Resumo:
A presente pesquisa se constrói no diálogo entre o saber popular e o saber acadêmico, entendendo essa relação no seu processo dialético. Parte do pressuposto de que práticas desenvolvidas por pessoas simples nos seus cotidianos fazem da nossa história, terreno fértil e produtor de mudanças sociais, psicológicas e concretas. Busca analisar de que forma manifestações da cultura popular podem contribuir para a transformação de um bairro em uma comunidade. Para tanto, foi utilizada como metodologia a observação participante, com registros em diários de campo e conversas com moradores e artistas locais, sob a perspectiva do campo tema (SPINK, 2003). O campo empírico da pesquisa situa-se no Morro do Querosene, em São Paulo, onde acontecem as tradicionais festas do bumba meu boi maranhense, as festas de Cosme e Damião, e o projeto da orquestra de berimbaus desenvolvido por Dinho Nascimento. O referencial teórico é o de Vigotski que afirma que a psicologia deve abranger a totalidade de como as pessoas vivem as suas vidas. Mesmo porque o psicológico tem sua gênese na sociedade, superando, assim, as dicotomias entre razão/emoção e entre subjetividade/objetividade. Recupera a positividade psicossocial das emoções, buscando em Espinosa orientações para trabalhar a dimensão ético-política das mesmas, filósofo conhecido como monista, por defender a indissociabilidade entre razão e emoção e entre corpo e mente. Concepções que Vigotski inseriu na psicologia marxista para explicar a emergência do singular e da criação apesar da determinação social, introduzindo assim a estética na psicologia. O seu livro Psicologia da Arte, oferece as coordenadas para entender esse processo, destacando a catarse como momento da transformação. Sua concepção de catarse se opõe a de Aristóteles, que consistia em purificação e limpeza da alma. A análise da cultura popular se deu por meio de referenciais teóricos que a entendem como produto histórico, atravessada por contradições sociais; e que, por sua vez, respondem a essas contradições, ora sucumbindo, ora resistindo à ordem hegemônica do modo de produção capitalista. As análises apontam para a motivação dos mestres em trabalhar no coletivo, e também para a interface entre o brincar e a arte popular. Além do mais, a presença das festas e das brincadeiras nas ruas, permitem que as pessoas se conheçam, saiam de suas casas, possibilitando o despertar de um sentimento de comum, de comunidade. Indicam ainda que a cultura tradicional pode ser compreendida como um movimento que mobiliza e agrega, trazendo para pauta a relação entre cultura popular e sentimento de comum. O que mais ressaltamos na pesquisa foi que a potência ligada à cultura popular não se restringe ao pessoal, mas rompe a cisão individual e coletivo, despertando o sentimento do comum e favorecendo os encontros. Ficou claro que cultura popular e coletivo constituem uma unidade inseparável, muito em decorrência das ações dos mestres que promovem as atividades no lugar. Essa motivação dos mestres é uma constatação que precisa ser aprofundada futuramente. Interessa-nos particularmente agora a permanência das culturas tradicionais e a força de afetação coletiva, que, apesar de despertar sentimentos e ações em sentidos contraditórios, ainda consegue romper as cisões entre o público e o privado, fomentando o sentimento de comum no cenário político local.
Palavras Chaves: Arte, Cultura popular, Psicologia sócio histórica, Comunidade, Emoção, Desigualdade social.