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observatório ecopolíticaano V, n. 104 , fevereiro de 2022.
COP-26, rumo ao fim do século
Depois de ter sido suspensa por um ano devido à Covid-19, a 26ª Conferência das Partes foi enfim realizada em Glasgow, Escócia, entre 31 de outubro e 13 de novembro de 2021.
Havia uma expectativa grande em relação ao evento após quatro conferências climáticas desde o Acordo de Paris, elaborado na COP-21, em 2015. O documento foi assinado por todos os países do planeta, exceto o Vaticano por razões burocráticas, totalizando 197 signatários, incluindo a União Europeia e a Autoridade Palestina. A Groenlândia, território autônomo vinculado à Dinamarca, ainda não está incluída, mas o novo governo local manifestou intenção de em breve assinar o acordo.
A COP-26 estava destinada a marcar o comprometimento efetivo com as decisões do Protocolo de Paris e com a implementação de ações para evitar que o aquecimento médio do planeta até o fim do século atingisse índices deletérios para a vida humana e aos ecossistemas do planeta. Seria então uma conferência tão decisiva quanto a COP-21. Nas palavras do estadunidense John Kerry, enviado especial do governo Biden e articulador da assinatura dos EUA no Acordo de Paris durante o governo Obama, a COP-26 seria "a nossa última esperança para o mundo agir em conjunto".
O 'esquenta' da COP-26
O atraso deu margem a vários encontros prévios para consolidar metas específicas, visando a redução do aquecimento global não mais em até 2° C, como decidido em 2015, mas em até 1,5° C, conforme novas avaliações feitas pelo IPCC. Desde o anúncio da escolha de Glasgow para a COP, Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, além de dar o suporte necessário à conferência, empenhou-se em obter a adesão de nações-chave para o avanço de metas acordadas no Protocolo de Paris e iniciou uma campanha para eliminar o carvão mineral como fonte de energia no planeta.
Dentre muitas reuniões preparatórias, algumas on-line, destacam-se quatro encontros, sendo dois diretamente ligados ao sistema ONU. O mais importante evento para que houvesse algum consenso nas ações climáticas transnacionais foi o anúncio do retorno dos EUA ao Acordo de Paris, feito após a posse do candidato democrata à presidência.
O governo Trump havia retirado os EUA do acordo. A COP-25, realizada em Madrid depois de uma confusão quanto ao local da conferência, foi marcada pela ausência estadunidense, além de discussões truncadas sobre questões climáticas decisivas (Ver Observatório Ecopolítica - OE nº 62).
Para marcar esse retorno, Joe Biden convocou líderes de quarenta nações para uma Cúpula do Clima em abril de 2021, o presidente do Brasil incluído, precedida por negociações diplomáticas no sentido de garantir compromissos mais restritivos em relação às ações climáticas e anunciar o protagonismo ambiental do governo recém-empossado (Ver OE nº 89). Essa cúpula também funcionou internamente para afirmar a importância da questão junto ao Congresso dos EUA, o qual tem expressivo número de representantes ligados ao setor dos combustíveis fósseis e de minérios.
Outros três encontros prévios marcaram o 'esquenta' da COP-26. Em Roma, nos últimos dias de outubro, houve o encontro dos chefes das nações do G20. Formado por 19 países (África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia), mais a União Europeia, responsáveis por 80% da riqueza do planeta, o G20 tratou dos impactos da Covid-19 e da recuperação da economia pós-pandemia, que terá como base o empenho para a realização das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — ODSs (Agenda 2030). Um documento foi fechado no encontro, com decisões genéricas sobre a implementação da Agenda 2030, sobre o comércio internacional e a arquitetura financeira planetária, entre outros temas.
Outro evento importante e especificamente voltado à questão climática foi o encontro de 400 jovens líderes, entre 15 e 29 anos, de 186 nações, a Juventude para o Clima: Ambição Motriz (Youth4Climate: Driving Ambition), entre 28-30 de setembro de 2021, em Milão. Foi organizado pelo governo italiano e pelo britânico, parceiros nas atividades voltadas à COP-26, com apoio da plataforma montada pela Cúpula da Juventude pelo Clima da ONU, formada em 2019 (Ver OE nº 57).
Essa cúpula foi uma plataforma inédita para jovens dos Estados membros das Nações Unidas debaterem juntos possíveis soluções contra o aquecimento global e apresentarem soluções claras aos tomadores de decisão e às autoridades mundiais. Mais de mil representantes compareceram ao lançamento dessa iniciativa na sede novaiorquina da ONU em 21 de setembro de 2019, incluindo a ativista sueca Greta Thunberg.
