Voltar para página inicial
sobre observatórioinformativo revista ecopolítica contato
pesquisadores
projeto em fluxos
ecopolítica
direitos
segurança
meio ambiente
penalização a céu aberto
documentos
eventos
links
relatórios
pesquisas
iniciações científicas
mestrados
doutorados
pós-doutorados
home | sobre o projeto

Paisagens

texto e seleção de imagens: acácio augusto e gustavo simões.

indicação de verbete: edson passetti.

 

O ano de 2011 ficou marcado por uma série de protestos e manifestações de rua, convocados e coordenados por meio dos instrumentos eletrônicos compartilhados. Muitos atribuem esses protestos ao dinamismo e a capacidade de mobilização das redes sociais digitais, ignorando que a propriedade dessas redes está sob controle de capitalistas planetários, seus financistas e os próprios usuários.

 

Analistas descrevem esses protestos considerando a insatisfação sazonal dos jovens, o fracasso da educação familiar, o desgosto com as democracias ou as ditaduras, como efeitos da globalização e das crises do capitalismo. Associam-nos ao dinamismo das redes e a certa insatisfação com capitalismo financeiro detonada após a crise econômica de 2008, que arrastou o continente europeu e os Estados Unidos da América (EUA) para o endividamento e a recessão.

 

A motivação inicial para esse chamado despertar foi o aumento imediato dos índices de desemprego, aliado à constatação de certos jovens de que mesmo sob intensivo investimento em capital humano, com formações e certificações, não usufruiriam dos confortos com os quais a classe média se acostuma e celebra no capitalismo. Os eventos marcantes que se desdobraram em outros protestos irrompem na Praça Tahir, na cidade do Cairo, Egito, em fevereiro de 2011.

 

Em seguida, na Espanha, as manifestações do 15-M (15 de maio) aparecem na Plaza Catalunha e Puerta Del Sol, reivindicando democracia real, maior assistência do Estado em serviços públicos e controle fiscal das transações financeiras. O movimento que expressou clara inspiração nos jovens do Magreb, norte da África, ficou conhecido como os indignados.

 

 

Em julho, irromperam os protestos de estudantes no Chile que reivindicavam uma maior presença do Estado no sistema educacional.

 

As ruas de Londres e de outras cidades inglesas também foram tomadas, em agosto de 2011, por um contingente, em sua maioria de jovens, que se mostraram insatisfeitos com suas limitações de consumo e perspectivas de emprego. Manifestaram sua insatisfação com o governo de David Cameron protagonizando confrontos com a polícia e saques a lojas de Departamento e eletro-eletrônicos.

 

 

Por fim, em setembro, jovens acamparam na Praça Zucotti, em torno de Wall Street, localizada em Nova Iorque, reclamando uma "outra" democracia, uma "outra" economia, a garantia de emprego, de um contrato seguro para o futuro e o julgamento dos responsáveis pelas crises financeiras de 2008.

 

 

A constatação analítica de Saul Newman em texto recentemente publicado na revista Verve (2011) explicita que tais protestos, identificados muitas vezes como representantes de uma política radical, incorporam práticas procedentes de certos embates anarquistas, visto que, se definem como apartidários, descentralizados e não representativos.

 

Os protestos que emergiram em 2011 foram coordenados via internet e estimulados em círculos concêntricos de acumulação e ocupação.

 

Para além dessa incorporação indicada por Newman, chama atenção o sucesso dos protestos no conjunto da mídia impressa, eletrônica e televisiva.

 

Durante o ano, veículos à direita e à esquerda dos governos em todo o planeta relataram com grande entusiasmo tanto a queda das ditaduras no Magreb (sem esquecer intervenção militar da OTAN na Líbia); quanto a sobrevivência do engajamento de jovens na política, recolocando a praça e a internet como território da ação política, anunciando novas institucionalidades.

 

 

Entretanto, o que há em toda essa movimentação, impulsionada por retórica radical, é a explicitação de um desejo por mais Estado e a manifestação de uma vontade de melhorias tais como criação de empregos, expansão da educação estatal, transparências dos negócios públicos, entre outras reivindicações.

 

Alimentam a política contemporânea pelo chamado protagonismo juvenil; o que manifesta, por si, um maior volume e diversificação das participações.

