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1968: MULHERES e ARTE: Resistências e invenções

Texto e seleção de imagens por Beatriz Scigliano Carneiro

 

 

Courbet: A origem do mundo 1867

 

1968, ano em que forças se confrontaram, se aliaram, se fundiram, se opuseram de forma contundente e inventiva, em que atiçaram rupturas nas instituições e nos comportamentos cotidianos, ampliando experimentações de liberdade pelo planeta. Dentre as rupturas dessa época, as mulheres consolidaram as lutas por uma presença social pautada por igualdade de direitos enfrentando barreiras arraigadas em subjetividades e instituições que as restringiam a papeis subalternos ou à vida doméstica. No entanto, no interior dessas lutas, havia mulheres com práticas de invenção e experimentação de modos de vida que iam além de melhorias institucionais.

Nas atividades artísticas, com o recorte das artes visuais e performáticas, interligadas ou não, podemos vislumbrar os embates das mulheres para construírem seus espaços de expressão e de invenção, circunscritos à produção de obras em torno do ano de 1968.

Ao se colocar o foco em mulheres-artistas, de início surgem algumas perguntas: haveria uma arte com uma forma expressiva ‘tipicamente’ feminina? Para se definir um feminino típico há uma questão anterior: haveria uma universal identidade mulher com base em se ter nascido com um ovário-útero-clitóris-vulva? Nascer com pênis-testículo-próstata marcaria então a universalidade de ser homem?

No século XXI, discute-se a assim chamada fluidez de gênero, em corpos LGBT, em corpos cujas identidades se transformam, os limites entre masculino-feminino se esfumam, os hormônios se mesclam e se alteram. Estas questões de hoje impulsionaram-se também por obras-ações de mulheres pioneiras na arte dos anos 1960, então: voltemos à arte.

Um universal ser mulher determinaria uma eventual especificidade feminina da obra de arte feita por mulheres? Essa especificidade estaria na maneira de fazer, na técnica? Ou no tema, no conteúdo? Ou em ambos? Considerando que haja uma identidade feminina, seja universal, seja condicionada socialmente, a obra de arte teria gênero? Mantendo-se ainda a imagem da anatomia corporal dos gêneros, outra pergunta: o desenho de um pênis feito por uma mulher transmite a mesma emoção e sensação de um pênis desenhado por um homem?

E o inverso?


 

 

 

Hanna Wilke: Vulvas


Este quadro de Courbet (1819-18770 tem mais de 150 anos. Sua origem é atribuída a uma encomenda de um diplomata turco, colecionador de arte erótica, e ao longo do século XIX e XX provocou reações diversas nas poucas pessoas que o viram. A tela ficou desaparecida por mais de um século, conhecida apenas por cópias e reproduções grosseiras que circularam com discrição. Havia também uma série de histórias rocambolescas sobre o paradeiro da pintura original. Hoje, desde 1995, encontra-se em destaque no Museu d’Orsay, Paris, depois de uma longa temporada escondida no apartamento de Lacan e de sua mulher, Sophie Bataille.
Sobre esta tela, quando enfim foi exposta ao público com grande destaque, a historiadora de arte, Linda Nochlin (1931-2017), autora do famosíssimo artigo Porque não houve grandes mulheres artistas?, além de uma tese de doutorado sobre Courbet, comentou:

Devo admitir que sempre me senti desconcertada pelo quadro Origem do Mundo. Não me entusiasma, com certeza, mas me embaraça. [...] Não me acostumei a ele. Não me sinto capaz de aceitá-lo apenas como mais um nu do repertório de Courbet, como alguns historiadores da arte, na maioria homens, querem me convencer. Não há nada de íntimo nele, a proximidade é aquela do exame ginecológico e não a do amante admirando o corpo de sua parceira. Talvez eu reagisse mais favoravelmente a este quadro, se Courbet tivesse feito um par para ele delineando da mesma maneira [...] as partes baixas masculinas e o pênis. Afinal são necessários dois para termos uma origem  (Nochlin, 2007: 14).

