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observatório ecopolítica

Ano V, n. 81, novembro de 2020.

 

fauna e flora

 

FAUNA

fauna brasilis

 

O lobo-guará foi o animal escolhido em julho deste ano, para estampar a nova nota de 200 reais. A inclusão de animais da fauna brasileira, alguns deles ameaçados de extinção, na época da criação do plano real em 1994, foi justificada como forma de promover a preservação do meio ambiente. Foi um dos efeitos da Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Os valores das notas em papel da nova moeda nacional passaram a conter animais nativos: beija-flor, na extinta nota de um real, onça, arara vermelha, garça, mico-leão, onça pintada, garoupa e tartaruga-de-pente, e, agora, o lobo-guará.

 

O lobo-guará é considerado um animal “quase ameaçado de extinção” devido à crescente perda de seu principal habitat, o cerrado, largamente ocupado por agropecuaristas. Recentemente, os incêndios no Pantanal — também habitado por lobos-guarás e nas proximidades com o cerrado — afetaram esta e outras espécies de animais silvestres. Fotos de animais feridos ou mortos pelo fogo se espalharam pela mídia incluindo a marcante imagem de uma onça-pintada com as patas queimadas e com dor transbordante.

 

A atenção aos animais silvestres brasileiros pelo Estado não é nova. Em 3 de janeiro 1967, durante a ditadura civil-militar, foi promulgada a Lei Federal 5.197, que declarou ser de propriedade do Estado toda fauna silvestre fora do cativeiro, inclusive as espécies que viveriam em áreas privadas. No ano seguinte, foi publicada a primeira lista de animais nativos ameaçados de extinção pela Portaria IBDF nº 303, atualizada em 1989, 2003 e complementada em 2004. A caça profissional foi proibida, e as demais modalidades (a esportiva, científica e de controle), passaram a necessitar de alguma licença do Estado.

 

Décadas antes, durante o governo Vargas, o Decreto Federal 24.645 de 10 de julho de 1934, que estabelecia medidas de proteção aos animais, e penalidades contra uma ampla gama de maus tratos, afirmara em seu primeiro artigo: “todos os animais existentes no país são tutelados do Estado”, tutelados e não propriedades.

 

A lei apelava às sociedades protetoras de animais, que seriam as ONGs da época, à cooperação para o cumprimento da lei. A definição de animal compreenderia “todo ser irracional, quadrúpede ou bípede, doméstico ou selvagem”. Antes disso, era outro o estatuto do animal solto. Pelo Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, de 1916, no Capítulo intitulado “A propriedade”, o Artigo 593 definia: “São coisas sem dono e sujeitas à apropriação: I - os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade.” A grande questão nessas primeiras décadas do século passado era quem poderia ser o proprietário das coisas soltas e como delas se apropriaria.

 

A Constituição Federal de 1988 traz o Artigo 225, sobre a preservação e defesa do meio ambiente, em nome da qualidade de vida e para as gerações futuras. Sobre a fauna brasileira, o inciso VII, do primeiro parágrafo, assinalou que incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

 

Em 2017, foi incluído o parágrafo 7 pela Emenda constitucional, n. 96: “§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.”

 

o negócio do bem-estar animal

 

O termo “bem estar” (welfare) em relação aos animais, começa a ganhar destaque em meados dos anos 1960, a partir do relatório Brambell (1965), encomendado pelo governo britânico depois da publicação do livro Animal Machines no ano anterior, que levantava questões sobre o tratamento de animais de criação. O relatório resultou no estabelecimento de uma série de códigos e recomendações para o bem estar de animais criados para produção no Reino Unido em 1971, mas utilizados até hoje, também em outros países.

 

Uma das principais organizações responsáveis pela discussão e difusão de diretrizes para o cuidado com os animais de criação é a Organização Internacional de Saúde Animal (OIE). A OIE surge no ano de 1924, sob o nome de Office International des Épizooties, localizada na França, cujo objetivo era estabelecer parâmetros internacionais sanitários de cuidado com os animais comercializados, a fim de evitar a difusão de doenças, como a chamada peste bovina, que acometeu a população, ocasionada pelo transporte de zebus da Índia para o Brasil em 1920.

