ano anterior por suas medidas restritivas, lançou a iniciativa com o propósito de possibilitar uma abertura mais rápida e segura do comércio e das escolas.

 

De maneira prática, reconheceu que tal abertura só seria possível se o seu foco passasse a ser não a população abastada, cujos recursos permitem uma certa comodidade financeira, habitacional, atendimento à saúde de qualidade e mesmo alguma circulação, mas os que, além de comporem a maioria dos chamados trabalhadores essenciais, dependem das ruas para garantir a sobrevivência. Uma solução liberal, mas ajustada ao “cálculo da razoabilidade”.

 

Genocídio lento e gradual

 

A expectativa de vida das populações não-brancas nos Estados Unidos da América, é historicamente mais baixa.

 

Dados sobre a mortalidade de adultos com mais de 25 anos, nos EUA, desde 2000, mostram que nos últimos 20 anos a mortalidade da população negra sempre foi superior à da população branca. As taxas de mortalidade em anos pré-pandemia explicitam que a matança das populações segregadas, da negra em especial, é um moto-contínuo. São aqueles cujos empregos miseráveis são necessários para sua sobrevivência e para a vida capitalista; que são aviltados e sugados da disposição à vitalidade; são abandonados para morrer assim que deixam de ser produtivos.

 

São negros, latinos, indígenas, etc., são essenciais para a garantia da “dignidade” do outro que governa. São indispensáveis, como bloco, enquanto ainda cumprem o propósito de produzir, carregar, colocar seu corpo em risco. São dispensados aos poucos. Seria a supremacia branca também uma das metas do milênio? Não pode ser. Por ser quem governa é quem determina as metas com seus assujeitados lambuzados de farelos na miséria física e mental.

 

Paraíso à brasileira

 

No Brasil, mais de 50% da população é negra.

 

Aqui, diferente do país ao norte, a segregação não foi institucionalizada. No país do carnaval, a mulata desfila(va ― antes da pandemia) sob os holofotes, mostrando ao mundo a beleza da mulher brasileira. Ela não é a Miss Estados Unidos que, com exceção das cotas em tempos politicamente corretos, é a branca de olhos claros, recatada e do lar. Aqui, a mulata transborda a mistura de séculos de uma colonização à brasileira. Ela é a rainha da festa do diabo abençoada por deus. É o sexo transpirando. Como seu parceiro masculino. Isso que é racismo e heteronormatividade convencional ou atualizada.

 

Ela é a rainha da festa do diabo. Ela é rainha na festa. E só. O resto do ano a sua beleza se mistura com os rostos e corpos maltratados pelo emprego penoso, sob o sol excruciante, na miséria da favela, ainda que limpinha. Porque o pobre no Brasil deve ser limpinho. Ele pega o ônibus e o trem lotado para o trabalho. Se tem sorte, veste um uniforme branco e pode até usar o elevador social, afinal, a lei, agora, não permite a discriminação.

 

A grande parte da população é negra, ou parda, segundo o IBGE. Ela segue alegre na sua favela-comunidade, com ou sem raízes. Ainda que tenha que dividir o espaço com ratos, esgotos, uma metralhadora apontada na cabeça, cujo agente que a carrega ― muitas vezes preto ou quase preto ― só está ali para garantir a segurança… da outra parte da população.

 

Aí veio a chamada pandemia.

 

Aí o espaço reduzido e amontoado da favela-comunidade virou, mais uma vez, foco de risco, sujeira, contaminação e pobreza. E lá, muita gente morre. E aí, às vezes é melhor rezar para que a gripe se cure sozinha do que contar com a graça de uma vaga ou atendimento decente no serviço público de saúde. E aí, às vezes é melhor acreditar no pastor que tá no trono ou na igreja. E aí, desobedecer no baile é melhor do que se revoltar. O chumbo vem de qualquer jeito. Se não é o chumbo, é o novo vírus, que também não faz muita distinção entre o baile e o vagão do trem.

 

As estatísticas não mentem: “Bairros de São Paulo com mais pretos ou pardos tem mais mortes por Covid-19”.

 

E tem os olhares atravessados, porque o preto e pobre agora carrega mais um perigo em potencial.

 

Mas assim como os do norte, eles também são essenciais. Quem não morrer de fome, bala ou Covid-19, é abençoado.

 

Mas quem sabe ano que vem tem carnaval.

 

R A D. A. R

 

Palmatória nos EUA

 

 

Transgêneros no Exército dos EUA

 

 

Biden overturns Trump transgender military ban

 

 

'Whiplash' Of LGBTQ Protections And Rights, From Obama To Trump

 

 

Executive Order on Preventing and Combating Discrimination on the Basis of Gender Identity or Sexual Orientation

 

 

Transgender Service in the U.S. Military An Implementation Handbook

 

 

Examples of Policies and Emerging Practices for Supporting Transgender Students

 

 

Revised Treatment of Transgen er Employment Discrimination Claims Under Title VII of the Civil Rights Act of 1964

 

 

Censo da população nos Estados Unidos de 2019

 

 

CDC - Risk for COVID-19 Infection, Hospitalization, and Death By Race/Ethnicity

 

 

Using machine learning to estimate the effect of racial segregation on COVID-19 mortality in the United States - Gerard Torrats-Espinosa

 

 

Demographic Characteristics of People Receiving COVID-19 Vaccinations in the United States

 

 

Covid: How ethnicity and wealth affect US vaccine rollout

 

 

National Strategy for the COVID-19 Response and Pandemic Preparedness

 

 

Mortality Trends by Race and Ethnicity Among Adults Aged 25 and over: United States

 

 

IBGE - Desigualdade no Brasil

 

 

Bairros de SP com mais pretos e pardos têm mais mortes por Covid-19

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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