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Futebol e refugiados

Texto e seleção de imagens por Eliane K. Carvalho

 

Há cada quatro anos, a Copa do Mundo da FIFA é realizada em um país diferente. Este ano ela aconteceu na Rússia. Times representando países classificados de todas as partes do globo se unem em um dos maiores eventos esportivos do planeta. Os times europeus estão entre os mais presentes. Entretanto, a diversidade de seus jogadores não se restringe àqueles “tradicionalmente” europeus. É cada vez mais comum que jogadores nascidos em diferentes continentes, ou nascidos na Europa, mas de famílias que compõem a enorme onde de imigração nas últimas décadas, defendam em campo a pátria que os assimilou. Em alguns dos grandes times europeus constata-se não somente a diversidade cores, mas as diferentes línguas faladas em uma mesma equipe. Na realidade, alguns dos melhores jogadores não tinham ascendência europeia.

 


A França, atual Campeã do Mundo, é um dos maiores exemplos dessa variedade. Dos 23 jogadores convocados para o time francês, 14 – mais da metade – nasceram no continente africano, ou são filhos de pais imigrantes deste continente. Um deles, Kylian Mbappé, filho de pai camaronês e mãe algeriana, ganhou o prêmio de Melhor Jogador Jovem da Copa do Mundo FIFA. Diferente de muitas famílias imigradas de países africanos, os pais de Mbappé não chegaram como refugiados. Sua mãe fora jogadora de handebol profissional e o pai, seu agente, é treinador de futebol, mas como todos, ou quase todos imigrantes na França, viviam nos banlieues, até que o talento do filho e o tino para negócios do pai, colocaram Mbappé nos holofotes das celebridades esportivas. Assim, como no Brasil e outros tantos países, a periferia francesa tornou-se um campo prolífico para “descoberta” de novos talentos futebolísticos, e o futebol uma oportunidade de “vencer” na vida, bem como uma justificativa da eficiência do esporte em afastar os jovens da periferia da marginalização.

 

A assimilação de jogadores sem ascendência europeia, não é exclusiva do time francês. Para citar alguns exemplos: Delli Alli, de pais nigerianos, jogou no time inglês; Manuel Akanji, nascido na Nigeria, Johan Djourou, cujos pais são da Costa do Marfim, e François Moubandje, nascido em Camarões, todos três jogaram pelo time Suíço. E a lista poderia continuar. Ao mesmo tempo, outras pessoas com as mesmas origens, enfrentam uma batalha diária para sobreviverem nestes países europeus, contra perseguições de governos, repressões policiais e ataques racistas e xenofóbicos. Em junho de 2018, paralelamente aos jogos da Copa do Mundo, líderes europeus se reuniram para discutir a chamada “crise de imigrantes e refugiados”. Um primeiro encontro informal aconteceu em Bruxelas, na Bélgica, com o objetivo de discutir possíveis soluções para a questão, a serem apresentadas dali alguns dias na próxima Cúpula da União Europeia. Apesar de nenhuma proposta vingar neste primeiro encontro, os 16 líderes europeus presentes, chegaram à conclusão de que precisam trabalhar em conjunto.


 

A discussão em torno das “imigrações irregulares” na Cúpula, seria uma resposta tardia a 2015, quando tais imigrações atingiram o seu auge desde a Segunda Guerra Mundial. Os encontros aconteceram menos de duas semanas depois de dois incidentes envolvendo embarcações humanitárias carregando homens, mulheres e crianças vindos, em grande parte, do norte da África e Oriente Médio, resgatados do mar. Antes de desembarcarem, temporariamente, em algum território, os navios permaneceram sem rumo, tal qual as naus dos loucos no século XVI, com pessoas em condições precárias de saúde, após serem recusados pelo governo italiano.


 


É comum que navios repletos dos chamados imigrantes ilegais dirijam-se para a Itália ou para a Grécia em função de sua posição geográfica. Dali, passam por uma primeira triagem que irá determinará quem merece asilo e quem deve retornar. Os merecedores, geralmente são denominados refugiados, caracterizados por fugirem de situações de miséria, guerras, perseguições políticas ou religiosas, e similares. São redistribuídos pelo continente europeu. Nos campos, permanecem isolados, sabem pouco de seu próprio destino ali, e não podem deixar o local até que se encerre o seu processo esteja concluído. Os “aceitos” podem dirigir-se para outras localidades em busca de abrigo e, caso não encontrem, devem dirigir-se para novos campos. Relatos de pessoas enclausuradas em campos, incluem paisagens de lixo, merda e urina, cercas de arame farpado, restrição de banho de sol, etc.


 


Enquanto esperam, os campos muitas vezes são alvos de ataques atribuídos a grupos da extrema-direita. Em maio, deste ano, na ilha de Lesbos, na Grécia, centenas de pessoas foram atacadas por um grupo de nacionalistas, enquanto a polícia assistia pacientemente. Este tipo de ataque não acontece só na Grécia; na Alemanha, a reação de grupos de direita contra imigrantes – legais ou ilegais – cresceu à medida que aumentou o número de imigrantes. Em toda a Europa, reações como essas pululam, sempre atribuídas à extrema direita, mas que refletem o desejo de grande parte omissa da população de bem.


