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observatório ecopolítica

Ano V, n. 93-94, julho de 2021.

 

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
ANÁLISES, 2ª. parte: ODS 5

 

ODS 5. Igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas

 

5.1 Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte;

 

5.2 Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos;

 

5.3 Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas;

 

5.4 Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais;

 

5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública;

 

5.6 Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão;

 

5.a Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais;

 

5.b Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres;

 

5.c Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis.”

 

Modulação – Convenções sobre Mulheres, ODM e ODS

 

O Objetivo 5 atualiza e redimensiona a meta proposta pela ONU no ano 2000, na declaração dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), quanto à “igualdade entre os sexos e valorização da mulher” (ODM 3).

 

A categoria sexo foi substituída por gênero, abarcando uma maior variedade que, para além dos direitos das mulheres, envolve os direitos LGBT+. Ainda que esta questão não seja mencionada diretamente no ODS 5, desdobra-se em políticas, planos, programas e leis nacionais na América do Sul embasados pelas diretrizes dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que contemplam esta parcela da população.

 

A valorização da mulher foi revestida pela noção de empoderamento, introduzida no âmbito da política institucional, pelo Sistema ONU, na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher – a Conferência de Pequim –, em 1995, e na consequente publicação da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher. O tema igualdade de gênero foi repisado nos doze objetivos da Declaração: mulheres e pobreza; educação e capacitação de mulheres; mulheres e saúde; violência contra as mulheres; mulheres e conflitos armados; mulheres e economia; mulheres no poder e na liderança; mecanismos institucionais para o avanço das mulheres; Direitos Humanos das mulheres; mulheres e a mídia; mulheres e meio ambiente; direitos das meninas. Os resultados dessa Conferência são, até hoje, um importante norteador para as políticas com enfoque nas questões de gênero e que pretendem acesso a uma maior igualdade econômica, política e social geral.

 

A Plataforma de Ação de Pequim “consagrou três inovações dotadas de grande potencial transformador na luta pela promoção da situação e dos direitos da mulher: o conceito de gênero, a noção de empoderamento e o enfoque da transversalidade. (...) O empoderamento da mulher ― um dos objetivos centrais da Plataforma de Ação ― consiste em realçar a importância de que a mulher adquira o controle sobre o seu desenvolvimento, devendo o governo e a sociedade criar as condições para tanto e apoiá-la nesse processo”.

 

Vinte anos antes, 1975 foi concebido pela ONU como o “Ano Internacional da Mulher”. Nesta data foi realizada a I Conferência Mundial da Mulher, com o tema “Igualdade, Desenvolvimento e Paz”, sublinhando a finalidade de eliminar a discriminação contra a mulher e a necessidade de avanços sociais. Em seguida, foi instituída a “Década da Mulher”, com a premissa da igualdade de gênero e a eliminação da discriminação, assim como a participação das mulheres para a paz mundial. Em 1980, na II Conferência Mundial da Mulher ― “Educação, Emprego e Saúde”, o objetivo principal foi o enfrentamento às desigualdades de gênero, participação de homens para assegurar a igualdade e suprir a falta de mulheres líderes no mercado de trabalho. Em 1985, na III Conferência Mundial sobre a Mulher ― “Estratégias Orientadas ao Futuro, para o Desenvolvimento da Mulher até o ano 2000”, constatou-se que os objetivos e metas não haviam sido cumpridos, pela falta de participação efetiva dos homens em apoiar o processo de mitigação de desigualdade de gênero, e o do velho discurso de “vontade política” dos Estados signatários da ONU.

 

Nota-se que, desde a primeira Convenção sobre as Mulheres, as metas e os objetivos se retroalimentam, sendo apresentados nos tratados, declarações, relatórios, planos de ação do sistema ONU. E sempre se espera por uma participação massiva dos homens para que a igualdade de direitos (dos de baixo) alcance equivalência.

 

Com a criação da ONU Mulheres, em 2010, empoderamento passou a ser definido como meta para: “aumentar a liderança e a participação das mulheres; eliminar a violência contra as mulheres e meninas; engajar as mulheres em todos os aspectos dos processos de paz e segurança; aprimorar o empoderamento econômico das mulheres; colocar a igualdade de gênero no centro do planejamento e dos orçamentos de desenvolvimento nacional”.

 

Vale lembrar que o termo da língua inglesa empowerment foi palavra-chave do discurso de certos segmentos dos movimentos civis de minorias, especialmente nos Estados Unidos da segunda metade do século XX.

 

Em 2015, no âmbito dos ODS, alcançar a igualdade de gênero e “empoderar todas as mulheres e meninas” abarca o combate às discriminações e às violências, com ênfase no tráfico e na exploração sexual, além de práticas culturais classificadas como “nocivas”. Há conexão imediata com o Objetivo 16, “promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.

 

Quanto aos “lares”, além do combate às violências (ainda que a ênfase seja no tráfico e na exploração), incentiva-se a responsabilidade compartilhada dos cuidados e o reconhecimento dos trabalhos não remunerados, realizados majoritariamente por mulheres. Está conectado ao Objetivo 8, que enfatiza a necessidade de “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”.

 

A questão do trabalho se relaciona à meta de garantir a igualdade de oportunidades e participação plena como lideranças nas tomadas de decisão públicas, políticas e econômicas (novamente conectado ao Objetivo 16).

 

A ONU propõe três medidas, divididas em seus respectivos eixos e que estabelecem outras conexões com os demais ODS.

 

Primeira medida: reformas no âmbito jurídico que garantam a igualdade econômica (remuneração), o acesso aos recursos econômicos, ou seja, à propriedade, abarcando também o direito à herança, e ao controle sobre a terra, abarcando a gestão dos recursos naturais (propriedades do capital humano). Há intersecção com as questões ambientais, de segurança alimentar e de combate às desigualdades e à pobreza; o ODS 1, “acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares”; o ODS 2, “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”; e o ODS 10, “reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles”.

 

Segunda medida: investir no uso de tecnologias de base, em especial as de informação e comunicação (TICs), como meio para promover o empoderamento. Conexão direta com o Objetivo 9, “construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação”.

 

Terceira medida: adotar e/ou recrudescer políticas e leis voltadas à promoção da igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres e meninas. Aqui apresenta-se a medida específica deste objetivo, colocada como impreterível para o desenvolvimento sustentável.

 

Cabe ainda destacar que o ODS 4, “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”, traz pontos específicos relacionados às questões de gênero e à igualdade. A educação aparece como ferramenta indispensável para seguir a almejada meta 5.

 

Observatório de Igualdade de Gênero: América do Sul

 

Dos 193 Estados-membros das Nações Unidas, 12 estão localizados no território sul-americano (a Guiana Francesa segue com o status de território ultramarino francês) e estão comprometidos com a Agenda 2030.

 

A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) é o órgão encarregado de monitorar a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável nesta região. Desde 1948, ela é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e em 1984 passou a incluir o Caribe.

 

Orientada pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a CEPAL atua nas seguintes áreas: assuntos de gênero; comércio internacional e integração, desenvolvimento econômico, desenvolvimento produtivo e empresarial, desenvolvimento social, desenvolvimento sustentável e assentamentos humanos, estatísticas, planejamento para o desenvolvimento, população e desenvolvimento, recursos naturais.

 

A divisão da Comissão que trata dos assuntos de gênero administra o Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe. Na plataforma online há um grande banco de dados e documentações referentes às políticas de igualdade de gênero e aos regulamentos implementados em cada um dos países da região, além de indicadores estatísticos que buscam aferir os resultados destas implementações e as lacunas que almejam preencher como novas medidas institucionais. Há ênfase na autonomia, dividida em: econômica, na tomada de decisões, física e interrelacional.

