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observatório ecopolítica

Ano V, n. 91-92, junho de 2021.

 

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ANÁLISES, 1ª. parte: ODS 1

 

ODS Brasil

 

O documento base da Agenda 2030 resultou das decisões acordadas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em 2012, sobre a continuidade de ações globais que tinham sido estabelecidas pelos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio cuja vigência se encerraria em 2015.

 

Todos os 193 Estados-membros se comprometeram desde aquela data a contribuir com o estabelecimento dessa nova Agenda e a implantar metas voltadas ao desenvolvimento sustentável do planeta, com foco na paz, na defesa do ambiente planetário, no combate à pobreza e à desigualdade social, conforme esboçado no documento “Nosso Futuro Comum”, resultante do encontro.

 

Em 25 de setembro de 2015, finalmente, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, componentes da Agenda 2030, foram estabelecidos na Assembleia Geral das Nações Unidas pela Resolução A/Res 70/1 e assinados por todos os 193 Estados-membros.

 

Foi decidido que as 169 metas, distribuídas por 17 objetivos a serem equacionados na chave da sustentabilidade planetária, deveriam ser adaptadas às especificidades de cada país e, desse modo, implantadas.

 

No ano seguinte, em 27 de outubro, o governo brasileiro criou a Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (CNODS) pelo Decreto Federal 8892, cujo regimento interno foi aprovado pela Portaria da Secretaria de Governo nº 81 de 11 de outubro de 2017. Esta Comissão seria composta por 8 integrantes da sociedade civil, 1 representante dos governos estaduais e distritais; 1 representante dos governos municipais, e representantes da Secretaria de Governo da Presidência da República, da Casa Civil, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e do Ministério do Desenvolvimento Regional e Agrário.

 

O IBGE e o IPEA foram encarregados de dar suporte técnico permanente à adaptação e à consecução da Agenda 2030 pelo Brasil.

 

Atendendo a tais atribuições, o IPEA publicou o relatório ODS-Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, subsidiando a Comissão e os demais envolvidos nos ODSs, assim sintetizado: “de um total de 169 metas globais encaminhadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), 167 foram consideradas pertinentes ao país, ainda que muitas delas tenham requerido alterações no texto para se adequarem às especificidades nacionais. (...)[as] metas que foram revisadas pelos grupos interministeriais (...) serão submetidas à apreciação da CNODS. (...) 128 metas foram alteradas, tendo em vista a necessidade de adequá-las à realidade brasileira, ou de conferir mais clareza ao seu conteúdo original ou, ainda, de quantificá-las com maior precisão. (...) foram criadas 8 novas metas, totalizando 175 metas nacionais, sendo que 99 delas foram classificadas como finalísticas e 76, como de implementação” (IPEA, 2018, ODS-Metas. p. 20).

 

Apoiado por tais propostas de adequação, a CNDOS iniciou seus trabalhos e elaborou um Plano de Ação para o período 2017-2019 e um relatório de acompanhamento das atividades referentes às metas. No entanto, em 2019, a Comissão foi dissolvida pelo Decreto Federal 10.179, de 18 de dezembro, que, de uma canetada só, revogou também outros 214 decretos normativos, além do Decreto 8892/16. Na mesma época, houve um veto presidencial à inclusão dos ODS no Plano Plurianual da União para o período de 2020 a 2023.

 

Apesar da extinção da Comissão que coordenaria as ações voltadas aos ODSs, o governo desmentiu que o Brasil rompera com a Agenda 2030. Reiterou que, a partir de 2019, no âmbito federal, as atividades relativas à implantação dos compromissos e acordos internacionais assinados pelo Brasil, os ODSs incluídos, teriam assistência da Secretaria Especial de Articulação Social- SEAS, integrante da Secretaria de Governo (SECOV). Nos sites desses órgãos, porém, não há sinais de atividades referentes à agenda da ONU.

 

As atividades da Agenda 2030 não dependem da atuação centralizada de um único órgão, mas capilarizam por diversas instâncias e instituições sociais, orientadas pelas propostas de adequação citadas. Nesse sentido, a atuação para alcançar os objetivos prossegue em níveis locais e institucionais, envolvendo municípios e unidades da federação, assim como organizações da sociedade civil, associações científicas, universidades, etc.