 

Em 1952, a OIE assinou um acordo oficial com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Em 1960, o acordo assinado foi com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 1998, foi a vez da Organização Mundial do Comércio (OMC) e, em 2001, com o Banco Mundial. A OIE é reconhecida, atualmente, pela OMC como referência para assuntos relativos ao cuidado de animais de criação. Em 2003, a OIE adotou o nome Organização Internacional de Saúde Animal, mas manteve o acrônimo original.

 

A partir de 1990, a OIE iniciou uma série de planos estratégicos, publicados a cada 5 anos, e válidos para estes períodos. No 4° Plano Estratégico, referente aos anos de 2006-2010, foi introduzido o termo bem estar (welfare), mas o tema só foi mais detalhado no plano estratégico seguinte (2011-2015), com a introdução do conceito “One Health”.

 

De acordo com o Plano Estratégico, o conceito veio em resposta às epidemias dos vírus H5N1, em 2003, e H1N1, em 2008, relacionados à criação de aves e de suínos, respectivamente. Assim como o termo bem estar (welfare) introduz a relação do animal com o meio, o conceito One health passa a assimilar a relação entre o animal, o homem e o ecossistema em que vivem. Em outras palavras: “a saúde humana e a saúde animal são interdependentes e ligadas à saúde do ecossistema em que existem”.

 

No Brasil, além da legislação nacional já citada, as diretrizes da OIE estão diretamente relacionadas às “Boas práticas e bem estar animal” adotadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

 

Recentemente, além do sentido de bem estar (welfare) a partir da relação dos animais no meio em que vivem, o termo também tem sido utilizado a partir do reconhecimento dos animais como seres sencientes(em inglês o termo para essa designação de bem estar é well-being).

 

liberação animal X direitos e caridade

 

O reconhecimento dos animais como seres sencientes é um dos efeitos das lutas pela liberação e pelo direito dos animais.

 

Durante o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, uma série de ações realizadas por organizações ou por grupos independentes, colocaram a questão do tratamento dos animais (de criação, para como cobaias ou para testes em pesquisas científicas e das indústrias farmacêutica-cosmética, para concursos de exibição, entretenimento, etc.) e passaram a exercer uma forte pressão sobre as empresas e indústrias que faziam alguma utilização de animais.

 

Em 1970, surgiu na Inglaterra, o grupo Animal Liberation Front (ALF). O ALF não se constitui como uma organização, e não possui afiliados, mas se baseia em alguns princípios. Dessa forma, apesar de ter surgido na Inglaterra, ações sob a rubrica do ALF rapidamente se espalharam pelo planeta. Essas ações são definidas como “Ações diretas, não violentas, contra a crueldade sobre os animais”.

 

Os seus princípios são: 1. liberar animais de lugares de abuso e realocá-los em bons “lares” em que possam viver suas vidas naturais, sem sofrimento; 2. causar dano àqueles que lucram com a miséria e exploração dos animais; 3. revelar o horror cometido contra os animais sob portas fechadas, por meio de ações não-violentas e da libertação dos animais; 4. tomar as precauções necessárias para não ferir animais humanos e não humanos.

 

Em 1991, o FBI incluiu o ALF na lista de organizações terroristas. Em 2004, publicou em seu website o artigo “Extremistas de direitos dos animais e ecoterrorismo” [Animal Rights extremists and ecoterrorism], incluindo, além do ALF, outros grupos como ELF (Earth Liberation Front), e o ARM (Animal Rights Militia), o último diferenciando-se do ALF por não poupar humanos que se coloquem diante de suas ações. Em 2016, o FBI publicou “Don’t Be a Puppet: Pull Back the Curtain on Violent Extremism”, um site interativo voltado para “educar” crianças e jovens sobre “terrorismo”. Animal Rights Extremists and Environmental Extremists são listados como uma das ameaças de “terrorismo doméstico”. O documento é enfático ao postular que, ainda que “estes extremistas violentos usualmente não procurem matar ou ferir pessoas, seus crimes — nos quais se inclui violação de propriedade, vandalismo, ameaças, ataques cibernéticos, incêndios culposos e lançamento de bombas — causaram danos de milhões de dólares e interromperam a vida de muitos americanos.” (cf. observatório ecopolítica n.6).

 

Mas, além destes grupos de ações clandestinas, uma série de organizações de defesa dos animais e diversas outras foram fundadas desde os anos 1960. Algumas delas aproximando-se eventualmente aos grupos mais radicais, como o PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), e outras, como a WWF (World Wildlife Fund), tornando-se parceiras de governos e instituições oficiais.