 

A CEPAL, conectada à ONU e à ONU Mulheres, compreende a autonomia das mulheres como: “contar com a capacidade e com condições concretas para tomar livremente as decisões que afetam suas vidas”. Para tal, destacam ser necessário “liberar as mulheres da responsabilidade exclusiva pelas tarefas reprodutivas e de cuidado, o que inclui o exercício dos direitos reprodutivos, pôr fim à violência de gênero e adotar todas as medidas necessárias para que as mulheres participem da tomada de decisões em igualdade de condições”.

 

Quem pode conceder às mulheres essa “liberação”? Segundo documentos da CEPAL, “avançar em direção a melhores condições de vida para todas as pessoas é uma obrigação dos Estados, e neste esforço estão incluídas as políticas que permitem transitar em direção à superação das diversas situações de discriminação que sofrem as mulheres enquanto indivíduos e enquanto grupo social.” Contudo, ela só se concretiza por meio da participação das mulheres, individualmente enquanto cidadãs ou organizadas enquanto sociedade civil, e da parceria com os setores privados empresariais.

 

Essa liberação nada mais é do que liberdade igualitária de mercado para disputa de acesso e idêntica remuneração salarial, com respeito aos direitos de preservação da pessoa de assédios morais e sexuais. Neste sentido, é que mais uma vez, o objetivo exige a adesão de homens a estas novas condutas normalizadoras. Todavia devido ao uso dos direitos como blindagem cria-se uma nova criminologia voltada à condenação de condutas, ao entusiasmo pela delação e denúncia, aos tratados mais esdrúxulos sobre cultura tradicional, desculpas em termos de politicamente correto, programas de redução de violências. Enfim, o empoderamento de mulheres é o atestado de bom desempenho de capital humano que não privilegia sexualidades ou gêneros, desde que a heteronormatividade seja consolidada, e as penalizações reformadas.

 

Autonomia econômica

 

A autonomia econômica abrange “a capacidade das mulheres de gerar rendimentos e recursos próprios a partir do acesso ao trabalho remunerado em igualdade de condições com os homens. Considera o uso do tempo e a contribuição das mulheres à economia”. Neste sentido, os indicadores analisados são: horas mensais de trabalho remunerado em relação ao não remunerado, população sem renda própria, índice de pobreza.

 

No âmbito das leis econômicas, de novas ou reformadas, o Observatório e Igualdade de Gênero as divide como leis de cuidados e leis de pensão e aposentadoria. Após 2015, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru alteraram suas leis para ampliar o período de licença maternidade remunerada. Alguns aumentaram também a licença dos pais, como o Brasil, e instituíram normas para assegurar às lactantes empregadas períodos regulares para amamentação. A Argentina fez sua última alteração legal neste sentido em 2013 e a Venezuela em 2012.

 

A Bolívia outorgou uma lei de “subsidio universal prenatal por la vida” voltada às gestantes que não possuem planos de seguro privados. O Equador promulgou a Ley Orgánica para la Justicia Laboral y Reconocimiento del Trabajo en el Hogar e passou a reconhecer o trabalho não remunerado nos lares, por meio da incorporação das “amas de casa” ao sistema de seguridade social, contemplando direitos por viuvez e indenizações por incapacidade. O Uruguai criou o Sistema Nacional Integrado de Cuidados (SNIC), voltado à implementação de políticas públicas que constituam um “modelo solidário e corresponsável entre famílias, Estado, comunidade e mercado”. Em 2016, a Argentina anunciou o Programa Nacional de Reparación Histórica para Jubilados y Pensionados, estabelecendo um Sistema Provisional e uma pensão “universal” para adultos com atenção às mulheres idosas.

 

Autonomia na tomada de decisões

 

Busca-se medir a presença de mulheres nos variados níveis “dos poderes do Estado e às medidas orientadas a promover sua participação plena e em igualdade de condições nestes espaços.”

 

Os indicadores analisados são: a participação de mulheres no Superior Tribunal de Justiça, nas prefeituras e como vereadoras, o posicionamento frente ao Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a presença de um órgão a Nível hierárquico dos Mecanismos para o Avanço da Mulher (MAM). O Protocolo não foi assinado na Guiana e no Suriname. Foi ratificado na Bolívia, no Paraguai, no Peru, no Uruguai, no Brasil, no Equador e na Venezuela nos primeiros anos deste século. Na Argentina, foi ratificado em 2007, sete anos depois de ser assinado, e na Colômbia, oito anos depois. No Chile, foi assinado em 1999 e ratificado em 2020. Todos os países possuem órgãos oficiais classificados como MAM, em geral, ministérios e secretarias da mulher ou de gênero.

 

Em 2017, o número de mulheres de toga no Superior Tribunal de Justiça era de 73,7% no Suriname, 60% na Guiana e 50% na Venezuela. A participação cresceu no Equador, chegando a 47,6%, no Uruguai, a 40% e no Peru a 21,1%. Nos demais países, o percentual caiu após 2015. Destaca-se o Brasil, com 18%, e a Colômbia, com 13%. Há mais mulheres prefeitas no Suriname (26,7%), Venezuela (22,7%) e Uruguai (21,4%). Nestes países, com exceção da Venezuela, houve diminuição no percentual desde 2015. Assim como no Peru, que chegou a 2,9% de prefeitas. Equador, com 7,2%, e Bolívia, com 8,2%, apresentam os índices mais baixos nesta categoria. Em 2018, havia 51,1% de vereadoras na Bolívia, 35,7% no Suriname e 28,5% no Peru. Novamente, Brasil e Colômbia ficam nas últimas posições com 13,5% e 17,6% (os dados nacionais estão desatualizados e remetem ao ano de 2015). De acordo com dados do IBGE, disponíveis na plataforma do Observatório de Igualdade de Gênero, no Brasil, em 2017, 10,5% dos assentos da Câmara dos Deputados eram ocupados por mulheres (16% senadoras e 10,5% deputadas federais).

 

Nota-se como os bancos de dados alimentam o saber estatístico do Estado e da sociedade civil responsável por aproximar índices de igualdade com homens. Trata-se de um arsenal monumental para a produção de ONGs, fundações e institutos a cada ano. A velha estatística, saber de Estado, é modulada com o acoplamento de mapas georreferenciados e variação de saberes atuariais e econométricos para aferição das metas, orientação de programas, participação diferenciada e ajustes “em tempo real”; com isso alegam garantir transparência e atualização constante em sintonia com valores democráticos.

 

Na América do Sul, Bolívia, Argentina e Equador possuem maior representação política feminina, sendo a Bolívia (53,1%) o segundo país do planeta com maior percentual (atrás de Ruanda). Em 2010, foi promulgado no Órgano Electoral Plurinacional o princípio de equivalência, “a democracia boliviana se sustenta na igualdade de gênero e de oportunidades entre mulheres e homens para o exercício de seus direitos individuais e coletivos, aplicando a paridade e a alternância nas listas de candidatas e candidatos para todos os cargos de governos e de representação, na eleição interna das diligências e candidaturas das organizações políticas, e nas normas e procedimentos próprios das nações e povos indígenas originários campesinos”. Em 2016, um Decreto Supremo contra o Acoso y Violencia Política hacia las Mujeres, instituiu como responsabilidade do Ministério de Justiça a implementação de programas contra os estereótipos relativos à “participação política das mulheres e a formação, empoderamento, fortalecimento de lideranças e desenvolvimento de capacidades para a gestão pública de mulheres candidatas e eleitas, em particular de mulheres indígenas originarias campesinas”.

 

O Estado Plurinacional Boliviano, antecipando e implementando medidas para o desenvolvimento sustentável, também no que diz respeito à igualdade de gênero e ao empoderamento de mulheres, sobressai a interseccionalidade indígena e campesina.