A jovem Greta despontou, no ano anterior, como liderança contra o aquecimento global em decorrência de seus protestos de sexta-feira contra as políticas climáticas dos governos, tidas como insuficientes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Sua ação repercutiu pelo planeta, gerando gretes locais e mobilizações programadas dentro do escopo das políticas das Nações Unidas para o futuro, o "futuro sustentável" (Ver OE nº 57).
A Cúpula da Juventude pelo Clima integra uma instituição mais ampla da ONU voltada para a juventude, criada em 2018, pelo Secretário Geral, António Guterres: a Estratégia da ONU para a Juventude, visando o engajamento dos jovens até 24 anos na Agenda 2030 e a participação em seus resultados. A aposta na juventude é a tônica das ações do mandato do secretário geral para dar continuidade a uma série de reformas destinadas a reforçar a relevância e eficácia das Nações Unidas.
A repercussão positiva do efetivo engajamento dos jovens na questão climática levou à criação do Grupo Consultivo sobre Mudança Climática com sete jovens ativistas ambientais, oriundos do Brasil, Fiji, Estados Unidos, Moldávia, França, Índia e Sudão, selecionados como consultores jovens da ONU.
Na abertura do Youth4Climate em Milão, a mídia destacou o discurso de Greta Thunberg: "Reconstrução? Blá blá blá. Economia verde? Blá blá blá. Net zero em 2050? Blá blá blá. (...) Isso é tudo que ouvimos de nossos chamados líderes. Palavras que soam ótimas, mas que até agora não produziram nenhuma ação. Nossos sonhos e esperanças se afundam nessas palavras vazias. Claro que precisamos de diálogo, mas já são 30 anos de blá, blá, blá."
Diante de um auditório cheio, ela ainda conduziu palavras de ordem repetidasad nauseam por uma plateia entusiasmada. "O que nós queremos?" — perguntou, e a resposta soou em uníssono: "Justiça Climática". E a segunda pergunta: "Quando?", e todos, enfáticos: "Agora!"
Às performances e marchas de ONGs contra o aquecimento global de COPs anteriores foram acrescentadas manifestações de jovens, mais numerosas e programadas dentro dos parâmetros da luta pela justiça climática. Nesse encontro Pré-COP de jovens não faltaram protestos de rua contra o aquecimento do planeta, com a captura de canções historicamente ligadas a movimentos rebeldes, como "Bella Ciao", entoadas nas marchas, e até repressão policial a manifestantes mais afoitos.
No entanto, houve mais do que mobilização e catarse. No encontro os jovens de 15 a 29 anos dividiram-se para discutir e trocar experiências em torno de quatro temas: o escopo da ambição climática da juventude, a reconstrução sustentável após a pandemia, o engajamento do setor não governamental na questão e a consciência climática da sociedade. O Brasil levou três representantes, que se engajaram no quarto tema, voltado à consciência climática: Paloma Costa, a integrante brasileira do Grupo Consultivo sobre Mudança Climática' da ONU; Eduarda Zoghbi, mestre em política energética na Universidade de Columbia (EUA) e Eric Terena, jornalista da Mídia Índia.
As palavras de ordem e o ímpeto juvenil foram se corporificando em programas e propostas institucionais, integradas e interligadas pelo sistema ONU. Ao cabo de dois dias de debates, foi elaborado um manifesto, depois apresentado na COP-26.
Entre os dias 30 de setembro e 2 de outubro, também em Milão, na sequência do encontro dos jovens, ocorreu o 'esquenta' da maturidade: a Pré-COP-26, com a presença do Presidente da Conferência das Partes, o britânico Alok Sharma, de ministros de meio ambiente e representantes de governos de 50 países. Nesse encontro consolidaram-se os objetivos principais da COP-26 e algumas diretrizes para as negociações. Os temas chaves da minuta do manifesto dos jovens também entraram na pauta das discussões e no sumário do encontro.
Dos assuntos discutidos para serem a base da COP-26, um tema foi destacado como guia para as decisões: a necessidade de limitar o aquecimento do planeta no máximo em 1,5° C até o fim do século. Para se manter essa meta, seria preciso reduzir as emissões de GEE em 45% até 2030, e não 2050 como tem sido divulgado. Consequentemente, seria urgente tornar as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) adequadas a uma redução drástica dos gases de efeito estufa, especialmente da parte dos países do G20.
Outro assunto aprovado na Pré-COP trata do auxílio aos países afetados pelas mudanças climáticas para que se adaptem com o mínimo de danos. A adaptação seria promovida, entre outras medidas, mediante incentivo à proteção e à restauração dos ecossistemas, construção de infraestrutura adequada e sistemas de alerta. Ambas medidas: adaptação e redução drástica de emissões dependem de um arcabouço financeiro que precisa ser incrementado com urgência.