 

O PETA foi fundado em 1980, e é uma das organizações proeminentes de defesa dos animais. Desde sua criação, a principal bandeira foi a luta pelos direitos dos animais. Conhecido especialmente por suas campanhas contra o uso de pele de animais na confecção de roupas de luxo, muitas vezes produzidas com algum apelo sexual, com a participação de atrizes e atores de Hollywood.

 

O PETA também é conhecido por suas campanhas pró-veganismo e vegetarianismo, e pela promoção de marcas com o selo “cruelty-free” (sem maltrato de animais). Apesar das campanhas pela abolição do uso de animais em pesquisas científicas, indústria da moda, e alimentos, o PETA não descarta as práticas que tem como objetivo reduzir o sofrimento de animais, estimulando o “bem-estar”, como um mal menor.

 

A WWF, foi criada em 1961, com o objetivo de levantar fundos para financiar grupos de conservação ambiental ao redor do planeta. Além das parcerias com instituições e autoridades internacionais, a WWF também trabalha diretamente com iniciativas empresariais. Ela afirma haver “um enorme potencial para melhorar a produção das commodities com significativo impacto nos locais e para as espécies que a WWF busca proteger, ao mesmo tempo em que cria oportunidades de negócios. A WWF toma uma série de medidas para garantir que nosso planeta finito seja capaz de abrigar, alimentar e vestir uma população crescente, preservando nosso ambiente natural”. Em 2019, a WWF se viu envolvida em um escândalo devido a denúncias de “abusos contra os direitos humanos”, envolvendo um grupo de Guardas Florestais, financiado por ela no Parque Nacional do Chitwan, no Nepal.

 

a indústria “do bem”

 

Ao menos nos últimos 10 anos, o bem estar animal deixou de ser uma questão restrita aos grupos minoritários defensores dos animais e compõe na pauta de discussão e efetivação de negócios das grandes empresas e indústrias.

 

Em 2013, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (ETCO), da UNESP, realizou o simpósio internacional “Bem-estar Animal como Valor Agregado às Cadeias Produtivas de Carnes”, depois publicado como livro de mesmo título em versão eletrônica em 2016. Além de ressaltar os impactos da indústria pecuária no meio ambiente, a publicação ressalta que “é necessário desenvolver e adotar sistemas de produção pecuária sustentáveis, que ofereçam produtos seguros, que garantam satisfação aos consumidores e renda aos produtores, sem causar danos ao ambiente e sem colocar o bem-estar dos animais em risco.”

 

A questão da sustentabilidade, e com ela a preocupação com o bem estar animal, aparece como uma necessidade dos novos tempos, essencial para serem mantidos os negócios a médio e longo prazo. Apresentam-se as questões do respeito à vida e a comoção frente ao sofrimento dos animais, mas também, outros aspectos são destacados, como as demandas internacionais — no sentido do comércio para a exportação —, as possíveis multas, a resposta de investidores e consumidores, e a identificação de oportunidades.

 

Em relação a essa transição tida como necessária, é apontado ainda que: “um aspecto importante nesse processo de evolução social e empresarial é não procurar culpados ou demonizar setores pelos sistemas produtivos estabelecidos nas empresas. Essas refletem a dinâmica da sociedade e precisam receber sinais claros para ajustarem seus modelos de negócios aos novos princípios e valores.”

 

Em 2019, também em colaboração com a UNESP, foi lançado o livro O bem-estar animal no Brasil e na Alemanha - responsabilidade e sensibilidade. O livro, uma colaboração entre os dois países, conta com um prefácio da atual Ministra da Agricultura no Brasil e sua contraparte na Alemanha.

 

No livro, alerta-se para a importância da adequação da pecuária às diretrizes internacionais em função tanto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, quanto das pressões do mercado internacional no sentido da importação.

 

A legislação no Brasil aparece listada no livro, desde o art. 225 da Constituição Federal de 1988, até resoluções e instruções normativas mais recentes que abordam o transporte, criação e abate dos animais de “modo humanitário”.

 

Além da legislação, são relatados “casos de sucesso”, tanto no Brasil como na Alemanha, quanto à criação, ordenha, abate de gado, de porcos, na avicultura, na piscicultura, entre outros, mas também do tratamento voltado a animais em zoológicos e aquários, e o uso de animais em laboratórios.

 

A certificação relativa ao tratamento humanizado de animais também entra em pauta.

