Resumo: O objetivo desta Tese é apresentar uma pesquisa-intervenção realizada no acampamento Terra Prometida, em Felisburgo/MG, onde ocorreu um massacre contra trabalhadores rurais sem terra, em 2004, e que ficou conhecido como o Massacre de Felisburgo . Para tanto, apresenta o contexto do massacre, na perspectiva de reconstrução da memória histórica, relacionando-o com o contexto mais amplo de luta pela terra no Brasil; realiza uma discussão partindo dos estudos e intervenções psicossociais em casos de violência extrema e os relaciona à política de produção de afetos, a partir do conceito de sofrimento ético-político cunhado por Sawaia que, resgatando obras de Vigotski e Espinosa analisa a dimensão política dos afetos. Assim, utilizamos as contribuições de autores que compartilham de uma visão sócio-histórica, para compreender a composição dos afetos que configuram o trauma psicossocial. A metodologia é baseada nos pressupostos da Psicologia sócio-histórica e da Libertação. Pudemos verificar que, do ponto de vista dos trabalhadores, é fundamental tematizar o massacre e compartilhar o sofrimento decorrente, para fortalecer a compreensão das verdadeiras causas do acontecimento, ampliando a compreensão sobre as possíveis consequências psicológicas produzidas, evitando sua banalização. A análise dos dados revela mecanismos, sentimentos e reações psicossociais já estudados por Riquelme (1993) e Martín Baró (2000), entre outros autores, e que estamos denominando como trauma psicossocial. Os trabalhadores refletem sobre a questão da ocupação de terras e a falta de justiça que os tornam vulneráveis a processos de re-traumatização. Consideramos que o sofrimento e a traumatização não se curam ou se esvaecem com o tempo, mas são reproduzidos subjetiva e objetivamente e, no caso desta pesquisa, pela impunidade dos executores. Para que se interrompa o ciclo de repetição, eles têm de ser rememorados coletivamente, para substituir emoções tristes por emoções potentes é preciso que seja cumprida a justiça e rememorado afetiva e publicamente o acontecimento. Compreendemos que a Psicologia pode intervir em uma terapêutica comunitária a partir da produção de reflexões sobre os afetos, ou seja, sobre a forma como o corpo e a mente foram afetados pelo trauma, permitindo que os trabalhadores compreendam que o processo histórico de produção de violência ultrapassa a experiência específica ocorrida ali. O silêncio faz parte do processo de re-traumatização, vivido como medo, humilhação e culpa. Frente ao silenciamento, temos de publicizar produções de narrativas, memórias e expressões diversas (subjetivações) a partir das quais seja possível a ruptura da banalização dessas violências históricas em nosso País. Desse modo, reverter o trauma psicossocial significa tornar o sofrimento dizível e reflexivo coletivamente para aumentar a potência de pensar da consciência e de agir do corpo, individual e coletivo, mas também lutar socialmente contra a impunidade e a violência no campo, que constituem um dos pilares da traumatização sequencial e da re-traumatização. Teoricamente, a Tese concorda com Baró de que os traumas psíquicos não são imprevisíveis e de caráter individual, mas psicossociais e sequenciais. Nossos dados demonstram que se trata de processos de re-traumatização, não só por conta da memória e da cristalização de sentimentos, mas pela perpetuação social da violência.
Palavras Chaves: Psicologia sócio-histórica, Memória histórica, Trauma psicossocial, MST