“ A força pela qual o homem persevera no existir é limitada e é superada, infinitamente, pela potência das causas exteriores” (Espinosa)
A concepção espinosana de variação da potência do conatus (desejo de perseverar na existência) condicionada a produção de afetos nos encontros entre os corpos afirma como absolutamente necessárias ao desenvolvimento de uma vida humana as tramas afetivas-imaginativas desenvolvidas nas relações indicando, ainda, que nelas está situada a gênese tanto da liberdade quanto da servidão. Essa concepção se apresenta como um fio que conecta as elaborações da coletânea no esforço de identificar e analisar os efeitos psicossociais da violência nos corpos singulares/coletivos, bem como das proposições interventivas apresentadas.
Tomando a violência estrutural e estruturante que rege as dinâmicas societais hegemônicas como marcador das análises e como expressão de uma costura ético-política-afetiva de aniquilação do outro; daqueles vistos como “diferentes”, “sub-humanos”, “fracos” ou “indesejáveis” os autores chamam atenção para a forma mais sutil e perversa de violência: aquela que se inscreve na esfera da dialética exclusão/inclusão social. Resultante de práticas antidemocráticas como: o racismo, o fascismo, as questões de gênero, a injustiça ambiental, a discriminação de classes, entre outras abordadas no livro, essas práticas elegem poucos como merecedores de todo gozo, coloca uns contra os outros, cultuam a superstição e incentivam o governo do ódio e do medo, reduzem as possibilidades de expansão da potência de vida dos diversos modos de existir. Definitivamente, essa costura precisa ser desfeita! Seguindo essa trilha, o exercício teórico-metodológico empreendido para pensar a relação entre violência e afetos dá centralidade a categoria/conceito de sofrimento ético-político desenvolvido por Bader Sawaia, na análise dos processos de exclusão/inclusão. Pensado como potência de padecimento, o sofrimento ético-político sustenta e é sustentado nas/pelas tramas afetivas-imaginativas que derivam das recorrentes experiências entrecortadas por afetos tristes como o ódio, o medo, a ganância, a esperança... Enquanto efeito da qualidade dos encontros a potência de padecimento só poderá ser superada no campo relacional, na construção de comuns, aqui entendido como princípios éticos e políticos úteis ao bem viver. Esse caminho analítico e propositivo representa a trajetória dos projetos de estudo e pesquisa do NEXIN que adotam os afetos como categoria central para pensar: i) as possibilidades de transformação dos encontros que tornam cativas a potência de pensar, sentir e agir na realidade favorecendo o exercício da violência, a servidão e a heteronomia de pessoas/grupos ii) caminhos de alegria potentes para a construção do comum, como campo de superação do sofrimento ético-político, que depende diretamente do (des)conhecimento que temos de nossa própria natureza e da (im)potência dos homens para moderar os afetos. Esses dois últimos, segundo Espinosa, são causas da servidão que na nossa compreensão traz consigo o gene da violência, dos processos de naturalização dos exercícios de opressão e da necropolitica tão atuais, em escala global. Neste sentido, da atualidade, a obra é um convite ao debate urgente e necessário sobre as diversas formas de expressão da violência e seus mecanismos que operam sobre corpos humanos e não-humanos, enfraquecendo o conatus, retirando-lhes o direito/poder de autogovernar-se, a liberdade. É ainda uma convocação à Psicologia Social para a (re)afirmação do compromisso ético-político com a transformação social e com a defesa da vida, assim como, para o desbravamento de novos caminhos de sua constituição enquanto ciência e profissão.
Que a leitura abra caminhos para novas provocações! É o que desejo.
Eugênia Bridget Gadelha Figueiredo
Profª Dra. da Universidade Federal do Delta do Parnaíba.
Pesquisadora do NEXIN