 

Na Colômbia, desde 2011, obriga-se aos corpos de colegiados ao menos 30% de mulheres candidatas. Em 2015, o Chile instituiu um sistema eleitoral proporcional inclusivo e a Venezuela um regulamento para garantir os direitos de participação política paritária nas eleições de deputados. Em 2017, a Argentina assinou a lei de paridade de gênero no âmbito da representação política e o Uruguai a lei sobre a participação equitativa de ambos os sexos em órgãos eletivos nacionais, departamentais e de direção dos partidos políticos. No Brasil, a regulamentação é voltada à distribuição de verbas do fundo partidário. Nos demais, inexiste.

 

Autonomia física

 

Aqui, consideram-se as “duas dimensões que dão conta de problemáticas sociais relevantes na região: os direitos reprodutivos das mulheres e a violência de gênero”. É onde se encontra a maior produção de leis e regulamentações voltadas às questões de gênero no continente sul-americano. É também onde o morticínio salta aos olhos, muito mais do que quaisquer valores, estatísticas, migalhas legislativas e participação no Estado e no mercado.

 

A fim de mensurar as condições de saúde sexual e reprodutiva, a CEPAL considera as estatísticas relativas à mortalidade materna (para 100.000 nascidos vivos), o acesso a partos com assistência especializada profissional, o índice de planejamento familiar insatisfatório e o percentual de jovens, entre 15 e 19 anos, grávidas. Desde o início dos anos 2000 houve redução na mortalidade materna em praticamente todos os países sul-americanos, com exceção da Venezuela que se manteve com 115, e da Colômbia que oscilou entre 83 e 85. Os números mais elevados, ainda que apresentando diminuição, estão localizados na Guiana, 169; Bolívia, 155; no Paraguai, 129 e Suriname, 120. Esses números remetem a 2017, último ano contabilizado ou disponibilizado pelos países. O percentual de partos assistidos é alto, na casa dos 90% em todos os países, exceto Bolívia, com 71,5%. No Uruguai é de 100% (não há informações detalhadas que especifiquem o que se compreende por assistência especializada, se estes números são relativos à internação e partos hospitalizados ou não, nem qual o tipo de parto mais recorrente).

 

Quanto ao planejamento familiar insatisfatório, Suriname, Guiana e Bolívia apresentam os percentuais mais altos, na casa dos 28%, os dois primeiros, e 23% a última. Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e Venezuela não divulgam ou não contabilizam estas estatísticas. Assim como Guiana, Paraguai, Suriname e Uruguai não o fazem em relação à gravidez entre jovens mulheres. Os dados mais recentes, de 2018, foram fornecidos pelo Chile (7,2%) e pela Colômbia (11,8%). Os outros são de mais de 10 anos. Não há indicadores sobre a prática de aborto.

 

Leis de saúde sexual e direito reprodutivo foram implementadas ou reformadas, de 2014 em diante, em cinco países por meio de Planos Nacionais voltados à sexualidade, aquela relacionada à reprodução, tendo como princípio balizador os Direitos Humanos e o objetivo de melhorar a qualidade da saúde pública (Plan Nacional de Salud Sexual y Reproductiva, 2017-2021, do Equador, que em 2012 regulamentou o acesso aos métodos contraceptivos pelo Sistema de Saúde; Plan Nacional de Salud Sexual y Reproductiva, 2014-2018, do Paraguai; Primer Plan Nacional para la Protección de Derechos Sexuales y Derechos Reproductivos de las Mujeres, 2014-2019, da Venezuela).

 

A Política Nacional de Sexualidad, Derechos sexuales y Derechos reproductivos, outorgada pela Colômbia em 2014, explicita o foco nas crianças e jovens conectado ao empoderamento, situado como algo possibilitado pelo acesso aos serviços de saúde pública e como meio para se atingir a maturidade.

 

O empoderamento também é mencionado em relação às “diferentes formas de famílias” que devem passar por este processo de “preparação” para “as novas gerações”. A Estrategia Intersectorial y Nacional de Prevención del Embarazo No Intencional en Adolescentes (2016-2020) uruguaia é ainda mais explícita. Demarca que as ações voltadas para saúde sexual e reprodutiva das jovens são “fundamentais para empoderar a todas as adolescentes, em particular aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.” Este empoderamento está conectado à “capacidade de decisão pessoal” e contempla tanto as relações entre casais como as chamadas casuais. Leis específicas voltadas para a educação sexual nas escolas vigoram na Argentina desde 2006, e no Equador desde 2011 como um “direito legítimo ao bem viver”.

 

O aborto é considerado crime na maioria dos países da América do Sul. No Paraguai, desde 1997, no Peru, desde 1991, e na Venezuela, desde 2006 (anos em que estes países modificaram pela última vez esta legislação) o aborto pode ser descriminalizado caso a mulher grávida corra risco de vida. No Equador, desde 2014, acrescentou-se a este caso a possibilidade de descriminalização também às mulheres com deficiência mental. No Brasil, os casos juridicamente possíveis de descriminalização são: risco à vida da mulher, feto anencéfalo (última reforma, em 2012) e gravidez decorrente de “estupro”. No Chile, além do risco de vida da mulher e do feto com má formação grave, contempla-se também meninas com menos de 14 anos e cuja gravidez não tenha ultrapassado 14 semanas. A Colômbia não abre exceção para meninas, mas inclui gravidez decorrente de incesto. Assim como a Bolívia que, desde 2017, pode permitir o aborto também em casos de gravidez de meninas e “adolescentes”, quando a “saúde integral” da mulher está em risco, quando a reprodução não foi consentida pela mulher, quando a mulher é estudante ou responsável por pessoa com deficiência, idosa ou “outros menores consanguíneos ou não”. Além destes, o aborto pode ser legalmente praticado caso a mulher corra risco de vida ou a gravidez decorra de violência sexual.

 

Desde 2012, durante o governo de José Mujica, no Uruguai, vigora a lei nº 18.987 que postula a interrupção voluntária da gravidez durante as 12 primeiras semanas. Em casos específicos ― risco à vida da mãe ou à sua saúde, má formação do feto ou quando decorre de uma violência ― o aborto pode ser realizado fora deste período estipulado.

 

Desde o final de 2020, após anos de luta insistente dos movimentos feministas, a Argentina assinou a lei de Acceso a la Interrupción Voluntaria del Embarazo, que “consagra o direito das mulheres e pessoas com outras identidades de gênero com capacidade de gestar de decidirem e acessarem à interrupção da gravidez até a 14ª semana do processo gestacional”. Contempla também a assistência pós-aborto.

 

Os indicadores que buscam estimar a violência física nestes países se concentram nas execuções de mulheres por seus parceiros ou ex-parceiros e pela classificação criminal de feminicídio. Este último é considerado por cinco países. Em 2019: Brasil, com 1941; Argentina, com 252; Colômbia, com 226; Bolívia, com 117 e Uruguai, com 25. Com a exceção uruguaia, houve crescimento no registro dos dados em todos os países. Em relação à morte por namorados, noivos, maridos ou ex, não há dados no Brasil e na Bolívia. Equador, Guiana e Venezuela não atualizaram seus dados. Em 2019, a Argentina somava 179 execuções; a Colômbia, 128; e o Peru, 98.

 

De 2014 até o presente foram realizadas, ao menos, 54 medidas legislativas de segurança ― entre reformas, alterações e novas leis ―, voltadas à violência contra a mulher nos países sul-americanos. As exceções ficam por conta da Guiana com seu Sexual Offences Act, de 2010, modificado pela última vez em 2013, e Suriname com suas Moral Law e Law on Domestic Violence, de 2009. O Estado que mais realizou reformas legais, neste sentido, foi o Brasil (incluindo a lei nº 13.979/20, que “dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”). Atrás do Brasil no ranking estão Peru e Argentina.

