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observatório ecopolítica

Ano V, n. 100, outubro de 2021.

 

Anarquistas e ações diretas antimonitoramento. 2ª parte

 

Smart pode ser traduzido do inglês como inteligente, esperto, astuto e dinâmico. A palavra, atualmente em uso em vários cantos do planeta, remete também aos smartphone, smartwatchs, smart tv, smart cities, smart home, smart cars... Refere-se, ainda, a outros acessórios que são considerados smart mesmo sem ter a palavra em seu nome, como geladeiras, fones de ouvidos, lâmpadas, controles remotos e uma série de interruptores e sensores acionados por comandos de voz ou sons emitidos por palmas e o estalar de dedos.

 

O funcionamento smart é passível de aprimoramento e combina uma conexão de alta velocidade, aprimorada com o 5G, Internet das Coisas (IoT) e um tanto de Inteligência Artificial (IA). Sua presença traz dinamicidade, velocidade, aceleração à sobrevivência voltada para produzir, consumir e comunicar, ininterruptamente, uma infinidade de dados a cada instante.

 

Não se trata mais da câmera de vigilância para filmar um ocorrido que será apurado posteriormente quando a fita for rebobinada. Mas do controle contínuo, processamentos de dados instantâneos e monitoramento incessante: uma infindável produção de dados e o seu processamento introjetado em cada um.

 

O fluxo segue sem questionamentos ou apenas uma ou outra solicitação de transparência nesses processamentos.

 

Unabomber, libertário nos EUA conhecido pelos seus ataques à sociedade industrial e ao seu desenvolvimento, em A sociedade industrial e seu futuro destacou que novas relações de força também caracterizam essa sociedade: "com o tempo, é possível que se chegue a um estágio em que as decisões necessárias para manter o sistema funcionando sejam tão complexas que os seres humanos serão incapazes de tomá-las inteligentemente. Quando se chegar a esse estágio, as máquinas estarão, efetivamente, no controle. As pessoas não poderão simplesmente desligar as máquinas porque elas estarão tão dependentes delas que desligá-las equivaleria a cometer suicídio".

 

Uma nova configuração de forças é estabelecida por uma subjetividade do sucesso por meio da incessante produção com mais máquinas, cujo sucesso depende da produção de mais máquinas: "para a maioria das pessoas, é por meio do processo do poder que se adquire autoestima, autoconfiança e um senso de poder ter uma meta, fazer um esforço autônomo e atingir essa meta. Quando não se tem uma oportunidade adequada de viver o processo de poder, as consequências são (dependendo do indivíduo e da maneira pela qual o processo de poder é perturbado) tédio, desmoralização, baixa autoestima, sentimentos de inferioridade, derrotismo, depressão, ansiedade, sentimentos de culpa, frustração, hostilidade, abuso de cônjuge ou crianças, hedonismo insaciável, [...] desordens do sono, desordens alimentares etc." Para Unabomber não havia negociações. E, sim, a luta pela destruição do sistema tecnológico industrial. Seu combate inaugural à subjetividade tecnológica neoliberal contemporânea permanece vivo e em chamas.

 

Suas reflexões e afirmações repercutem no presente dos combates anarquistas. Frente ao sistema tecnológico industrial e à chamada pandemia, libertárixs na Espanha, quando divulgaram o "IV Encuentro Anarquista contra el Sistema Tecnoindustrial", organizado por Contra toda nocividad em maio de 2021, não titubearam: "o sistema tecnocientífico e, portanto, as nossas vidas dominadas por ele, está sofrendo uma nova transformação. Esta metamorfose dá forma ao projeto da 4ª Revolução Industrial, um projeto tecnototalitário que supõe a colonização do vivente pela máquina. Dando lugar a uma aceleração social e tecnológica em todas as dimensões da vida. (...) que supõem a digitalização e informatização de todos os aspectos da vida (...) conectados ao mundo digital e fazendo parte dele, assim seremos traçados, vigiados e otimizados, para que nossa vida seja o mais eficiente possível. (...) durante a pandemia a aceleração tecnológica e social supôs um avanço da sociedade cibernética onde nossas atividades e experiências foram virtualizadas e substituídas por telas, desde o teletrabalho, da teleaula e a telemedicina até nossa forma de nos relacionarmos agora moldadas pelas redes sociais como Tinder, Instagram, Facebook etc. todas elas mudaram nossa forma de vermos a nós mesmos, de ver aos demais e de ver o mundo, que agora olhamos através dos filtros do Instagram.

