Voltar para página inicial
sobre observatórioinformativo revista ecopolítica contato
pesquisadores
projeto em fluxos
ecopolítica
direitos
segurança
meio ambiente
penalização a céu aberto
documentos
eventos
links
relatórios
pesquisas
iniciações científicas
mestrados
doutorados
pós-doutorados
home | sobre o projeto

Paisagens

texto e seleção de imagens: aline passos e marcia lazzari.
indicação de verbete: edson passetti.

 

As regulações e regulamentações voltadas ao gerenciamento do planeta, aos direitos de cada vivente e às garantias de segurança para a sociedade produzem intervenções em grupos distintos, classificados como mais ou menos perigosos, refugiados, apátridas...

 

Há um tempo, estas operações recaem, também, sobre os remanescentes dos efeitos de cataclismos ambientais. São para eles, preferencialmente, que se voltam atenções especiais como proteção, precaução e prevenção diante dos efeitos de desastres.

 

A poluição do ar e das águas, a destruição das matas, a desertificação e os acúmulos de detritos, igualmente se deslocam. Mesmo não atingindo um suposto padrão de conservação ambiental— ainda que seja sua meta jamais alcançada —, gente e natureza, entrelaçadas, em diversas paisagens são cada vez mais redesenhadas e programadas, segundo expectativas relacionadas com padrões de sustentabilidades.

 

O acúmulo de lixo atômico, a proliferação das deformidades físicas e de doenças incuráveis, com sequelas insuportáveis, a difusão do medo ao desconhecido, a inerente destruição que acompanha um acidente nuclear, tudo isso compõe um percurso que envolve vida, pessoas e meio ambiente. Atinge-nos mais ou menos com a força de um raio, mas exigem que nos acomodemos às autoridades e aos itinerários políticos traçados por suas mãos.

 

 

Móveis e inusitadas, transnacionais, efêmeras ou não, as paisagens são históricas. Expressam fatos, estabelecem conexões, indicam interpretações, estampam e comunicam movimentações das pessoas. Compreendem um acontecimento, uma imensidão na qual estão os fenômenos naturais que irrompem, surpreendem e assustam pessoas. Seus efeitos escancaram os manejos da ordem ou a subvertem.

 

As paisagens escolhidas recortam momentos singulares da tragédia no Japão e relembram outros acidentes nucleares que mudaram as relações entre pessoas e meio ambiente, provocaram deslocamentos inalcançáveis pela almejada qualidade de vida e instauraram a eminência da morte e proliferação de doenças. A partícula beta com capacidade de atingir cerca de um centímetro na pele, causa queimaduras; raios gama atravessam o corpo, deformam as células, e produzem vários tipos de câncer...

 

 

Em 11 de março de 2011, assistimos, quase em tempo real, um tsunami que atingiu 23 metros de altura e destruiu grande parte da costa nordeste do Japão. Deixou os dispositivos de vigilância eletrônica reduzidos a ínfimas informações. Os que escaparam da morte presenciaram a destruição de suas casas, bichos, plantas, amigos, parentes, vizinhos e pessoas desconhecidas em suas cidades. Os convalescentes têm atados à memória do pavor o vazamento radioativo.

 

 

As tragédias recentes ampliam imprevisíveis desdobramentos. A usina de Fukushima relembra a explosão de um dos quatro reatores da usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, que espalhou uma nuvem radioativa de 100 milhões de curies; recorda o Three Mile Island, ocorrido nos Estados Unidos, em 1979; repassa em nossas reminiscências o acidente em Goiânia, no Brasil, em 1987, que levou à morte vários moradores de uma região empobrecida da cidade em decorrência da contaminação por césio 137; reacende as ameaças produzidas pelas construções das usinas nucleares em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, região onde a incidência de fortes chuvas aliada às condições do solo já provocaram tragédias e mortes, como no início de 2010.

 

Está em jogo na composição dessas paisagens certa política de gestão de riscos, segundo a qual a lucratividade na utilização de energia nuclear deve superar acidentes e tragédias anunciadas.

 

Natureza, s. f. (do latim Natura)

IXIGREC

 

Esse termo pode ser entendido em sentidos muito diferentes, seja designando de modo geral tudo o que existe, seja indicando mais particularmente as qualidades e a essência própria de cada objeto examinado separadamente.