 

Há muito protagonismo e pouco agonismo.

 

Há uma produção infinda de reclames por direitos e pouca insurreição.

Coordenação eletrônica de personagem como uma figura coletiva e nenhuma luta; drama e não tragédia.

 

 

As movimentações na Grécia também estiveram, eventualmente, associadas às chamadas ondas de protestos pela imprensa escrita, televisiva e da internet.

 

No entanto, Atenas arde desde 2006, quando começaram as manifestações de rua, impulsionadas pelos jovens anarquistas do bairro Exárchia.

 

Em 2008, com o assassinato de um jovem anarquista de 14 anos, não cessaram os enfrentamentos com a polícia, os ataques com coquetéis molotov aos bancos, lojas, delegacias e tribunais.

 

Mesmo resultante dos cortes de verba do Estado e das altas taxas de desemprego e contando com a presença de grandes contingentes — inclusive de partidos e sindicatos, organizações sempre a espreita para apagar o fogo das insurreições como referiu Sebastien Faure — a atuação dos anarquistas gregos nos protestos, indicou maior radicalização e disseminação das práticas de ação direta contra as empresas, o Estado e a União Européia (cf. hypomnemata 104, de dezembro de 2008 http://www.nu-sol.org/hypomnemata/boletim.php?idhypom=121, e 121, de maio de 2010 http://www.nu-sol.org/hypomnemata/boletim.php?idhypom=147).

 

 

Na Grécia, também, acontece a incorporação das práticas anarquistas analisada por Newman, mas a multiplicidade de ações e associações torna o conjunto das manifestações mais difícil de ser apreendido.

 

Certas lutas gregas invadem os tribunais, como o caso do julgamento dos treze libertários em Koridallos obstruído por mulheres anarquistas e suspenso pela recusa dos acusados em responder as perguntas que lhes foram feitas.

 

O protagonismo de organizações, partidos e sindicatos também ocorre na Grécia, mas em tensão constante com o agonismo de algumas associações anarquistas.

 

A flecheira libertária editada pelo Nu-Sol acompanhou, no instante das manifestações, com o olho no lance, as movimentações e protestos que irromperam em 2011. Junto com essas imagens reproduzimos uma seleta de flecheiras libertárias que atingiram cada um desses embates.

 

 

Em 2012, não proteste, desfigure!

 

seleta de flechas


flecheira libertária, 139. 1 de fevereiro de 2011.
na grécia: jovens impossíveis diante do tribunal

 

Atenas. No dia 17 de janeiro começou o julgamento de 13 jovens anarquistas, acusados de terrorismo. Um novo tribunal-antiterrorista foi criado, especialmente para o caso. Ele localiza-se em uma das salas da prisão de Koridallos. Desde seu início, o julgamento não cessa de ser interrompido e suspenso. Juízes, promotores, advogados e autoridades não sabem mais o que fazer. Os acusados se negam a responder as perguntas que lhes são feitas. Recusam a representação dos advogados que lhes são designados. Escracham a seriedade do "procedimento impessoal". Suas jovens mulheres anarquistas botaram pra quebrar na platéia. Escandalizaram, foram postas para fora e proibidas de ocupar o espaço designado para a "assistência". Explicita-se, neste pequeno e imenso acontecimento, eles não se fazem de vítimas, nem pretendem ser algozes de ninguém.

 

diante do tribunal, um anarquista

 

Estas mulheres e homens anarquistas com seus gestos tesos e tesudos trazem vitalidade em frescor. Humor, desacato, silêncio altivo e destemor para abalar e botar para quebrar o velho ou o novo açougue da formalidade: o tribunal. Eles são corajosos e neste instante habitam e propagam o incontornável diante dos que prezam o juízo

 

flecheira libertária, 206. 31 de maio de 2011.
mais praças, mais emprego, mais democracia, mais ...

