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observatório ecopolítica

Ano V, n. 90, maio de 2021.

 

As metamorfoses da Covid-19

 

O nome da doença: Covid-19. Em fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a denominar a doença causada pelo novo coronavírus de Covid-19. COVID designa COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus), e 19 situa o ano em que os primeiros casos ocorreram, em Wuhan, quando em dezembro foram divulgados publicamente pelo governo chinês.

 

O nome do vírus: Sars-Cov-2. Sigla transposta do inglês que designa “Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2” (Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2).

 

Diante dessas definições, a Covid-19 é classificada na medicina como uma doença causada por um vírus que provoca no corpo uma síndrome respiratória aguda grave.

 

Mas, será que se está apenas diante disso?

 

Em 14 de abril de 2021, a Fiocruz divulgou um estudo por 10 pesquisadores, recém-publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, onde se propõe uma nova classificação para a doença.

 

O estudo é assinado por especialistas em terapia intensiva, cardiologia, hematologia, virologia, patologia, imunologia e biologia molecular, que atuam em seis instituições de assistência médica e pesquisa científica no Brasil. São elas: Hospital Pró-Cardíaco, Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Faculdade de Medicina de Petrópolis (Unifase), Instituto Nacional do Câncer (Inca), Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) e United Health Group. No IOC/Fiocruz, participam os Laboratórios de Virologia Comparada e Ambiental, de Aids e Imunologia Molecular, de Inflamação, de Patologia e de Imunofarmacologia.

 

Dito de forma direta e em poucas palavras. Para os autores, a Covid-19 não é, tão somente, uma síndrome respiratória, mas sim uma doença vascular. Mais especificamente, uma febre viral trombótica (TVF).

 

O artigo, apoiado em inúmeros estudos realizados ao longo deste último ano pelo planeta, situa uma série de questões técnicas para enfatizar, de maneira especial, a importância do endotélio no corpo e de como ele é atingido por este vírus. E, de forma simultânea, as implicações do comprometimento inflamatório endotelial.

 

O endotélio é o tecido que reveste internamente os vasos sanguíneos que irrigam o corpo. Entretanto, segundo os autores, o endotélio não é tão somente uma camada de revestimento. O artigo o situa como “um maestro que orquestra funções múltiplas” e ao mesmo tempo “orquestra” tanto um “papel central” quanto um “papel crítico” numa série de “funções fisiológicas”. Dentre outras, o artigo destaca: “o tônus vasomotor”; “o transporte de células sanguíneas e tecidos subjacentes”; “a manutenção do fluxo sanguíneo”; “a permeabilidade”; a “angiogênese” (formação de novos vasos sanguíneos), “a imunidade inata e adaptativa”.

 

Para se ter uma noção do que está implicado frente à Covid-19, é preciso se deter, de saída, na composição da extensão física e espacial quase inimaginável do endotélio.

 

Segundo os autores, o endotélio é composto por inúmeras camadas que alinham os vasos. Por sua vez, ele, em si, pesa tão somente 1 kg em um adulto com altura e peso médio de 70 kg, mas poderia cobrir a extensão de uma área situada entre 4.000 e 7.000 metros quadrados. Mas não só. Se esticadas suas células assumem uma proporção astronômica: dariam 4 vezes a volta no planeta, ampliando seu comprimento por volta de 180.000 km. Os autores sublinham estas dimensões para literalmente desenhar (não só para seus pares quanto para qualquer leigo) o tamanho do problema “quando esse sistema entra em disfunção”; noutras palavras, mais do que disfunção provoca crise, ruína, morte.

 

Talvez convenha lembrar o óbvio. O pulmão, também, é irrigado por vasos sanguíneos. Mas não só. O pulmão é composto por inúmeros alvéolos, e ao se esticar e emparelhar todos esses alvéolos numa superfície horizontal seu volume cobre o equivalente à área de uma quadra de tênis. E aí, até mesmo um leigo compreende o que está em jogo na proposta dos autores de mudança da Covid-19 para doença vascular diante da definição atualmente usada e adotada no começo da chamada pandemia, quando quase nada se sabia sobre o vírus e seus efeitos sobre os corpos das pessoas e ela foi denominada como doença de síndrome respiratória com ênfase no pulmão.

 

Sabe-se que outras doenças mais conhecidas provocadas por vírus podem acometer a coagulação. A febre amarela, a dengue, são algumas. Entretanto, o que os pesquisadores sublinham é que estas podem provocar hemorragias. Ao passo que, a Covid-19 trouxe pela primeira vez uma infecção viral que se apresenta de maneira inversa. Ela pode produzir coágulos e trombos, gerados por uma hiperativação da coagulação no sangue.