Os demais pontos, não menos importantes, seriam o trabalho conjunto entre governos, empresas e sociedade civil na questão climática, e, principalmente, a conclusão de alguns artigos do Manual do Acordo de Paris — o conjunto de regras detalhadas que operacionalizam o acordo. Na COP anterior, a discussão sobre o Artigo 6 do acordo, a respeito do mercado de carbono, não chegou a uma definição.
De volta para o futuro
Glasgow voltou-se para o futuro do planeta ao acolher a COP-26. Para que houvesse um consenso entre as partes, as negociações oficiais entre os Estados se estenderam um dia a mais do estabelecido devido a questões ainda pendentes.
No último dia, depois de blás e blás e blás, foram avaliados em plenário os resultados da conferência. Na sequência, a minuta das decisões finais passou a ser lida ponto a ponto por Alok Sharma. Logo no início da leitura, o representante da China pediu um aparte, seguido pelo da Índia. Ambos pressionaram pela substituição do compromisso de "eliminar" (to phase out) o uso do carvão por uma promessa de "redução progressiva" (to phase down) do mesmo. Caso esses dois grandes emissores de CO2 originado do uso de carvão, (Ver OE nº 89) fossem contrariados nesse apelo pela troca de palavras, não assinariam o pacto, tornando-o inapto e destruindo o trabalho da COP em encontrar um mínimo de consenso entre as nações nas ações climáticas.
Momentos antes, em um intervalo da sessão final, em uma rápida reunião de bastidor entre Alok Sharma, presidente da COP, e os representantes da China, Índia, Estados Unidos, e da União Europeia — os quatro maiores emissores de CO2 oriundo da queima do carvão —, o tema foi levantado e a exigência foi feita. John Kerry, o representante dos EUA, permaneceu em silêncio. A "última esperança" parecia escapar. Por decisão do Presidente da COP, as ressalvas foram levadas ao plenário para que pudesse haver algum espaço para manifestações dos demais participantes frente a essa imposição de última hora.
Alguns países insulares, junto com outros que também sofreriam os impactos de um planeta aquecido, como a Suíça, expressaram grande decepção; outros se surpreenderam com a entrada inesperada de um assunto, o carvão, que tinham por encerrado. O presidente da cúpula foi, porém, obrigado a ceder aos emissores de CO2 e alterar as palavras do texto final. Depois, ainda durante a sessão, desculpou-se, em lágrimas, pelo acordo não ter sido exatamente o que a maioria dos delegados havia decidido.
Apesar da inesperada mudança de palavras implicando ações pouco eficazes para erradicar o uso do carvão como fonte energética, todos os países acabaram se comprometendo com o pacto em sua forma final. Vitória da diplomacia planetária. A representante de Antígua e Barbuda e da Aliança dos Pequenos Estados Insulares explicou que os países vulneráveis aceitaram o texto, mesmo com as alterações, pois este levaria à construção de um novo mecanismo de financiamento de perdas e danos nas negociações climáticas da COP-27, em 2022.
Na mesma data, Greta tuitou: "a COP-26 acabou. Aqui está um breve resumo: Blah Blah Blah", repetindo o que vem dizendo há tempos, sem dar atenção ao que esteve e está se desenhando a cada encontro e em inovadas institucionalizações, produzidas e encorajadas no âmbito do sistema ONU nesses "trinta anos de blá blá blá". Ou será que os Fridays for Clima foram promovidos pelo planeta todo apenas devido aos "belos e determinados olhos" da ativista?
Regresso ao futuro
António Guterres comentou: "O resultado da COP é um compromisso, e reflete os interesses, as condições, as contradições e a vontade política no mundo de hoje. É um passo importante, mas não suficiente. Nosso frágil planeta está por um fio, ainda estamos batendo na porta da catástrofe climática."
O representante da União Europeia, responsável pelo Green Deal europeu e que estava presente na reunião de bastidor do último dia da COP, concordou que a rendição aos interesses do setor carvoeiro foi "uma decepção extra", mas "não deve impedir de decidirmos hoje sobre o que é uma decisão histórica."
John Kerry afirmou que "o carvão e a sua eliminação progressiva fazem parte da decisão. É preciso reduzir gradualmente o carvão antes que possamos acabar com ele. Portanto, este é o início de algo".
Boris Johnson também não se abateu. Concordou que há ainda muito trabalho para os próximos anos, mas o acordo final "foi um grande passo para a frente, e criticamente, pela primeira vez, tivemos um acordo internacional para reduzir o carvão e um roteiro para limitar o aquecimento em até 1,5° C".
