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observatório ecopolítica

ano I, n. 9, abril, 2016.

 

Da fome ao clima: o desenvolvimento sustentável e o governo do planeta.


Em setembro de 2015, a Organização das Nações Unidas lançou a sua nova proposta global para atualizar sua campanha anterior para o desenvolvimento: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).


Trata-se de uma iniciativa resultante da Conferência para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, realizada em junho de 2012, contemplando um “balanço” dos 20 anos da Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco 92, realizada também no Rio de Janeiro em 1992.


Centrados em 17 objetivos, os ODS atualizaram e substituíram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) com vista a orientar o financiamento e a agenda para o desenvolvimento global até 2030. O novo projeto para a continuidade do desenvolvimento no milênio se apresenta como a via legítima da sustentabilidade, focada em propostas que assumem gestões compartilhadas, pautadas pela identificação das ditas populações vulneráveis pelo planeta. Agora, os índices e monitoramentos incluem também os países desenvolvidos, não apenas como financiadores, mas identificando, em seus interiores, seus próprios “guetos”, bem como as condutas voltadas à segurança do meio ambiente.


Pela convocação à participação, a finalização da proposta dos ODS conectou universidades, especialistas, empresas, comunidades indígenas, movimentos sociais, organizações internacionais, ativistas ambientais, ONGs, institutos... todos voltados para o aprimoramento da gestão como governança global sob a aplicação do que devem ser as melhores práticas.


O intuito dos ODS é consolidar resiliências, mecanismos de segurança, a chamada qualidade de vida e, principalmente, formas de efetivar políticas projetadas para as futuras gerações como ação contínua no governo transterritorial de um planeta “para todos”.


O Pacto de Paris – Tratado pela Mudança Climática – foi divulgado como uma resolução global de vanguarda, a “Aspiração em Ação”, segundo a ONU, pois a maioria dos chefes de Estados, incluindo os EUA e a China, negociou um tratado final pela limitação a 2 graus centígrados no aumento da temperatura terrestre, tendo como referência o final do século XIX. Mais do que isso, o tratado seguiu as orientações de cientistas, ativistas e ONGs ao longo do processo institucional conduzido pelas Nações Unidas, desde a década de 1990, voltado para a regulamentação do clima, por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Organização Mundial de Meteorologia.


A data escolhida para o Tratado para a Mudança Climática entrar em vigor foi 22 de abril, Dia Internacional da Terra no calendário comemorativo das Nações Unidas. Interessada em aproveitar a ocasião para também reativar a campanha dos ODS, a ONU realizou um grande evento para a cerimônia oficial de assinatura em sua sede.


O tratado pretende aprimorar o Protocolo de Kyoto (1997), que teve baixa adesão dos países desenvolvidos à época e, portanto, operou por um período restrito. Entrou em vigência entre 2008 a 2012, regido pelo Acordo de Marrakesh, e foi estendido pela Emenda de Doha entre 2013 a 2020.


Desde a Eco 92, a Convenção–Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima foi o documento responsável por operar o processo diplomático de regularização das taxas de emissão de gases do efeito estufa de forma contínua. Este tratado foi elaborado com a intenção de ser inacabado, pois o consenso acerca de índices comuns de emissões deveria ser obtido a partir das convocações para as Conferências das Partes – as “COPs”, nas quais os países-membros renegociariam seus termos e solidificariam novos arranjos. O principal efeito dessas negociações em cada um dos encontros foi produzir o alinhamento de conceitos, hoje articulados aos chamados processos de desenvolvimento, fazendo do clima, junto ao combate da pobreza, um dos eixos principais das diretrizes da ONU para o milênio sustentável.


O notável evento que abriu a assinatura do Tratado de Paris, em 22 de abril de 2016, repleto de celebridades e atrações musicais teve como grande destaque certos chefes de Estado, incluindo a presidente do Brasil e o secretário estadunidense John Kerry, que levou a neta como ilustração do slogan “para as futuras gerações”. O presidente da Bolívia, Evo Morales, salientou a convergência do Pacto de Paris com o saber das comunidades indígenas e a necessidade de proteger a “Mãe Terra”, pleiteando a criação de um sistema global de Justiça Climática para punir empresas e governos.


O Pacto de Paris, segundo a ONU, é “essencial para o alcance dos ODS”, e definiu o objetivo 13 como aquele voltado à gestão da resiliência climática do planeta. Evidencia as novas atualizações dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio por uma via em que a diplomacia e o direito internacional operaram pelo discurso da sustentabilidade, da participação e da proteção do “planeta comum”.