 

O Certified Humane é um dos principais selos internacionais voltados à certificação no tratamento de animais utilizados na indústria alimentícia. Ex-funcionária no congresso e lobista, a fundadora do selo, criado em 1998, decidiu voltar sua atenção para o público consumidor, enquanto vetor mais efetivo de mudança.

 

Nos Estados Unidos da América, a pressão de organizações de certificação ou de direitos dos animais tem surtido efeito em decisões do legislativo. Em julho deste ano, o estado de Colorado votou a favor de uma “lei que exige que todos os ovos produzidos e vendidos no estado, venham de sistemas de postura sem gaiolas”. Não se ignora, no entanto, que a motivação maior dos legisladores veio da possibilidade de “se livrar” da interferência de grupos de direitos dos animais, e realizar a transição em seus próprios termos.

 

Mas, muitas iniciativas partem do próprio setor empresarial, em associação com as pesquisas realizadas em universidades de ponta, levando em conta a qualidade do produto final, a receptividade dos consumidores, a abertura para o mercado internacional, e até mesmo o aumento da produtividade. Busca-se um meio termo em que a tecnologia e a sustentabilidade possam “coexistir de forma eficiente”.

 

Recentemente, uma empresa australiana desenvolveu um novo método de eutanásia para galinhas poedeiras “mais humanizado”. Voltado às galinhas improdutivas, utiliza-se nitrogênio, o que eliminaria a angústia e estresse nas aves, causadas por outros métodos.

 

A eutanásia para animais também é utilizada para os animais doentes.

 

Em meio à pandemia da COVID-19, a Dinamarca se tornou notícia no mundo pela eliminação de 17 milhões de visons confinados em fazendas de produção de peles para o mercado de luxo, que portariam uma mutação do novo coronavírus (cf. flecheira libertária 607). E agora, o governo dinamarquês vem a público divulgar que devido ao fato dos visons mortos terem sido enterrados em valas rasas de uma zona militar podem haver a contaminação da água do lençol freático. Meses antes, e pelo mesmo motivo, dezenas de milhares de visons em cativeiro foram mortos nos Países Baixos.

 

A Dinamarca está no seleto grupo de 6 países (todos na Europa) no mundo todo, que atingiu a marca “B” (em uma escala decrescente de A a G) no bom trato de animais, de acordo com o índice da organização World Animal Protection, em que nenhum país atingiu ainda o nível A.

 

a expansão das jaulas e o inaceitável

 

O corpo humano é um corpo frágil. Assim como outros animais, sua existência depende da colaboração entre a própria espécie e com outras espécies. A civilização ocidental impôs sua soberania, cercando-se e circundando aqueles que de alguma forma se apresentavam como perigo. O processo de industrialização ampliou a possibilidade de extrair de corpos confinados alguma utilidade.

 

Galinhas, porcos, bois, cavalos, visons, salmões, e mesmo os primatas humanos, se viram cada vez mais confinados e disponíveis para o bom funcionamento de um bem maior.

 

A massificação industrial, também criou a ilusão de que o ser humano poderia viver cada vez mais apartado das relações entre si e com outras espécies, ao mesmo tempo em que amplificava a sua dependência das novas tecnologias.

 

Aí, vieram as revoltas. Os animais, assim como os humanos, passaram a ser encarados como sujeitos de direitos, merecedores de uma vida com qualidade (o que quer que seja isso). As prisões, para bichos ou humanos, devem ser limpas e agradáveis, para a boa consciência da população, e produtivas para o bem social. Mas permanecem prisões!

 

As jaulas se expandem, acolhendo as mais diversas espécies, confinadas, mas com “qualidade de vida”. Os campos de concentração dos gulags e da Alemanha nazista não foram um acidente de percurso. Eles são a expressão de um modo de vida, também política e contábil na criação e no abate de bichos.

 

É bom lembrar, que durante a Segunda Guerra, a Cruz Vermelha foi a um campo de concentração, para aferir a situação dos prisioneiros: “A Cruz Vermelha reportou secamente que, apesar das condições de guerra terem tornado a vida difícil, viver em Terezín era aceitável, considerando-se todas as pressões. Concluiu que os judeus eram bem tratados.”

 

FLORA

madeeeeiraa!.....

 

Na Amazônia, caminhões lotados de toras de árvores nativas têm ziguezagueado por picadas recém-abertas na mata fechada em direção a rústicos portos fluviais ou a estradas que os possam levar para uma das serrarias espalhadas na região.