 

R A D. A. R

 

Metas do Milênio

 

 

Agenda 2030

 

 

Objetivos de Desarrollo Sostenible

 

 

Decreto Federal 8892/16

 

 

Portaria 81 de 11 de outubro de 2017

 

 

Organograma da Comissão Nacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

 

 

Plano de Ação ODS Brasil 2017-2019

 

 

Plano de Ação Compacto

 

 

Contribuições da Sociedade Civil ao Relatório Voluntário da ODS

 

 

Relatório Nacional Voluntário sobre os ODS

 

 

Relatório das Atividades do CNODS

 

 

Governança ODS (2019)

 

 

Proposta SEGOV para os ODS (2020)

 

 

Veto à inclusão dos ODS no Plano Plurianual de 2020-2023

 

 

Agenda 2030. ODSs-Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (IPEA)

 

 

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Nova Agenda Urbana

 

 

Secretaria Especial de Articulação Social SEAS/SEGOV /

 

 

Relações com Organizações Internacionais e Organizações da Sociedade Civi

 

 

Relatório LUZ sobre ODSs (2018) Avaliação

 

 

Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (Brasil)

 

 

Complementos:

 

Consenso de Adis Abeba (financiamento dos ODSs)

 

Agenda 2030 na américa latina

 

 

Posição do Brasil no ranking dos ODSsComplementos:

 

https://dashboards.sdgindex.org/rankings

 

 

https://dashboards.sdgindex.org/static/profiles/pdfs/SDR-2021-brazil.pdf

 

ODS 01 erradicação da pobreza

acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares

 

O primeiro objetivo era erradicar a extrema pobreza e a fome. O objetivo global era reduzir a pobreza extrema à metade do nível de 1990 até o ano de 2015 e, no Brasil, reduzir a pobreza extrema a um quarto do nível de 1990 até 2015.

 

Em 2014, o Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM apontou que o planeta já havia alcançado o objetivo cinco anos antes do estipulado: o índice de extrema pobreza caíra de 47% para 22%. Entretanto, havia mais de 1,2 milhão de pessoas na condição de miséria, sendo mais de 100 milhões de crianças com menos de 05 anos desnutridas. A possibilidade de mudança desse quadro até 2015 era quase nula.

 

O Brasil, por sua vez, antecipando em três anos a meta global, em 2012 havia alcançado a meta de redução da pobreza extrema e da fome à metade do nível registrado em 1990.

 

Segundo os formuladores dos ODM-ONU, as pessoas extremamente pobres viviam com menos de US$ 1,25 por dia (US$ 38,00 por mês). No Brasil, a linha de pobreza extrema, em 2012, correspondia a R$ 2,36 por dia ou R$ 71,75 por mês. Levando em conta o tamanho da população brasileira, o Brasil foi um dos países que mais contribuiu para o alcance global desta meta, e apresentou uma redução de 25,5% de pobreza extrema em 1990 para 3,5% em 2012. O cumprimento parcial da meta de erradicar a extrema pobreza foi atribuído às chamadas tecnologias sociais inovadoras, mais conhecidas como: o Cadastro Único (CadÚnico) e o Programa Bolsa Família (PBF), criados para elencar o registro de famílias com baixa renda e subsidiar, monetariamente, estas famílias mais pobres.

 

Apesar dos dados designados de positivos nos relatórios oficiais dos ODM, o novo ciclo de objetivos, agora nomeados como sustentáveis, trouxe maior quantidade de metas. Em 2015, durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável, adotou-se a agenda dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), recolocando como meta número 1 a erradicação da pobreza, que continua correspondendo a pessoas que vivem com menos de US$ 1,25 por dia no mundo e no Brasil com menos de R$ 5,50 por dia.