 

No centro de Barcelona e de Madri, em suas praças principais concentram-se centenas de jovens que lá acampam para protestar contra a crise e pedir mais emprego e "democracia real". O governo catalão decidiu "higienizar" a praça com uma ação truculenta da polícia com o objetivo de deixar o local "limpo" para a celebração da vitória da Copa dos Campeões pelo Barcelona. Além de ferir pessoas e destruir barracas, a polícia tomou equipamentos de comunicação e informática, utilizados pelos indignados para dar visibilidade ao movimento por meio de redes sociais, blogs e o YouTube. Os manifestantes não deixaram a praça e mobilizaram-se para protestar em outras praças da Espanha e de outros países. Apressados articulistas já comparam o que ocorre na praça da Catalunha com o Maio de 68. Esquecem-se que aquela juventude queria tudo e mais que emprego e democracia.

 

a mesma praça?

 

As primeiras reivindicações assinadas em manifesto pelo 15M são: alteração da lei eleitoral; atenção aos direitos básicos reconhecidos pela Constituição tais como direito à habitação e a uma saúde pública de qualidade; reforma fiscal favorável aos rendimentos mais baixos... Jovens portugueses, franceses e gregos também saíram às ruas para protestar em solidariedade. A Porta do Sol, em Madri, tornou-se, segundo um dos acampados, a Praça da Solução. Mas quem quer solução luta amparado pela tristeza de uma falta, aguarda um desfecho para preencher o vazio, uma alternativa. A algaravia dos indignados espanhóis quer fazer da praça um outro espaço, ou somente mais um balcão de permutas?

 
 

 

89, 99. século XXI?

 

O que mais é elogiado e comemorado por comentaristas de jornais é que o 15M possui uma pauta clara de reivindicações e faz uso da internet, celular e redes sociais digitais como efeito de um movimento novo, não atrelado a partidos e sindicatos. Alguns falam da chegada das revoluções árabes na Europa. Diante de uma pauta que pede emprego, separação de poderes e democratização das instituições do Estado, não há o que buscar em 1968. Chamar isso de revolução é fazer eco ao argumento liberal das chamadas revoluções de veludo, na época, para designar o esgotamento do mundo socialista.

 

continua

Movimentos apartidários e espontâneos foram a marca dos movimentos antiglobalização no final da década de 1990, que culminaram na morte de um jovem anarquista na Itália e na acomodação "propositiva" do Fórum Social Mundial. Mas a história não se repete, não opera por comparações. O traço a ser notado desse movimento dos jovens espanhóis é sua moderação política e suas preocupações sustentáveis, que dão forma à política entendida como atividade de Estado, para garantia de direitos, criação de empregos e preservação do planeta. Assim, aplicam o programa democrático contemporâneo com espetáculo na praça, transmissões digitais e aplacam o susto que a Europa tomou com os jovens anarquistas gregos em 2006. E ao mesmo tempo, proclamam o justo na democracia: o 15M descrê dos partidos políticos. Em época de moderação isso anuncia a vida fascista.

 

flecheira libertária, 214. 16 de agosto de 2011
protestos...

 

Vivemos um ano de eclosão de protestos, em vários cantos, convocados pelos instrumentos eletrônicos compartilhados. Analistas descrevem esses instantes considerando a insatisfação sazonal dos jovens, o fracasso da educação familiar, o desgosto com as democracias ou as ditaduras, como efeitos da globalização e das crises do capitalismo, cada vez mais próximas umas das outras. Os protestos sinalizam um esgotamento simultâneo de ditaduras e democracias, ainda sem saídas, para a enrascada capitalista em cada regime.

 

e o desejo de estado.

 

As crises dos monopólios, no século XX, levaram as massas desesperadas a oscilarem entre a revolução e o fascismo. Hoje, argumenta-se que as classes médias estão atônitas ou imobilizadas diante do financiamento estatal aos bancos que governam o planeta com uma concentração de riquezas jamais vista. Os protestos expressariam o incômodo a esta situação. Organizados por meio de convocações eletrônicas eles estariam substituindo os antigos condutores de massa? Os protestos de 2011 querem mais Estado controlando a atual concentração de riquezas e distribuindo-a um tanto em seguros, moradias, empregos, escolarização, enfim, em cuidados com cada um. Estaríamos diante de uma nova solução para a crise pela institucionalização de um outro fascismo?