Guterres tuitou uma mensagem aos jovens e às minorias: "Sei que vocês podem estar desapontados, mas estamos na luta por nossas vidas e essa luta deve ser vitoriosa." Greta havia tuitado que, apesar do blá-blá-blá, a vida real continuaria além dos corredores [da COP]. "Nós não desistiremos. Nunca."
As chamadas "novas gerações" têm sido a referência da sustentabilidade desde a definição de 'desenvolvimento sustentável' pelo relatório "Nosso futuro comum" de 1987. Em 1992, com a Agenda 21, os jovens se tornaram um dos grupos majoritários a serem considerados nas políticas ambientais e uma geração comprometida com esses temas foi sendo construída mediante programas educativos e novas instituições. A questão do clima tem sido enfaticamente divulgada como uma causa jovem e de certa maneira consensual nesse século XXI.
A manutenção de jovens e minorias em constante mobilização por causas de interesse planetário mediadas pela ONU mostrou-se eficaz, tanto pela pressão impetuosa, mas ordenada, que esses ativistas exercem sobre os tomadores de decisão locais, quanto pelos quadros profissionais e de liderança que o engajamento está capacitando. A partir dessa formação, os jovens se integram mais preparados na elaboração e gerenciamento de projetos e programas transnacionais, afora a repercussão local. Contudo, há certo temor de que esteja se consolidando o que alguns denominaram "youthwashing", uso do discurso da juventude para passar uma imagem de que os eventos foram muito inclusivos e participativos, mas sem que essa fala tivesse se transformado em decisões reais.
Recentemente, o tema climático tem conduzido as lutas ambientais transnacionais em geral, cujas reivindicações começaram a ser, de algum modo, mediadas por exigências das políticas de combate ao aquecimento global. A proteção a ecossistemas e à biodiversidade, por exemplo, precisa agora mostrar sua integração com medidas climáticas. As decisões para a recuperação econômica global incluem critérios ambientais voltados para atividades de baixa emissão de carbono.
Relatórios científicos deste ano mostraram o cenário climático a partir do input de dados referentes às metas, compromissos climáticos e contribuições determinados pelas nações. Mesmo se as NDCs (contribuições nacionalmente determinadas) forem implantadas, o aumento da temperatura global pode chegar a 2,7° C até o fim do século, o que seria catastrófico para a vida como a conhecemos. As crianças que estão nascendo hoje terão uma velhice sufocante, caso cheguem até lá.
A distribuição do aquecimento pelo planeta não será homogênea. Há cálculos de que com a temperatura global aumentada em quase 3° C, na América do Sul a temperatura poderá chegar a um aumento médio de 5,5° C. Um dos piores cenários está na Amazônia que sofrerá um aumento em torno de 11,5° C, o que fará o ecossistema da região, caso ainda tenha restado alguma árvore, desaparecer. Afora que a oferta de água doce diminuirá com a evaporação resultando em calor e seca. Os seres humanos não têm estrutura física para suportar e viver em tais ambientes, pois a alta temperatura prognosticada para várias regiões do planeta excede a capacidade de termorregulação do corpo.
Presente em Glasgow: o pacto
Glasgow, a maior cidade da Escócia, conta com 600 mil habitantes e manifesta uma riqueza centenária acumulada inicialmente pelo próspero comércio de tabaco com a América do Norte na época colonial. Adam Smith, economista e filósofo inaugural do capitalismo, foi professor na universidade local. Universidade que, no século XVIII, acolheu James Watt, o construtor de um eficiente motor a vapor, cuja água era aquecida com o fogo do carvão, incrementando a Primeira Revolução Industrial, marca do início das emissões de gases de efeito estufa.
Mas, em 2021, Glasgow debateu como reduzir as emissões desses gases de modo que a temperatura do planeta não exceda 1,5° C até 2100. Apesar do espectro da Covid-19 ainda rondar, a COP-26 recebeu o maior número de participantes desde a primeira conferência climática em 1995: em torno de 40.300 pessoas, entre representantes e estadistas dos países membros da ONU, e participantes outros: stakeholders, observadores e imprensa.
A Conferência contou com uma surpresa: uma declaração bilateral de compromissos climáticos entre China e EUA, elaborados desde o início do ano. Os dois Estados têm recentemente comandado um conflito geopolítico e econômico considerado similar ao da chamada Guerra Fria. No entanto, a questão climática manteve-se um ponto sólido de entendimento, quiçá o único, cujos efeitos reverberam no silêncio de John Kerry nos bastidores finais da COP. Um dos tópicos da declaração já previa que a China estaria empenhada em reduzir (to phase down) o uso de carvão e não o eliminar (to phase out).
