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Paisagens

Texto: Salete Oliveira

 

Política e psiquiatrização da ordem a céu aberto

 

Salete Oliveira
Pesquisadora no Nu-Sol e no Projeto Temático Fapesp Ecopolítica, professora no Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais e no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Contato: peemanki@yahoo.com.br.

   

 

 

Na volta, um autômato que andava no pasto-passo do haloperidol. O manicômio é o cu do mundo. E ele se distenderia outro, no mesmo, diuturnamente, no campo profícuo assentado entre a política, a psiquiatria e o direito.

Em meados da década de 1970, mais especificamente em 1977, Michel Foucault acertou em cheio os baixos começos de um novo alvo a ser incidido na luta antipsiquiatria: o setor.

   
 

(...) estaremos nós em ruptura com a psiquiatria do século XIX e com o sonho que ela trazia desde a origem? O setor não seria um outro modo, mais maleável, de fazer funcionar a medicina mental como uma higiene pública, presente por toda parte e sempre pronta a intervir? (...) Nossas sociedades e os poderes que nelas se exercem são colocados sob o signo visível da lei. Porém, de fato, os mecanismos mais numerosos, os mais eficazes e os mais fechados atuam nos interstícios das leis, segundo modalidades heterogêneas ao direito, e em função de um objetivo que não é o respeito à legalidade, mas a regularidade e a ordem. Todo um regime de não-direito estabeleceu-se, com efeitos de desresponsabilização, de tutelado, e de manutenção da menoridade; e aceita-mo-lo ainda mais por ele poder justificar-se, de um lado, pelas funções de proteção e segurança, de outro, por um status científico ou técnico. Não há por que se enganar. Se é verdade que a lei universal e igualitária com que se sonhava no século XVIII serviu de instrumento a uma sociedade de desigualdade e exploração, nós caminhamos, com largas passadas, para uma sociedade extrajurídica na qual a lei terá por papel autorizar intervenções coercitivas e reguladoras sobre os indivíduos. A psiquiatria (...) foi um dos grandes fatores dessa transformação (FOUCAULT,1999: 297).

   
 

A reforma psiquiátrica tomaria maior vulto no Brasil no final dos anos 1980 e concomitante à luta antipsiquiatria, e derivações de seu arrefecimento, preponderariam os circuitos da reforma e muitos ocupariam o cômodo lugar da luta antimanicomial negociada:

 

 

O sistema loucura-doença mental, depois de problematizado pela antipsiquiatria, passou, também, pela captura como os demais efeitos das lutas contra a ordem, sob a forma de direitos que gradativamente compuseram a continuidade do manicômio com práticas a céu aberto dos cares e metamorfoseou a luta antipsiquiátrica em luta antimanicomial negociada (PASSETTI, 2012: 106-107)..


 

No início do século XXI, consolidou-se a criação de uma gama de serviços substitutivos acompanhados de nova legislação, para o que se passou a denominar de saúde mental, coroada em 2001 pela Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001).

Por volta de meia-década depois a estimativa de leitos psiquiátricos, só para se restringir aos credenciados pelo SUS, giravam em torno de 38.842 articulados à ampliação exponencial dos CAPS distribuídos por todo o país, conjugados, na ocasião, a 479 Serviços Residenciais Terapêuticos, 860 ambulatórios de saúde mental, cerca de 60 Centros de Convivência e Cultura e 2.741 usuários do Programa de Volta para Casa.1

O campo psiquiátrico a céu aberto se distendeu e a existência do manicômio permaneceu intocada, no redimensionamento da rotina manicomial sob o que viria a se firmar como projeção de celas socialmente aceitas dentro e fora dos muros.

No final da primeira década do século XXI, o setor, ou mais especificamente, sua multiplicação antecedida pelo prefixiologia tomaria pé no país, sob a denominação de intersetorialidade. Ela passaria a figurar definitivamente emblemática na IV Conferência Nacional de Saúde Mental de 2010.