 

hipótese:

 

O mundo dos protestos e das chamadas redes sociais está sob o controle superior dos proprietários dos equipamentos eletrônicos, seus financistas e os próprios usuários. O Facebook e seus correlatos compartilhados não estão em crise! As convocações para protestos são mapeadas e os governos acionam a identificação de cada um, convocando a população a delatar, ou simplesmente censuram, interceptam. As fascistas palavras de ordem são comunicadas, simultaneamente, provocando imediatas reações, voltadas a um querer mais Estado para a conservação da ordem. Não há uma revolução em andamento, somente o vaivém de protestos que dão tempo ao tempo aos reajustes de um capitalismo sideral.


Nos cadernos de jornais de domingo, uma socióloga catita argumenta que as ruas do planeta tornaram-se palco para a política e compara a chamada Primavera Árabe à movimentação dos denominados Indignados na Espanha, os protestos nos subúrbios de Londres e as reivindicações por reformas advindas de jovens no Chile, com os acontecimentos de 1968. Porém, segundo a pop star do abre aspas do momento, os reclames escutados atualmente pelas ruas são mais amplos do que as afirmações do final da década de 1960, pois agora eles visam educação e emprego de qualidade, uma sociedade mais razoável. Certas ruas de 1968 tornaram-se espaços de lutas contra ditaduras, guerras, polícias, os governos e suas razões. Atualizar 1968 é retomar o ânimo desse fogo. Entre a chama nas ruas e o coro das marchas atuais há uma diferença abissal.

 

flecheira libertária , 215. 23 de agosto de 2011.
wall street

 

Publicada na revista canadense Adbusters, a imagem de uma bailarina dançando sobre um touro – símbolo do maior centro financeiro dos Estados Unidos – era seguida da convocação, com hashtag, para o twitter "Ocupem Wall Street". Centenas de jovens acamparam na Praça Zucotti, próximo ao prédio da bolsa de Nova Iorque. Duas semanas depois do acampamento erguido, 700 manifestantes foram detidos acusados de atrapalhar o trânsito na ponte do Brooklin. A ação policial, amplamente divulgada pelas mídias e redes sociais, arregimentou um número ainda maior de pessoas simpáticas ao ocuppy wall street. Artistas de Hollywood, cineastas militantes, rappers, entre outros engajados do show business estadunidense prestaram seu apoio às reivindicações estampadas pelos cartazes erguidos por sorumbáticos indignados. A velha América mostra a durabilidade da mumificação democrática.

 

flecheira libertária , 222. 11 de outubro de 2011.
um poeta

 

Entre as principais reivindicações dos jovens acampados em Wall Street estão uma "outra" democracia, uma "outra" economia, a garantia de emprego, de um contrato seguro para o futuro, o julgamento dos responsáveis pelas crises de 2008 e a atual. O editor da revista Adbusters, contente com o sucesso da manifestação planeja, para breve, uma nova marcha que se estenderá do Brasil a Austrália. Segundo o relato de um dos ocupados, um jovem desolado circulou durante cinco dias entre as barracas perguntando se ali ocorreria uma assembléia de poetas. Conta-se que o jovem perambulou e foi embora desolado. Por certo, a multidão do ocuppy wall street não era a multidão de martelo, de violino ou de nuvem, que o poeta Federico Garcia Lorca escreveu em sua passagem por Nova Iorque, no início da década de 1930. Multidão que gritaria até que lhe rebentassem os miolos contra o muro, ante as cúpulas, louca de fogo.

 

flecheira libertária, 226. 08 de novembro de 2011.
a maioria:

 

A crise anunciada na Grécia levou à decisão da renúncia do primeiro-ministro. No entanto, o próprio governo decidiu que isso não será possível sem um novo acordo de coalizão que impeça a metafísica do "vácuo de poder". A maioria suplica por um governo constituído e estável que consiga driblar a quebradeira geral do Estado grego e a malandragem dos bancos europeus que ganharam milhões em especulações. A maioria quer emprego.

 

flecheira libertária, 226. 08 de novembro de 2011.
ao rés do chão

 

Diante da renúncia anunciada do primeiro-ministro, uma enquete revelou que parte da população grega quer um novo governo que resolva o desemprego, mantenha a ordem e salve o euro. Entretanto, as ruas atenienses, que ferveram em 2006, 2008 e, de novo, nesse ano, não foram ocupadas apenas por quem teme o fim dos restos de welfare state. Mas a maioria vai às ruas e faz procissão para o Santo Capital-Estado.

