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Sua primeira parada foi na Grécia. Um presidente dos EUA não visitava o chamado “berço da democracia ocidental” desde 1999, quando Bill Clinton, o também presidente pelo Partido Democrata, por lá esteve, no mesmo ano em que irromperam as revoltas de rua, em Seattle, contra a reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O que estava em jogo nesta visita de Obama mostra bem que a dicotomia entre Republicamos belicistas e nacionalistas versus Democratas abertos ao diálogo e cosmopolitas é mais jogo de cena do que qualquer outra coisa. Ou melhor, compõe o duplo complementar que faz funcionar a democracia nos EUA, e sua projeção planetária, com seu sistema de freios e contrapesos.
Todos conhecem a atual situação grega, pressionada pelas políticas de austeridade recomendadas pela Troika (palavra russa que designa um comitê de três membros, usada como sigla para designar a coalizão entre Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia, para regulação da política econômica na zona do Euro), desde a crise de 2008, operadas num vaivém entre tensão e distensão na alternância de governos mais à direita e mais à esquerda, sempre comprometidos com a gestão da dívida e a forte repressão aos movimentos de rua.
O mais recente imbróglio se deu quando Alexis Tsipras decidiu submeter essa gestão da dívida a um plebiscito que definiu o seu não pagamento. Porém, em reunião com o seu principal credor, a Alemanha, o resultado de nada valeu e a esperança em torno da nova política representada pela coalizão de esquerda Syriza (Synaspismós Rizospastikís Aristerás, Coalizão da Esquerda Radical, na sigla em grego) evaporou.
O encontro entre Obama e Tsipras evidenciou a imagem do equívoco ao se apostar nas soluções estatais e de representação nacional diante de uma racionalidade neoliberal que opera como governamentalidade planetária de gestão da crise e distribuição assimétrica das violências. Em outras palavras, há menos diferenças entre Obama e Trump, Democratas e Republicanos, esquerda e direita, do que se supõe ao ler os noticiários. Aliás, o jogo de tensão e distensão no âmbito da representação estatal é o que alimenta a continuidade do jogo político.
Obama chegou a Atenas no dia 15 de novembro de 2016, foi recebido pelo ministro da Defesa Panos Kammenos e se encontrou com o presidente da Grécia Prokopis Pavlopoulos, antes de se reunir com o primeiro-ministro Alexis Tsipras. Um forte esquema de segurança foi montado para sua chegada. Ruas bloqueadas, estações de metrô fechadas, tropas antimotim distribuídas por toda cidade e exército nas ruas. Uma verdadeira zona militar em uma cidade sitiada.
Duas manifestações estavam agendadas para o dia: uma convocada pelo Partido Comunista Grego, que reuniu cerca de 7 mil pessoas, e outra por grupos anarquistas, antiautoritários e autônomos, que reuniu cerca de 3 mil pessoas (veja: https://www.youtube.com/watch?v=APPPeZdj6_8). O primeiro grupo planejava e não conseguiu chegar nem até a embaixada dos EUA em Atenas, tampouco até onde estava Obama, nos arredores da Praça Syntagma. Já a grupo de anarquistas, composto por diversos blocos negros, enfrentou os bloqueios policiais e promoveu ataques a diversos prédios.
O seu panfleto que convocava para as manifestações lembra os diversos feitos da gestão Obama: “Você sabia que entre todos os presidentes dos Estados Unidos, Obama é o presidente que mais deportou pessoas? Você sabia que entre todos os presidentes dos Estados Unidos, Obama é o presidente que mais vendeu armas para organizações islâmicas-fascistas e a regimes ditatoriais? Você sabia que entre todos os presidentes dos Estados Unidos na era pós-colonial foi durante o governo Obama que mais afro-americanos foram assassinados, fomentando (incentivando) a repressão policial? Você sabia que Obama foi o presidente americano que mais autorizou ataques militares, desde o Afeganistão até o Norte da África, do que qualquer outro presidente dos Estados Unidos?” (http://verba-volant.info/es/a-recibir-a-obama-como-se-merece/#more-11832). A convocatória termina conclamando a receber Obama como ele merece. Foi isso que os grupos anarquistas e antiautoritários fizeram.
Um dos principais interesses da visita foi a questão dos refugiados e os desdobramentos da guerra na Síria. A Grécia, por proximidade geográfica, é a principal porta de entrada para Europa, além disso, sustenta uma relação tensa com as autoridades turcas. Não bastassem esses fatores, há grande interesse em controlar a região do Chifre da África, usando novamente a Grécia como base militar.
