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Nasce uma costureira

O recomeço da Fênix

 

Vovó Lica ou como nasce uma costureira

Por Cristiane Cunha Bezerra

Sentada a bisavó, Ana Cândida, a avó Lica de vestido listrado, tia Ilda ao lado e tio Pedro... as roupas das mulheres provavelmente foram feitas pela vó Lica.

Ela, ainda menina, vivia lá na roça que todos chamavam de Fazenda do Cedro, interior de Minas Gerais, com seus seis irmãos: Joaquim, Amâncio, as gêmeas Ilda e Zilda, Custódia e Pedro, filhos de Sá Sinhana, uma negra alforriada ainda criança, que ficou ali na fazenda, provavelmente um antigo engenho de cana-de-açúcar. Casou-se com um homem branco de olhos azuis, seu amor, que partiu muito cedo.

Sozinha, Sá Sinhana plantava, colhia e levava para o terreiro do dono da fazenda para que ele desse a ela o que achava justo. E, talvez pelas chuvas enfrentadas, pela terra dura cavoucada no braço, pelo sol que fazia seu suor escorrer pela testa misturando-se com as lágrimas, sempre dizia: “Sossega, sossega, porque um dia a lagoa há de secar”.

Pois bem, nossa menina, a que era Maria, era bem conhecida por Lica, enquanto seus irmãos, Joaquim de 7 e Amâncio de 6 anos, tiveram que ir ajudar um vaqueiro que os espancava quando o certo não era feito. Lica cuidava de toda casa: acordar bem cedo, arrumar a cama feita de colchão de palhas, limpar o chão batido, buscar lenha para fazer a comida, lavar as panelas, fazer sabão, cuidar da criação, porcos, galinhas, cuidar dos outros pequenos; enfim, ser a princesa do seu pequeno reino.

Um dia, ela viu, bem ali, uma máquina que era de sua avó, daquelas bem antigas. Como um brinquedo dado a uma criança, começou a olhar, admirar e perguntou à sua avó: “Para que serve isso?” Foi então que sua avó lhe mostrou a mágica: uma linha deslizando entre os dedos, desenhando um colorido que se encolhia num pequenino buraquinho.

A avó tinha uma tesoura enorme que também servia para cortar os umbigos dos bebês que nasciam em casa. Com ela fazia formas diferentes nos tecidos de cores e estampas diversas, juntando cada pedacinho e formando tantas outras coisas, primeiro uma toalha, depois uma camisa, uma calça. Bem quietinha em seu mundo, Lica, que era surda, sentia em seu coração fervilhar sons imensos da vontade e da poesia de viver.

Nessa casa de mulheres fortes - a avó, a tia, que se chamava Titia e que ficava à porta da casa todas as tardes para rezar a Ave Maria, doce, tão doce, e mais a mãe Sá Sinhana - vestiam vestidos muito compridos, enormes, que se arrastavam pelo chão, quem sabe varrendo mesmo a sombra e o medo desse mundo cheio de poucos donos e outros muitos prantos.

Por debaixo desses vestidos, as anáguas tão ou mais compridas que os próprios vestidos e a calcinha, um luxo que não estavam acostumadas a usar.

A primeira aventura da menina na máquina de costura foi fazer calcinhas para todas elas. Para usarem todos os dias? Não, apenas para subir no caminhão quando pegavam carona para ir à cidade. Ela fez calcinhas para todas elas, e ali foi o início de um pespontar a vida, refazendo retalhos em colchas e tapetes, fazendo vestido pra moça festeira, cortando moldes em papel jornal, seus pés a girar a roda da máquina, seu amor mesmo a tudo aquilo. Os tecidos tornaram-se a fantasia que coloria sua alma, aprendendo que costurar era mais que entrelaçar a trama: era uma forma de amar!

Assim nasceu a costureira Lica, minha vovó!

 
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