A mais recente atualização das metas do desenvolvimento sustentável apenas reitera e consolida a convergência esperada do que já constava no documento preparatório da Rio +20, Povos resilientes, planeta resiliente: um futuro digno de escolha.


A resiliência catalisa e modula o pretérito próximo e o futuro esperado. E como é de se esperar, entre metas e desenvolvimento, mais uma vez, é o presente que se esvai. Isto, também, se chama resiliência.





R A D.A.R


Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
http://web.unep.org/climatechange/cop21/22-april-2016-world-comes-together-sign-paris-climate-agreement


Convenção–Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima .
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2652.htm


Organização Mundial de Meteorologia
http://www.wmo.int/pages/prog/wcp/index_en.html


Protocolo de Kyoto
http://unfccc.int/resource/docs/convkp/kpspan.pdf


Conferência das Partes
http:/www.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/conferencia-das-partes/


Acordo de Marrakesh
http://unfccc.int/cop7/documents/accords_draft.pdf


Emenda de Doha
http://unfccc.int/files/kyoto_protocol/application/pdf/kp_doha_amendment_spanish.pdf


Pacto de Paris – Tratado
http://unfccc.int/files/essential_background/convention/application/pdf/spanish_paris_agreement.pdf


Paris Climate Agreement Signing Ceremony
http://www.un.org/sustainabledevelopment/climatechange/


Povos resilientes, planeta resiliente: um futuro digno de escolha
http://www.pucsp.br/ecopolitica/documentos/direitos/docs/Povos_resilientes_planeta_resiliente_2012.pdf


Adeline Champney. “What is worth while? A study of conduct, from viewpoint of the man Awake”. Cleveland Free Thought Society, 20 de fevereiro de 1910. New York: Mother Earth Publishing Association, 1911.
http://theanarchistlibrary.org/library/adeline-champney-what-is-worth-while.pdf


Barômetro da biodiversidade – 2013 - Union for Ethical BioTrade – UEBT
http://ethicalbiotrade.org/dl/barometer/UEBT%20BIODIVERSITY%20BAROMETER%202013%20PT.pdf


Infográfico “O que é biodiversidade?” – 2015 - Union for Ethical BioTrade – UEBT
http://ethicalbiotrade.org/infographic-2016/


Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CBD)
https://www.cbd.int/


Participa.br –Consulta Pública sobre Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional
http://www.participa.br/profile/patrimoniogenetico


Medida Provisória 2.186/01 sobre o acesso ao patrimônio genético (Revogada)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2186-16.htm


Lei Nº 13.123/2015 sobre o acesso ao patrimônio genético
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm

 

 

Diversidade esquadrinhada


As novas modulações de produção de visibilidades sobre as espécies biológicas dos ecossistemas vêm adquirindo uma coerência científica que não pertence ao interior dos laboratórios científicos, mas evidencia interesses em sua externalidade ou, mais objetivamente, de seus financiadores.


Desde 2009, a União para o Biocomércio Ético (Union for Ethical BioTrade - UEBT) realiza pesquisas para avaliar a conscientização sobre biodiversidade no planeta, inscrita na lógica de mercado. No Barômetro da Biodiversidade, um de seus documentos publicados em 2013, o próprio instituto declara que já foram consultados “31 mil consumidores de 11 países para se avaliar o nível de consciência sobre biodiversidade e atitudes de consumo”. A UEBT considera este barômetro um instrumento importante para acompanhar as metas de conscientização global sobre biodiversidade, definidas pelas Nações Unidas para 2020.


A informação de mercado é fonte importante para delimitação de metas de governo, não apenas sobre a população ou restrita ao interior dos Estados, mas também sobre a distribuição, o uso e o consumo de uma matéria que transpõe as fronteiras. Trata-se do governo dos recursos naturais pelas diretrizes do sistema de produção de capital, recursos estes chamados de riquezas naturais, capital natural, termo cuja acepção já denota o interesse de mercado.


A celebrada “conscientização ambiental”, na ótica do uso industrial da biodiversidade, efetiva-se e agrega significações e ressignificações tão somente pela estratégia de mercado no âmbito do grande capital exploratório e empreendedor. Segundo o Secretário Executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CBD), o brasileiro Bráulio Ferreira de Souza Dias, “o Barômetro da Biodiversidade é uma importante fonte de dados sobre as tendências globais de informação sobre a biodiversidade. Os resultados não só mostram uma crescente conscientização, mas também que o respeito à biodiversidade gera grandes oportunidades de negócios”.


Na pesquisa, o Brasil é o país que tem o maior índice de “consciência sobre a biodiversidade”, com 96% de pessoas entrevistadas que já ouviram falar do tema. A China, por sua vez, é a que apresenta o maior índice de pessoas que sabem a definição correta de biodiversidade.