 

O mundo tal como o conhecíamos antes da pandemia não vai retornar nunca, a ansiada 'normalidade' por grande parte da população se converteu em um novo mundo tecnototalitário. De qualquer forma, nós não queremos voltar a isso que chamam 'normalidade', a este mundo de confinamento industrial em nossos andares de concreto e tijolos pré-moldados, bem como ao nosso ócio, a este mundo de estresse, da ansiedade, do imediatismo e superficialidade, da velocidade, de uma vida rendida ao trabalho assalariado e submetida aos aparatos tecnológicos. Para nós o confinamento não foi somente nesses meses declarados, é a forma de vida industrial que nos encerra e confina durante toda nossa vida, é a liberdade liberal que sufoca nossos desejos e sonhos. Não queremos sua 'normalidade' por não ser outra coisa que uma vida entre prateleiras de consumo e cadeias de trabalho, enquanto as luzes deslumbrantes dos aparatos tecnológicos nos despossuem de nossa autonomia e liberdade. (...) Rechaçamos este mundo porque amamos a liberdade. Pela anarquia".

 

As ações diretas contemporâneas pelo planeta afirmam a prática libertária. São ataques contra estratégias de monitoramento e não pretendem ser a unidade ou uniformes.

 

Cada uma das ações está atenta a uma relação de forças que responde e procura interceptar os monitoramentos e a como é possível acompanhar desdobramentos aos manifestos lançados publicamente em sites anarquistas, logo após os ataques.

 

12 de junho, França: madrugada de ações diretas contra a CIGEO (Centro Industrial para Descarte Geológico).

 

No início de junho, em Bar-le-Duc, começou o julgamento de 7 pessoas que se opõem ao projeto nuclear em Bure. "Vendida como energia limpa, a energia nuclear é o oposto. Da extração do urânio ao enterro dos resíduos, tudo é um desastre social e ecológico. Como o que a sociedade do 'tudo digital' nos promete."

 

Xs anarquistas que reivindicaram a ação, assinando como B.O.R.I.S., atacaram em três localidades diferentes. Em Nancy, a construção de uma propriedade da SAFER (Société d'aménagement foncier et d'établissement rural) e escritórios de advocacia Groupama Insurance, que atua na acusação das 7 pessoas em julgamento em Bar-le-Duc. Ao menos 10 janelas foram quebradas e o recado ficou na fachada: "foda-se a energia nuclear". Em Bar-le-Duc, as janelas da SAFER foram destruídas. Entre as vilas de Ligny-en-Barrois e Tréveray, danificaram vários trechos da estrada que o governo pretende reativar para conectar a Cigeo à linha férrea nacional.

 

Madrugada de 17 de junho, Toulouse, França: nós queremos pôr um fim na civilização.

 

Três veículos foram incinerados: um carro elétrico da Tesla, uma van da Socorep e outra da Scopelec. A Tesla, para produzir sua energia dita "limpa", extrai uranio do "Oeste", mantendo várias pessoas em condições de exploração e destruindo o meio ambiente. A Socorep está vinculada às grandes construções que ampliam a cidade e o número de casas desocupadas, enquanto há milhares de pessoas nas ruas, despejadas e extraditadas para "seus países de origem". A Scopelec é uma companhia de telecomunicação que trabalha, especialmente, com 5G. Ou seja, participa diretamente no aumento da "vigilância da população" e do "vício à tecnologia".

 

"Deixe que essas chamas espalhem e com elas, nossa anarquia! Em apoio a B." Assim finalizam o texto em que reivindicam as ações diretas, incognitamente, sem assinar com nenhum nome.

 

Madrugada de 13 de julho de 2021, Ardèche, França: "Não esqueça de apagar as luzes quando for embora".