 

Para seguirem ao mercado consumidor, interno ou externo, as toras devem ser beneficiadas de alguma forma. Mas da floresta às serrarias há um árduo caminho por terra ou flutuando pelos rios.

 

Os motoristas precisam ter em mãos o DOF (Documento de Origem Florestal), atestando que os troncos foram extraídos segundo um plano de manejo florestal devidamente aprovado por órgãos ambientais nacionais. Alguns conseguem atestados de manejo de algum escritório de agronomia locado nas cidades próximas, o que não significa que a derrubada das árvores tenha se orientado por algum estudo. Outros, nem isso, decidem arriscar mais, e seguem com sua preciosa carga durante a noite e madrugada. Em ambos os casos, talvez estejam protegidos por gorjetas previamente acertadas entre seus patrões e os fiscais. Além disso, quem fiscalizará a papelada em estradinhas e discretos portos fluviais nos quais fatalmente terá uma recepção à bala?

 

As toras foram frondosas árvores, abrigando pequenos ecossistemas, produzindo oxigênio sob a luz do sol e umidade para alimentar nuvens e solo. Mesmo com o manejo florestal, que, dentro de uma área bem delimitada, seleciona apenas algumas árvores esparsas para o corte legalizado, exigindo replantio da espécie entre outras medidas, extensas clareiras são abertas, árvores menores e vegetação rasteira são destruídas na queda da árvore escolhida e pelo arrasto da tora por tratores imensos. Vídeos disponíveis na internet mostram o que ocorre no trajeto dessas máquinas até o local onde os caminhões de transporte aguardam a preciosa carga.

 

O DOF é a licença para o transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, inclusive do carvão vegetal, de plantas vivas, de resinas e óleos nativos, contendo as informações sobre a procedência desses produtos. No caso de madeira nativa, esta procedência depende de uma extração orientada por um Plano de Manejo Florestal Sustentável. O licenciamento da atividade extrativa, mediante um manejo aprovado, garante a retirada legal de valiosas toras em áreas geridas pelo Estado, e também nas florestas dentro de propriedades privadas, sejam elas parte da reserva legal e das APP (Áreas de Preservação Permanente), estabelecidas ou não pelo Código Florestal.

 

No Plano de Manejo, o interessado na exploração florestal deve fazer um inventário das espécies comercialmente relevantes na área objeto do licenciamento. Esta área pode ser desde uma reserva florestal dentro de propriedade própria ou de outrem, até uma floresta pública. Neste último caso, é aberta pelo Estado uma licitação para o uso comercial. A partir do inventário e da avaliação do potencial econômico da área, é feita a escolha das unidades arbóreas que serão cortadas, em geral as mais antigas e frondosas. Cada tora recebe uma identificação associada ao plano, que será citada no DOF e em documentos de exportação ou destinados ao mercado interno.

 

Sem esses processos iniciais, a extração e os processos posteriores do setor madeireiro ficam sujeitos à ação policial em operações de nomes sugestivos como “Carranca”, “Floresta de Papel”, “Curupira”, “Ouro Verde”, às multas, ao embargo e a outras penalidades, inclusive prisão dos envolvidos.

 

As florestas públicas são áreas sob o domínio do Estado, nos níveis federal, estadual e municipal, ou de algum setor estatal, como as Forças Armadas. Há três tipos: 1) Florestas Públicas TIPO A (FPA), com destinação específica, visando à proteção e conservação do meio ambiente e uso de comunidades tradicionais, como as Unidades de Conservação Natural, as Terras Indígenas, os Assentamentos Rurais Públicos, e também as áreas militares e outras formas de destinação previstas em lei; 2) Florestas Públicas TIPO B (FPB), localizadas em áreas guardadas pelo Estado, mas que não foram destinadas; 3) Florestas Públicas TIPO C (FPC), localizadas em áreas de propriedade indefinida, consideradas desocupadas, são as chamadas terras devolutas. A distinção entre os dois últimos tipos não é muito nítida.

 

O Estado não suporta áreas livres, sem dono e “sem destinação”. Para administrá-las, criou regulamentos pelos quais concede a empresas interessadas, mediante uma licitação entre concorrentes, uma licença para a exploração de produtos e serviços florestais, especificados em contrato, em uma unidade de manejo dentro da floresta pública. A extração legal e ilegal de madeira nativa ocorre em larga escala nessas florestas sem dono nem destino, assim como nas áreas florestais públicas do tipo 1, nas florestas nacionais e em outras unidades de conservação que preveem “uso sustentável”.