No Barômetro de 2016, a UEBT apresenta três exemplos de definição correta declarados pelos entrevistados na América Latina: “É tudo o que envolve a natureza e seus habitantes (Brasil)”; “É a variedade dos recursos naturais de que dispomos (Equador)”; “É quando há muitos tipos de flora e fauna em um só lugar (México)”.


A variedade, a concentração topográfica e a relação, sobretudo mercadológica, entre natureza e seus habitantes, são as marcas da definição destacadas pelo novo documento deste instituto, que se define como “uma associação sem fins lucrativos que promove o ‘Abastecimento com Respeito’ de ingredientes que vêm de biodiversidade”. O instituto ainda complementa o seu objetivo com austeridade: “BioComércio Ético avança no negócio do crescimento sustentável, no desenvolvimento local e na conservação da biodiversidade”.


No Brasil, temos um bom exemplo de como é feito este uso austero da biodiversidade. Até o dia 02 de maio estava aberta para consulta pública a contribuições da população à regulamentação da Lei 13.123/2015, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.


A chamada para a consulta popular encontra-se no site participa.br do portal do governo federal, que convoca a população para figurar em uma participação protocolar, posto que a estrutura da legislação já fora acordada entre governo federal e as diferentes bancadas industriais no congresso federal.


O texto da minuta de regulamentação da lei, como coloca a notícia no referido portal, favorece o incentivo e o desenvolvimento tecnológico voltado a um tipo específico de pesquisa, a de mercado. As indústrias das principais áreas do mercado da biodiversidade – alimentos, remédios e cosméticos –, conforme a nova legislação estarão autorizadas a ter acesso à diversidade das espécies e, a partir daí, confeccionar produtos voltados ao consumidor, mediante consultas às comunidades locais e indígenas das quais foram extraídos os conhecimentos sobre o uso das devidas espécies. No caso de não identificação do “provedor do conhecimento tradicional associado” (Lei 13.123/2015), tal negociação se dará na mesa de negociações, tão somente, entre o Estado e o mercado.


Durante quinze dias, instituições do terceiro setor, movimentos sociais e legalistas engajados contribuíram para o sucesso do protocolo, que absorverá um ou outro detalhe recomendado para não transparecer que as participações foram em vão.


Com respeito ao uso de mercado dos produtos derivados qualquer negociação sobre repartição de benefícios entre indústrias, governo federal e comunidades será realizada após a definição total do mercado para os produtos finais.


De sua parte, as comunidades estão preocupadas em garantir o seu quinhão neste futuro mercado lucrativo das riquezas naturais. Não por menos, a legislação trata isto apenas e a partir do conceito de Patrimônio Genético. O que faz saltar a pergunta: patrimônio de quem?


A guerra pela propriedade, sempre sangrenta, há muito deixou de ser apenas uma disputa por terras. Agora é microscópica, é genética, é nanométrica, é sequenciada, é genômica. A produção de capital, mais que esquadrinhar e destrinchar a vida e os corpos humanos atua no campo molecular, apropriando-se do que outrora fora o invisível, inovando em seu nível de exploração e empreendimento parasitário, conjugando tradições “selvagens” como valor agregado, atualizando em sequenciamentos moduláveis o velho conceito de família para fauna e flora, ultrapassando as determinações taxonômicas do geneticismo clássico.


Atua ainda em outro nível de consciência. Não a consciência no governo sobre si e sobre os outros, mas uma consciência sobre a biosfera que desintegra fronteiras nacionais, fronteiras das propriedades privadas, fronteiras corporais. A consciência e, portanto, o nível de governo da vida, é ambiental, ecológica, por fim, planetária. Exploração, desenvolvimento (in)sustentável, inovação tecnológica e consumo parasitário, consciente porque empreendedor, pelo mercado genético de bancos de sequenciamentos de dados genéticos.


A boa nova para os negócios é que se anuncia rapidez, menos burocratização, mais garantias ambientais e o socialmente justo. Trata-se do usufruto exploratório e parasitário por parte de indústrias, conivência negociável com as comunidades locais, tradicionais e indígenas e a prestigiada chancela do Estado.


Assim seguem a boa nova da velha ladainha sobre o desenvolvimento sustentável e sua técnica de governo – simultaneamente local e global – a respeito de coisas, gentes, bichos e demais vidas.


Tudo que é vivo na Terra deve ser monitorado, medido e avaliado por variados índices que servem ao Estado e ao mercado. As convocações à participação (pouco importa se efetivas ou não) realizam o campo no qual todos governam e são governados em nome do bem comum e das verdades superiores.





 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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