 

O grande lote das mudanças legais, dentro e fora do Brasil, concerne ao aumento de penas e de mecanismos de assistência jurídica, social, policial e de saúde à “vítima”. Alguns temas foram recorrentes em mais de um território como a tipificação criminal de acosso de rua (Argentina, Chile, Equador e Peru); voltados às crianças e jovens com intersecção de gênero (Argentina, na educação igualitária e na reparação econômica em situações de violência familiar; Peru, ao incluir integrantes do grupo familiar que se encontrem em “situação de vulnerabilidade” ― crianças, adolescentes, idosas e pessoas com deficiência ― na prevenção, sanção e erradicação da violência contra as mulheres); inclusão de violência pautada em estereótipos e preconceitos contra a mulher na vida política e pública (Argentina, Bolívia e Peru). Esta última lei peruana, promulgada em 2021, evidencia a relação com as metas do ODS-5, “estabelecer mecanismos de atenção, prevenção, erradicação e sanção do acosso às mulheres, por sua condição como tais, na vida política, com a finalidade de garantir o exercício pleno de seus direitos políticos e que participem em igualdade de condições”.

 

A criação do crime de feminicídio também é comum aos países da região. Foi estabelecido recentemente no Brasil, Colômbia, Paraguai e Uruguai; nos demais países é anterior a 2015. Em 2021, por meio do Decreto 123/2021, a Argentina instituiu, no âmbito do Programa Interinstitucional de Abordaje Integral de las Violencias Extremas por Motivos de Género, as classificações de travesticídio e transfeminicídio, incumbindo o Conselho Federal de atuar para prevenir, investigar, sancionar, reparar e prestar assistência a essas “vítimas” de “violências extremas”.

 

O Uruguai reformou as leis 19.580 (dita as normas contra a violência contra as mulheres) e 19.643 (sobre a prevenção, perseguição e sanção do tráfico e exploração de pessoas) para incluir: “mulheres trans, das diversas orientações sexuais”; “promovendo a autonomia e o empoderamento das mulheres, meninas, pessoas trans e intersexo ou com orientação sexual não hegemônica”.

 

Destaca-se também a promulgação da Lei n°5.777 de 2016, de “protección integral a las mujeres, contra toda forma de violencia”, a primeira lei paraguaia voltada especialmente às mulheres e claramente alinhada aos ODS. Estabelece os direitos: de igualdade perante a lei e na família; à propriedade; ao planejamento familiar e à saúde reprodutiva; à educação e trabalho dignos; participação nos assuntos públicos; acesso à justiça e garantias judiciais. Estipula punições para violência (incluindo feminicídio) e discriminação contra a mulher. Adota como princípios: enfoque na integralidade, igualdade e não discriminação; políticas públicas e participação cidadã; acesso aos recursos econômicos; fortalecimento institucional; empoderamento; acesso à justiça e tutela efetiva; especialização dos servidores públicos para assistência específica; transparência e disponibilidade de serviços competentes.

 

Outras leis que importam ser sublinhadas aqui são: a lei colombiana 1.719, de 2014, voltada à adoção de medidas para garantir o acesso à “justiça das vítimas de violência sexual, em especial a violência sexual em ocasião de conflito armado” e a venezuelana Ley de Reforma de la Ley Orgánica sobre el Derecho de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia, também de 2014 (instituiu o feminicídio, sublinhando a Declaração de Pequim como um marco norteador da luta institucional contra a violência contra a mulher, junto aos “demais consagrados na Constituição da República Bolivariana da Venezuela e em todos os convênios e tratados internacionais nesta matéria, subscritos pela República Bolivariana da Venezuela”). Não somente os Estados Plurinacionais, mas o socialista bolivariano também governa seguindo o governo da ONU.

 

Eis aí uma das caras mais recentes do empenho sustentável ao amor pelo crime e pelo castigo. O amor ao crime e ao castigo que não desprega dos corpos de homens e mulheres. E ele adere ainda mais à vida de cada um, quando cada existência permite ser formada e conformada a planos, metas e desenvolvimento, como um juízo inicial, intermediário ou final, co-ti-di-a-no, que adere a cada prega de corpos e mentes.

 

Planos, programas, políticas para a igualdade

 

Praticamente todos os países sul-americanos produzem planos, programas ou políticas de governo voltados para suprir as lacunas apontadas pelos indicadores. Seguem o Conjunto Mínimo de Indicadores de Gênero – CMIG, organizado pela Comissão de Estatística das Nações Unidas, para ser usado na produção nacional e “harmonização internacional” de estatísticas de gênero.

 

A Guiana não possui medidas de governo neste sentido, ou não as reportou à CEPAL. Na Bolívia, desde o Plan Nacional para la Igualdad de Oportunidades: Mujeres Construyendo la Nueva Bolivia para Vivir Bien, de 2008, não houve novos planos específicos. No Brasil, desde o III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015, em funcionamento e se renovando desde 2005, também não. O link de acesso para o Plano, ainda presente no site do atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, não abre o documento exibindo apenas: “a página não existe”. O último e terceiro plano venezuelano, Para la igualdad y equidad de género ‘Mamá Rosa’ 2013-2019, não foi atualizado. Destaca-se alguns trechos deste documento: “seguiremos aprofundando ações para alcançar a igualdade e a equidade entre homens e mulheres (...) sempre marcando o conceito de igualdade substantiva próprio do modelo socialista, onde as transformações estruturais de base econômica, moral, política e social do capitalismo se fazem prementes para alcançar a igualdade real entre os seres humanos (...). É um plano que consegue incorporar a perspectiva de gênero em toda a obra de nosso processo revolucionário, para que a sociedade como um todo leve a cabo ações e tarefas que visem a erradicação de todo tipo de exploração e discriminação contra o ser humano, neste caso das nossas mulheres, é por isso que esta ferramenta nos permitirá dotar a gestão governamental e as forças vivas da nossa revolução das linhas estratégicas para consolidar o socialismo feminista do século XXI”.

 

De acordo com o Plano, que leva o nome da mãe do “Comandante Eterno Hugo Chávez”, o enfoque nas questões de gênero é imperativo para edificar um modelo de Estado socialista-feminista, pois o “Comandante Supremo Hugo Chávez se declarou feminista e o Presidente Nicolás Maduro reiterou seu apoio incondicional às mulheres, convidando-nos à transformação do modelo patriarcal que tem imperado na concepção individualista e capitalista do mundo.” Neste processo de “construção da pátria-mátria socialista-feminista”, o empoderamento “é fundamental, pois permite potencializar capacidades e habilidades, assim como contribui na geração do novo tecido produtivo que o país requer”. Assim como “o modelo econômico que se ergue na revolução se baseia na diversificação de um desenvolvimento industrial sustentável, respeitando os direitos sociais e ambientais, através do uso adequado dos recursos naturais, como parte do cuidado da vida”.

 

A racionalidade neoliberal governa o Estado Bolivariano, evidenciando que à esquerda e à direita, com democratas, autocratas e socialistas, a sustentabilidade sustenta o capitalismo e, também, o sonho de socialistas.

 

Alguns planos estão com prazo de validade próximo. No Suriname, a política de gênero aplicada de 2017 a 2021 é ilegível por ser publicada exclusivamente em neerlandês (ou simplesmente holandês).