 

flecheira libertária, 227. 15 de novembro de 2011.
protestos cooperativos

 

Além do Occupy Wall Street, mais uma mobilização ocorre via redes sociais, no efeito da crise. Desta vez, pelo Facebook, convoca-se a participar do Bank Transfer Day, realizado em 5 de novembro. Calcula-se que desde o início do movimento mais de 4,5 bilhões de dólares foram transferidos para cooperativas de crédito. A "causa" aglutina os "consumidores" que não querem mais sustentar grandes bancos e apostam na economia solidária para "consertar" as instituições financeiras. As cooperativas de crédito integradas à economia solidária estão estrategicamente empregadas para expandir o empreendedorismo via programas de inclusão de populações sem acesso ao crédito e, agora, aparecem como "porto seguro" para as economias das classes médias. O neoliberalismo exige planejamento, organização e participação da sociedade, até mesmo para protestos financeiros.

 

flecheira libertária, 232. 20 de dezembro de 2011.
ocupação e palavras que circulam nos novos movimentos

 

A versão dos ocupados em São Paulo abandonou as ruas mais rápido que em outros lugares do planeta. Segundo seu site oficial, no momento, dedicam-se à promoção de oficinas de "Táticas, Estratégias e Segurança". Chamam isso de "Oficinas de Ação Direta". Esses e outros encontros estão acontecendo em diversos locais da cidade como forma de reagrupar para uma nova ocupação anunciada. O curioso é notar que mais e mais o léxico dos ocupados se vale de palavras que pertencem às práticas históricas dos libertários sem se dizerem anarquistas ou contra o Estado, posicionando-se apenas como apartidários. Além do efeito espetacular o que mais essas ocupações que marcaram esse ano são capazes de mostrar?

 
 

 

flecheira libertária, 232. 20 de dezembro de 2011.
sobre a ação direta e ocupados

 

A história das lutas anarquistas noticia que ação direta, violenta ou não, se antecipa à lei e ao fato revolucionário [ver hypomnemata 124 http://www.nu-sol.org/hypomnemata/boletim.php?idhypom=150]. Sua especificidade não está no uso da violência, mas na capacidade de abrir conversações e fazer soar a revolta diante do intolerável. Ainda que possa ser tomada como uma tática ou uma estratégia de ação, ela não se ocupa de segurança ou proposições. Os "indignados" e "ocupados" parecem querer renovar a política do liberalismo a partir de práticas que são próprias dos libertários, quando falam de ação direta e associada à segurança. A ação direta está ligada a anti-representação e à autogestão como jeito de fazer que favoreça a expansão da liberdade, impossível vinculá-la à necessidade de segurança.

 

flecheira libertária, 235. 14 de fevereiro de 2012.
grécia em chamas: alerta!

 

Há dois dias, diversas cidades na Grécia seguem em greve geral com uma grande manifestação de rua convocada para o domingo, 12 de fevereiro. Enquanto o governo buscava acordo, com soluções fiscais e empréstimos, junto à União Europeia e o FMI, a repressão aos rebeldes se intensificou. As notícias informam que leis municipais de limpeza urbana foram ativadas para prender jovens anarquistas que espalham cartazes pelos muros. Da mesma maneira, o partido comunista e os dirigentes sindicais avançam contra o que classificam de irresponsabilidade dos jovens anarquistas, que, por sua vez, reiteram que o alvo não são as medidas do governo, mas o governo; não é a UE ou o Euro, mas o capitalismo. Com gritos de "Abaixo a Ditadura e seu regime! Revolução ou submissão, capitalismo ou liberdade!", os anarquistas, que foram os primeiros na Grécia a se levantarem contra o governo e os tratados da UE, desde 2006, correm o risco de mais uma vez servirem de aríete para os negócios dos dirigentes políticos de esquerda e de direita.