 

No primeiro caso, seria quase sinônimo de universo, mas num sentido mais restrito, mais humano, mais personalizado, mais ativo e materialista, abarcando múltiplas nuanças, seja como designação impessoal da evolução da substância em movimento, seja como compreensão de um princípio ativo agindo sobre essa mesma substância; finalmente, como concepção do estado do mundo, principalmente do mundo terrestre, fora da influência humana.

 

 

No segundo caso, menos sujeito a discussão, ele designa, sobretudo, os atributos particulares de cada coisa, o aspecto característico sob o qual ela impressiona nossa sensibilidade. Para os seres vivos, ele compreende tudo o que é inato, espontâneo, instintivo, anterior à educação.

 

Em seu esforço de compreensão, os homens tentaram, através de métodos racionais ou especulativos, classificar suas impressões, dar um sentido a tudo que os rodeava e a explicação animista deve ter sido uma das mais fáceis e mais primitivas a se apresentar para a inteligência humana. De acordo com essa concepção antropomórfica, tudo era dotado de vontade, de objetivo, de finalidade. A ambiguidade dos textos antigos não permite uma ideia muito precisa da concepção que seus autores tinham da natureza. A abundância e a multiplicidade dos atributos de suas inúmeras divindades não facilitam tal pesquisa. É difícil saber se, no espírito dos primeiros povos, a Natureza personificou-se abstratamente como princípio ativo de tudo que se move, sob a forma imprecisa de um princípio universal contido em toda substância, ou se ela era concebida como muitas vontades separadas, agindo em cada objeto.

 

O estudo dos povos primitivos não mostra a existência entre eles de especulações muito profundas, e suas concepções simplistas atribuem aos espíritos tais poderes que acabam suprimindo qualquer busca de causas menos voluntárias. Entre os povos cultivados, o espetáculo do mundo revelou-se rico de contradições e sua engenhosidade esforçou-se por conciliar o problema insolúvel do determinismo manifesto das coisas com o sentimento da liberdade individual.

 

 

Toda poesia antiga é marcada por esse dualismo, onde o homem se encontra perpetuamente em luta contra as forças simbolizadas da natureza. A filosofia grega aprofunda realmente essa questão, mas certa ética atrapalha essa pesquisa, que só se realiza com sucesso fora de qualquer intervenção das ideias de bem e mal. Nem o epicurismo, nem o estoicismo chegaram a abordar profundamente o problema. Tampouco a  Idade Média, impregnada de peripatetismo, os filósofos do século XVII e XVIII ou os filósofos modernos deram passos decisivos na compreensão da evolução do universo. A causa desse insucesso é provavelmente resultante do fato de que o homem busca em sua explicação do universo algo de humano que se insinua involuntariamente ou inconscientemente em suas meditações. Foi assim que as ideias de harmonia, de ordem, de leis, de evolução, de regularidade, geradas pelas próprias condições nas quais vivem os humanos, mas que são apenas consequências de sua adaptação ao meio, acabaram sendo postuladas como uma realidade independente do homem, necessitando uma explicação evidentemente finalista.

 

Quando já de início se pensa que a natureza é harmoniosa, que a evolução universal é grandiosa e bem ordenada, a seguir pode parecer espantoso que isso não seja a obra de uma causa inteligente, pois apenas uma inteligência poderia conceber a ordem e realizar a harmonia dentro do caos.

 

Portanto, a solução do problema está em analisar no que consistem a ordem e a harmonia da natureza e em pesquisar se essas duas concepções não seriam um produto de nosso funcionamento. Notemos que a ideia de ordem subentende a de organização visando certo objetivo, uma finalidade, e seria preciso em primeiro perguntar se existe realmente ordem no universo. Ora, é aqui que a questão da relação entre a duração humana e a duração dos fenômenos permite-nos rejeitar o conceito da bela ordenação do cosmo. De fato, chamamos de ordem o arranjo, a coordenação das diversas partes de uma coisa visando um objetivo a ser realizado, e o espetáculo do mundo mostra-nos apenas destruição mútua, instabilidade, perpétuos recomeços. Nenhuma forma dura eternamente, tudo se dissolve sob a influência do movimento universal. A ordem, a harmonia são apenas aspectos momentâneos do mundo ambiente, que duram o suficiente para formar em nossa memória uma sucessão de imagens cujo conjunto não é imediatamente prejudicial a nossa conservação. Mas exatamente devido ao fato de que tudo se destrói, é evidente que aquilo que chamamos de harmonia é formado por um conjunto de minúsculas destruições ou mudanças imperceptíveis, em equilíbrio com nossa própria variação permanente. É esse equilíbrio, essa adaptação criadora de nossa duração que maravilha os finalistas. Eles não enxergam que a ordem natural é desordem que dura, e que o conceito da infinidade do tempo e espaço, criado por nossa duração humana, está em oposição com qualquer concepção de objetivo, de limite, de fim.