 


O referendo de 2016, apelidado de Brexit, relativo à saída da Grã-Bretanha do bloco europeu, pautou-se no problema do grande fluxo de imigração, que resultaria na queda de qualidade de serviços e oportunidade de empregos para os cidadãos “nativos”. Este é o argumento que sustenta práticas xenofóbicas e racistas por toda Europa, e a exaltação da convicção nacionalista. E isso não acontece somente na Europa. Nos Estados Unidos, a própria ascensão de Donald Trump acompanha a reação da população desgostosa com a falta de emprego e a crise econômica. A política anti-imigração do governo estadunidense, não se limitou-se ao investimento contra a entrada de estrangeiros em busca de uma nova vida na “América”, em grande parte os latinos, como também tratou de perseguir e expulsar aqueles que já haviam se estabelecido no país.


 


Recentemente, a política de Trump chocou até os humanitários europeus, quando este decidiu separar as crianças de seus pais. Nos Estados Unidos, imigrantes ilegais, em busca de asilo ou não, são levados a centros de detenção até que sua situação seja determinada. As crianças, por outro lado, por não serem permitidas em centro de detenção, seguem para os chamados centros de acolhimento, mas cuja situação não difere muito da de seus pais.


 


Apesar do grande alarde durante o governo Trump, as políticas de contenção migratória, já seguiam no governo Bush e Obama. Apesar das críticas, muitas das medidas anti-imigração deste governo não se diferenciam muito das medidas europeias. Trump foi criticado por propor que os mexicanos pagassem pelo muro – já existente – que separa os dois países e a ser ampliado. Na Europa, proposta similar foi feita em relação ao Norte da África.


 


A Turquia, país euro-asiático, construiu sua cota de campos, que deviam servir como triagem de entrada de sírios, afegãos, entre outras populações do Oriente Médio, como moeda de troca na negociação para sua entrada na União Europeia.


 


No Brasil, o aumento no número de pessoas vindas da Venezuela tem levantados debates e polêmicas sobre o controle e contenção deste fluxo migratório. Em Roraima, onde a concentração de venezuelanos é maior devido à proximidade com a fronteira, cresce a tensão diária contra as de famílias que vieram do outro lado da divisa.


 


Aqui, nos Estados Unidos ou na Europa, pessoas de diferentes origens ocupam as periferias, as ruas, as prisões, centros de acolhida, as imensas filas em busca de um certificado humanitário, e os constantes ataques daqueles que os responsabilizam pela falta de emprego, pela miséria, pelo lixo, e pela desfiguração de sua desejada paisagem asséptica.


 


Nos séculos XV e XVI, as grandes navegações levaram um imenso fluxo migratório de europeus, para o que depois se denominou de continente americano. Do extremo sul ao extremo norte do continente, delimitou-se fronteiras, restringiu-se a circulação do povo nativo, escravizaram esses povos, executaram os indomáveis, trouxeram homens e mulheres, contra a sua vontade, como escravos do então já explorado continente africano, construíram mais fronteiras, campos de detenções, prisões de segurança máxima, jogaram os indesejáveis às margens, construíram muros em volta destas margens, incluírem os marginalizados em programas de controle contínuo, limpam as ruas de homens, mulheres e crianças, enclausuram ou incineram, ou os dois.


 


Nos séculos XIX e XX, dividiu-se o continente Africano em Estados, deram nomes e proprietário a cada um dos territórios. Os conflitos provenientes da divisão arbitrária transmutaram-se em excelente negócio humanitário. Os Estados, agora declarados independentes, recebem o título de Estados falidos, possibilitando a contínua intervenção de organizações e exércitos de leste a oeste do globo.


 


A crise de imigração, assim denominada na Europa, mas que se alastra pelo planeta é apenas um efeito das próprias fronteiras. Fronteiras que se sustentam por um discurso patriótico, que confere aos outros o lugar do sujo, do feio e do mal. Que justifica mais fronteiras interna e externamente. Que responsabiliza a restrição da circulação de pessoas de bem àqueles que deveriam manter-se em seu lugar. As pessoas de bem, seus líderes, suas empresas, seu dinheiro, querem a sua liberdade de ir e vir, mas exigem que a dos outros a sejam reguladas e regulamentadas. Quem não está no topo do mundo, deve provar suas melhores intenções e habilidades em gerar lucro e suporte moral aos governantes, para se aceito dentro das fronteiras de um território como empreendedor. Tal qual os jogadores de futebol em times europeus com suas novas cidadanias, os ex-meninos da favela que se tornam exemplo de superação e resiliência, os estrangeiros que podem alimentam a crença de que o problema são os outros.


 

 


As terras não são propriedade de ninguém. Como já sabiam há milhares de anos os então habitantes das Américas, os povos na África. A terra de ninguém não é nem nunca foi um Estado-falido. Falidos são os Estados e suas fronteiras. A vida livre segue em campo aberto.


2013 . 2013 .

 

 
 
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