 

Anarquistas atacaram uma importante estação elétrica na região de Lachapelle-sous-Aubenas. Espalharam focos de fogo dentro da propriedade, em geradores, baterias de reserva, medidores elétricos e cabos. Quando nove fogueiras iluminavam a noite, elxs escaparam. Foi uma ação direta contra o que o "sistema elétrico" dá forma e uma liberação da sujeição provocada pelo "mundo tecno-industrial". Xs libertárixs esperavam que a cidade e as vilas ao redor ficassem no escuro, mas isso não ocorreu. Contudo, "isso não nos desencorajou de querer continuar atacando a sociedade elétrica".

 

O ataque insurrecionário foi acompanhado de uma contundente análise, que circulou somente em setembro, em alguns sites anarquistas, traduzida para o inglês com o título "Don't forget to turn off the light on your way out". Saudando Boris, afirmaram: "O mundo moderno tem nos mantido reféns o tempo todo, desde a infância, bradando os méritos da segurança e nos fazendo esquecer a copiosa dose de servidão que devemos aceitar em troca do progresso através de uma série de promessas cada vez menos cumpridas. À medida que os horizontes que se apresentam na vanguarda dos avanços da civilização continuam a escurecer — a devastação da selva, a domesticação crescente dos vivos, a artificialização dos seres — o mundo atual continua sua corrida frenética, tornando-se cada vez mais dependente das infraestruturas de energia e dos produtos que consomem e produzem: petróleo, urânio, eletricidade. (...) Se sair da rede digital parece um desafio cada vez mais complexo de se realizar, tentar escapar de um mundo em que todas as relações estão sujeitas à eletricidade é ainda mais. (...) Atualmente, estamos privados de explorar outras possibilidades de existência pela construção de infraestruturas que cada vez mais nos acorrentam a um projeto de sociedade assassino. Quando tudo e todos são capturados e mantidos pela mesma realidade dominante, não é mais possível opor-se a ela sem se opor diretamente a todo o sistema e suas infraestruturas. Embora pareça importante desconectar individualmente, a própria natureza da rede interconectada torna a desconexão individual um ato incompleto e insuficiente. Atacar a infraestrutura é uma garantia muito maior de que o mundo elétrico deixará de nos capturar e de impor seu reinado de velocidade. Desconectar este mundo elétrico é revelar a extensão do que ele afeta e governa.

 

(...) Desligar este mundo elétrico é uma tentativa de criar uma reação em cadeia, afetando todas as infraestruturas e coisas que funcionam graças à eletricidade (comunicação digital, infraestrutura bancária, estatal, industrial e redes de negócios, militares e policiais etc.). Desconectar este mundo elétrico significa atacar o mito da energia limpa que está por trás da energia nuclear. Desconectar este mundo elétrico é dar um passo em direção ao desconhecido. (...) Mais do que nunca, nestes tempos nauseantes, preferimos o risco de a situação sair dos trilhos à falsa paz do conforto mortal. Melhor a escuridão de uma noite sem luzes de néon do que a claridade de um caminho para o abismo."

 

Noite de 22 de agosto, Montreuil, França: "uma mensagem de solidariedade a Boris"

 

Anarquistas atacaram dois furgões, da JC Decaux e da Enedis. Um declarado ataque, publicado em espanhol como "Señales de humo en solidaridad con Boris", contra "os valores capitalistas e autoritários desta sociedade. Estes valores incluem a propriedade, o consumo, o trabalho, o 'êxito' e a conformidade. Ideias que colonizaram o imaginário da maior parte do mundo, incluindo as classes sociais mais pobres e marginais. Este conformismo de pensamento nos impede de imaginar outra coisa, outra vida. Como falar de revolução com pessoas que somente sonham com a riqueza, a família e os fúteis aparelhos que preenchem suas vidas? (...) Ânimo Boris! Cabeças erguidas, corações em chamas! Viva a anarquia!"

 

A frase final, que fecha a última carta pública de Boris, ecoa entre outrxs anarquistas que se lançam na mesma luta.

 

28 de agosto, Roma, Itália: durante a semana internacional de solidariedade axs presxs anarquistas.

 

Libertárixs atearam fogo em um carro, propriedade da Sirti, empresa de telecomunicação, energia e "soluções digitais". A ação direta também saudou a Boris, "vida longa à anarquia".

 

Madrugada de 11 de setembro, Paris, França: que as noites de outono vivam com mil fogos!