 

A derrubada de árvores nobres não pressupõe corte raso da mata, nem “limpeza” da área. No entanto, a retirada de madeiras nativas pode marcar a etapa inicial da grilagem de alguma área de floresta pública, de unidade de conservação ou até de alguma propriedade escriturada alvo de disputas. Abre caminho para um desmatamento acintoso e à posterior queimada dos resíduos da vegetação cortada, visando implantação de pastos ou cultivos, ou ao menos, uma garantia para a posse e um futuro pedido de regularização fundiária. Regularização que tem sido tema de recentes projetos de lei no sentido de facilitar a apropriação definitiva de áreas públicas mediante simples auto declaração de posse e de “benfeitorias” na terra nua, ou seja, terra desembaraçada de “mato”.

 

Na região amazônica, observam-se as mais extensas áreas de terras devolutas e sem destinação do que no restante do Brasil. Podem ser habitadas ou usufruídas por populações tradicionais, como ribeirinhos, extrativistas e indígenas. Cada vez mais, e recentemente, em ritmo acelerado, são alvo de invasões, seja de posseiros de fora, seja por grandes empresários rurais que se utilizam de capangas ou grileiros profissionais. Essas áreas somavam quase 70 milhões de hectares em 2018, segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisa Amazônica – IPAM, e em 2020, segundo estudos mais recentes, diminuiu para um pouco menos de 50 milhões de hectares.

 

Quanto ao setor madeireiro, a alta do desmatamento e os índices absurdos de incêndios na Amazônia têm interferido na produção, que se retraiu nos últimos vinte anos. Em 1998, a Amazônia brasileira gerou 10,8 milhões de metros cúbicos de produtos de madeira nativa. Vinte anos depois, em 2018, a produção caiu e apenas 57% do montante de vinte anos atrás foi produzido, a saber, 6,2 milhões de m³. Esta retração foi também atribuída à queda no interesse dos principais mercados internos, especialmente do setor da construção civil do sudeste e sul do país, que encontraram alternativas de custo menor. Também aumentou a demanda por madeiras de florestas plantadas com espécies exóticas: pinus, teca, eucalipto, mogno africano, e a área plantada com essas espécies tem crescido em todo Brasil., atendendo o mercado interno e um crescente mercado externo.

 

A exportação da madeira nativa amazônica seguiu a tendência de queda: de 14% da produção total, em 1998 para 9% em 2018. Apesar da queda do volume do produto, houve significativo aumento do valor calculado em dólares: de US$ 379.06 milhões em 1998, para US$ 459,57 milhões em 2018, mostrando haver um promissor mercado externo. Cabe lembrar que madeira nativa exportada não segue em bruto, mas as toras necessitam serem serradas, ou aparelhadas, ou transformadas em laminados ou chapas.

 

eureka!

 

Uma grande descoberta seria divulgada, um achado para mudar a imagem de pária ambiental e devastador de florestas que o mundo atribuiu à nação brasileira:

 

“Revelaremos nos próximos dias nomes de países que importam essa madeira ilegal nossa através da imensidão que é a região amazônica... Muitos países que criticam o Brasil são, na verdade, os receptadores de material ilegal!”

 

Esse anúncio foi feito pelo presidente verde-amarelado na cúpula anual dos BRICS (bloco formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A fonte da informação bombástica foram as investigações da Polícia Federal na Operação Arquimedes sobre a extração ilegal de madeira nativa na Amazônia.

 

A grande revelação do comportamento considerado hipócrita de nações detratoras da gestão ambiental do Brasil mirou os prováveis receptadores internacionais, mas acertou, mesmo sendo de raspão, o favorecimento recente de uma rede interna, montada faz alguns bons anos, de fraudes no licenciamento da extração e comercialização da madeira nativa amazônica.

 

A operação surgiu quando a PF atendeu a um pedido da Receita Federal e do IBAMA, que suspeitaram da movimentação da carga de madeira no porto de Chibatão, no distrito industrial de Manaus. A única fiscalização realizada nos contêineres que ali transitavam se limitava à análise de notas fiscais, sem dar atenção aos Documentos de Origem Florestal – DOF, que deveriam estar junto com o carregamento de madeira.