 

O mundo biológico, com suas atrocidades basta por si só para arruinar o conceito da harmonia universal e o da excelência da natureza. O sofrimento e a morte não servem para nada, pois tudo sofre e morre, e essa gigantesca hecatombe não possui qualquer sentido do ponto de vista dos eternos recomeços.

 

Portanto estamos confrontados com a inutilidade de todas essas coisas e é difícil admitir que ser ou não ser se equivalem exatamente quanto às consequências finais. Essa desastrosa constatação determinou que os partidários das causas finais acreditassem que o mundo possuía um objetivo desconhecido e que todas as contradições aparentes desse mundo devessem se conciliar harmoniosamente em vista dessa meta misteriosa. Tal conceito é irremediavelmente destruído pela impossibilidade de se cindir a eternidade em duas partes e de se destruir a eternidade que nos precedeu. Essa eternidade equivale, logicamente, àquela que nos sucederá, podendo-se dizer que o mundo atual, tal qual é, oferece-nos o espetáculo do que é realmente o universo, sem qualquer esperança de se supor que ele já foi ou será melhor. Ao contrário, devemos ter certeza que ele é aquele em que nossa existência, boa ou má, é a única possível, pois somos o produto desse mundo e não de algum outro qualquer.

 

Assim, a natureza não é boa nem má, nem cega ou clarividente. Ela é o conjunto das substâncias em movimento, em meio às quais aparece a duração humana que é a única a dar um valor comparativo aos diversos aspectos dessa natureza pela conservação das imagens ou ritmos favoráveis ou prejudiciais à sua própria conservação.

 

O progresso da ciência atual demonstrando o dinamismo de toda matéria, destrói igualmente o conceito dualista de um princípio ativo (a energia, a natureza, etc.) agindo sobre a matéria e animando-a.

 

Deduz-se daí que é apenas nossa psicologia, pelo simples fato de nossa existência, que cria o espetáculo das coisas, sua conservação, sua duração e que tudo isso desapareceria enquanto duração, ordem e harmonia, com nosso próprio desaparecimento.

 

No entanto, pode-se dizer que o mundo continua a existir após nossa morte, e os fenômenos também continuam se sucedendo numa dada ordem. Isso é exato, mas a constatação de uma ordem e de uma sucessão de fenômenos é um fato biológico, um fato de memória, de conservação de imagens, podendo se deslocar subjetivamente no tempo e, fora de nossas lembranças e de nossa duração humana, nada resta enquanto medida de avaliação do espaço e do tempo.

 

Finalmente, devemos examinar o que pode ser entendido por estado natural fora da influência humana. De fato, certos filósofos preconizaram o retorno à natureza, como se esta fosse uma espécie de paraíso garantindo a felicidade a todo ser vivo. Entretanto, esse modo de ver, em contradição com o próprio espetáculo da vida, não é de forma alguma errôneo, e pode ser resumido assim: todo ser vivo atual é o produto de uma longa sequência de lutas entre seus ascendentes e o meio. Se atualmente ele se encontra vivo, é porque sua espécie se adaptou às condições desse meio com o qual seu organismo está em equilíbrio mais ou menos estável. Portanto, qualquer mudança mais ou menos brusca do meio, qualquer variação ou transformação pode ter uma influência boa ou má sobre os seres vivos nesse mesmo meio. Dessa forma, os filósofos e os sociólogos hostis à civilização e desejando o retorno à natureza podem pensar com alguma aparência de razão que o homem primitivo encontrava-se numa melhor harmonização com a natureza do que o homem civilizado atual, pois a espécie humana era a sobrevivente de uma série de adaptações onde apenas os mais aptos sobreviveram. Mas isso só é verdadeiro enquanto o próprio meio não variar: enquanto a subsistência, a temperatura, as condições totais de existência oscilarem entre extremos que a hereditariedade específica suporta normalmente. Tudo muda de figura quando as condições variarem por elas próprias: secas, inundações, cataclismos, fenômenos meteorológicos ou astronômicos modificam a fauna e a flora de toda uma região ou de um continente.