 

Um veículo da Enedis foi reduzido às cinzas. "Um ex-ditador disse certa vez, que o comunismo = soviéticos + eletricidade. Esta imagem mostra o quão compatível era sua visão de mundo com a sociedade de hoje. O passar do tempo nos mostrou como eram falsas as promessas do progresso técnico. Mas o 'empoderamento' dos trabalhadores, que já não precisam de capatazes porque os têm na cabeça, ou o envolvimento dos cidadãos na gestão do 'bem comum', são cada vez mais utilizados como instrumentos de pacificação social. Em vez disso, preferimos a equação 'anarquia = fogo + indivíduos livres e temporariamente associados'. (…) Um pensamento para Boris, uma piscadela de solidariedade a todxs aquelxs que atuam contra este mundo."

 

Julho, agosto e outubro

 

No início de outubro, ataque ao escritório da Google, em Berlim. Em agosto, fogo em antenas na França. Em julho, ataque à propriedade da companhia elétrica Enedis, na França. De 14 a 20 de junho, em Barcelona e Madri, "semana de agitação contra a devastação e o aumento da luz"; o alvo preciso das ações diretas foram as empresas de energia elétrica.

 

Noite de 19 de junho, Genova, Itália

 

Anarquistas destruíram 5 cabines de servidores de dados e um repetidor 5G no parque tecnológico Erzelli. Também incendiaram a torre de alta-tensão Terna. A ação direta não aconteceu apenas com o fogo. Xs libertárixs publicaram "Incendio Polo tecnologico Erzelli di Genova", texto analítico contundente em site de notícias anarquistas alimentado desde a Itália, no qual situam a luta no contexto local: "Esta é uma época em que se impõe implacavelmente o triunfo da ciência, da tecnologia e da técnica. (...) Desde meados do século passado, o poder da ciência cresce cada vez mais até invadir todos os aspectos de nossa vida — e através das tecnologias bio-nano, a própria vida. O monopólio da verdade parece ter convertido a ciência em todo-poderosa, igual ao histórico monopólio da violência do Estado. (...) Agora são a ciência e a tecnologia as que determinam e influem na política estatal e nas estratégias econômicas, sociais e repressivas: portanto, não são neutras. (...) Os algoritmos decidem o ritmo de produção, os grandes serviços de recolhimento de dados, de geolocalização, de aplicativos... nos reduzem a sujeitos/objetos de consumo. Se a restrição da liberdade levada a cabo no passado pelo Estado e o capital provocou uma feroz resistência dos explorados, isto não ocorre com a ciência. (...) No Ocidente, seus produtos aumentaram o conforto e o bem-estar da maioria da população. Frente a este bem-estar, a falta de liberdade, a exploração dos recursos, a escravização de populações inteiras, a impossibilidade de habitar zonas inteiras do planeta, as migrações devidas às guerras e às mudanças climáticas, não os interessam. (...) Não nos deixemos distrair pelo falso debate sobre o uso de utensílios na vida cotidiana nem pelas divisões retóricas entre tecnologias 'boas' ou 'más'. (...) A tendência à digitalização, a tecnificação e a eficiência continuarão inclusive quando terminar a pandemia. O Estado, a ciência e a tecnologia tiraram o máximo proveito deste último acontecimento. (...) Se não queremos nos encontrar em um futuro não muito distante vivendo em um mundo em que estejamos esmagados em uma 'liberdade' correlativa à utilidade produtiva, devemos lutar sem contemplações também contra essa nova transformação da sociedade."

 

Abril e março

 

Em abril, fogo em duas antenas em Roma; ataque, em Madri, às vidraças da Iberdrola, empresa de produção e distribuição de gás natural e energia elétrica. Em março, sabotagem de repetidores de sinais 5G em Barcelona. Em Isère, na França, ação direta em dose dupla: na cidade de Brézins e, 48 horas depois, em Grenoble, anarquistas incendiaram propriedades da empresa de energia e telecomunicação Constructel. Queimaram meia dúzia de veículos, um repetidor de sinais telefônicos, algumas bobinas de cabos para antenas e fibra óptica "que entre outras coisas ardem muito bem". Em fevereiro, mais de seis antenas da Orange incendiadas em Drôme e Crest, na França. Em Gênova, anarquistas incendiaram três repetidores de sinais eletrônicos em Val Bisagno, propriedades da rede radiotelevisiva RAI e da DEDALUS, grupo internacional de TIC aplicadas.