 

O Plan Nacional Contra la Violencia de Género 2016-2021 do Peru está direcionado a superar condutas discriminatórias que, por base no gênero, causem morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico; próprias de um “contexto de desigualdade sistemática, situações estruturais e fenômenos sociais e culturais enraizados nos costumes e mentalidades”. Disponibiliza informes anuais que relatam as medidas legais e implementações de “ações estratégicas”. Na página Observatório Nacional de la Violência contra las Mujeres y los Integrantes del Grupo Familiar, divulga os dados dos indicadores, com maior detalhamento e variáveis. De 2012 a 2017, vigorou no país o Plan Nacional de Igualdad de Género, que estabelecia a criação de políticas públicas com enfoques específicos de gênero, partindo da consideração de que “o desenvolvimento sustentável, a redução da pobreza e a igualdade entre mulheres e homens estão estreitamente associados” e que, para se atingir a igualdade entre os gêneros, faz-se “essencial” o empoderamento das mulheres para garantir sua participação igualitária nos processos econômicos, sociais e políticos. A Declaração de Pequim, aqui também, era o grande documento internacional norteador. Ainda no contexto dos ODM, as metas nacionais estabelecidas mostram alinhamento às planetárias, quase anunciando as mudanças que estariam concretizadas nos novos objetivos (ODS). “Desde o enfoque de gênero é necessário considerar o empoderamento e a autonomia das mulheres, a divisão sexual do trabalho, a independência econômica, uma vida livre de violência, o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e homens, a corresponsabilidade familiar de mulheres e homens, a conciliação da vida familiar e laboral, e a paridade na participação da mulher na tomada de decisões.”

 

Também acabará este ano o primeiro prazo da Agenda Nacional para la Igualdad de las Mujeres y Personas LGBTI, alinhada ao Plan Nacional de Desarrollo 2017-2021, do Equador. Norteada pela Declaração de Pequim, pelos ODS e pela Estratégia de Montevidéu, persegue a igualdade entre os gêneros e o empoderamento das mulheres e meninas com “caráter central e transversal, um olhar interseccional que considera as múltiplas discriminações por questões de gênero e diversidades sexo-gênero, geracionais, étnicas, de mobilidade humana e deficiência”. Enfatiza uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade para as crianças e jovens; elenca cinco políticas: alcançar o desenvolvimento sustentável com igualdade e autonomia das mulheres; reduzir a carga de trabalho e dos serviços de cuidados do lar; por meio de ações afirmativas e incentivos garantir o acesso ao emprego adequado e ao empoderamento econômico; promover programas e projetos que assegurem o acesso e o controle dos recursos de produção; facilitar o uso de tecnologias produtivas e domésticas, de modo a dinamizar e melhorar a produtividade, sobretudo de mulheres e pessoas LGBT+ empreendedoras. A Agenda Nacional para la Igualdad de las Mujeres y Personas LGBTI foi construída com a participação da sociedade civil organizada, incentivando sua “intervenção ativa” e solidificando a relação com o Conselho, a fim de tornar a Agenda um “instrumento político para a supervisão social”.

 

Anteriormente havia a Agenda Nacional de las Mujeres y la Igualdad de Género 2014-2017, voltada para a proposição de “intervenções públicas para a superação de brechas de desigualdade” e que trazia como horizonte o Bem Viver enquanto possibilidade de “desestruturação das heranças coloniais do neoliberalismo”., em que o gênero se inseria como “construção social que se articula ao Bem Viver para edificar relações igualitárias entre mulher e homens, assim como o reconhecimento e respeito das diversidades sexo-gênero”. Enfatizava o empoderamento feminino atrelado às TICs, à gestão ambiental e manejo dos recursos naturais, à transparência e ao controle social via participação cidadã.

 

Chile e Paraguai estão em seus quartos planos nacionais pela igualdade de gênero desde 2018. O paraguaio irá até 2024 com o objetivo de superar obstáculos para a igualdade substantiva, em compromisso com a Agenda 2030 e o Desenvolvimento Sustentável. Por meio de cinco eixos ― não discriminação, empoderamento para a tomada de decisões, empoderamento econômico, autonomia física e acesso à justiça ― objetiva-se eliminar toda discriminação legal contra as mulheres. Junto deste objetivo, busca-se suprimir os obstáculos que impedem o acesso igualitário e permanente das mulheres na tomada de decisões públicas estatais, os obstáculos que impedem as condições para uma vida sem violência e a plena vigência dos direitos à saúde da mulher, os obstáculos que impossibilitam o empoderamento e a autonomia econômica, “compartilhando com a família, o Estado e o setor privado, o trabalho não remunerado, acendendo ao mercado de trabalho em condições de igualdade”; obstáculos ao acesso à “justiça livre de estereótipos sexistas”. Há, no documento do IV Plan Nacional de Igualdad (2018-2024): Allanar obstáculos para la igualdad Sustantiva, um tópico específico sobre os ODS, intitulado “Vision 2030”.

 

O Cuarto Plan Nacional de Igualdad entre Mujeres y Hombres do Chile se estenderá até 2030 com o objetivo de superar as desigualdades de gênero e atingir o pleno exercício dos direitos e da autonomia das mulheres chilenas em sua diversidade, contemplando especificidades das mulheres imigrantes, em contexto rural, de povos originários. Almeja uma cidadania plural, uma democracia paritária, representativa e participativa. Novamente, a base são os ODS e a Estratégia de Montevidéu. Aqui, também, o plano foi elaborado em conjunto com a sociedade civil, por meio da participação em encontros e de uma rede de coordenações intersetoriais e regionais de mulheres “trabalhadoras, profissionais, empreendedoras, amas de casa, camponesas, indígenas, afrodescendentes, idosas, estudantes, migrantes, acadêmicas, pesquisadoras, mulheres privadas de liberdade, trabalhadoras sexuais e mulheres de bairros de alta complexidade”. O plano também apresenta um tópico voltado especialmente para os ODS e a Agenda 2030. Os objetivos estratégicos são: 1. atingir o reconhecimento, o respeito e a garantia dos direitos das mulheres, para alcançar a igualdade de gênero e a autonomia; 2.“dar sustentabilidade política, técnica e operativa à institucionalidade de gênero no Estado”; 3.instalar a igualdade de gênero transversalmente; 4.contribuir com a mudança cultural do país, a fim de eliminar as desigualdades e discriminações e possibilitar a participação plena. O propósito autodeclarado do Plano explicita: “abordar as principais brechas de gênero mediante o fortalecimento das políticas públicas para garantir a autonomia e o exercício pleno dos direitos humanos de todas as mulheres e meninas, superando discriminações, preconceitos e resistências”.

 

Em 2020 foi publicado Mujeres y Hombres: brechas de género en Colombia. O documento é estruturado em 7 capítulos que apresentam os indicadores que balizam os 7 objetivos: 1.tornar visíveis as condições de desigualdade entre mulheres e homens e o “papel das mulheres na sociedade”, identificando progressos e retrocessos; 2.reunir e analisar estatísticas de gênero; 3. monitorar os ODS por meio do uso dos indicadores; 4. contribuir para que o Estado melhore o sistema estadístico nacional e a recopilação de dados; 5. promover a inclusão do enfoque diferencial e interseccional na produção e difusão da informação; 6. identificar áreas de oportunidade e de vazios de informação; 7. alertar para os riscos de retrocesso ou estagnação. Somados às recomendações de mais empregos de qualidade; redistribuição do trabalho doméstico e de cuidados não remunerados; mulheres tomando decisões; garantir direitos sexuais e reprodutivos; deter e erradicar a violência de gênero; impulsionar políticas públicas contemplando a diversidade de “arranjos familiares”.

 

Após 5 anos do início da Agenda 2030, buscou-se expor o cumprimento dos ODS e as revisões necessárias. A data também foi comemorativa dos 25 anos da Declaração de Pequim, “o programa mais visionário para o empoderamento das mulheres e meninas em todo o mundo”. Por fim, o contexto da Covid-19 e seu “altíssimo impacto socioeconômico” que “ameaça os avanços conquistados no exercício dos direitos humanos das mulheres e desafia os Estados a pôr em marcha estratégias mais contundentes para mitigar e/ou evitar retrocessos”. Os efeitos da Covid-19 levaram a produção de outras documentações, não somente locais, mas da CEPAL, destacando os impactos na vida das mulheres.