 

O primeiro objetivo dos ODS, acabar com a pobreza em todas as suas formas, traz cinco metas a serem alcançadas até o ano de 2030. Na plataforma ODS Brasil, após seis anos da aprovação dos objetivos, boa parte dos dados relativos a essas metas ainda está em produção. As metas são: 1.1- erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares (parte dos dados disponibilizados); 1.2 - reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais (dados em análise/construção); 1.3 - implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social apropriados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis (sem dados); 1.4 - garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças (dados em análise/construção); 1.5 - construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais (a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares (parte dos dados disponibilizados); 1a - garantir uma mobilização significativa de recursos a partir de uma variedade de fontes, inclusive por meio do reforço da cooperação para o desenvolvimento, de forma a proporcionar meios adequados e previsíveis para que os países em desenvolvimento, em particular os países de menor desenvolvimento relativo, implementem programas e políticas para acabar com a pobreza em todas as suas dimensões (dados em análise/construção); 1b - criar marcos políticos sólidos, em níveis nacional, regional e internacional, com base em estratégias de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis a gênero, para apoiar investimentos acelerados nas ações de erradicação da pobreza (dados em análise/construção).

 

Acabar com a pobreza em todas as formas contempla a concepção adotada pela ONU, de que a situação de pobreza não se restringe à baixa renda per capita, é preciso considerar privações da população de algum direito considerado fundamental.

 

Esta questão foi contemplada num estudo realizado pela UNICEF (Pobreza na Infância e na Adolescência, 2018) sobre a situação das crianças e jovens no Brasil, onde considerou-se que apesar do índice da pobreza monetária ter reduzido, crianças e adolescentes brasileiros até 17 anos continuam expostos as chamadas ‘múltiplas privações’, expressão empregada para se referir a privação de direitos.

 

Logo na apresentação do documento consta haver mais de 18 milhões de crianças e adolescentes em domicílios com a renda per capita insuficiente para ter acesso à cesta básica, o que representa 34,3% sobre o total no Brasil. Desses, 6 milhões, ou seja, 11,2%, têm privação apenas da renda. Os outros 12 milhões, além da renda insuficiente, têm um ou mais direitos não atingidos. A esses 12 milhões somam-se mais de 14 milhões de crianças e jovens que apesar de não serem considerados em situação de pobreza extrema, não têm acesso a algum direito estabelecido.

 

Quando se inclui o acesso a um ou mais direitos considerados imprescindíveis pelo UNICEF: como educação, informação, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água e saneamento ― o percentual de crianças e adolescentes pobres sem acesso à cesta básica, privados de um ou mais desses direitos, sobe para 61%. O estudo utilizou dados da PNAD de 2015, mas diante da situação atual de desemprego, também por conta da chamada pandemia do novo coronavírus, estima-se percentuais mais elevados.

 

Segundo o UNICEF, há quase 27 milhões de crianças e adolescentes que vivenciam privações múltiplas, sem seus direitos fundamentais atendidos, o que equivale a praticamente 49,7% da população brasileira até 17 anos: seis em cada dez crianças e jovens brasileiros vivem na pobreza.

 

A redução parcial da pobreza em termos monetários está longe de garantir alguma mudança substancial na vida de crianças e jovens, considerando dados priorizados neste estudo. Mas não é disso que se trata. No capitalismo governado pela racionalidade neoliberal e pretendendo à sustentabilidade, buscam-se, tão somente, melhorias para conter possíveis sublevações de pobres e miseráveis. Trata-se de encontrar os meios mais eficientes e eficazes para a produção de políticas conciliatórias, ou seja, políticas públicas.

 

Entre os seis direitos fundamentais selecionados pela UNICEF, a privação que afeta o maior número de crianças e jovens é o saneamento básico (13,3 milhões) e, em segundo lugar, a educação (8,8 milhões).

 

A privação de saneamento básico é um problema com desdobramentos que incluem a saúde. Consultando o Suplemento de Saneamento Básico da pesquisa MUNIC-2017 (Pesquisa de Informações Básicas Municipais) cerca de 38,2% dos municípios brasileiros tem uma política municipal de saneamento básico e 24,1% ainda a estão elaborando. Em suma, segundo o documento, a maioria dos municípios brasileiros carecem de saneamento básico estruturado.