 

Também é preciso notar que a adaptação nunca é perfeita e que os seres vivem, seja bem seja mal, e através todos os tipos de recursos que nem sempre nos parecem os mais favoráveis ao seu bom funcionamento. É isso que explica a diversidade e a própria evolução das espécies. Todos esses fatos mostram que, contrariamente à opinião dos filósofos naturalistas, não é o meio que seria conveniente para o ser vivo, mas sim o ser vivo é que é conveniente ao meio. Assim que deixar de sê-lo, ele desaparece. Dessa maneira, o máximo que podemos pensar de bem sobre a natureza é que os sobreviventes dos massacres milenares possuem um organismo em equilíbrio com as condições naturais do meio no qual eles vivem e que, se eles se afastarem dessas condições, podem se encontrar em situação de risco. Mas se o homem tivesse se adaptado estritamente a essas condições ele teria permanecido um animal vizinho dos antropoides atuais e a questão nem mesmo se colocaria. De outro lado, o próprio fato de que os ancestrais do homem modificaram o meio natural prova que este não lhe convinha inteiramente. É aqui que os filósofos naturalistas se perdem em sua concepção errônea da adaptação, pois embora o homem não deixe de ser o produto do meio natural, ele próprio forma um meio diferente do meio natural. Ora, no que diz respeito à adaptação, nunca sabemos de antemão qual terá sucesso e qual fracassará. É apenas após a experiência que se pode afirmar que tais ou tais condições se opunham ou eram favoráveis à vitalidade de uma dada espécie.

 

Então, o homem pode muito bem se adaptar ao meio civilizado que ele criou e nada prova que sua espécie terá por isso diminuída sua vitalidade. Aliás, o espetáculo mesmo da evolução das espécies mostra  transformações  surpreendentes e com variações bem mais extraordinárias do que aquelas oferecidas pela evolução da humanidade.
Restam as vantagens ou desvantagens que os humanos retiram da vida civilizada. Indiscutivelmente, é a vida social que formou a inteligência e a consciência humanas: assim, é inútil lamentar o desaparecimento da horda primitiva. De outro lado, a natureza emprega como único meio para criar o equilíbrio entre os seres humanos o massacre de uns pelos outros. Nada contribui nesse estado, dito natural, para que cada uma das partes desempenhe um papel harmonioso no conjunto. O movimento vital, ilimitado em seu poder transformador, tende a conquistar qualquer substância assimilável que, limitada, só pode ser suficiente para essa conquista através de uma perpétua destruição de suas combinações. Assim, do átomo às gigantescas nebulosas, tudo se choca e se destroi. A natureza é apenas um campo de batalha eterno. Apenas a inteligência humana reage contra esse caos aterrorizante com seu anseio de harmonia, seu amor pela duração, sua tendência para o equilíbrio pacífico dos seres e das coisas. É a sensibilidade humana que introduziu a ética e a estética num mundo sem finalidade, sem meta, sem justificação.

 

Portanto, é mais vantajoso para o homem impulsionar para mais além sua evolução extra natural do que retornar a uma existência da qual seus ancestrais se evadiram. Aliás, é mais fácil responsabilizar por nossos instintos belicosos atuais o selvagem primitivo adormecido no coração de qualquer humano do que o pensador que tende a se desenvolver em cada um de nós. O pensamento  leva-nos para o espetáculo das coisas, ao passo que a ação tende à possessão dessas mesmas coisas, o que gera inevitáveis conflitos. Assim, a inteligência, o pensamento, produtos sociais, encaminham o homem para soluções pacíficas, harmoniosas, para realizações éticas e estéticas alheias às ferocidades criadas pela ordem natural. O que não quer dizer que o meio civilizado não seja por si próprio criador de males tão temíveis quanto os da própria natureza, mas ele só é maléfico, precisamente, por sua imitação servil dos conflitos naturais.

 

É conhecendo bem a natureza naquilo que ela tem de poderosa, em sua desarmoniosa e terrível realidade, que o homem irá criar realmente um meio em que se realizará seu sonho de harmonia, fora do qual só existe um eterno caos.

 

 

Robert COLLINO (1886-1975), pseudônimo IXIGREC. Foi articulista em L'en dehors e no L'Unique, editados por Émile Armand. O verbete encontra-se na L'Enciclopédie Anarchiste (1934), organizada por Sébastien

Faure: http://www.encyclopedie-anarchiste.org/articles/n/nature Tradução de Martha Gambini.

 
nu-sol
 
DTI-NMD

Voltar para página inicial mapa do site página de contato