Podemos supor que, se este quadro tivesse tido uma trajetória mais pública e não tivesse ficado por mais de 100 anos confinado em coleções particulares secretas, a forma do corpo feminino fosse talvez um pouquinho mais conhecida, tanto por homens, quanto pelas próprias mulheres.

Em 1967, cem anos depois da pintura de Courbet, Hannah Wilke (1940-1993), artista estadunidense, procurou investigar mais as formas femininas que têm sido escondidas por séculos. Formada em artes plásticas, com especialização em cerâmica, elaborou uma série de vulvas moldadas em barro apresentada em Nova Iorque na mostra Arte Erótica, da Galeria Nycata, um espaço destinado a agrupar artistas e cineastas de vanguarda. Segundo Hannah Wilke: As pessoas sentem-se ameaçadas pelos órgãos femininos porque não conhecem a forma que estes tem (Wilke Apud Chadwick, 2012: 367).

 

Betty Dodson: Vulvas

 

Em 1968, a artista plástica Betty Dodson (1929-) abandonou a carreira artística e abriu um estabelecimento em Nova York com produtos eróticos para mulheres. Promoveu workshops nos quais as mulheres poderiam, entre outras atividades, conhecer as diversas formas da vulva. Ela mesma não conhecia até então a variedade de formas dos órgãos genitais femininos (Carvalho, 2016).

 

 



 

Martha Edelheit: FleshWall 1964 / Mr. America’s cutout dreams. 1961

 

Na década de 1960, Hannah Wilke, Dodson e muitas outras mulheres artistas passaram a colocar o sexo como tema de suas obras e participaram de mostras individuais e coletivas de grande repercussão na época. A partir de uma exposição da artista Martha Edelheit (1931-) com telas figurativas mostrando mulheres e homens nus, Alan Kaprow, o ‘inventor’ da arte conceitual, em um artigo para o jornal nova-iorquino Village Voice, em 1966, escreveu: [a arte feita por mulheres] é responsável pelos trabalhos mais fortes e críticos sobre o assunto, pois vai direto ao ponto. Prossegue dizendo que, ao contrário dos artistas homens, que apresentam uma imagem convencional do sexo, elas não fazem concessões (Kaprow, Apud. Middleman, 2014).

 

Depois desses exemplos, retomemos a questão: o desenho ou uma escultura de um pênis feito por uma mulher transmite a mesma sensação de um pênis desenhado por um homem?

 

 

 


 

Louise Bourgeois: La Filette ( A menininha) 1968

 

Louise Bourgeois (1911-2010) em uma entrevista, ao responder um comentário sobre tal escultura disse: A palavra Filette é uma coisa muito delicada. [...] De um ponto de vista sexual considero os atributos masculinos extremamente delicados; são objetos que a mulher, ou seja, eu mesma, deve proteger. [La Filette] é uma coisa muito muito forte porque eu estava considerando as partes genitais masculinas, atributos que tenho de proteger. Talvez seja infantilidade, mas essa é a origem da palavra Filette. (Bourgeois, 2001: 183).

A obra de Bourgeois reitera obsessivamente um, por assim dizer, trauma de sua infância. O pai havia contratado uma jovem babá inglesa para os filhos, que também fora sua amante por dez anos, dentro da casa da família. A mãe morava na mesma casa, o casal não se separou, mas o caso foi ‘escondido’ de todos. Diz Bourgeois: Como é que numa família de classe média essa amante era uma peça de mobiliário? Bem, o motivo é que minha mãe tolerava isso! (..) [...] Sadie [Harington] está ali como minha professora [de inglês] e na verdade você, minha mãe, me usa para vigiar seu marido. Isso é abuso infantil. [...] Em relação a Sadie, durante muitos anos senti-me frustrada no desejo de torcer o pescoço dessa pessoa. [...] Fui traída não só por meu pai, mas também por ela. [...] Todo dia, você tem de abandonar seu passado ou aceitá-lo, e se não conseguir aceitá-lo torna-se uma escultora (Ibidem: 133-4).