Ambos se comprometeram a colaborar entre si e com outros países e parceiros na redução das emissões dos gases de efeitos estufa conforme o Protocolo de Paris e a colaborar com as resoluções da COP-26 que resultaram no Pacto Climático de Glasgow. Para reduzir o CO2, prometeram agir conjuntamente para estimular o uso de fontes de energia limpa e incrementar a eficiência do setor elétrico. Cada um se comprometeu a reduzir o uso do carvão como fonte energética.
Destacam-se na declaração dois itens, o primeiro seria o reconhecimento da importância do gás metano no aquecimento do planeta, propondo que ambos colaborem com a redução dessa emissão em vários setores econômicos (Ver OE nº 54). O metano (CH4) tem um potencial de aquecimento atmosférico 28 vezes maior que o dióxido de carbono (CO2). A concentração dele na atmosfera duplicou desde a Revolução Industrial. Na última década, a emissão de metano aumentou em 9%. No entanto, a China não assumiu o documento global específico decidido na COP, preferindo estabelecer um compromisso próprio de redução de CH4.
Outro item seria reconhecer que a eliminação do desmatamento ilegal contribui para as metas do Acordo de Paris. Nesse sentido, EUA e China endossaram a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra. Segundo o item 10 do documento bilateral: ambos "pretendem se engajar de forma colaborativa no apoio à eliminação do desmatamento ilegal global por meio da aplicação efetiva de suas respectivas leis de proibição de importações ilegais".
Os citados dois itens foram alvo de discussões entre os líderes da COP que resultaram em dois compromissos de abrangência global. O primeiro deles se refere à promessa de corte de 30% das emissões de metano até 2030, comparado com 2020. Esse índice poderá reduzir o aquecimento em 0,2°C até 2050, colaborando com os esforços de redução em até 1,5°C no fim do século. Cento e nove países mais a UE participam dessa promessa global, inclusive seis dos dez maiores emissores desse gás: Estados Unidos (4º lugar), Brasil (5º lugar), Indonésia, Nigéria, México e Paquistão.
O segundo tema foi o compromisso endossado por 141 países, inclusive o Brasil, responsáveis por 90% da cobertura florestal do planeta, para proteger as florestas e outros ecossistemas terrestres, promover sua restauração e reverter a degradação do solo até 2030. Reafirmou-se o compromisso financeiro global para possibilitar a agricultura sustentável, o manejo florestal, a conservação e restauração das florestas e o apoio aos direitos dos povos indígenas e das comunidades locais. As metas climáticas se juntaram à defesa da biodiversidade e do uso sustentável da terra.
A Cúpula do Clima encontrou um consenso, expresso no Pacto Climático, que, além da confirmação da redução global do metano e do combate ao desmatamento, consolidou alguns importantes pontos pendentes. Reconheceu-se a importância de manter o aquecimento em até 1,5°C até 2100. Pela primeira vez foi citada a necessidade de redução do uso de combustíveis fósseis em favor do incentivo à energia limpa ou renovável, no caso apenas o carvão começaria a ser desestimulado, deixando outros de lado. Estabeleceram-se as bases de um sistema abrangente de um monitoramento mais eficiente das emissões, acompanhadas de um compromisso para reunir anualmente os ministros de meio ambiente.
Desde a primeira COP, o tema do financiamento a países pobres têm se arrastado; cada vez menos os países ricos mostram interesse nesses gastos, preferindo aplicá-los no incremento de suas próprias economias, especialmente em tempos de Covid-19. Em todo caso, permanecem as promessas e compromissos de investimentos em adaptação e redução de perdas causadas por desastres de origem climática.
Questões relacionadas ao financiamento de medidas de adaptação e mitigação dos danos, e a promessa feita na COP-15, em Copenhague, por países mais ricos, de destinar 100 bilhões de dólares anuais para as ações climáticas de países em desenvolvimento, foram adiadas para a COP-27, em Sharm El-Sheikh, Egito, em novembro de 2022. Uma avaliação mais avançada sobre finanças poderá ocorrer mais adiante, na COP-28, a "COP das soluções", a ser realizada nos Emirados Árabes.
O resultado de maior impacto na economia planetária dessa COP coube à regulação do Artigo 6 do Acordo de Paris, referente ao mercado de carbono, em que países e setores econômicos compram autorizações de emissão de CO2 de países que não emitiram remunerando-os.
A COP, apesar das lágrimas e da decepção, não deixou de ser uma ação conjunta entre os Estados do planeta.
