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Paisagens

Texto: Gustavo Simões

 

Sobre a documenta 14: a arte do fogo

 

   

 

 

“Se partires um dia rumo a Ítaca/ faz votos de que o caminho seja longo/ repleto de aventuras, repleto de saber”, aconselhou Konstantinos Kavafis, logo nos primeiros versos de “Ítaca”, menção à ilha sobre a qual reinava Ulisses, herói da Odisseia. Considerado um dos mais importantes escritores gregos modernos, Kavafis morreu em 1933, sem ter publicado livro algum. Contudo, lançou inúmeros poemas em revistas literárias, opúsculos ou de maneira avulsa. Reconhecido não somente pela escrita, mas, também pela ousadia relacionada à liberação dos costumes, do sexo, o poeta não podia imaginar que “Ítaca”, uma das suas folhas soltas, viajaria para vários cantos da Terra em diversas traduções.
Em abril de 2017, uma transposição para o inglês pousou no catálogo da Documenta 14, renomada exposição de arte contemporânea que, pela primeira vez, além da tradicional sede em Kassel, Alemanha, também ocorreu em Atenas, Grécia, com a presença de cerca de cento e cinquenta artistas. “Uma bela viagem deu-te Ítaca/ Sem ela não te ponhas a caminho/ Mais do que isso não lhe cumpre dar-te”, escreveu Kavafis, registrado pela curadoria da mostra de arte que este ano apresentou como objetivo confrontar os “aparatos de poder” que governam a vida, “os regimes de verdade que servem a Estados-Nação, ao colonialismo e ao capital – político, judiciário, disciplinar, educacional, médico, militar, econômico, cultural”.

 