 

Começo de fevereiro, Roma, Itália

 

Sabotagem nos cabos elétricos de fibra óptica ao largo da ferrovia da TAV. "Para nos darmos um momento de desconexão. Contra o isolamento como experimento de controle das massas e acelerador da virtualização e medicalização de nossas vidas.

 

1011010010101010001
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1010101111010101101
001010011 … bzzzz …
SILÊNCIO".

 

Início de janeiro de 2021, ataque à sede da companhia de energia elétrica Endesa, Barcelona. Primeiros dias do ano, Madri, Espanha, Algunas anarquistas:

 

Saíram à noite para visitar empresas de energia elétrica. Vitrines quebradas, pichações com afirmações libertárias, fogo em carros smart.

 

"Não ficamos em casa. (...) não nos resignamos a contemplar passivamente a gestão da catástrofe por parte do Estado. Não aceitamos complacentes o modo como se reforça uma realidade cheia de militares, policiais, câmeras de vigilância, drones, aplicativos de rastreamento... enquanto a pobreza e a exploração aumentam. (...) não aceitamos a pacificação democrática e seguimos nos posicionando contra o Poder. (…) Que estas empresas destruidoras da terra, com suas fórmulas extrativistas e perpetuadoras do colonialismo espanhol, sintam a guerra. (...) Naturgy e Iberdrola, corresponsáveis junto com o governo espanhol (sim, esse governo progressista e de esquerda) por cortar a luz dos e das habitantes de Cañada Real, como de outras milhares de pessoas ao redor da península. (...) um pouco de vandalismo para demonstrar a eles que não nos resignamos. Ainda sabendo que danificar uma vidraça não é nada comparado com os milionários benefícios que estes vampiros obtêm aos custos da miséria dos outros. Esta é só uma fórmula, há muitas outras. Greve de pagamentos, boicotes, fazer um gato... são outras iniciativas igualmente interessantes. Estas e outras formas, como a okupação, por exemplo, de pôr em xeque a propriedade privada são um impulso necessário para questionar a sociedade em que vivemos. (...) Por mais pandemias e tempestades que sobrevenham a nós, não esqueceremos que o capitalismo, e seu maior defensor, o Estado, têm responsabilidade direta na exploração e destruição da vida de muitas e variadas maneiras. (...) O capitalismo, por mais que pretendam dar-lhe um rosto humano, digital, democrático, liberal, moderno, científico, smart, inclusivo... é isto, e se constrói sobre fome, pobreza, repressão, dogmatismo e pilhas de cadáveres ao largo de todo o planeta e da história".

 

2020

 

No ano de 2020, foram levadas adiante dezenas de ações diretas antimonitoramento. Em fevereiro, fogo em carros elétricos da empresa Car2Go, em Madri, e em 12 veículos da Tesla, em Hamburgo. Em março, ataques às torres de transmissão da Lifecell/ Turkcell, em Kiev, e às oficinas da SNEF (empresa responsável por inúmeras câmeras de segurança instaladas em ruas francesas), em Marseille. Na Saxônia, ataque à companhia elétrica Elektro Lehmann. Fogo nos quadros de controles técnicos da Orange em Vauclin e Sainte-Anne. Foram destruídos smart cars da IMMO-BREMEN, em Bremen; explosão em antena de telecomunicação em Arauco, Chile; antena da SFR sabotada em Chatte, França.

 

Em abril, antenas 5G incendiadas em Birmingham, Merseyside, Liverpool e Manchester, no Reino Unido. Também em La Spezia, Itália. Caixas de transmissão, cabos e antenas sabotados em Belfast, Irlanda do Norte. Torres de transmissão da Bouygues em chamas, em Mandres-en-Barrois, na França. Ataque a antenas da Orange e da STR em Jura, mais de uma vez neste mês, na França. Cabos de fibra ótica sabotados em Gard e Lozère, também na França. Assim como foram sabotados em Munique, Alemanha. Antena da Telenet incendiada em Pelt, Bélgica. Carro de instalação de fibra ótica queimado em Belfort. Mais antenas da Orange queimadas em Côtes-d'Armor e em Lozère. Cabos de telefonia móvel reduzidos às cinzas em Roma. Como a antena da Free, em Annecy, França, e as antenas da WindTre e Iliad em Maddaloni, Itália.