 

A Estrategia Nacional para la Igualdad de Género 2030 foi implementada no Uruguai em 2018 com a pretensão de ser um roteiro, “integral e integrador”, capaz de conduzir o Estado pelas questões de gênero rumo à igualdade e colocar em curso, dentro de um prazo de cinco anos, “a política de gênero como política de Estado”. Para a Estratégia, esta é a maneira de conseguir um “horizonte igualitário” até 2030.

 

Seguindo a Agenda 2030, os ODS e as contribuições das diversas agendas de mulheres e movimentos feministas uruguaios, encontra-se o “desafio” de criar e implementar políticas públicas. Junto à Oficina de Planeamiento y Presupuesto (OPP) já começa a delinear a definição da Estrategia Nacional para el Desarrollo 2050. “A igualdade implica necessariamente construir uma vontade coletiva para fechar as brechas da desigualdade e favorecer a coesão social. A igualdade de direitos exige a presença do Estado e o aprofundamento das ordens democráticas, comprometendo-se a implementar políticas ativas de promoção e desenvolvimento, assegurar a provisão de bens públicos, intervir com políticas de regulação econômica, garantir o bem-estar social e incrementar a participação dos setores excluídos e vulneráveis nos benefícios do crescimento econômico. A igualdade, assim entendida, converte-se em uma meta política e em um objetivo indispensável para o desenvolvimento sustentável”.

 

A “aliança” com os movimentos sociais e a sociedade civil organizada é sobremaneira enfatizada, de modo a ampliar os canais de comunicação entre o Estado e estes setores da sociedade, incluindo e reconhecendo as “ações nas realidades locais e concretas onde as mulheres se agrupam e mobilizam”. Tanto que o documento apresenta algumas páginas sobre histórias de lutas feministas durante a ditadura civil-militar uruguaia e na redemocratização, até os anos recentes. Para o futuro, estipula que “o êxito da Estratégia de Montevidéu no âmbito regional e sua adaptação no âmbito nacional e subnacional exige a participação ativa da sociedade civil em toda a sua diversidade, especialmente de organizações e movimentos de mulheres e feministas, jovens, indígenas, afrodescendentes, mulheres rurais, mulheres migrantes, idosas, mulheres com deficiência, lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais (LGBT+), o âmbito acadêmico, os sindicatos e os defensores dos direitos humanos no monitoramento e na avaliação das políticas públicas e no acompanhamento dos compromissos assumidos. Também é necessária a contribuição do setor privado, especialmente o setor empresarial, através de sua atuação em conformidade com os padrões de direitos humanos das mulheres e as normas trabalhistas, ambientais, tributárias e de transparência, assim como a promoção da igualdade de gênero, autonomia e empoderamento das mulheres.”

 

Aspiram, até 2030: 1. atingir desenvolvimento sustentável com igualdade substantiva de gênero; 2. demarcar o princípio de igualdade de gênero como orientador de todas as políticas públicas; 3. ampliar o conhecimento público sobre as desigualdades de gênero; 4. garantir a participação “real e efetiva” das mulheres nos processos de tomada de decisão públicos e privados, além da influência das organizações de mulheres e feministas; 5. reformar o Sistema Nacional de Educación Pública para a mudança cultural; 6. que a “cultura igualitária e o reconhecimento da diversidade” predominem nas pautas culturais e de cidadania; 7. desconstruir os papéis tradicionais de gênero e instalar a igualdade na vida cotidiana, no âmbito dos lares e dos cuidados; 8. a cessão e manutenção das mulheres em igualdade com os homens no âmbito produtivo, empresarial e laboral; 9. que o Sistema Nacional Integrado de Salud ofereça serviços universais e integrais com enfoque de gênero; 10. diminuir substantivamente a violência com base no gênero; 11. construir ambientes, habitações dignas, suficientes, seguras e sustentáveis para as mulheres.

 

A Estratégia se insere na continuidade da Estrategia de Montevideo, de 2016, que é um marco referencial para o país e vizinhos sul-americanos, ao postular os compromissos de uma agenda regional de gênero rumo ao desenvolvimento sustentável até 2030. A Estrategia de Montevideo para la Implementación de la Agenda Regional de Género en el Marco del Desarrollo Sostenible hacia 2030 foi aprovada na XIII Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, organizada pela CEPAL em parceria com o Estado do Uruguai, realizada em outubro de 2016. Na ocasião, retomaram o texto produzido durante a primeira Conferência, realizada em Havana, em 1977, acrescentando os ODS e os debates a partir deles travados entre governos dessas regiões, sociedade civil e organismos do sistema ONU.

 

Destaca-se que, por meio da CEPAL, América Latina e Caribe são as únicas regiões do planeta a realizar, há quatro décadas e de maneira frequente, reuniões com o intuito de “debater e se comprometer politicamente a erradicar a discriminação contra mulheres e meninas e a desigualdade de gênero e avançar rumo à garantia do pleno exercício da autonomia e dos direitos humanos das mulheres e meninas”. Resulta em uma Agenda Regional de Gênero que expressa “a vontade política e o trabalho articulado dos Estados membros, a contribuição ativa do movimento feminista e de mulheres e o apoio do sistema das Nações Unidas e do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.”

 

Em linhas gerais e considerando o que já foi mencionado nos documentos anteriores, norteados pelo encontro de Montevidéu, pode-se definir os principais eixos como direitos: 1. a uma vida sem violência e discriminação; 2. sexuais e reprodutivos; 3. econômicos, sociais e culturais; 4. civis e políticos; 5. coletivos e ambientais. Conectam-se aos eixos de implementação: 1. quadro normativo; 2. quadro institucional; 3. participação; 4. construção e fomento às capacidades; 5. financiamento; 6. comunicação; 7. tecnologia; 8. cooperação; 9. sistemas de informação; 10. monitoramento, avaliação e prestação de contas. Neste ponto, vale ressaltar que um dos objetivos da Estratégia é monitorar os esforços dos Estados para a “plena e efetiva” implementação da Agenda Regional de Gênero e da Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável. De forma que, enfatizam, a Estratégia de Montevidéu como um “instrumento político-técnico que permitirá dar um salto qualitativo na implementação e fortalecimento de políticas públicas multidimensionais e integrais”. Os “nós estruturais” a serem superados até 2030 são: a desigualdade socioeconômica e a pobreza; os padrões culturais patriarcais discriminatórios e violentos, junto a “cultura do privilégio”; a divisão sexual do trabalho e do cuidado; a “concentração do poder” e relações de hierarquia no âmbito político.

 

Além do Uruguai, a Argentina também se destaca no compromisso com as metas do Objetivo 5. Promulgou o mais recente Plan Nacional de Igualdad en la Diversidad 2021-2023, documento oficial que inclui o que os(as) ativistas da diversidade sexo-gênero consideram uma linguagem neutra. Além da igualdade, dos direitos e do empoderamento de todas as mulheres e meninas, este Plano inclui equitativamente a população LGBT+.

 

Elaborado por um amplo processo “participativo, popular e federal” agrupando um “arco heterogêneo da sociedade civil” considera que nenhuma política pública pode gerar mudanças “concretas, efetivas e sustentáveis” sem a participação “horizontal e colaborativa” das pessoas e comunidades as quais se destinam. A participação não foi pontual apenas para a elaboração do Plano, mas segue impreterível para auxiliar no monitoramento das implementações. Há os Fóruns Federais Participativos, que mesmo durante a chamada pandemia do novo coronavírus, seguem frequentemente realizados online. Na instância planetária, há os Fóruns Políticos de Alto Nível.

 

São crescentes as participações e as reivindicações das “mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, intersexos, não bináries e identidades não heteronormadas. Os movimentos feministas, transfeministas e das dissidências sexuais põem na agenda e de forma irreversível (...) a despatriarcalização da vida e a consolidação de padrões mais elevados de igualdade. (...) Trata-se de um encontro virtuoso entre o requerimento de mais e melhores políticas públicas e um Estado disposto a dar resposta e reconhecer os problemas reais da sua cidadania”.