 

Dessa forma, os autores do artigo insistem que as “evidências irrefutáveis” encontradas na “literatura atual” mostram que “a Covid-19 é a primeira doença viral que pode ser marcada como uma febre viral trombótica”.

 

Ainda há mais.

 

A citocina é uma proteína envolvida na “regulação” da resposta do sistema imunológico. A expressão “tempestade de citocinas”, usada regularmente para caracterizar o que o Sars-Cov-2 provoca no corpo é bastante recente na área das ciências biológicas. Ela passou a ser utilizada há apenas duas décadas. O termo “tempestade de citocinas” surgiu como correlato a uma “reação hiper inflamatória” do corpo, descoberta por cientistas durante outras duas epidemias de coronavírus. A do Sars-Cov-1, também chamado apenas por Sars, que ocorreu na China entre 2002 e 2003, e a do MERS (Middle East Respiratory Syndrome) em 2012, que foi chamada assim por designar “síndrome respiratória do Oriente Médio”.

 

Por sua vez, o artigo que propõe a classificação da Covid-19 como uma doença vascular discorre sobre uma espécie de circuito de “interações” na Covid-19 entre endotélio, coagulação e resposta imunológica. Essas “interações”, segundo os autores, demarcam um campo capaz de produzir no corpo uma “tempestade trombótica” para além de, tão somente, uma “tempestade de citocinas”. Dito de forma bem simples, eles mostram que em uma “tempestade de trombina” (tempestade de ativadores de plaquetas, células responsáveis pela coagulação) as próprias células endoteliais podem ser muito mais prejudiciais do que uma “tempestade de citocinas”.

 

Desta forma, os autores insistem que a definição de síndrome respiratória aguda é bastante inespecífica e pouco informativa, tanto do ponto de vista clínico quanto da percepção das próprias pessoas. Sugerem, então, que a Covid-19 passe a ser denominada como uma febre viral trombótica.

 

Talvez valha recuperar o tríptico apontado no estudo da relação entre endotélio, coagulação e imunidade, para lançar outra questão em relação à chamada Covid-19.

 

Será que o vírus que provoca essa doença não produz, também, no corpo comprometimentos muito próximos aos desencadeados pelas chamadas doenças autoimunes?

 

De forma sucinta, as doenças autoimunes são falhas congênitas no próprio sistema imunológico que confunde um vírus, bactéria, fungo etc., com as proteínas de suas próprias células e isso desencadeia um ataque ao próprio corpo. Seria possível afirmar que o chamado Sars-Cov-2 (e suas cepas variantes) produziria em alguma medida uma doença autoimune adquirida? E estaríamos, assim, diante do extremo diametralmente oposto ao do vírus HIV na AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida)?

 

A chamada Covid-19 quando não mata, gere de forma compartilhada o incurável, alternando momentos intermitentes de agravamentos e remissões, pretendendo estabilizá-lo, assim como as inúmeras sequelas adquiridas.

 

R A D. A. R

 

FIOCRUZ - Covid-19: artigo defende nova classificação para a doença

 

 

Should COVID-19 be branded to Viral Thrombotic Fever?

 

 

Ação direta do SARS-CoV-2 em vários órgãos pode causar reação imune exagerada em crianças

 

 

An autopsy study of the spectrum of severe COVID-19 in children: From SARS to different phenotypes of MIS-C

 

 

Yale Study Connects Long COVID with Autoantibodies

 

 

Some Covid Survivors Have Antibodies That Attack the Body, not Virus

 

 

Anticorpos monoclonais e COVID-19

 

 

Anticorpos monoclonais surgem como estratégia importante de combate à Covid-19

 

Os BRICS na gestão espacial do novo coronavírus

 

Desde 2006 o agrupamento de países tidos pelo mercado financeiro global como mercados emergentes ou até superpotências emergentes — Brasil, Rússia, Índia e China — busca maior participação também em órgãos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio.