 

Em dezembro de 2017, foram então apreendidos 479 contêineres de 63 empresas com carga de madeira suspeita de ilegalidade, destinada a outros estados brasileiros e para exportação. O volume de madeira encontrado, em torno de 10 mil m³, se fosse enfileirado, cobriria a distância de 1,5 mil quilômetros, equivalente à distância entre Brasília e Belém A operação recebeu o nome de Arquimedes para homenagear o matemático grego do século III AC, que descobriu um método de cálculo do volume dos objetos.

 

Após coleta de provas, quebras de sigilo bancário e fiscal, escutas telefônicas e outras diligências para investigar as suspeitas de corrupção, a segunda fase da operação, a Operação Arquimedes II, foi deflagrada em abril de 2019. Foram então cumpridos mandados de prisão preventiva e temporária, e mandados de busca e apreensão, no Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, São Paulo e no Distrito Federal. A operação desbaratou um esquema de exploração ilegal de madeira da Amazônia, em que as fraudes na concessão de licenças e na fiscalização envolviam engenheiros florestais, funcionários de órgãos ambientais do estado do Amazonas e empresas madeireiras.

 

As operações policiais referentes ao setor madeireiro têm sido constantes. Denúncias sobre irregularidades e mesmo sobre os compradores da madeira extraída em situações conflituosas, envolvendo até massacres, têm sido divulgadas por ONGs, lideranças locais, Ministério Público. No entanto, o presidente verde- amarelado, talvez empolgado com a anedota de Arquimedes, saiu bradando Eureka!, sem medir o volume das consequências, e acabou pondo a nu iniciativas de seus asseclas em regularizar esquemas fraudulentos e em favorecer os empresários do setor com a flexibilização de regras e da fiscalização.

 

O presidente do IBAMA, homem de confiança do ministro do meio ambiente, meses antes da declaração famosa de abril de 2020, conhecida como o passa boi, passa boiada, já tinha deixado passar toras e toras de madeira nativa com alguns despachos, um em novembro de 2019 e outro na terça-feira de carnaval de 2020. O primeiro despacho isentava de qualquer responsabilidade o comprador de madeira com um DOF falso, a não ser que houvesse uma sólida “prova” do vínculo com o “crime”, e também impedia a apreensão do material. Segundo os técnicos do próprio IBAMA, isso favoreceu uma circulação maior da madeira ilegal no mercado e um “descuido” maior por parte dos compradores. Só por este despacho, os países que seriam denunciados por conivência com a destruição ambiental, já estariam “perdoados”.

 

Outro despacho, o do carnaval, eliminou a necessidade de autorização de exportação de madeira, apenas o DOF seria suficiente. O despacho inicial previa o fim da autorização para todas as espécies arbóreas, mesmo aquelas em extinção e constantes da lista internacional da Convenção sobre o CITES (Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagem), como o mogno, o pau-rosa, o pau-brasil e o jacarandá da baía. Logo depois, a fiscalização para essas espécies voltou a ser considerada. Mesmo assim, o despacho acabou valendo uma nota de agradecimento da parte do setor madeireiro.

 

Por pressão do “setor produtivo”, em final de 2019, o chefete do Ibama, o ministro passa boiada e o presidente verde-amarelado cogitaram liberar a exportação de qualquer madeira em tora, sem nenhum tipo de beneficiamento. Atualmente apenas madeiras exóticas, como pinus e eucalipto, podem ser exportadas “in natura”. Mas a proposta não foi adiante, afinal uma parte do “setor produtivo” se dedica a processar os troncos cortados.

 

A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagem – CITES é um acordo internacional entre Estados, totalizando 183 membros, inclusive o Brasil. Seu objetivo é garantir que o comércio internacional de animais e plantas selvagens não ameace a sobrevivência dessas espécies, mediante um sistema de monitoramento internacional que prevê licenciamento compartilhado pelos países membros. A cada ano, a lista das espécies ameaçadas é atualizada. Desde 2017, o pangolim é listado pelo CITES como uma espécie para a qual comércio internacional está banido. Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, a China, país que mais consumia e traficava este animal e suas partes (notadamente suas escamas), proibiu internamente o consumo dos pangolins. Há hipóteses de que a mutação do Sars-CoV-2 tenha chegado aos humanos por meio do consumo de partes desse bicho.