 

Primeiro de maio e fogo em antenas em Isère, na França; Chomedey, Canadá; Filadélfia, Estados Unidos. Mais torres incendiadas em Ardèche e Toulouse, França, e Prevost e Piedmont, Canadá. Fogo em estação elétrica em Hague, Holanda, e em antena em Brest, França. Fogo em estação de transmissão em Haute-Savoie, em três antenas em Grenoble, em caminhonete da Enedis (sucursal da Electricicité de France), em Paris, na França. Cabos da Orange cortados em Paris. Em Toulouse, mais carros destruídos da Enedis e da SCS (empresa fornecedora de câmeras de segurança).

 

Em junho, fogo em antena 4G em Malmo, Suécia; em motos smart, em Munique, Alemanha; em carros smart, em Nantes, França. Fogo em antena 5G em Cremona, Itália, e Neuperlach, Alemanha. Em seis carros da empresa de mídia digital JCDecaux, em Saint-Herblain, França.

 

Em agosto, cabos de fibra ótica ao longo da TAV foram incendiados em Roma. Antena de telefonia móvel, incendiada em Barcelona. Em setembro, repetidor da Fenouillet e antena da Free queimados em Toulouse. Em outubro, ataque à antena de telecomunicação no Uruguai e em propriedade da Endesa, em Barcelona, ambos saudavam os Mapuche. Também fogo em propriedades da Orange, em Rancon, França:

 

"Vosso 'mundo de depois'
é mais ou menos como o mundo antes
mas piorado.
Uma merda
ondas, antenas e satélites
colonização de cada cm²
vírus tecnológicos
contaminação do céu
industrialização do mundo
aqui está a verdadeira pandemia que nos adoece
queremos xs campesinxs
não o 5G
permissão de residência
não o 5G
kanaky livre e o famoso ponto G
morte ao 5G
viva a primavera".

 

Em novembro, o fogo se espalhou por repetidores de telefonia móvel e internet em Verona e em cabine de fibra ótica em Trento, Itália.

 

De abril a dezembro de 2020 foram ao menos 29 ações diretas contra câmeras de segurança instaladas nas ruas da França, dos Estados Unidos, da Indonésia, da Bielorrússia, da Alemanha e do México. Em cidades francesas e na estadunidense Portland espalhou-se esta prática como ação libertária cotidiana. Nos demais lugares, as destruições ocorreram durante manifestações. De janeiro a maio de 2021, foram ao menos 33 ações na França, Holanda, Colômbia, Chile e Jerusalém. Mais da metade, em território francês.

 

Estas foram algumas ações diretas, publicizadas em sites, revistas e zines anarquistas. O número deve ser ainda maior e as localidades, ainda mais diversas.

 

encontros anarquistas radicais contra tecnologias e as reviravoltas nestes dois últimos anos

 

Em 2021, em Madri, de 28 a 30 de maio aconteceu o IV Encuentro Anarquista contra el Sistema Tecnoindustrial y su Mundo, no Espacio Sociocultural Liberado Autogestionado — E.S.L.A. EKO. Houve lançamento de livros e charlas-debates: "La reproducción artificial: el camino del transhumanismo", "La pandemia digital: la libertad en coma", "5G: la red cibernética", "No dejes rastro (cómo no dejar rastros genéticos y/o biométricos)", "el modelo energético como de modelo dominación: la transición verde"; "pandemia y tecnomundo: medicalización, digitalización y control social". Xs anarquistas que participaram do evento compõem os coletivos Las cuervas, Negre i Verd, Resistenze nanomondo. Promovido por Contra Toda Nocividad.