 

Essa maioria concentra-se nas regiões norte e nordeste. Permanecem diferenças marcantes entre as regiões do Brasil: na região sul, cerca de 63,7% dos municípios têm política municipal de esgoto; no sudeste, 45,3%; no centro-oeste, 35%; no norte do país cai para 31,1%; e, no nordeste, apenas 18,6% dos municípios possuem uma política de saneamento básico. A tendência no país é a do saneamento básico ocorrer em municípios mais populosos; municípios menores em regiões como norte e nordeste são atingidos pelas consequências dessa ausência. O saneamento básico não passa de migalhas “devolvidas” pelo Estado, depois de surrupiada a saúde e os espaços das pessoas.

 

Os impactos na saúde da população mais pobre, por conseguinte, são muito relevantes. Ela está mais exposta a endemias e epidemias associadas à ausência de saneamento básico, como: dengue, zika e chikungunya, febre amarela, além de diarreia e verminoses que são muito comuns e geralmente associadas a ingestão ou contato com água e alimentos contaminados. A saúde da população é sempre considerada segundo a possibilidade de controle diante do excesso. O direito de causar a vida é também o direito de devolver à morte aos não produtivos. Capitalismo e saúde, hoje em dia, estão em relação direta com produtividade imediata na ocupação de capital humano.

 

As regiões norte e nordeste, segundo o relatório do UNICEF, concentram maiores privações às possibilidades de se obter os direitos de crianças e jovens pobres (para efeito da retórica da defesa de direitos por adolescentes compreende-se o contingente de jovens pobres, geralmente “pretos” ou “pardos”).

 

A educação (geralmente sinônimo de escolarização) é o segundo direito fundamental “carente” que afeta 8,8 milhões de crianças e jovens. Neste caso, a referência é estar matriculado e frequentando a escola. Pouco importa a qualidade do ensino e da aprendizagem: o principal objetivo é o de ensinar a obedecer, com ou sem equipamento computo-informacional. Cabe ao ensino particular definir as metas prioritárias para a formação e absorção do capital humano.

 

Em tese, o Brasil tem até 2030 para reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem neste limite de pobreza traçado pela ONU.

 

Na plataforma dos ODS para o Brasil o percentual de crianças e adolescentes vivendo abaixo da linha de pobreza, no ano de 2018, foi o seguinte: de zero a cinco anos 42,9%, de 06 a 14 anos 42% e de 15 a 17 foi de 38,6%. Se compararmos esses índices com os apresentados no ano de 2012, nos três grupos das mesmas faixas etárias, houve uma diminuição em torno de 2 a 3%, variação pouco expressiva para um período de 6 anos de intervalo.

 

Entretanto, trata-se de consolidar as metas, que servem para alimentar os bancos de dados, criar ou interromper programas, realizar reformas administrativas, e, paralelamente, confirmar a retórica da importância das políticas públicas e sociais para qualidade de vida da sociedade, estabelecer novas metas para o futuro. Assim fazer girar o ciclo da permanência da mesmice.

 

Os relatórios cumprem uma função importante: confirmam estrategicamente as premissas e objetivos descritos segundo a ‘missão’ pré-estabelecida e respaldam a presença do Estado, que segue escolhendo junto com a sociedade civil organizada, a quem e quando favorecer com esta ou aquela política social.

 

Em 25 de fevereiro de 2021, a China declarou, em meio às festividades pelos 100 anos PCCh, haver atingido a meta de erradicação da pobreza.