 

flecheira libertária, 236. 21 de fevereiro de 2012.
para não deixar o fogo apagar

 

Se o que a Grécia está vivendo é uma crise econômica, ela explicita que é preciso (e é possível) inventar outras sociabilidades que prescindam do capital. Anarquistas nas ruas em Atenas vão além: gritam para quem quiser ouvir que a própria situação da população na Grécia (e que se reproduz em maior ou menor escala por diversas partes do planeta) não é nada mais, nada menos, que efeito de uma política capitalista. E se capitalistas e autoritários ao redor do mundo pretendem reduzir o problema a negociações e crises localizadas, nós anarquistas ecoaremos ações insubmissas ao redor do planeta. Saúde aos anarquistas na Grécia!

 
 

 

INSURREIÇÃO s.f. (do latim, in contra, e sugere, levantar-se)

 

Levante contra o poder estabelecido. Movimento de um povo erguendo-se contra o Governo. A Grécia, a América e a França registram memoráveis insurreições. Próximo a nós, o século XIX já viu insurreições arrebentarem o quadro político: 1830, 1848, 1871. Explosões devidas – para além da habitual incompetência dos governantes - tanto à insuficiência social da Revolução de 1789, quanto ao jugo, com novas formas e numa armação imprevista, cada vez mais pesado sobre as camadas laboriosas da nação... A Convenção havia declarado que "quando o Governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada porção do povo, o mais sagrado dos deveres e o mais indispensável dos direitos" (Artigo 37 da Declaração de 1793). Esse texto afirma, da forma mais precisa e explícita, que lançar mão da insurreição é não somente um direito imprescritível, mas também um dever sagrado.

 

Apesar disso, os próprios democratas cuja ideologia afirma se inspirar dos princípios da declaração acima citada, também repudiam o recurso à insurreição. Acreditando ter trazido com o "sufrágio universal" as possibilidades, para o povo, de uma emancipação pacífica numa "legalidade extensível", eles não estão longe de pensar, apesar dos crescentes abalos contrariando tal presunção, que a democracia é prenhe de todas as liberdades possíveis, e que dará à luz, na tranquilidade de progressivas evoluções, benesses cujo anseio pode apaixonar a humanidade. Como se no círculo de seus princípios estivessem contidos, para as gerações futuras, os gérmens das mais vastas aspirações, bastando para realizá-las apenas os processos de via lenta — única admitida — das reformas. Assim, verdades e meios formam como que um bloco de revelações, sendo considerado ímpio o apelo à violência em nome de uma equidade incessantemente adiada. Entretanto, como afirmava Eugène Sue, "não existe no passado, uma única de nossas liberdades que nossos pais não tenham sido forçados a conquistar pela insurreição". E ela permanece, para as massas espoliadas – sob formas variadas e com resultados mais ou menos bem sucedidos – uma das alavancas de suas esperanças contestadas enquanto a força — esse direito de Estado 3— continuar cristalizando em instituições conservadoras o futuro das sociedades.

 

Os defensores do princípio de autoridade — independentemente do signo político de seu reino — negam o direito à insurreição. Mesmo no caso em que os detentores do poder só tenham se apoderado dele recorrendo à violência insurrecional, eles recusarão a seus adversários o direito de apelar para os mesmos meios. Aprovando —ou melhor — glorificando o movimento insurrecional que lhes permitiu confiscar, em proveito de suas metas ambiciosas, o poder governamental, eles recriminam — ou melhor — condenam e reprimem implacavelmente qualquer tentativa de insurreição dirigida contra eles. Essa odiosa, mas bastante compreensível contradição, marca na França o comportamento dos governantes atuais que, entretanto, vangloriam-se desavergonhadamente de serem os herdeiros e continuadores da Revolução Francesa. É marca, na Itália, de um Mussolini que, levado ao poder supremo pelos saques a mão armada e a marcha sobre Roma de hordas fascistas, considera como o pior dos crimes qualquer resistência a suas vontades, punindo com as mais severas penas todo ato, todo escrito, toda atitude hostil a sua pessoa e suas vontades. É marca, na Rússia, dos governantes bolcheviques que, após terem preconizado, preparado, organizado e executado, com a intrépida ajuda de todas as forças revolucionárias da Rússia, o formidável movimento popular que, em outubro de 1917 derrubou, pela violência, o governo estabelecido, hoje não toleram nenhuma propaganda dirigida contra a ditadura de seu partido, e tratam como malfeitores, prendem, exilam e assassinam todos aqueles que não concordam em se inclinar diante das malfeitorias dessa ditadura. É marca de todos os partidos e de todos os indivíduos que aclamam a insurreição quando esta lhes é proveitosa e repudiam-na quanto prejudica seus interesses, seus desejos de ambição e seus sonhos de dominação.