 

Como os demais planos, pretende superar os obstáculos ao exercício “efetivo” dos direitos das mulheres e LGBT+, portanto, superar situações de desigualdade e reduzir brechas, com foco em: educação, saúde, trabalho, mundo digital, tarefas de cuidados, participação pública e política. Menciona as especificidades argentinas, como o “pioneirismo” da promulgação da lei de Identidad de Género em 2012, que reconhece legalmente a “identidade autopercebida e autodefinida”. Define a meta das políticas públicas para a igualdade na diversidade: “integrar, visibilizar e horizontalizar; historicizar, decolonizar e despatriarcalizar; incluir a interseccionalidade, reconhecer a heterogeneidade; situar a sustentabilidade da vida como um eixo transversal”.

 

Nota-se que aparecem novas palavras-chave que buscam responder a um recorde mais amplo da diversidade sexo-gênero e que mostram interface com o discurso ativista feminista e LGBT+ e a produção acadêmica neste âmbito. Estas palavras se conectam aos princípios norteadores: igualdade, diversidade, participação, integralidade, territorialidade e federalismo, interseccionalidade, transversalidade e multiagencialidade, interdisciplinaridade, interculturalidade, sustentabilidade da vida, transparência e prestação de contas. Tal como Mujeres y Hombres: brechas de género en Colombia, aqui também se ressalta o contexto agravado pela “crise generalizada” da Covid-19, reiterando a necessidade de se impulsionar políticas públicas que objetivem também reverter as desigualdades acentuadas e promover melhorias específicas para condições de vida mais justas e para o “desenvolvimento sustentável e que se sustente para todas, todes e todos”.

 

O plano anterior, Plan de Igualdad de Oportunidades y Derechos 2018-2020, pavimentou o caminho para o atual, já colocando como a “expressão mais concreta do compromisso dessa gestão para fazer da igualdade de gênero uma verdadeira política de Estado” (p. 5). Importante lembrar que a gestão de então não é a mesma de agora, mas o plano segue, atualizado e ampliado. Um diferencial deste anterior é ter declarado se tratar de um “imperativo moral”, a sustentar a agenda de direitos humanos e alimentar o desenvolvimento sustentável e inclusivo, a garantir a igualdade de oportunidades e direitos como “meio e fim do processo de consolidação das democracias”. Dentre os documentos citados, é o único a apresentar como interlocução principal o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), enfatizando que o caminho para a igualdade não é uma meta tecnocrática, mas um processo político.

 

O Plano também foi elaborado em conjunto com a sociedade civil e o setor privado, e buscou responder ao relatório de monitoramento da CEPAL de 2017. Estabeleceu como objetivos estratégicos: aumentar e qualificar a participação das mulheres e da população LGBT+ no âmbito da autonomia de tomada de decisões; “prevenir, atender, sancionar e erradicar a violência contra meninas, mulheres, lésbicas, trans feminidades e travestis”, garantindo o acesso à justiça e elevar o nível da saúde pública, no âmbito da autonomia física; melhorar a igualdade de oportunidades para mulheres e população LGBT+ no mercado de trabalho; promover o acesso ao trabalho remunerado, ao emprego formal e aos recursos produtivos; facilitar a conciliação e corresponsabilidade da vida pessoal, familiar e laboral, no âmbito da autonomia econômica; promover a transformação dos valores culturais que naturalizam as desigualdades de gênero e promover os espaços de intercâmbios e de construção dos sujeitos sociais comprometidos com as mudanças, nos processos de inclusão e coesão social, no âmbito da inter-relação entre as autonomias.

 

Modulação: Igualdade de Gênero ou “ninguém será deixado para trás”

 

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é o órgão governamental responsável pelo monitoramento da Agenda 2030 e dos ODS no Brasil. Faz parte da Comissão Nacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável junto a Secretaria de Governo - Segov/PR. O monitoramento é realizado utilizando os indicadores globais e os nacionais, a partir da “adaptação” e do redimensionamento dos ODS à “realidade brasileira”. Os resultados são publicados em livros e relatórios desde 2018.

 

O “Caderno ODS – ODS 5 – Alcançar a Igualdade de Gênero e Empoderar todas as Mulheres e Meninas” foi publicado em 2019. Apresentou onze metas que intentam mostrar a chamada visibilidade e diversidade política, social, econômica e cultural brasileira, com o viés da interseccionalidade que permeia o gênero, para dar voz aos mais variados grupos e atores/atrizes sociais. Buscam-se mudanças efetivas, contempladas em políticas públicas e ações do Estado, da sociedade civil e do empresariado.

 

Se o mote é “ninguém será deixado para trás”, investe-se em monitoramento, indicadores, mensuração e pesquisas quantitativas.

 

Enquanto o ODS 5 tem nove metas, a adaptação feita pelo IPEA considerou necessário elencar onze metas brasileiras:

 

“5.1 Eliminar todas as formas de discriminação de gênero;

 

5.2 Eliminar todas as formas de violência de gênero nas esferas pública e privada, destacando a violência sexual, o tráfico de pessoas e os homicídios;

 

5.3 Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos e uniões precoces, forçados e de crianças e jovens;

 

5.4 Eliminar a desigualdade na divisão sexual do trabalho remunerado e não remunerado, inclusive no trabalho doméstico e de cuidados, promovendo maior autonomia de todas as mulheres;

 

5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na esfera pública, em suas dimensões política e econômica;

 

5.6 Promover, proteger e garantir a saúde sexual e reprodutiva, os direitos sexuais e direitos reprodutivos, em consonância com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão;

 

5.a Garantir igualdade de direitos, de acesso e de controle dos recursos econômicos, da terra e de outras formas de propriedade, de serviços financeiros, de herança e de recursos naturais de forma sustentável, por meio de políticas de crédito, capacitação, assistência técnica, reforma agrária e habitação, entre outras, em especial para as mulheres do campo, da floresta, das águas e das periferias urbanas.

 

5.b.1 Garantir a igualdade de gênero no acesso, habilidades de uso e produção das tecnologias de informação e comunicação;

 

5.b.2 Garantir a igualdade de gênero no acesso e produção do conhecimento científico em todas as áreas do conhecimento e promover a perspectiva de gênero na produção do conhecimento;

 

5.b.3 Garantir a igualdade de gênero no acesso e produção da informação, conteúdos de comunicação e mídias.

 

5.c Adotar e fortalecer políticas públicas e legislação que visem à promoção da igualdade de gênero e ao empoderamento de todas as mulheres e meninas, bem como promover mecanismos para sua efetivação – em todos os níveis”. Acrescenta-se ao final de todas essas metas: “nas suas intersecções com raça, etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em especial para as meninas e mulheres do campo, da floresta, das águas e das periferias urbanas”.

 

Considerando que a maioria das regulamentações e alterações legais brasileiras, visando a paridade de gênero, localizam-se no âmbito da autonomia física e das leis de violência, vale atentar à meta 5.2. Pensar sobre ela, perpassa uma série de antecedentes, no caso do Brasil, além das Delegacias de Defesa da Mulher, instituídas a partir de 1985 por todo o território nacional, a Lei 11.340/06 para punir a violência doméstica e familiar, conhecida como Lei Maria da Penha, até o atual Programa Mulher Viver sem Violência, que criou a Casa da Mulher Brasileira.