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Fundada dez anos após o ocaso da II Guerra Mundial, em 1955, pelo pintor e professor Arnold Bove, a primeira edição da Documenta visou apresentar a arte que ao longo dos anos 1930 e 1940 foi identificada como degenerada pelos nazistas. Na ocasião, Bove selecionou obras representativas do expressionismo, do cubismo e de artistas como Picasso, Max Ernst, Hans Arp, Henri Matisse, entre outros. A partir da reverberação inicial, em 1959, a mostra tornou-se regular, contando com o apoio da administração da cidade de Kassel. Entretanto, na ultrapassagem da década de 1960, sob os efeitos de 68, e dos questionamentos à institucionalização da arte exposta em Kassel, Bove abandonou a direção da Documenta.
Somada à descentralização da curadoria, a partir dos anos 1970, a Documenta liberou-se do Museu, incorporando diferentes perspectivas estéticas, entre elas, performances dispersas pelas ruas de Kassel como o “Quilômetro Vertical”, de Walter De Maria (1977), e os “100 dias com Beuys” (1972), na qual o artista conversava sobre democracia radical com os visitantes que acorriam a Kassel. E assim, ao longo dos anos, a cada edição, sempre a partir de proposta de um curador diferente, a Documenta se firmou, pouco a pouco, como um dos eventos mais importantes da arte contemporânea, instigando não somente artistas, mas, também, escritores como Enrique Vila-Matas. Em 2012, o catalão se perdeu pelas ruas de Kassel, experimentando “This variation”, de Tino Sehgal, e “Study for Strings”, de Suzan Philsz, descritos posteriormente em Não há lugar para a lógica em Kassel. Em uma das passagens do livro, argumentou: “ainda resta uma arte engenhosa, complexa, sábia, que faz os nossos limites avançarem permanentemente. É preciso ouvir os artistas (...). São o oposto dos políticos”.
Em 2017, cinco anos depois da incursão de Vila Matas, sob o título “Aprender com Atenas”, a Documenta voltou a cartaz em sua décima quarta edição. Logo na abertura, em texto divulgado no jornal El País, Paul. B. Preciado, Comissário de Programas Públicos da mostra, defendeu a proposta curatorial de Adam Szymczyk. No breve ensaio, argumentou que assim como em sua irrupção na década de 1950, a Documenta 14 mergulhava no combate a um planeta assolado por guerras, porém, agora, segundo ela, não uma grande guerra, mas “guerra de classes dirigentes contra a população mundial, guerra do capitalismo global contra a vida, guerra das nações e ideologias contra os corpos e as imensas minorias”. Por fim, depois de indagar sobre as razões de Atenas tornar-se o espaço de uma exposição como a Documenta, concluiu: “A Grécia, e os países que junto a ela ficaram conhecidos como PIGS (Portugal, Itália e Espanha), se convertem em um denso significado político que sintetiza todas as formas de exclusão produzidas pela hegemonia financeira”.
Inaugurada em abril, “Aprender com Atenas” contou com artistas de diferentes lugares, desde reconhecidos, como o cineasta Jonas Mekas ou a compositora Pauline Oliveros — amiga de John Cage, responsável, segundo ele, por sua noção de “harmonia anárquica”—, passando por coletivos como Postcommodity ou Ciudad Aberta e jovens ainda praticamente desconhecidos. Formada pela multiplicidade de obras, grandiosas como o “Parthenon de livros”, monumento construído por Marta Minujín, com livros sequestrados pela ditadura civil-militar argentina, ou pequenas, como os instrumentos inventados por Guillermo Galindo a partir de objetos abandonados por imigrantes identificados como ilegais na fronteira entre os Estados Unidos e o México, a mostra iniciada em abril de 2017 em Atenas se encerrará no mês de setembro em Kassel. A indústria de armas da Alemanha, além da sede da Documenta e maior economia da Europa, foi o alvo da guatemalteca Regina José Galindo. Em “Objective”, situada num quarto fechado de Kassel, a artista só podia ser vista através da mira de um rifle fabricado no país. As categorias identitárias foram problematizadas por Annie Sprinkle e Beth Stephens, autoras do Manifesto Ecosex que, presentes na Documenta, deram continuidade à série, iniciada em 2005, de cerimônias de casamentos com a Terra, as montanhas do Apalaches, o mar de Venice, o lago de Kallavesi na Finlândia...
Entretanto, apesar da argumentação de Paul Beatriz Preciado e do relato de Vila-Matas — que, presente na Documenta 13, opôs a arte à política —, o curador Adam Szymczyk foi colocado em xeque, precisamente em Atenas, pela articulação explícita entre a organização da mostra e a política. Certos artistas e libertários, presenças aborrecedoras de arengas e eloquências (como escreveu Kavafis em outro poema, “À espera dos bárbaros”), sublinharam tal aliança em crítica direta à omissão da Documenta frente às recentes desocupações de squatters e perseguição a imigrantes. Em carta tornada pública pouco tempo depois da defesa do curador feita por Preciado, na qual a intelectual valorizou a escolha de Szymczyk em trabalhar com “instituições públicas” ao invés de galerias, expuseram o que consideravam inadmissível: a presença do prefeito de Atenas, um dos responsáveis pelo acossamento a refugiados e militantes, na abertura do evento artístico. Concluíram: “os eventos que abriram a Documenta 14 (...) falavam das vozes da resistência, das vozes transgênero, das vozes da minoria. Bem, somos essas vozes, somos inclusivos para todos os sexos, somos migrantes, somos párias modernos, somos os dissidentes do regime e estamos aqui. Caminhamos com você, andamos pelas ruas paralelas, mas você não nos vê — você tem seus olhos treinados nas linhas pontilhadas azuis do seu mapa do Google. Você foi programado e dirigido para não nos ver”.
Frente a Szymczyk, o jovem propositor do Aprender com Atenas que talvez tivesse como sonho de infância conhecer a Grécia (como na “Ítaca” de outra poeta, Angélica Freitas), diretamente de Exarchia, bairro que arde em chamas contra o Estado ao longo dos anos 2000 até hoje, os artistas e anarquistas gregos expuseram que apesar do programa contemporâneo, a Documenta segue institucional. Escancararam que não há o que aprender com a política. O que é preciso são outros caminhos, preocupação ativa desde a Odisseia, passando pelos filósofos cínicos e pela viagem a Ítaca de Konstantinos Kavafis. Na terra de Heráclito e agora dos Koukolofouros e da Conspiração das Células de Fogo, explicitam que é preciso caminhar mais sobre os percursos livres das centelhas libertárias.
Isto é uma arte.




   
 
   
 

 

 


 

 

 

 

 

 

 
 
 

 

 

 

 
 

 

 

 

 

 

 
 
 
 
 

 
   
 
 

 

 

 
 
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