 

 

O tema da IV Conferência ‘Saúde Mental direito e compromisso de todos: consolidar avanços e enfrentar desafios’ permitiu a convocação não só dos setores diretamente envolvidos com as políticas públicas, mas também de todos aqueles que têm indagações e propostas a fazer sobre o vasto tema da saúde mental. A convocação da intersetorialidade, de fato, foi um avanço radical em relação às conferências anteriores, e atendeu às exigências reais e concretas que a mudança do modelo de atenção trouxe para todos. Desde a III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada no ano de 2001, cresceu a complexidade, multidimensionalidade e pluralidade das necessidades em saúde mental, o que exigiu de todo o campo a permanente atualização e diversificação das formas de mobilização e articulação política, de gestão, financiamento, normatização, avaliação e construção de estratégias inovadoras e intersetoriais de cuidado. (...) A ampliação e o aprofundamento da reforma psiquiátrica e do novo modelo de atenção em saúde mental requerem, nas ações que incidem sobre a violência e suas consequências, estimular a identificação precoce e a notificação de casos de violência interpessoal, promovendo a ampla divulgação na sociedade dos mecanismos e possibilidades de denúncia de situações de privação social e maus tratos a pessoas em vulnerabilidade social e em sofrimento psíquico. Para isso, é fundamental a difusão de programas e dispositivos tais como os serviços de disque-denúncia de situações de violência, os vários programas de atenção à violência, o Registro Nacional de Acidentes e Violência e a Ouvidoria da Saúde, estes últimos para identificar e qualificar as situações de violência na rede de saúde. É também essencial a provisão de instrumentos legais e serviços adequados para garantir uma atenção integral a todos os atores envolvidos em situações de violência, inclusive os autores de violência, pelos vários dispositivos integrantes da rede de atenção psicossocial intersetorial. Um componente essencial deste trabalho é assegurar a aplicação da Lei Maria da Penha, para garantir atendimento integral às vítimas de violência doméstica e/ou sexual e aos agressores. Este campo de atenção deve ter também ações integradas de prevenção e reabilitação, com iniciativas de prevenção e detecção precoce de violência intrafamiliar e das situações de privação de liberdade e cárcere privado, além da garantia da implantação do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM); de assegurar a abordagem adequada de pessoas com condutas autoagressivas, ideação e/ou tentativas de suicídio, como no Programa de Prevenção ao Suicídio; bem como a oferta de centros de convivência, grupos operativos, terapia comunitária e outros dispositivos capazes de acolher efetivamente as pessoas vítimas de violência. Para a realização de todas estas ações, é fundamental garantir a educação permanente e intersetorial aos trabalhadores de saúde mental e de todos os serviços públicos que tenham interface com a comunidade, incluindo as equipes de emergência que atuam em situações especiais de catástrofes e/ou violência urbana e rural. As propostas aprovadas durante a conferência explicitam uma concepção da violência como um fenômeno intrinsecamente multidimensional e intersetorial, e daí a ênfase dada no fortalecimento das alianças e ações intersetoriais. Isso se dá através da criação de parcerias institucionais com um amplo espectro de atores sociais e políticos, como o Judiciário, os Conselhos de Direitos, Conselho Tutelar, Defensoria e Ministério Público, Secretaria de Segurança Pública, Conselhos Municipais de Saúde, Ordem dos Advogados do Brasil, Secretarias de Assistência Social, Cultura, Lazer e Esportes, etc. Esta frente deverá contemplar iniciativas de criação de redes locais de trabalho intersetorial, de prevenção e cuidado em situações de violência e de combate às diversas formas de estigma e preconceito. Para isso, é enfatizada a importância de sensibilizar a população sobre os novos paradigmas em saúde mental e da cultura da paz (...) (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE; CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE; COMISSÃO ORGANIZADORA, 2010: 7; 153-154).

 

 

As conexões intrínsecas entre medicina, direito penal, psiquiatria e criminologia, articulados pela intersetorialidade e os denominados transtornos mentais, apresentaram ressoar simultâneo com as perícias e os aprisionamentos intra e extra-muros, mas não só; trouxeram novos contornos histórico-políticos distendidos para a chamada medida de segurança que ultrapassam, em muito, a convencional definição jurídico-política do termo.