É sempre bom lembrar que a Grécia teve que fazer fortes investimentos militares para entrar na OTAN e, assim, aderir definitivamente à zona do Euro em 2001. Os gastos militares na Grécia chegaram a 4% do PIB. A visita de Obama, em grande medida, atendeu à continuidade desses investimentos e à garantia de solvência da dívida. A sequência do itinerário de sua última visita à Europa mostra isso. Despois da Grécia, Obama esteve com a chanceler Angela Merkel, em Berlim, hoje centro da Europa, onde também se encontrou com o presidente francês, François Hollande, a primeira-ministra britânica, Theresa May, e o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi.
Enfim, como último ato de seu governo, Obama foi à Europa, a começar pela Grécia, para afirmar o que foi o tom de seus dois governos à frente da maior potência militar do planeta: a paz como produto da interdependência econômica e garantida pela ameaça constante da guerra.
A situação da Grécia, desde a chamada crise de 2008, é largamente conhecida e noticiada. A ações de resistência local, nem tanto. A mídia e os intelectuais privilegiam os confrontos de rua, chamando atenção para os que são classificados como vândalos ou, na língua local, os koukoloforos (literalmente: encapuzados). Se eles realizam esses atos, é para explicitar sua recusa exercitada diariamente em suas associações. Já a mídia e os intelectuais, o fazem para justificar a necessidade do aparato repressivo como um grande ato de força do Estado, como na recepção ao presidente dos EUA, em Atenas.
Há sobre a Grécia o imperativo moral que a tornou uma grande devedora que busca se esquivar dos compromissos assumidos. Pouco importa que a maior parte dessa dívida tenha sido contraída em gastos militares junto à própria Alemanha como constituinte das exigências para a sua entrada definitiva na zona do Euro, como um país membro da OTAN, e para a realização das Olimpíadas de 2004, celebração do definitivo retorno da Grécia ao mundo ocidental, no qual ela é sempre apontada como o berço cultural. E neste ponto é que se compreende a revolta visceral dos anarquistas e dos grupos de antiautoritários. A recusa e a manifestação pública de repúdio à visita de Obama foi também um ato antimilitarista.
Não é apenas no plano das representações políticas que oposições complementares fazem funcionar a máquina estatal. Num plano imediato, como já indicado, o principal interesse geoestratégico do mundo ocidental na estabilidade grega se encontra no Mediterrâneo Ocidental. Em primeiro lugar, pelo controle das fronteiras como porta de entrada para Europa dos imigrantes declarados ilegais pelos inúmeros protocolos internacionais da guerra ao terror. Em segundo lugar, pelo fortalecimento da aliança entre Grécia, Chipre, Israel e Egito, não apenas pelo controle das fronteiras, mas também pelo controle da extração e circulação de gás e resíduos fósseis na região.
A Grécia fornece, via o OTAN, os exércitos que garantem a gestão violenta na região. Assim, além do enorme e brutal aparato policial que reprime violentamente as manifestações em Atenas e Tessalônica, a Grécia, apesar de todos os “sacrifícios” exigidos pela Troika para o cumprimento da política de austeridade, segue despejando muito dinheiro na manutenção de seus exércitos além-fronteiras. E isso não mudou sob o governo da Syriza.
As políticas de austeridade prosseguem, para além dos chamados jogos que alteram as celebridades políticas e suas idiossincrasias, mais ou menos simpáticas, mais ou menos polêmicas, para manutenção do espetáculo. Para os gregos, as manifestações de rua contra a visita de Obama mostraram que, seja com ele, seja com Trump à frente da maior potência do mundo livre, eles seguem vivendo em uma sociedade extremamente militarizada, na qual a noção de democracia é espetacularizada e o fato do governo local ser exercido por um partido alinhado à esquerda, mesmo que radical, muda pouca coisa.
Como se sabe, a Grécia viveu sob uma cruel ditatura de coronéis entre os anos de 1967 e 1974. A chamada abertura política trouxe esperança e, gradualmente, fez com que forças políticas que lutaram contra esse regime ditatorial participassem da vida política, primeiro com os comunistas do PASOK e agora com a esquerda radical da Syriza. Quando esta última finalmente se tornou majoritária nas eleições parlamentares, possuindo a prerrogativa de indicar o Primeiro Ministro, levando Tsipras à frente do governo, anunciou-se uma era de nova política. Esta traria esperança, pois estaria não apenas ultrapassando os resquícios da política dos coronéis, como instalava no palco deste teatro figuras incomuns às negociações levadas adiante após abertura do regime. A visita de Obama, como os acordos militares selados e confirmados com a nova política, após o recuo diante do governo alemão na questão do não à dívida, encerra e confirma a única coisa que a nova política do Syriza pode oferecer aos gregos: esperança.
Barak Obama declarou em entrevista ao jornal grego Kathimerini: “para que as reformas resultem em mudanças duráveis, as pessoas precisam de esperança”. É só isso que elas terão. Esperança, bombas de gás, balas de borracha, bombas de efeito moral e uma multidão de militares nas fronteiras.
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