 

R A D. A. R

 

FIOCRUZ - Covid-19: artigo defende nova classificação para a doença

 

 

Perfil dos Municípios Brasileiros. Saneamento básico

 

 

IBGE: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, 2017

 

 

UNICEF: Pobreza na Infância e na Adolescência

 

 

ODS 1. Indicador 1.1.1 - Proporção da população vivendo abaixo da linha de pobreza internacional, por sexo, idade, condição perante o trabalho e localização geográfica (urbano/rural)

 

 

IBGE: Perfil dos Municípios Brasileiros - 2018

 

 

UNICEF: Diagnóstico Do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente

 

A gestão da miséria na América Latina e Caribe

 

Em março deste ano, foi realizada a quarta reunião do Fórum de Países da América Latina e do Caribe sobre o Desenvolvimento Sustentável 2021, organizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Além dos chamados representantes dos 33 Estados da região, também estiveram presentes membros de instituições privadas, de organismos intergovernamentais e do âmbito acadêmico. Essa composição está em consonância com o modelo de governança planetária que começou a ser gestado após o término da Segunda Guerra Mundial, no qual a segurança do planeta passou a ser objeto de uma gestão compartilhada entre Estados e setores da sociedade civil organizada ― como instituições empresariais, organizações conhecidas como Think Tanks e ONGs.

 

Desde a aprovação dos Objetivos Para o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, a CEPAL realiza um acompanhamento das políticas que visam a concretização dos 17 objetivos traçados pela Agenda 2030. O encontro deste ano teve como finalidade discutir os efeitos da chamada pandemia na região, de modo a verificar os indicadores ambientais, econômicos e sociais ― os três pilares que fundamentam a noção de desenvolvimento sustentável.

 

No encontro, foi aprovado um documento intitulado Construir um futuro melhor: ações para fortalecer a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. No documento, é exposto, dentre outras questões, uma série de considerações e análises relacionadas aos dois primeiros objetivos da agenda 2030, que visam o fim da pobreza e a erradicação da fome, respectivamente. O documento identifica que, desde 2014, houve um aumento no número de pessoas classificadas como pobres ou em situação de extrema pobreza. Conforme os últimos dados apresentados, em 2020, cerca de 33,7% dos habitantes da região são considerados pobres, enquanto 12,5% são classificados como pessoas em situação de extrema pobreza. Sendo assim, o documento enfatiza que a América Latina e Caribe conta com, aproximadamente, 209 milhões de pessoas em situação de pobreza.

 

A situação alimentar também é alvo de atenção. Com base nas informações da Unidade de Monitoramento da Fome do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que realizou um levantamento acerca do consumo de alimentos das populações de 10 países da região ― Bolívia, Colômbia, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Peru e República Dominicana ―, 26 milhões de pessoas carecem do que se convencionou chamar de segurança alimentar. Pode-se ver que, nos países da América Latina e Caribe, houve uma ampliação no número de beneficiários dos programas sociais voltados para a distribuição de alimentos, atingindo cerca de 9,5 milhões de pessoas ― em 2019 havia 4,7 milhões de beneficiários.

 

Diante dessa situação, os participantes constatam que os dois primeiros objetivos da Agenda 2030 podem não ser concretizados nos próximos dez anos. Nesse sentido, há um receio em relação à situação dos corpos classificados como pobres e vulneráveis, de modo a enfatizar que estes devem ser os alvos prioritários dos programas de assistência social na próxima década. Trata-se de medidas preventivas. As políticas públicas, que operam com base num princípio de seletividade, selecionam os corpos que devem ser contemplados para, com isso, assegurar a manutenção da ordem vigente.

 

Isso pode ser verificado no ODS 1 da Agenda de 2030, que enfatiza a necessidade de “construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade”. Há um temor que pode ser visto num documento aprovado pela CEPAL, em 2020, intitulado Panorama Social da América Latina. O texto enfatiza que uma situação de crise pode causar um mal-estar social ― que, conforme o documento, pode ser compreendido como algo provocado pela insatisfação em relação à carência de recursos econômicos ou desconfiança em relação às instituições democráticas ―, colocando em risco a gestão democrática e, por conseguinte, a concretização dos objetivos estabelecidos pela Agenda 2030. Também vale ressaltar que, no documento, há uma observação que merece ser levada em consideração. Segundo o informe, o mal-estar social pode apresentar um caráter “positivo”. As insatisfações consideradas construtivas são as ações canalizadas pelas instituições e pelos mecanismos de participação, que estão voltadas para o exercício da cidadania ativa e da gestão compartilhada entre diferentes setores da sociedade em busca de um futuro melhor, de modo a garantir a manutenção das instituições e a concretização dos ODS até 2030. Trata-se de uma forma de governo que fomenta a participação, proporcionando uma gestão compartilhada da miséria, que é inerente ao Estado e ao capitalismo.