 

 

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 30 de julho de 2010, dispôs quanto à substituição do modelo manicomial de cumprimento de medida de segurança para o modelo antimanicomial, no que tange à atenção aos pacientes judiciários e à execução da medida de segurança. Essa substituição deve ser implantada e concluída no prazo de 10 anos. A partir de então, fica determinado a mudança do modelo assistencial de tratamento e cuidado em saúde mental, que deve acontecer de modo antimanicomial; em serviços substitutivos em meio aberto; buscando a intersetorialidade como forma de abordagem; o acompanhamento psicossocial contínuo, realizado pela equipe interdisciplinar; a individualização da medida; a inserção social; o fortalecimento das habilidades e capacidades do sujeito em responder pelo que faz ou deixa de fazer. A adoção do modelo antimanicomial traz funções importantes ao psiquiatra forense em perícias criminais nos casos em que houver exame de sanidade mental e cessação de periculosidade (Conselho Nacional De Política Criminal E Penitenciária). Obviamente, esta intenção antimanicomial tem sérias críticas e ainda depende de muita discussão para equilíbrio adequado entre o que está escrito e o que deve ser a prática segura para a sociedade e para o próprio periciado (COREDEIRO e LIMA, 2013: 253-254).

 
 

A psiquiatria mais uma vez foi fortalecida, e se diversificou pela via das neurociências. Começa a se insinuar de forma cabal, também por ela, os esboços daquilo que pretende se firmar como neurocriminologia (RAINE, 2008).

Em visita recente ao Brasil, Adrian Raine, professor de psiquiatria e criminologia na Universidade da Pensilvânia nos EUA, aproveitou o lançamento de seu livro The Anatomy of Violence (2013), ainda não traduzido para o português, para divulgar a neurocriminologia, nova disciplina científica elaborada por ele, e frequentar os protestos da jornada de junho em Porto Alegre.

 

 

A neurocriminologia é uma nova disciplina que estou começando a desenvolver nos Estados Unidos, que envolve a aplicação de técnicas da neurociência para entender as causas do crime. Nós tentamos juntar tudo que aprendemos nos últimos anos — na genética, técnicas de imagem cerebral, neuroquímica, psicofisiologia e neurocognição — para explicar porque algumas pessoas crescem para se tornar criminosos violentos. Queremos entender o cérebro por trás não só dos criminosos comuns, mas também o de psicopatas, criminosos de colarinho branco e homens que batem em suas esposas. Nós estudamos todo o leque de comportamento antissocial e observamos que, não importa a forma, existe uma base biológica para todos eles. (...) Na verdade, encontrar as causas da violência é muito mais complexo (...). Só agora estamos começando a identificar com segurança quais as áreas cerebrais que, se prejudicadas, aumentam as taxas de violência. Mas esse é um quebra-cabeça com muitas peças. A amígdala é uma peça, o córtex pré-frontal é outra peça, e certamente há outras áreas cerebrais envolvidas. Mas também há outros tipos de peças. Não é só a biologia. Os fatores sociais também são importantes. Desemprego, pobreza, preconceito racial, maus tratos paternos e más condições de habitação e educação têm seu papel nisso — e inclusive podem afetar o desenvolvimento cerebral. Acontece que por décadas os pesquisadores têm estudado só essas peças sociais. Agora estamos descobrindo as peças biológicas do quebra-cabeça. O próximo desafio é colocar essas peças juntas. (...) Pense nos manifestantes que vão às ruas no Brasil. Muitos deles são pacíficos. Eu fui a uma manifestação em Porto Alegre (...) e marchei com a população por três horas. Todos estavam tranquilos, muito organizados, não vi nenhum tipo de comportamento antissocial. Mas por volta das 21 horas, gás lacrimogênio foi disparado pela polícia e eu decidi que era hora de ir embora. Depois, fiquei sabendo que uma pequena minoria ficou por ali e praticou atos obviamente antissociais. Vandalismo, quebrar carros, roubar lojas — isso não é atacar o governo, mas atacar os cidadãos do Brasil. Se eu pudesse analisar o cérebro dessas pessoas, provavelmente veria que eles tinham uma baixa função da amígdala, a parte responsável pela consciência, remorso, culpa e medo. Penso que essas pessoas têm não só uma razão política para sua violência, mas uma razão biológica. (...) a situação social é importante nesse tipo de comportamento. Mas repare que, mesmo com esse estímulo do grupo, só algumas pessoas quebram a lei. A maioria decide fugir (RAINE, 2013a).