 

O acrônimo BRIC, que posteriormente incorporou o “S” de África do Sul, foi cunhado em relatório do banco de investimentos Goldman Sachs, famoso por sua ingerência sobre políticas de governos nacionais e envolvimento em fraudes bilionárias no mercado de hipotecas. A afinidade do bloco com o capitalismo global e o mercado financeiro é, portanto, evidente desde seu começo. Para completar o quadro, destaca-se que sua principal realização até o momento foi a criação de um banco, o Banco dos Brics, denominado Novo Banco de Desenvolvimento, com pretensões de oferecer uma alternativa de crédito e de incentivo a políticas de desenvolvimento, em relação ao Banco Mundial.

 

Com essas características, o grupo de países, que não é bloco comercial, mas pretende operar como bloco econômico internacional, não poderia apresentar indícios de mudanças reais na rota de adequação aos interesses do mercado financeiro global. Ainda que na circunvizinhança dos mercados centrais e com importantes diferenças internas, o grupo se coloca como uma estratégia no jogo das relações de poder frente às articulações e decisões das chamadas potências dominantes.

 

 

Com as variações de governantes em cada um dos países membros (na China e na Rússia não houve variação; no Brasil e na África do Sul, houve troca após escândalos de corrupção, muitos ligados aos megaeventos; na Índia, Modi está alinhado com Bolsonaro), a pouca relevância do grupo enquanto bloco coeso e solidário está se tornando mais evidente. A única exceção foi o empréstimo do Banco dos Brics para ações sanitárias e socioeconômicas emergenciais de combate à Covid-19. Ao Brasil, Índia, África do Sul e Rússia foram destinados a cada um, um bilhão de dólares. À China, sete bilhões de dólares.

 

Na lógica de mercado que sustentam, a competição, a rivalidade e as relações de soma-zero se destacam, pouco importando os efeitos vitais para suas populações. A corrida contra os efeitos devastadores do novo coronavírus é refém das demonstrações, por vezes nacionalistas, e de suas estratégias ocasionais de alocação de poder planetário.

 

Os países do bloco são grandes fornecedores mundiais de vacina, com ao menos seis tipos sendo produzidas na China, duas na Índia e duas na Rússia. O Brasil, apesar de contar com os institutos Butantã e Fiocruz de pesquisas biomédicas, com experiência na produção de vacinas, depende da importação de insumos daqueles países.

 

 

A política do Estado brasileiro de alinhamento aos Estados Unidos rendeu ao Itamaraty posicionamento considerado retrógrado por especialistas, inicialmente favorável aos interesses das grandes empresas farmacêuticas, mas contrário aos esforços de Índia e África do Sul pela suspensão da propriedade intelectual de vacinas para enfrentar a Covid-19. O pleito na OMC de quebra de patente de vacinas é tido como fundamental para ampliar a vacinação e alcançar as taxas postuladas como satisfatórias nos mais pobres, como no passado recente, caso brasileiro com o coquetel HIV. Após forte pressão de ativistas pela quebra das patentes, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o presidente recém-eleito, Joe Biden, decidiu apoiar a medida. O governo do Brasil, órfão de seu apoio paterno com a derrota de Trump nas eleições estadunidenses, viu-se isolado politicamente, pressionado com a CPI do coronavírus e a insatisfação de seus parceiros do BRICS que podem ter lhe rendido mais atrasos no fornecimento de insumos.

 

A questão das patentes não é um tema novo nos BRICS. O imenso número de trabalhadores na China e na Índia, fizeram destes dois países produtores em escala inimaginável. O sucesso do escoamento de sua produção, farmacêutica e demais, depende da abrangência deste consumo. Assim, a liberação temporária das patentes em meio à chamada pandemia, funciona menos como uma ação humanitária frente ao morticínio global, e se volta mais à questão da circulação de mercadorias em âmbito planetário, impulsionando a produção de insumos, materiais etc., e possibilitando parcerias. É uma questão de negócios.

 

Vale ressaltar que a Índia, até a década de 1970, não reconhecia a patente de produtos farmacêuticos. A introdução do Indian Patent Act nessa década, que permitia a patente de processos, possibilitou uma maior expansão deste mercado no país. A indústria farmacêutica passou a ser o maior mercado de exportação da Índia.

 

O governo do Brasil decidiu rever sua posição e aderir à proposta ainda que a custo de milhares de mortes para ele desprezíveis.

 

Crises das chamadas pandemias, desde a de H1N1, iniciada no México em 2009, realçam que as fronteiras estatais são proveitosas para a gestão da vida e da morte no planeta, úteis para as disputas políticas e competições econômicas internas, regionais ou transnacionais.