 

O caso chileno é visto com bons olhos pela CEPAL. Após as revoltas que eclodiram no território em 2019, aprovou-se a convocação de uma Assembleia Constituinte, medida que contou com os esforços de partidos e de movimentos de diferentes tonalidades políticas, capturando parte das forças que estavam nas ruas e as deslocando para as instituições. Essas “soluções democráticas” visam fomentar a coesão da comunidade e um modelo de governança que assegure a consolidação e o fortalecimento do que se convencionou chamar de Estado de Bem-Estar Social. É de não esquecer, que a racionalidade neoliberal compõe com variadas forças que se mostrem convenientes, da mesma maneira que a ditadura chilena foi emblemática para a consolidação do neoliberalismo na América do Sul. Os ativistas e as novas lideranças chamadas de “independentes”, cujas práticas estão em consonância com as recomendações e as metas estabelecidas pela Agenda 2030, são os novos gestores da miséria.

 

Sendo assim, com o objetivo de assegurar a concretização dos ODS 2 e conter a eclosão de revoltas, os participantes do encontro reiteraram a proposta feita pela CEPAL e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2020, num documento intitulado Como evitar que a crise da COVID-19 se transforme em uma crise alimentar: Ações urgentes contra a fome na América Latina e no Caribe. Os dois organismos declaram ser necessário a implementação de um Bônus Contra a Fome (BCH) dirigido aos setores em situação classificada como de extrema pobreza. O benefício de US$ 47 teria a durabilidade de seis meses e um custo de, aproximadamente, US$23,5 bilhões, segundo o informe. Também defendem outras medidas, como o apoio às iniciativas de assistência alimentar impulsionadas por setores da sociedade civil organizada ― indicando a necessidade de fortalecer as inciativas filantrópicas e de caridade ―, o fomento às empresas que promovem a agricultura familiar, a flexibilização das regulamentações governamentais sobre o comércio mundial de alimentos e outras.

 

Além disso, vale ressaltar que, no fim do encontro, foi publicado um relatório intitulado Conclusões e recomendações, que contém um conjunto de sugestões feitas pelas partes envolvidas e que foram encaminhadas para o Foro Político de Alto Nível sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizado em abril deste ano. O tema do evento foi a Recuperação sustentável e resiliente da pandemia Covid-19.

 

Para além da universalização dos serviços de educação e de saúde, a CEPAL afirma ser necessário empoderar os pobres e vulneráveis, indicando que a erradicação da pobreza é o principal desafio a ser enfrentando. Além disso, o documento reitera que a redução das desigualdades só será possível por meio de “uma aliança entre governos, o setor privado, o sistema financeiro internacional, a sociedade civil e outras partes interessadas”.

 

Busca-se, assim, a solidificação de uma gestão equilibrada do capitalismo, com a contenção de revoltas e insurgências a partir da execução de um conjunto de medidas preventivas ― como a implementação de políticas públicas e ações de caridade desencadeadas pela sociedade civil organizada ― e o incentivo à participação. Todos são chamados a participar. Os súditos empoderados, portadores de direitos inacabados e alvos dos programas sociais, são governados e se governam mutuamente. Trata-se de uma governança voltada para a sustentabilidade do capitalismo e, por conseguinte, para a gestão da miséria. Afinal de contas, não existe capitalismo sem miséria.

 

R A D. A. R

 

FAO e CEPAL: Milhões de pessoas podem cair na extrema pobreza e podem passar fome em 2020 na América Latina e Caribe devido ao impacto da pandemia

 

 

Objetivos Para o Desenvolvimento Sustentável

 

 

Países de América Latina y el Caribe se comprometen a implementar la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible y avanzar hacia un futuro mejor

 

 

Construir um futuro melhor: ações para fortalecer a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável

 

 

Conclusões e Recomendações

 

 

Panorama Social da América Latina

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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