 

 

 


Louise Bourgeois: Janus Fleuri - 1968

 

Da escultura Janus Fleuri, em que os órgãos sexuais femininos e masculinos formam uma só peça, disse Bourgeois: é uma referência ao tipo de polaridade que representamos. A polaridade que sinto é um impulso para a extrema violência e revolta... e um recuo, não diria passividade, mas uma necessidade de paz, [...] comigo mesma, com os outros, com o ambiente (Ibidem: 224).

Em outra entrevista, disse: Em minha escultura não é uma imagem que busco, não é uma ideia. Meu objetivo é reviver uma antiga emoção. Minha arte é um exorcismo. [...] A escultura me permite experimentar o medo, dar-lhe um caráter físico a fim de poder atacá-lo. Hoje digo em minha escultura o que antes não compreendia, ela me permite reviver o passado. [...] se o passado não é negado no presente, você não vive. Como os medos do passado estão ligados às funções do corpo, eles reaparecem por meio do corpo. Para mim, a escultura é o corpo. Meu corpo é minha escultura (Ibidem: 357). Louise Bourgeois reconhece que Uma obra de arte deve bastar por si mesma!. Seus objetos de arte são muito mais do que seus “traumas”.

 

 

 


Bourgeois fotografada por Mapplethorpe 1982

 

Para tirar essa foto, ela contou que, ao sair de seu atelier para o estúdio de Mapplethorpe, pegou impulsivamente a escultura La Filette (1968): Eu sabia que me sentiria tranquila segurando e embalando esta peça (Ibidem: 198).

Em 1968, Louise Bourgeois, uma senhora francesa de 57 anos, era conhecida apenas em um circuito restrito em Nova Iorque, onde morava desde 1938, e só ganhou destaque internacionalmente na década de 1980. O circuito da arte criado pelas correntes modernistas e vanguardas do século XX valorizava os homens, as artistas mulheres não ganhavam a mesma atenção de críticos e galerias e pareciam notas de rodapé na história da arte.


Antes da década de 1970, as artistas mulheres não levantavam bandeiras das reivindicações feministas. Na época, as artes plásticas estavam marcadas pelo abstracionismo, minimalismo, pop-art e as mulheres faziam seus trabalhos sem precisar mostrar que eram mulheres em suas obras. Uma tela abstrata nada revelava sobre o gênero de quem a pintara, nem na técnica, nem no assunto.

 

 

 


 

Joan Mitchell: sem título

 

Joan Mitchell (1925-1992), uma entre artistas estadunidenses mais relevantes do abstracionismo, afirmou sobre o ambiente artístico dos anos 1950: Naquela época, as galerias não incluíam mais de duas mulheres. Era um sistema de cotas. As lutas eram por maior participação no mercado da arte e por um reconhecimento como artista. Mas na década seguinte, artistas mulheres começaram uma produção na qual podemos observar uma especificidade enquanto arte feita por mulheres e que reverberou na militância feminista, dando-lhe configurações mais radicais. A arte feita por mulheres ganhou uma visibilidade maior do que em épocas anteriores. Algumas artistas fizeram obras e ações que deliberadamente as distinguiram dos homens.

Como exemplo, temos a francesa Niki de Saint Phalle (1930-2002), com suas imensas Nanas, enormes bonecas coloridas feitas com papier-maché. ou com o ambiente Hon (Ela) apresentada em Estocolmo em 1966. Era uma imensa mulher deitada, na qual os visitantes entravam pela vagina e, dentro, encontravam uma espécie de parque de diversões com esculturas, obras de Jean Tinguely e outros artistas, projeções de filme de Greta Garbo, um bar servindo leite em um dos seios, um aquário, entre outras atrações prazerosas.

 

 

 


 

Niki de Saint Phalle - Hon (Ela) 1966

 

Citando a pesquisadora argentina Maria Laura Rosa, em seu artigo nocatálogoMulheres radicais: arte latino-americana 1960-1985: Muitas perspectivas feministas do mundo da arte atual foram moldadas pelo trabalho de artistas que, em sua época, questionaram estereótipos de gênero e deram visibilidade a realidades alternativas para as mulheres (Fajardo-Hill, 2018, p. 37).