 

A cooperação internacional existe, mas entre Estados, e está subordinada a negociações e parcerias voltadas para produzir caridades voltadas para estancar possíveis insurreições. Contam com a obediência, o auto-reconhecimento como vítimas e os efeitos das penitências religiosas de cada população desejosa de ser conduzida. Afinal, esta é a fundamental cooperação internacional.

 

Resultado disso é que a Índia, produtora e exportadora de vacinas se vê diante da explosão de casos de contaminação pelo novo coronavírus e mucormicoses, moléstia provocada por fungos mucorales, afetando pacientes infectados pela Covid-19. O fungo destrói todos os tecidos que encontra pela frente, da pele aos ossos, e provoca mortalidade entre 50 e 90 por cento dos pacientes, dependendo da velocidade do acesso ao tratamento adequado. Aparentemente, não há relação direta entre a cepa B.1.617, a variante indiana, com o fungo. Ocorre é que os portadores do vírus estão mais sujeitos ao fungo por terem os pulmões e o sistema imunológico debilitados. A cepa contribuiu com o colapso sanitário na Índia, com mais de 25 milhões de casos e 4 mil mortos diários.

 

Com elevada população, altas taxas de contaminação e miséria combinadas com o baixo índice de vacinação, os países do BRICS são verdadeiros celeiros de novas cepas do vírus (a cepa “indiana” chegou ao Brasil num navio de minério; novamente as commodities são mais importantes que as pessoas ou o nacionalismo dos líderes políticos da ocasião). As variantes preocupam os cientistas por potencialmente serem mais transmissíveis, mais mortais e mais resistentes às vacinas. Até o momento se tem notícia de identificação das variantes no Reino Unido, a B.1.1.7, na Suíça, a B.1.318, na Índia, B.1.617, na África do Sul, B.1.351, e duas linhagens no Brasil, B.1.1.28 e B.1.1.33. Mais recentemente, noticia-se uma provável nova cepa cuja mutação foi detectada no Vietnã — país outrora elogiado pelo bem-sucedido controle da disseminação do novo coronavírus, e que ainda não recebeu identificação alfanumérica.

 

Segundo o presidente do Sindicato de Médicos do Japão, é provável que uma nova cepa se desenvolva durante a realização dos Jogos Olímpicos de Verão e que se espalhará rapidamente pelo planeta quando os atletas, jornalistas, patrocinadores, empresários e celebridades voltarem para as suas residências. Foi nomeada por ele como o “vírus olímpico”.

 

Enquanto o vírus se espalha pelo globo, matando sempre a maioria miserável do planeta, prosseguem as negociações entre Estados e indústrias farmacêuticas, transmutando crises em oportunidades, como é próprio ao capitalismo. Enquanto os corpos definham, a propriedade permanece intacta, e o Estado, qualquer que seja ele, se fortalece e expande o seu gerenciamento sobre vida e morte da população.

 

A Covid-19 é uma doença característica de uma governamentalidade planetária de gestão compartilhada dos riscos e misérias para a segurança dos proprietários do planeta. Os nacionalismos e as cooperações regionais e/ou internacionais, sejam econômicas ou “técnicas”, são jogos de cena que alimentam uma plateia obediente e a preocupação de analistas crentes na soberania dos Estados. As patentes são quebradas quando o negócio está esgotado; bancos comuns são criados para facilitar o fluxo de negócios e políticos são trocados quando seus serviços já não atendem mais aos interesses da gestão planetária.

 

Os Estados são agências que dão lastro aos negócios e financiam os “avanços” tecnológicos e militares que servirão ao mercado. Nesse meio tempo, é papel do Estado e da filantropia privada manter sua fração populacional na obediência, na maioria dos casos alimentando esperanças, eventualmente, na força. Nessa gestão espacial do vírus, se um contingente tiver que morrer, que sejam os pobres e inúteis, em geral os chamados vulneráveis dos eternos países (leia-se economias) emergentes.

 


R A D. A. R

 

Butantan confirma três novas variantes do coronavírus em São Paulo

 

 

Fungo perigoso ameaça pacientes de Covid-19 na Índia

 

 

New Development Bank: COVID-19 Response Programme

 

 

A miséria lucrativa

 

 

Nota técnica: Relação filogenética de sequências SARS-CoV-2 do Amazonas com variantes emergentes brasileiras que abrigam mutações E484K e N501Y na proteína Spike

 

 

Maranhão confirma casos da cepa indiana da Covid-19 no Brasil e eleva temor de aceleração de infecções

 

 

Países do Brics se destacam na corrida pelas vacinas contra covid

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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