 
 

Adrian Raine, aclamado por ele mesmo e por especialistas, autoridades, e midiáticos como o novo Lombroso, tal como veiculado pelo The Wall Street Journal e New York Times (RAINE, 2013b; BLOOM, 2013), instrumentalizado hoje pelos avanços neurocientíficos, imputa o conceito de recuo covarde à noção de fuga. Desdobra os umbrais tanto da psiquiatria quanto da interpretação psicanalítica. Pretende arrefecer a fuga no espaço da covardia. E, como tantos, busca despontencializar a firmeza da fuga do estado de ordem, da fuga ruína da ordem, presente em muitos daqueles que ele chama de vândalos, quando são eles que se voltam contra a polícia, a lei, o Estado e a propriedade, e explicitam em pequenos dias extraordinários a diferença entre a pequena fuga presente no insuportável (PASSETTI, 2013a; PASSETTI e AUGUSTO, 2014) e a domesticada captura dos que velam pelo recuo em nome da ordem.

O Sr. Raine confunde, propositalmente, a fuga potente situada como evasão livre com a conduta de não enfrentamento. Refaz por itinerário complementar o mesmo que aqueles que se organizam e batem pique no Estado e na polícia, para garantir proteção deles e depois reclamar por seus excessos reivindicando medidas penais que os remendem e sanem. Troca seis por meia dúzia para reproduzir por vias inversas e espelhadas a sintaxe da linguagem penal, que se torna cotidiana na boca de tantos. E se inicia, também, em processos contra jovens que são submetidos à chamada apuração de infração, ou cumprimento da denominada medida socioeducativa. Não é fortuito que nos processos judiciais que envolvem jovens considerados infratores, tanto na fase de captura quanto de apuração ou durante a aplicação da medida, quando algum menino ou menina foge da polícia, de uma unidade de internação ou seja lá de que carcereiro for, não faltam aqueles titulados por certificados e os participativos comunitários que fazem constar no processo agravante imperdoável de quebra da lei e da prisão nos seguintes termos: o elemento evadiu-se. a fuga das polícias de toda ordem, a fuga da prisão é uma das réstias de afrontamento e enfrentamento mais potente, não do derramamento de sangue, mas do apetite de vida.

Foucault certa vez afirmou que a coragem é sempre física (VEYNE, 2011: 244), e mostrou isto inúmeras vezes. Em outra ocasião, quando questionado porque dirigia sua luta aos espaços recônditos que tantos preferiam, evitar, recuar, não tocar ou reformar, disse sem meias palavras: “Não se é radical por se ter pronunciado algumas fórmulas, não, a radicalidade é física, a radicalidade concerne à existência” (FOUCAULT, 2003: 279).

O setor ou a intersetorialidade jamais foram um avanço radical, como alardeia literalmente a Conferência de Saúde Mental de 2010 no Brasil; são apenas a armadilha, a mais exata tradução do confinamento ampliado à ordem, que derivou da psiquiatrização da ordem (FOUCAULT, 2001; 2006), erigida sobre crianças e anarquistas nos séculos XIX e XX, e que não suporta práticas antissociais. E se Foucault alertara para o fato de que o indivíduo também é um produto do poder, quando ele o fez foi para situar historicamente o que, sob a égide da disciplina, erigiu-se enquanto indivíduo como sujeito de direito. Hoje, estamos diante do que Passetti (2013) situa pela noção de pletora de direitos e de divíduo multifacetado por direitos inacabados, ao demarcar a relação direta entre resiliência e sustentabilidade.