 

Não se deve confundir Insurreição e Revolução. A revolução é uma coisa, a insurreição outra. A ideia de revolução implica na necessidade de se arrebentar as engrenagens do regime estabelecido, para instaurar sobre as ruínas desse regime um regime não apenas novo, mas cujas bases e estruturas estejam em total oposição com os princípios e as instituições do regime que desabou. A ideia de insurreição não chega até aí: ela não se propõe necessariamente a uma mudança de regime; ela se limita, com mais frequência, a modificar a forma do poder estabelecido; por vezes, contenta-se com a mudança do pessoal do governo; ela ataca uma pessoa, um instituição, ou mesmo uma engrenagem administrativa ou diretorial e, tendo obtido esse resultado parcial, declara-se satisfeita. Resumindo: uma revolução deve ter como consequência dilacerar o contrato social estabelecido, abolir suas cláusulas, aniquilar todos os princípios que viciavam tal contrato e proclamar um estado de coisas diametralmente oposto, estabelecido por um contrato social inteiramente novo. É por isso que os anarquistas afirmam que a história da humanidade registrou inúmeras insurreições, mas até este dia, nenhuma única verdadeira Revolução.

 

Qualquer insurreição começa necessariamente pelo ato de um único indivíduo ou de alguns: aqueles que, em primeiro lugar ou mais dolorosamente, sofreram um abuso, uma injustiça, um crime do poder estabelecido. Esse homem ou esses alguns homens formam o desejo de lutar contra o poder, autor ou cúmplice desse abuso, dessa injustiça ou crime. Comunicam seu projeto às pessoas que possam por ele se interessar. De boca em boca, a ideia desse protesto contra o poder estabelecido vai se desenvolvendo, ganhando terreno, envolvendo um número sempre crescente de homens conquistados ao projeto de insurreição; cedo ou tarde, ela estará inscrita no programa de um desses partidos políticos sempre à espreita de tudo que possa alimentar e incrementar o descontentamento da opinião pública: tudo que faça parte da "oposição" é varrido por uma corrente cada vez mais vasta e tumultuosa. O poder se mobiliza, não acreditando que o movimento tenha reunido elementos e forças capazes de garantir seu sucesso. Aciona seu aparelho repressivo: apela aos recursos, às ajudas e apoios e aos meios de violência que acredita serem capazes de dispersar, de reduzir ao silêncio ou de intimidar os iniciadores do movimento. No mais das vezes, esses atos de sufocamento e de violência apenas fortalecem a propaganda que o governo pretende amordaçar e vencer; eles apenas intensificam a irritação popular, estimulando o zelo, o ardor, o entusiasmo e a energia de ação dos inimigos do poder estabelecido. A complicação se complexifica e agrava; soa a hora das resoluções viris e das ações decisivas; A oposição não pode mais recuar. Qualquer hesitação torna-se covardia, capitulação, derrota.

 

A insurreição explode. Duas possibilidades: ou ela triunfa e, nesse caso, os chefes do exército insurrecional são heróis e seus soldados bons, honestos, gloriosos combatentes; ou ela é esmagada e, nesse caso, os chefes são bandidos e os soldados malfeitores.

 

Elisée Reclus que foi, ao mesmo tempo, o mais ilustre e sábio dos geógrafos (consultar suas obras: A Geografia Universal, O Homem e a Terra) e um dos melhores teóricos anarquistas, não hesitou em declarar que "diante dos incessantes abusos e crimes do poder, os anarquistas encontram-se em estado de insurreição permanente". Nobre e forte afirmação! Para os seres dignos, orgulhosos e livres que tentamos ser, essa declaração não se limita a indicar o direito; ela também traça e dita a atitude.

 

SÉBASTIEN FAURE

 

 

http://encyclopedie-anarchiste.org /articles/i/insurrection

Tradução: Martha Gambini

 
nu-sol
 
DTI-NMD

Voltar para página inicial mapa do site página de contato