A atuação dessas artistas atiçou a mobilização junto às feministas e a transformação dos temas dessa luta em temas para intervenções artísticas, a partir dos anos seguintes. E essa atuação não se circunscreveu a apenas um local do planeta, mas obviamente ocorreu em espaços onde havia atividade artística e que se sintonizava no sistema global de arte, com uma rede de publicações, intercâmbios, galeristas (mercado), mostras internacionais, tais como as Bienais.

 

 

 


 

VALIE EXPORT: Tap and Touch Cinema 1968


VALIE EXPORT (1940[-]) é um nome artístico de uma artista austríaca (Waltraude Lehner) e foi tirado de uma marca de cigarros. VALIE se interessava pelo cinema, andou pelas ruas de Viena em 1968, com uma caixa no tórax, convidando as pessoas a manipularem seus seios.

Nos anos 1960, tomou contato com os “Acionistas vienenses”, grupo de artistas performáticos atuantes nos anos 1960. Uma das performances mais famosas dos acionistas, chamada Arte e revolução, foi realizada em 1968, durante uma reunião comum de estudantes em uma sala de aula, na qual, enquanto os artistas cantavam o hino nacional da Áustria, um deles jogava cerveja para todo lado, outro se masturbava e outro cagava. Os acionistas rejeitavam a produção de objetos de arte em favor de performances, de ações envolvendo o corpo em situações violentas de automutilação, como uma maneira de enfrentar a sociedade austríaca conservadora e católica.

 

 

 


 

Brus, Otto Muehl, Peter Weibel: Kunst und revolution. 1968


VALIE EXPORT não entrou formalmente no grupo também pelo fato de seus integrantes serem, segundo ela, misóginos, apesar de contundentes em suas ações performáticas. Estudos recentes têm pesquisado a participação de mulheres nesse grupo, as quais, nas descrições das ‘ações’, eram citadas apenas como “as modelos”. Em uma entrevista, Ana Brus, esposa de um integrante, disse que foi um período difícil para as mulheres, e hoje ainda lamento que elas não tivessem tido voz naquele tempo. Eram quietas, sentavam do lado de seus maridos e ocasionalmente acenavam a cabeça em negação ou afirmação... Tínhamos a impressão nos anos 1960 que as mulheres estavam escondidas sob uma “burka invisível”. Quebrar essa burka era a maior meta. Adiante, afirmou que era inconcebível estruturar uma ação própria enquanto mulher e ela nunca teve tal intenção. O contexto era muito restritivo às ações ‘de vanguarda’ com iniciativa das mulheres.

 

 

 


 

VALIE EXPORT e Peter Weibel: O cachorro, 1968

 

Outra performance de VALIE em 1968 foi passear com Peter Weibel puxando-o em uma coleira como um cachorro pela rua. A mais famosa foi Action Pants: Genital Panic, de 1969, registrada em algumas fotos, que seria parte de uma ação feita em um cinema de Munique. Em uma entrevista, afirmou que invadiu um cinema pornô com uma arma e incitou os homens a transarem com ela, fazendo-os fugir. Mais tarde negou que sua ação tivesse ocorrido em um estabelecimento pornográfico (Seymour, 2014).

 

 

 


 

VALIE EXPORT : Action Pants: Genital Panic 1969

 

Para ela, esse acionismo feminista que tem no corpo o material da arte seria capaz de transformar o objeto da história natural masculino, a saber, a mulher material, subjugada e escravizada pelo macho criador em uma protagonista independente e criativa, sujeito de sua história. (https://www.theartstory.org/artist-export-valie-life-and-legacy.htm)

Nos Estados Unidos: na Califórnia, na Carolina do Norte, em Nova Iorque e arredores, havia escolas de arte promovendo experimentações estéticas, como a Black Mountain, onde estavam John Cage, grupos de dança como Judson Dance Company, Merce Cunningham, Anna Halprin, Yvone Rainier. Havia grande intercâmbio entre as artes visuais, música e com destaque para a dança. Isso colocou o corpo como suporte da arte. A dança trouxe atitudes novas em relação ao espaço e ao corpo que mesmo o artista mais visualmente orientado não tinha levado em conta antes (Goldberg, 1988:138).