 

Tudo isto está alinhado à Convenção do Pará, denominada como Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, realizada em 1994 em Belém do Pará. A Lei Maria da Penha é considerada inovadora, em nome de se “punir mais e melhor” e atender irrestritamente “todas as mulheres”. Oito recentes amplificações da Lei Maria da Penha se conectam diretamente à Meta 5.2. Primeiro: Lei nº 3.104/15, conhecida como Lei do Feminicídio, que visa a “criminalização” e punição de homicídios de mulheres. Segundo: a equiparação da homofobia e da transfobia à criminalização de discriminação e preconceitos previstos nos artigos da Lei nº 7.716/89, conhecida como Lei de Racismo. Terceiro: Lei nº 13.505/17 acrescenta o direito da mulher em situação de violência receber atenção policial e pericial especializada, preferencialmente por servidoras mulheres. Quarto: Lei nº 13.827/19 permite às autoridades policiais a emissão de medida de proteção emergencial, a qual deve ser submetida, posteriormente, a averiguação do juiz, a quem anteriormente cabia emitir a medida. Quinto: Lei nº 13.882/19 estabelece a prioridade da mulher vítima de violência doméstica e familiar de matricular seus dependentes na instituição de ensino mais próxima de sua residência. Sexto: Lei nº 13.871/2019 responsabiliza o agressor pelo ressarcimento dos custos de serviços de saúde prestados pelo SUS às vítimas de violência doméstica e familiar. Sétimo: Lei nº 13.880/19 determina a verificação da posse de armas de fogo por parte do agressor em casos de violência doméstica. Cabe à polícia checar se o agressor possui registro de porte de arma e, em caso positivo, reportar à instituição responsável pela emissão do registro. Cabe ao juiz julgar se deve ou não confiscá-la. Oitavo: Lei nº14.149/21, Lei do Formulário Nacional de Avaliação de Risco: “Art. 2º É instituído o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes e de demais atos de violência doméstica e familiar praticados contra a mulher, conforme modelo aprovado por ato normativo conjunto do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. § 1º O Formulário Nacional de Avaliação de Risco tem por objetivo identificar os fatores que indicam o risco de a mulher vir a sofrer qualquer forma de violência no âmbito das relações domésticas, para subsidiar a atuação dos órgãos de segurança pública, do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos órgãos e das entidades da rede de proteção na gestão do risco identificado, devendo ser preservado, em qualquer hipótese, o sigilo das informações.”

 

Cabe ainda mencionar a alteração do decreto-lei no 2.848, em 2018, quanto a tipificação do crime de importunação sexual, que passa a considerar “os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro” e “estabelece causas de aumento de pena para esses crimes e define como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo”. No ano seguinte, a Lei 13.931 determinou que os serviços de saúde, públicos e privados, devem notificar obrigatória e compulsoriamente o atendimento de mulheres que apresentem “prova ou contestação” de violência. Atrelado às questões de saúde, em 2015, a Lei nº 13.239 determinou a oferta e realização, no âmbito do SUS, de cirurgias plásticas reparadoras de sequelas de lesões causadas por atos de violência contra a mulher.

 

Não constam no Observatório de Igualdade de Gênero, mas houve em 2016, o anúncio da Política para as Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência e, em 2017, a instituição do Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres (Sinapom) e do Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica (PNaViD), vinculado à Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SPM) do Ministério dos Direitos Humanos, extintos pelo atual governo federal.

 

O substituto, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos instituiu dois programas voltados à mulher (aqui não há mais gênero) especificamente na área da segurança. Por meio de uma alteração no Decreto nº 8.086, de 30 de agosto de 2013, substituído pelo Decreto nº 10.112, de 12 de novembro de 2019, o Programa Mulher Segura e Protegida tem como objetivo “integrar e ampliar os serviços públicos existentes destinados às mulheres em situação de violência, por meio da articulação dos atendimentos especializados no âmbito da saúde, da justiça, da rede socioassistencial e da promoção da autonomia financeira”. Estabelece a implementação de unidades da Casa da Mulher Brasileira, onde se oferece serviços especializados e multidisciplinares da rede de atendimento às mulheres em situação de violência; a integração dos sistemas de dados das unidades da Casa da Mulher Brasileira com a Central de Atendimento à Mulher; “organização, integração e humanização do atendimento às vítimas de violência sexual e outras situações de vulnerabilidade”; implementação de unidades móveis para atendimento fora dos espaços urbanos; campanhas continuadas de conscientização e prevenção da violência contra a mulher. Por meio do Decreto Nº 10.568 de 2020, instituiu o Comitê Intersetorial do Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio (PNEF), voltado à implementação de políticas públicas integradas. Através da ação conjunta entre diferentes órgãos estatais, atua nos eixos: articulação; prevenção; combate; garantia de direitos e assistência; dados e informações.

 

Há também, desde agosto de 2020, o Projeto Mais Mulheres no Poder que pretende realizar cursos de capacitação e eventos para debater a participação da mulher nos espaços de poder e decisão; campanhas de conscientização; e distribuir materiais informativos; pesquisas e diagnósticos sobre a participação das mulheres nas eleições.

 

“Eliminar” ou “acabar” são as palavras utilizadas ao longo das nove metas do ODS 5, no que se refere à desigualdade de gênero, uma temática modulada, revestida em identidades e representatividade. Apresenta-se como solução para as chamadas vulnerabilidades, discriminações e violências vivenciadas por mulheres e meninas, agora também na chave da interseccionalidade: raça, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência, geração, território, etc.. O tema igualdade de gênero é transversal a todos os ODS. Aparece repetido a exaustão em todos os documentos, leis, políticas, planos, programas de governo sul-americanos. Combinado à democracia, à participação, ao desenvolvimento sustentável, humano, político, econômico... Inclusive nos governos de Estado Plurinacionais e da República Bolivariana. A racionalidade neoliberal e o governo planetário das questões de gênero se mostram em funcionamento em cada um dos países sul-americanos. Até no Brasil que eliminou, oficialmente, o termo gênero do vocabulário do governo federal.

 

A participação da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais e de minorias, é fundamental para sua continuidade. Aprimoram-se as metas e objetivos, levando à adesão da dita linguagem neutra e à inclusão da população LGBT+ de forma equitativa às mulheres em documentações oficiais. Também a produção de indicadores e de políticas para superar déficits regionais retroalimenta a ONU e a atualização, o redimensionamento, as modulações das novas metas que virão ― ou assim pretendem os/as/es que governam e são governados...

 

Na América do Sul, as leis são constantemente reformadas e acrescidas. O morticínio continua. No Brasil, país onde mais se mata mulheres em toda a América do Sul, a mortificação parece ser tão alta quanto a matança.

 

R A D. A. R

 

Agenda Nacional de las Mujeres y la Igualdad de Género 2014-2017

 

 

Agenda Nacional para la Igualdad de las Mujeres y Personas LGBTI1. 2018-2021

 

 

CEPAL

 

 

Convenção do Pará

 

 

Cuarto Plan Nacional de Igualdad entre Mujeres y Hombres 2018-2030

 

 

IV Plan Nacional de Igualdad

 

 

Declaração e Plataforma de Ação de Pequim

 

 

Estratégia de Montevidéu

 

 

Estrategia Nacional para la Igualdad de Género

 

 

Informe de Seguimiento: Plan Nacional contra la Violencia de Género. 2016-2021

 

 

IPEA: ODS5

 

 

Ley de Protección Integral a las Mujeres, contra toda forma de violencia

 

 

Mujeres Construyendo la Nueva Bolivia para Vivir Bien

 

 

Mujeres y Hombres: Brechas de Género en Colombia

 

 

Plan de Igualdad de Oportunidades y Derechos (PIOD) 2018-2020

 

 

Plan Nacional de Igualdad en la Diversidad 2021-2023

 

 

Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

 

 

Plan para la Igualdad y Equidad de Género “Mamá Rosa” (2013-2019)

 

 

Políticas para Mulheres Governo Federal

 

 

Observatório de Igualdade de Gênero

 

 

Observatorio Nacional de la Violencia contra las Mujeres y los Integrantes del Grupo Familiar (Peru)

 

 

ONU Mulheres

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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