 

Das madeiras nativas, as mais procuradas pelos países compradores é o mogno, o jacarandá e o ipê. Os Estados Unidos são os maiores compradores dessas madeiras nobres, 49% do valor total da madeira exportada pelo Brasil em 2020 veio do mercado estadunidense. O mogno e o jacarandá, pelo fato de estarem na lista da CITES, têm sofrido restrições e um monitoramento mais estrito não apenas no Brasil, mas no mercado consumidor externo. Quanto ao ipê, 92% de sua produção, entre 2012 e 2017, foi para o exterior. Em 2018, um parecer do IBAMA recomendou que o ipê entrasse na lista da CITES, ou como espécie ameaçada de extinção ou, ao menos, como “espécie em situação de alerta”.

 

Mas, entraram em cena: o ministro passa boi, passa boiada, o presidente do Ibama e um grupo de madeireiros de Mato Grosso e Pará. Para o presidente do Ibama, era muito importante consultar o setor produtivo nacional, isto é, as madeireiras, quase todas sentindo no tronco as multas e a entraves das várias Operações da PF. Os empresários argumentaram que as restrições ao ipê atrapalhariam seus negócios no comércio exterior. E venceram: em agosto de 2019, na 18ª reunião da CITES, em Genebra, o ipê brasileiro foi a única espécie retirada da lista de propostas de novas inclusões de espécies monitoradas internacionalmente. O Ministério Público se manifestou recentemente e pediu esclarecimentos sobre a exclusão; o tema não se esgotou.

 

O momento Eureka!, no afã de desqualificar as críticas internacionais à condução das questões ambientais pelo governo brasileiro, não só deu destaque à conivência e convivência deste com os ilegalismos, como pôde ter servido de alerta aos países compradores dos produtos florestais de que estes resultaram de muita destruição. Talvez os madeireiros já não agradeçam dessa vez.

 

Já os ipês retomaram o verde de suas folhas no fim da estação mais seca, a exuberante floração amarela se foi; quiçá isso dificulte sua identificação por voos de reconhecimento do potencial econômico de florestas ainda livres, estas também condenadas a uma inexorável extinção.

 

 

R A D. A. R

 

Livro vermelho da fauna em extinção

 

 

Lei 5.197 de 3 de janeiro de 1967. Proteção à fauna

 

 

Código Civil brasileiro de 1916

 

 

The Concepts of Health, Well-being and Welfare as Applied to Animals

 

 

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Boas práticas e bem-estar animal

 

 

Organização Internacional de Saúde Animal (OIE)

 

 

Animal Liberation Front (ALF)

 

 

Observatório ecopolítica n.6

 

 

FBI – Animal Rights Extremism ans Ecoterrorism

 

 

People for the Ethical Treatment of Animals (PETA)

 

 

World Wildlife Fund (WWF)

 

 

O bem estar animal no Brasil e na Alemanha

 

 

Bem estar animal como valor agregado

 

 

Certified Humane

 

 

flecheira libertária 607

 

 

Animal Protection index - Mapa

 

 

Terezin (Theresienstadt) Concentration Camp

 

 

Élisée Reclus – The Great Kinship of Humans and Fauna

 

 

Élisée Reclus – Vegetarianism

 

 

Documento de Origem Florestal – DOF

 

 

Normas para transporte de toras

 

 

Trator Skidder puxando tora no meio da floresta

 

 

Lei 11.284/06, de 2 de Março de 2006 Gestão das Florestas Públicas

 

 

“Terras de Ninguém”

 

 

Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon

 

 

Mapa de Florestas Públicas do Brasil

 

 

Proteção à vegetação nativa Lei Federal 12.651/2012

 

 

Instrução Normativa IBAMA nº 24 de dezembro de 2014. Institui o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais –Sinaflor

 

 

IBAMA Sinaflor

 

 

Roteiro de elaboração de Plano de Manejo

 

 

Ibama Estudo

 

 

Manual IMAZON

 

 

O mercado madeireiro

 

 

Boletim setor madeireiro Amazônia

 

 

Operação Arquimedes

 

 

Notícias da Operação Arquimedes

 

 

Madeira manchada de sangue

 

 

Madeireiros agradecem o Presidente do Ibama

 

 

Listas das espécies monitoradas no âmbito da CITES

 

 

Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção

 

 

MPF pede explicações do governo sobre retirada do Ipê da lista internacional de proteção

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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