 

Em Alessandria, Itália, de 23 a 25 de julho ocorreu o evento Tre giorni contro la tecnoscienza com falas de integrantes da Resistenze al nanomondo, Contributo di Sarajevo (de Atenas) e Contra toda nocividad (Madri), da pesquisadora Daniella Danna, de Silvia Guerini (resistenze al nanomondo), de Maurizio Matucci (Aliança italiana pare o 5G). No país, seguem as manifestações contra o green pass e o monitoramento dos passos de cada um. Em texto publicado por libertárixs e distribuído pelas ruas para a divulgação do encontro afirmam: não há espaço para negociações ou acordo, mas o fogo da revolta. "Não sabemos como essa luta vai terminar, mas sabemos que, para milhões de explorados, o que vem acontecendo há dois anos representa uma espécie de perda da inocência. Muitos viram a verdadeira face do Estado (...) com a perda de confiança nas instituições, na política, na polícia e nos sindicatos. Que essa lacuna se torne intransponível, que eles comecem a se sentir sitiados de agora em diante. Deixe a desconfiança se tornar confronto. No início da emergência disseram-nos 'nada será como antes'. É a única coisa sobre a qual eles não mentiram: para vocês, chefes e governantes, nada será como antes. Não estamos reivindicando direitos. Estamos queimando com a anarquia".

 

Em Madri, de 02 a 10 de outubro, ocorreu o evento Contribuciones y saberes prácticos para la lucha en las calles — iv, realizado em espaços autogestionários como o Ateneo Libertario de Carabanchel, a Biblioteca Anarquista Okupada "Carnaval y Barbarie" e o C.S.O.A. La Enredadera. Foram quatro encontros para conversar sobre: "ADN, bases de datos genéticos y rastros", "seguridad digital (I): Sistema operativo, mensajería y archivos seguros", "primeros auxilios en manifestaciones" e "autodefensa legal para una mayor autonomía".

 

Também neste ano ganhou vida o coletivo e seu site Dark Nights, "projeto anárquico, anti-informática, de crítica incendiária e ação direta. Contra o Estado, o capitalismo e o sistema tecno-industrial que espreita sua cabeça com mais força do que antes." Voltado à publicação de informes de ações diretas, busca "difundir a 'propaganda pela ação'". "Temos diante de nós um momento crítico, com o surgimento de uma inteligência mais inteligente que a humana que vai governar a sociedade e o Estado. Da inteligência artificial ao reconhecimento facial, da impressão 3D à sociedade sem dinheiro, da biotecnologia à nanotecnologia, dos drones aos veículos automatizados, da quarta à quinta revolução industrial, da reprodução artificial ao transhumanismo, do 5G à Internet das Coisas, dos smartphones às smart cities, da realidade aumentada à realidade artificial, até à singularidade tecnológica em que nós, como humanos, somos até ameaçados, juntamente com o planeta agonizante."

 

Em novembro de 2020, a polícia antiterrorista do Reino Unido, como parte da "Operação Adream", realizou investidas contra o site anarquista 325.nostate.net. Invadiram e empreenderam buscas em casa no sudoeste da Inglaterra e uma pessoa foi detida, enquadrada na Lei de Terrorismo. As acusações que lhe imputaram eram: a administração do site 325.nostate.net e o financiamento de terroristas por meio desse site, a difusão e coleta de material de utilidade para grupos terroristas.

 

Toby Shone, foi o acusado da vez, esteve em liberdade, sob fiança, de novembro de 2020 até fevereiro de 2021, quando foi novamente detido e encarcerado em HMP Wandsworth em Londres. Permanece preso.

 

No dia 6 de outubro, deram início ao julgamento de Shone no Tribunal da Coroa de Bristol. As primeiras acusações, pelas quais já estava detido, foram retiradas por "falta de provas". Então, ele passou a ser acusado de: "posse de drogas de classe A e B com intenção de repassá-las, produção de drogas de classe B e posse de drogas classe AA". Pode ser condenado de 3 a 6 anos de prisão.

 

Em abril de 2021, uma operação intitulada "antiterrorista" da polícia holandesa destruiu vários sites anarquistas hospedados no nostate.net. Act For Freedom Now!, 325, Cruz Negra Anarquista de Berlim, Montreal Counter-info, Northshore Couter-info, foram algumas das páginas de notícias libertárias censuradas e derrubadas pelas autoridades. Algumas dessas páginas voltaram rapidamente à ação, em outros domínios ácratas como o noblogs.org.

 

Policiais de diferentes países fizeram aliança em perseguição internacional contra os sites libertários, no intuito de impedir a propagação de suas ações diretas sob a acusação de "terroristas". O Estado inglês recebeu da polícia holandesa informações dxs libertárixs que tocavam um dos sites derrubados, alimentado na região.

 

A continuidade da existência de sites que foram derrubados e a invenção de novos são uma ação direta salutar e incessante.