Não se trata de um governo da população como na biopolítica, mas de governo com cada população para que viva agrupada, móvel, resiliente, participativa, em função de cada um, de seu agrupamento e da conservação do planeta. Indivíduo, redimensionado em divíduos por pletora de direitos e identidades, compondo variadas subjetividades que possibilitam conexões temporárias, paradoxalmente tênues e consolidadas, e que produzem sim a dessubjetivação no indivíduo autônomo, mas que a torna irrelevante, quando se considera que este indivíduo se metamorfoseia em divíduos com variadas subjetividades. É preciso viver para fora e por dentro, do lado de fora e conectado com vários ambientes resilientes, o Estado e organizações transterritoriais: é preciso fazer parte de tecnologias sociais, ser reconhecido e premiado, mas também saber fazer negócios sociais sustentáveis e estar ocupado. (...) A sustentabilidade encontra-se conectada à maneira pela qual se conserva o ecossistema, se produz combatendo a degeneração anterior provocada pelo capitalismo e se humaniza a política e a sociedade. Exige moderação, ou seja, o modo de encontrar moderação aninha-se nas práticas da resiliência. A sustentabilidade é uma prática que vai do divíduo multifacetado por direitos inacabados e inexequíveis à economia verde, ao cálculo político a respeito da democratização dos Estados, da sociedade civil e das relações com a natureza, reformas nos usos de recursos naturais, e confirma a prevalência das forças que defendem as práticas de conservação diante das de preservação da natureza (PASSETTI, 2013: 13-27).

 

 

E se a resiliência jamais foi sinônimo de resistir, mas, pelo contrário, se funda e se sedimenta em práticas de recuo, restauração e castigo, não à toa ela se mostra hoje como o elemento que acelera capturas de resistências (OLIVEIRA, 2011; 2012).

É pelo apanágio da conduta resiliente que se sustenta, sob controle contínuo, a proteção da segurança da política, e sua conservação configurada, também, advém dos variados contornos da psiquiatrização a céu aberto, que no presente, mais uma vez, se inicia por crianças e jovens e volta-se no seu entorno sobre aqueles que passam a identificar como vândalos para incidir em seu ápice nos anarquistas.

Aqui se expressa uma política e, simultaneamente, a cara mais explícita do próprio funcionamento da política. Ela não acaba com os manicômios, mas gere seus resíduos e, também, convive com unidades de internação para jovens considerados infratores, assim como com acompanhamento daqueles submetidos à medida socioeducativa em meio aberto; crianças e jovens “abrigados” ou, como se denomina agora, “inseridos em espaços de acolhimento”. Reabilita-se, assim, a existência manicomial em celas socialmente aceitas pela proporcionalidade inversa entre as metas de diminuição de leitos psiquiátricos em hospícios e a projeção ampliada de projetos, de programas, de espaços de “acolhimento”, velhas e novas parcerias para o atendimento, a inserção em “serviços” de meio aberto e um acompanhamento constante como forma de inclusão permanente em compasso com o que vem sendo chamado “de cuidado e proteção da vida”. Similaridades complementares, oportunas e convenientes no explícito funcionamento de medidas socioeducativas, medidas protetivas e proteção da segurança. Aqui, também, se expressa uma nova política de higienização como vida faxinada. E muitos de seus começos incidem, mais uma vez, em crianças e jovens.

E se não é fortuito que Adrian Raine com sua neurocriminologia seja aclamado como o novo Lombroso. Ele e aqueles que fazem coro ao seu redor que abram ou mapeiem seus próprios cérebros e realizem seus experimentos macabros.

Os antissociais sempre existirão (ARTAUD, 1983), fora do passo, fora da marcha e fora do pasto. Fora do setor e fora, também, do pasto-passo do haloperidol. Saúde e anarquia!

 
 
 
 
 

1. Conforme COORDENAÇÃO GERAL DE SAÚDE MENTAL, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS, 2007; ver também: MÂNGIA, 2007.

 
  BIBLIOGRAFIA
 
 

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 Conforme COORDENAÇÃO GERAL DE SAÚDE MENTAL, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS, 2007; 

ver também: MÂNGIA, 2007.  

 

 
 
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