As mulheres retomaram seus corpos em iniciativas próprias. Deixaram de ser ‘modelos’ ou figurantes em performances elaboradas por maridos ou companheiros de grupos de arte, como no Acionismo austríaco, em grupos no Japão como Gutai e ZeroJigen, ou de ser “pinceis humanos” como nas obras performáticas de Yves Klein.

 

 

 


 

Yves Klein: Antropometria da época azul, 1960

 

Citamos Japão, pois algumas mulheres artistas migraram dali para os EUA buscando ares menos opressores, destacando-se aqui Yayoi Kusama (1929) e Yoko Ono .

Yayoi Kusama chegou nos EUA em 1957. Em seu país, seus desenhos e pinturas a tornaram uma artista relativamente conhecida, mas ela se sentia tolhida pelos críticos e pela recepção de sua obra junto ao público. Em uma entrevista, ela disse que sentia que o Japão inteiro era uma extensão de sua família e a proibia de ser livre (Yoshimoto, 2005: 53).

Em pouco anos, obteve relativo sucesso nas galerias do circuito nova-iorquino com desenhos, pinturas e objetos. Mas ela foi além.

 

 

 

 

 

Yayoi Kusama: Self Obliteration, 1967-1968

Construiu ambientes com espelhos e esculturas de tecido em que realizou performances.

 

 

 

 

 

Yayoi Kusama: Quarto Infinita, 1967-1968

 

A cena da vanguarda de Nova Iorque não era, porém, um caminho aberto para as mulheres, muito menos as imigrantes. Mulher “não branca’ era uma situação que não dava credibilidade a uma artista. Yoko Ono disse que a imagem da mulher oriental nos Ocidente nos anos 1960 era de uma escrava obediente ou uma mulher dragão (Ono, Apud Yoshimoto, 2005: 44).

Yoko chegou aos EUA em 1956, casada com o pianista e compositor, Toshi Ichiyanagi, aluno da Julliard School. Logo integrou-se na cena da vanguarda artística estadunidense, conhecendo John Cage, Merce Cunningham, George Maciunas, entre outros. Retornou ao Japão entre 1962 e 1964, participando dos grupos de vanguarda locais. Em 1964, apresentou em Kyoto, a performance Cut Piece, em que as pessoas poderiam cortar pedaços de sua roupa.

 

 

 

 

 

 

Yoko Ono: Cut piece, 1964

 

Carolee Schneemann (1939-2019), uma das pioneiras no uso do corpo como arte, em 1964 apresentou no Judson Dance Theater, em Nova Iorque, a experiência Meat Joy. Em 1963, usar meu corpo como uma extensão de minhas construções de pintura foi um desafio e uma ameaça às linhas de poder territoriais e psíquicas. As mulheres eram admitidas no Art Stud Club desde que se comportassem como os homens e fizessem um trabalho claramente dentro das tradições e dos caminhos desbravados por eles (a única artista que eu conheço que fez a arte do corpo antes desse tempo foi Yoko Ono) (Schneeman Apud Carlson, 2010: 167)

 

 

 

 

 

Carolee Schneeman: Meat Joy 1964

 

Em 1968, ela consolidou suas atividades de realizadora de filmes experimentais. Não apenas Carolee, mas outras mulheres artistas se tornaram também cineastas de filmes experimentais. Com o advento do vídeo na década seguinte, passaram a ser mídia artistas.

Adotar um novo meio trazia uma maior liberdade para a experimentação, sem que se tivesse que enfrentar ou temer uma comparação com os artistas homens que precederam. Em uma entrevista recente a artista Joan Jonas, que se lançou nos anos 1960, afirmou: Uma das coisas sobre performance e essa área na qual eu entrei (mídia arte): é que não é dominada pelos homens. Não é como na pintura e escultura (Jonas, Apud Chernick, 2017).