 

Assim como a expansão e continuidade das ações diretas incendiárias antimonitoramento e a difusão de análises e reflexões muito atentas ao presente e às forças em luta agora. Xs anarquistas seguem vivxs e não temem os embates que se atualizam constantemente.

 

Xs anarquistxs não são uma unidade. As ações diretas antimonitoramento são múltiplas e não seguem uma cartilha. Alguns libertárixs podem não concordar com as táticas usadas por algumas associações e outrxs podem se aproximar. Entretanto, o que está em jogo é a incessante sede de dar fim à autoridade centralizada, ao Estado, à polícia e ao monitoramento de qualquer vida no planeta e fora dele.

 

Na anarquia, não há sossego, crença ou contentamento com a utopia da tecnologia para garantir o futuro e salvar as próximas gerações. Não há negociação, acomodação ou conforto com curtidas, likes, compartilhamentos, comentários, interfaces e protocolos. A existência libertária não é estável e nem está disponível a ser monitorada. Ela se faz na luta e atiça xs interessadxs em dar fim à vida monitorada e governada.

 

***

 

Cada libertárix e cada umas das associações anarquistas que praticaram e escreveram sobre essas ações diretas, a sua maneira e em suas diferenças, explicitam quais são as questões, reflexões e atitudes urgentes. Como redigiram xs integrantes de Dark Nights ao lançarem recentemente, seu site e projeto: "quando for amplamente aceito que a tecnologia entrou em cada célula e átomo, será tarde demais para resistir. A menos que ajamos agora, mapeemos as velhas e novas elites, à medida que a mudança começa mesmo fora do mundo. A Bandeira Negra da Anarquia deve retornar e assustar as elites novamente".

 

Como destacou Unabomber, "a única saída é livrar-nos do sistema tecnológico industrial como um todo". Não se trata de uma reforma, uma negociação, uma nova atualização ou correção de bugs, mas de dar um fim ao aparato tecnológico.

 

Xs anarquistas nunca temeram enfrentar os problemas que se anunciam no olho do furacão. Vivem e anarquizam no presente. Se hoje o uso das tecnologias e aparatos tecnológicos se coloca, a cada instante, de maneira mais acentuada e impreterivelmente atravessada pelo monitoramento e controle, esta é uma batalha que urge agora. Frente às comunicações, atualizações e notificações que se pretendem ininterruptas. Nossa existência em ações diretas que estanquem, mesmo que por um instante, esse fluxo insuportável. Mesmo que por breves minutos de silêncio, no tempo presente do aqui e agora, sem luzes artificiais.

 

R A D. A. R

 

Unabomber. A sociedade industrial e seu futuro.

 

 

"Sabotage of an electrical station, 'The fairies will never be electric'" — "Don't forget to turn off the light on your way out"

 

 

"Rage Against Video Surveillance (2020-2021)" Zanzara athée, July 2021

 

 

"Toulouse : Burning of a Tesla electric car, a Socorep vehicle and a Scopelec vehicle"

 

 

"Incendio Polo tecnologico Erzelli di Genova"

 

 

"Comunicado del colectivo 325 sobre el ataque represivo a la contrainformación internacional"

 

 

"Let's stop the 5G network and the digitalisation of our lives"

 

 

"Ataques coordinados contra antenas de telecomunicaciones"

 

 

"Señales de humo en solidaridad con Boris"

 

 

"Adjudicación de ataque incendiario contra prosegur"

 

 

"Arson of an enedis vehicle"

 

 

"Adjudicación de atentado incendiario contra repetidores"

 

 

"Nueva normalidad: el tecnomundo jornadas de reflexión y crítica contra la sociedad tecnocientífica"

 

 

"Tre giorni contro la tecnoscienza"

 

 

"Guerra a las eléctricas: atacadas sedes de varias compañías eléctricas y fuego a dos vehículos de Iberdrola"

 

 

"Sabotaje de un repetidor"

 

 

Observatório ecopolítica n. 73: manifestações pelo planeta [parte 1]

 

 

flecheira libertária 647

 

 

flecheira libertária 644

 

 

flecheira libertária 616

 

 

flecheira libertária 609

 

 

flecheira libertária 582

 

 

flecheira libertária 579

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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