Peido da boiada
A participação do Brasil na COP-26 dessa vez foi preparada com esmero para que o país melhorasse a imagem no exterior. Objetivo foi o de evitar a efetivação das ameaças de boicote comercial a produtos brasileiros, de bloqueio a linhas de financiamento verde internacionais e a outros incentivos ao bom comportamento frente ao que se espera quanto ao meio ambiente.
Segundo o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, Secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania do Itamaraty, responsável pelas negociações climáticas em Glasgow, o governo fez uma "reflexão cuidadosa" sobre sua política ambiental, admitiu o aumento de emissões de CO2 nos último dois anos, provavelmente em decorrência dos desmatamentos e acenou "corrigir" rumos.
Alguns dias antes da COP, o governo brasileiro lançou o Programa Nacional de Crescimento Verde, com financiamentos a projetos e atividades sustentáveis, para gerar os chamados "empregos verdes". Com esses incentivos, promete-se que a emissão de carbono chegará a zero no país até 2050. Na mesma época, foi criado o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde, responsável pela consecução das políticas públicas do país relativos à mudança do clima e ao crescimento verde.
O ministro do meio ambiente anterior, o passa-boi-passa-boiada, que criou confusão na COP-25, desmontou as instituições de proteção ambiental e defendeu descaradamente mineradores e madeireiros ilegais, foi substituído em junho de 2021. Meses antes, em março, o ministro das relações exteriores, que acintosamente divulgava o negacionismo climático, pediu demissão por exigência do Congresso.
Munido dessas ferramentas e de um discurso treinado para aderir à causa climática, o grupo do governo brasileiro partiu para Glasgow. A delegação oficial do Brasil foi a mais numerosa dentre as presentes na COP-26, exceto o Reino Unido, o anfitrião. Somou 479 pessoas, entre ministros, governadores e primeiras-damas, parlamentares, lobistas, empresas e associações empresariais, e até recepcionistas e uma bartender. Havia também alguns técnicos especializados nos assuntos em pauta. Mas ao contrário de outras conferências, a delegação oficial não incluiu representantes de ONGs e de movimentos sociais, tampouco indígenas.
Um vistoso pavilhão foi montado para dar guarida à delegação oficial, bartender e recepcionistas incluídas, — "200m²: o maior pavilhão da história do Brasil" — para servir de vitrine do "ambientalismo de resultados" (na COP-25 nem houve stand oficial). Fez-se um esforço em recuperar no exterior a credibilidade da política ambiental do país, "para inglês ver". As peças de comunicação enfatizavam "pontos positivos" — a matriz energética "limpa e renovável" do país, o investimento em biocombustíveis e hidrogênio verde, a agropecuária sustentável e "defensora da floresta" etc. Parte da programação foi realizada em Brasília e transmitida para os telões do stand.
Nessa COP, o governo federal tirou algumas surpresas de sua bem construída caixinha de marketing para assim contestar seus detratores. Dessa vez, não houve a presença acintosa de agentes de "inteligência" (ABIN) para vigiar ativistas, tampouco tentativas de 'melar' temas-chaves da pauta climática da conferência, ambos fatos ocorridos na COP de Madrid. A surpresa veio pela assinatura de dois acordos globais importantes e pela posição favorável à regulamentação do mercado de carbono conforme discutido em outras conferências.
O chefe da delegação brasileira, o novo ministro do meio ambiente, declarou que o principal objetivo do Brasil na COP-26 foi de contribuir com a regulamentação do Artigo 6 para organizar o mercado de carbono global. O Brasil seria um grande beneficiário dessa atividade pois exportaria créditos de CO2 a um preço que tem se mostrado crescente. Isso, ainda segundo o ministro, possibilitará "salvar a floresta amazônica".
Em Glasgow as discussões globais sobre o tema deram certo. O Brasil deixou de exigir uma "contagem dupla", como fez na COP-25, pela qual o carbono vendido deveria ser considerado 'carbono reduzido' também na contabilidade do país vendedor, posição que travou o andamento das resoluções na ocasião. O mercado de carbono poderá, a partir de então, começar a funcionar de forma eficiente envolvendo a economia do planeta.
Para mostrar que o governo "corrigiu seu rumo", foi assinada a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, documento que se encontrava pronto, sem margem para alterações. A declaração prevê US$ 12 bilhões para as florestas do planeta, oriundos de 12 Estados desenvolvidos e US$ 7,2 bilhões vindos de investimentos privados. Do total, US$ 7 bilhões irão para povos indígenas e comunidades tradicionais ao redor do globo.