 

 

 

 

 

Joan Jonas Mirror, 1968

 

Na década de 1970, segundo Maria Rosa, começou-se a falar de arte feminista e as artistas mulheres passaram a trazer o feminismo para os seus trabalhos (Fajardo-Hill, 2018: 37). Foi quando a performance e arte mídia (videoarte, etc.) se estabeleceram para ficar, com mulheres em pé de igualdade com homens, ou abrindo espaços inéditos.

As ações dessas mulheres de um lado e as lutas feministas de outro se encontram, como foi dito, na década de 1970. O famoso estudo de Linda Nochlin, publicado em 1971, cabe ser citado com um exemplo inaugural disso. Ela desconstrói a pergunta-título: “Porque não houve grandes mulheres artistas?”, demonstrando que as condições de produção da arte devem ser observadas para se compreender a formação e o reconhecimento das artistas mulheres.

No Brasil, porém, cabe lembrar que o modernismo brasileiro do início do século XX foi marcado pela atuação central de duas mulheres: Anita Malfatti (1889-1964) e Tarsila do Amaral (1886-1973), mas dentro do circuito cuja referência continuava a ser a da formação e produção masculina.

 

 

 


 

Anita Malfatti: A estudante, 1915-16 / Tarsila do Amaral: Abaporu, 1928

 

Na década de 1970, segundo Maria Rosa, começou-se a falar de arte feminista e as artistas mulheres passaram a trazer o feminismo para os seus trabalhos (Fajardo-Hill, 2018: 37). Foi quando a performance e arte mídia (videoarte, etc.) se estabeleceram para ficar, com mulheres em pé de igualdade com homens, ou abrindo espaços inéditos.

 

 

 

 

 

 

Sala Especial de Lygia Clark na Bienal de Veneza, 1968

 

Em 1968, Lygia Clark apresentou uma retrospectiva de 10 anos de suas atividades na Bienal de Veneza. Preparou especialmente para a ocasião o que chamou de Labirinto: A casa é o corpo, em que o espectador era convidado a entrar em uma estrutura para viver o processo de fertilização, gestação e nascimento.

 

 

 

 

 

 

Lygia Clark: A casa é o corpo, 1968

 

O feminismo posterior a 1968 deve muito às ações das artistas que colocaram o corpo como suporte de suas ações, ou o próprio corpo ou o corpo das pessoas que entram em contato com a proposta. No primeiro caso, o corpo feminino como obra ou suporte da obra bate de frente com as imagens da sexualidade da mulher, com as representações dos homens em relação a um corpo feminino, as estruturas de dominação montadas para dirigir esse corpo. No caso de um convite a experimentar o corpo que a obra de alguns artistas solicita, a tênue distinção artista- espectador se esfuma, e há uma abertura para um descondicionamento de quem entra em contato físico com a obra.

Cinquenta anos se passaram. Dois efeitos principais das invenções das mulheres na arte desse período podem ser observados. Não apenas a intensificação da entrada das mulheres no circuito das artes, mas tem ocorrido um cuidado maior nas pesquisas de história da arte com a busca de mulheres artistas que ficaram escondidas, seja ao longo dos séculos, seja recentemente como ocorreu com a valorização ainda em vida de Louise Bourgeois. 

Novas metodologias, inspiradas pelos feminismos emergentes pós 68, permitiram que se encontrassem e se destacassem mulheres artistas ao longo das manifestações artísticas. Além disso, a própria grande narrativa da história da arte ganhou outras perspectivas, com interpretações mais contextuais para a obra de artistas consagrados.

 

 

 
 

* Este texto compôs uma parte da mesa-redonda 1968: MULHERES: Resistências e Invenções, em 27 de setembro de 2018, dentro da série organizada pelo Nu-Sol sobre o acontecimento 1968.

 
 

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Sites:


Hannah Wilke
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http://www.hannahwilke.com/id10.html


Martha Edelheit

https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00233609.2014.901413
https://marthaedelheit.com/zoom/984x588/1553528.html


Ligia Pape -Metropolitan Museum of Art (EUA)
https://www.metmuseum.org/press/exhibitions/2016/lygia-pape

 

 

 
 
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DTI-NMD

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