O governo brasileiro anunciou que vai zerar o desmatamento ilegal até 2028, que reflorestará 18 milhões de hectares e recuperará 30 milhões de hectares de pastos degradados. Graças a essas promessas, o presidente do Brasil ganhou trinta segundos de manifestação em vídeo na reunião específica dos líderes sobre florestas. Não deu nem para arrotar.
Houve surpresa na assinatura pelo Brasil do Compromisso Global do Metano (Global Methane Pledge) pois o tema incide diretamente sobre o setor do agronegócio. O Brasil é o 5º maior emissor de metano do planeta. Os signatários se comprometem a reduzir 30% da emissão desse gás, independente da fonte, até o fim da década. Em 2020, gerou 20,2 milhões de toneladas de CH4, sendo que 14,5 milhões (71,9%) vieram do setor agropecuário. Desse total, 91,6% decorreram da fermentação entérica dos 218 milhões de ruminantes bovinos brasileiros (um bovino para cada habitante do país!), ou seja, dos arrotos e peidos do gado em seu lento processo digestivo.
Entre arrotos, peidos e promessas, a boiada continuou e continua passando. Projetos de lei que reduzem a governança ambiental tramitam no Congresso com apoio explícito do presidente e seus asseclas. As emissões de CO2 aumentaram no Brasil durante os meses em que o globo desacelerou devido à Covid. Os garimpos de ouro e sabe-se lá de que outros minérios se expandem, deixando marcas na paisagem que podem ser vistas do espaço sideral. Dados de final de outubro, deliberadamente esquecidos na época para não atrapalhar a prestidigitação na Escócia, mostraram que a área desmatada na Amazônia de janeiro a outubro de 2021 acumulou 7.806,23 km², índice alto, comparáveis com os períodos de janeiro até o fim de outubro de 2020 e 2019, com 7.899,37 km² e 8.425 km², respectivamente.
Nem bem a COP encerrou, fatos brutais escancararam a indigência do curral.
A manopla (visível) do mercado
Não muito distante do "maior pavilhão da história do Brasil" foi montado o espaço do Brazilian Climate Hub, plataforma inaugurada na COP-25 de 2019, reunindo organizações científicas, empresariais, ambientalistas, além de ativistas de movimentos sociais diversos, incluindo jovens e indígenas. Foi organizada pelos Instituto Clima e Sociedade (ICS), Instituto ClimaInfo e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e constitui uma ação ligada a dois Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030): ODS 13 -Ação contra a mudança climática e ODS 17 — Parcerias e meios de Implementação.
A programação diária foi bem variada, desde conversas sobre negócios sustentáveis, até atividades musicais, encontro com artistas, palestras. O corredor próximo às vezes se enchia daqueles que não conseguiram entrar na atividade do dia, e o stand ao lado, dos Emirados Árabes, chegou a ceder espaço para os brasileiros.
Segundo frequentadores do pavilhão, "nunca houve tantos empresários em uma COP, agora estão vindo diretores e CEOS das empresas. (...) A marca registrada dessa COP foi a integração entre políticos, ambientalistas e empresários". Por exemplo, o Presidente da Associação Brasileira do Agronegócio-ABAG conversou com T'xai Suruí — a jovem indígena brasileira, que, junto com chefes de Estado, abriu a Conferência das Partes —, sobre um assunto prático: o lançamento de uma marca de chocolate com o cacau produzido pelos Suruí-Paiter de Rondônia.
Até personalidades da delegação oficial, como a senadora Katia Abreu ou como o empresário dono da Marfrig (uma das maiores empresas de carne bovina do mundo e bem-posicionada no ranking global de ESG — o indicador de sustentabilidade do capitalismo), passaram por lá, e não foram para agredir os "críticos do governo" como fizeram outros da comitiva federal.
O espaço atraiu personalidades políticas, não apenas do Brasil. O Ministro do Meio Ambiente da Noruega reuniu-se com alguns organizadores e frequentadores do Hub. "Foi uma boa conversa" — avaliou um dos presentes na reunião. "Vivemos uma era em que os investidores buscam a segurança de produtos rastreáveis, por isso são necessárias integridade e credibilidade internacional".
A presença maciça de pessoas não diretamente ligadas às delegações oficiais da conferência, mesmo sem acesso às discussões e decisões da plenária das partes, incrementou parcerias e acordos, tendência que já aparecera em COPs anteriores. Na ausência de regulamentos internacionais mais firmes e pela própria dificuldade em se implantar as resoluções consensuais, tem ocorrido diversos acertos bilaterais entre nações, acordos entre empresas, ONGs, alianças voluntárias, políticas pontuais, visando reduzir e compensar as emissões.
No Brasil, articulados pelo ambientalista Alfredo Sirkis e inspirados nos governadores estadunidenses reunidos anos antes para se contraporem à política anti-Acordo de Paris de Trump, gestores de 24 estados formaram a Coalização dos Governadores pelo Clima. O objetivo era o de arrecadar fundos e apoio para projetos ambientais. Conseguiram reunir-se e apresentar propostas a, entre outros, John Kerry e o Príncipe Charles. O programa prometeu mobilizar investimentos privados para projetos sustentáveis brasileiros, por meio da chamada Sustainable Markets Initiative (Iniciativa de Mercados Sustentáveis).
O setor produtivo já vem tratando do assunto, contribuindo para que a questão climática se torne a ponta de lança do meio ambiente na economia do planeta. Uma iniciativa importante foi o estabelecimento de um protocolo, o GHG Protocol, que resultou de uma parceria entre World Resources Institute (WRI) e o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD). O protocolo GHG estabeleceu, há mais de vinte anos, padrões globais para medir e gerenciar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e tem trabalhado com governos, associações industriais, ONGs, empresas e outras organizações.
Segundo o Príncipe de Gales na abertura da Conferência, o setor privado apresentou a "única perspectiva para se alcançar a reforma econômica essencial para evitar um desastre climático".
Joe Biden deu maior crédito ao setor financeiro: "São os banqueiros que estão decidindo agora. Temos agora a grande América corporativa levando em consideração o preço das emissões de carbono. Isso é importante."
Por outro lado, ambientalistas "de raiz" temem que a COP tenha fortalecido o chamado greenwashing (mensagens ambientais de empresas sem correspondente ação de proteção ao meio ambiente), ao observarem, por exemplo, o tamanho e a força do grupo de empresários do setor de combustíveis fósseis que apareceu por lá. Mas o desdobramento dessa constatação e o efetivo peso desse segmento ficarão para as próximas conferências, especialmente a COP-28 a ser realizada nos Emirados Árabes.
Há também um alerta de que a "letra E" da tendência do capitalismo global e do novo norte da bússola do dinheiro: a agenda ESG, (Environmental, Social, Governance) pode frear metas ambientais mais efetivas. Na parte ambiental, a letra E, as empresas para ganharem algum selo ESG e obterem financiamento de uma parte dos investidores, precisam se comprometer a reduzir emissão de GEE (aqui entraria o mercado de carbono), a usar recursos naturais de forma sustentável, a buscar eficiência energética, a tratar resíduos, a evitar desperdício. São iniciativas que não garantem uma economia verde, tampouco compromisso de zerar a emissão de CO2 até meados do século. A não ser que resultem em lucrativos negócios, regulados pela manopla do (in)finito mercado.
Retorno aos dias que virão. Chegaram?
Cientistas avaliam que as medidas aprovadas na COP para reduzir emissões não serão suficientes para evitar um aquecimento acima de 1,5°C até 2100. As tempestades de areia que ocorreram este ano no Brasil em áreas antes ocupadas pela mata atlântica e vegetação de cerrado prenunciam parte do cenário dos dias porvir.
Grãos de pó escapando das ampulhetas.
R A D. A. R
Encontro dos ministros de meio ambiente em Londres PreCop-26, julho de 2021.
Grupo Consultivo da Juventude sobre Mudança Climática
Juventude e Clima: live com jovens brasileiros no Youth4Climate
Greta Thunberg at Youth4Climate
Manifesto da juventude pelo clima - 2021
Encontro em Milão para estabelecer as bases da COP26 (reportagem)
Último dia da COP 26: leitura dos resultados (a partir de 4h19')
Bastidores das negociações finais do Pacto de Glasgow
Greta Thunberg, blah blah blah e Secretario geral da ONU
Negociações da COP 26 explicadas
A tempestade que se acumula: adaptando-se às mudanças climáticas em um mundo pós-pandêmico (ebook)
Compromisso global do metano: texto (Global Methane Pledge)
Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra
Artigo 6 do Acordo de Paris:
Pavilhão oficial brasileiro na COP 26 — "O ambientalismo de resultados!"
Programa Nacional de Crescimento Verde
Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde
World leaders on forests COP 26 (Presidente do Brasil aparece em 38:50, por 30')
Brazilian Climate Hub na COP 26
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia -IPAM
Reportagem sobre Brazilian Climate Hub
Sustainable Markets Initiative SMI
Observatório ecopolítica, n. 89
Observatório ecopolítica, n. 54
Observatório ecopolítica, n. 62
'COP26 hasn't solved the problem': scientists react to UN climate deal
O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br
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