Paisagens
texto e seleção de imagens: acácio augusto e gustavo simões.
Uma verdade sustentável ? Rio + 20 e cúpula dos povos de uma perspectiva da ecopolítica.
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Vinte anos depois da ECO-92, a cidade do Rio de Janeiro voltou a sediar uma Conferência Internacional, a Rio+20. Durante uma semana, tornou-se um perímetro
territorial temporário da ONU. A Conferência das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável se espraiou pela cidade. |
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Contudo, foi entre a Barra da Tijuca, bairro que cresceu nos anos 1970, com especulação imobiliária durante a ditadura civil-militar, e o espaço do Aterro do Flamengo, onde ocorreu a maior parte da programação da Rio+20. |
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Se o Aterro abrigou a organização de milhares de militantes representando ONGs ambientalistas, sindicais, feministas, entre outras, a Barra da Tijuca, mais especificamente o pavilhão de eventos do Rio Centro, foi o lugar de encontro de chefes de Estado e seu séquito de diplomatas.
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Marcada desde o início pelos embates prévios em torno do documento denominado Rascunho Zero (www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/OFuturoque
Queremos_rascunho_zero.pdf), negociado, ponto a ponto, por diplomatas em Nova Iorque e reescrito, no Brasil, às vésperas do encontro, pairou sob a Rio+20 a pecha de um suposto antagonismo — reiterado por editoriais de jornais e comentaristas políticos— que oporia os representantes de ONGs, movimentos sociais articulados na Cúpula dos Povos e às delegações dos chefes de Estado reunidos no Rio-Centro.
Tal polarização antagônica teria sido explicitada, segundo muitos destes comentaristas, pela convocação a Marcha Global dos Povos, realizada no centro do Rio de Janeiro e que expôs como principais reclames a "falta de ousadia e coragem" e "a irresponsabilidade" dos políticos que se encontravam na Barra da Tijuca em relação às metas de desenvolvimento sustentável fundamentais para a preservação do planeta.
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Dentre as demandas não contempladas estavam a não valorização do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) ao status de agência internacional nos moldes da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a retirada do termo responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
A noção de responsabilidades comuns, porém diferenciadas imporia um comprometimento maior dos países ricos nos investimentos para preservação do planeta e a transformação das economias rumo a um desenvolvimento sustentável.
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O que havia sido explorado como posições inconciliáveis entre a Marcha do centro do Rio e o Rio-Centro, com o ocaso da Conferência, mostrou ser duplo indissociável que se articulou em torno de interesses comuns.
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Sha Zukang, Secretário-Geral da ONU, defendeu o encontro sob a justificativa de que a Rio+20 objetivou, sobretudo, renovar o compromisso político com o desenvolvimento sustentável.
Os ambientalistas, por sua vez, acusaram o fracasso da Conferência e celebraram a mobilização e o comprometimento da chamada sociedade civil em direção a um planeta com desenvolvimento sustentável.
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As Conferências Internacionais promovidas pela ONU, segundo o próprio funcionamento do que se conhece como Sistema-ONU, não podem produzir diretrizes, normas, recomendações e metas a serem imediatamente adotadas pelos Estados nacionais. |
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Como não possui o alegado poder de sanção, a ONU e suas conferências temáticas funcionam como produtoras de diretrizes, normas, recomendações e metas que dependem de discussões e de seu sucesso para que os Estados, estes sim encarregados de sancionar em seus territórios, adotem o proposto e recomendado nas conferências e em torno delas. |
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Os alegados fracassos dessas conferências funcionam como discurso de verdade, de maneira análoga ao propalado fracasso das prisões em recuperar infratores.
Das propostas, discussões, pesquisas científicas, contestações, redimensionamentos, instituições paralelas, toda uma parafernália constituída em torno do alegado fracasso em efetivar políticas imediatas, emergem como resposta as chamadas correções e alternativas ao problema que se anuncia como incontestável e incontornável.
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Numa palavra, formulam um problema comum. Estas Conferências Internacionais funcionam como espaços nos quais, contra os quais e em torno dos quais se produzem verdades para os Estados, as empresas e a chamada sociedade civil organizada.
Alimentam, assim, o funcionamento destes universais com insumos para a produção de suas políticas positivas que, hoje, encontram convergência no frouxo conceito de desenvolvimento sustentável.
Nesta sessão sobre a Rio+20 não nos interessa julgar o sucesso ou o fracasso da Conferência Internacional. Tampouco buscamos um fiel registro jornalístico. Trata-se de um acompanhamento em perspectiva para uma história do presente na qual se conforma uma ecopolítica.
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Diferente das edições anteriores, as imagens dessa sessão de paisagens foram produzidas pela câmera solta do Nu-Sol, que acompanhou de perto e liberada do itinerário comum — do centro do Rio ao Rio-Centro — as movimentações pela cidade. Mesmo diante da uniformidade das Marchas de protesto, dos reclames por desenvolvimento sustentável, há espaço para a irrupção de desconcertos.
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Durante a maior manifestação de movimentos sociais da Rio+20, enquanto mais de trinta mil pessoas marchavam ordeiramente atrás dos carros de som, irrompeu, em direção contrária, um grupo de índios xavante.
O corte pelo meio da marcha chamou atenção para outras possibilidades, outros espaços e estéticas para além da redução da multiplicidade da vida ao itinerário comum da convergência proposta.
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Corte que o vídeo do Nu-Sol, Ecopolítica-Ecologia, também traçou na superfície da tela de cinema instalada no Museu da República. Desafinando na programação de audiovisuais ongueiros, laudatórios das políticas em torno da sustentabilidade, Ecologia-Ecopolítica afirmou ética e esteticamente outro modo, libertário, de lidar com a Terra. Para além das imagens, de junho a agosto, por meio dos breves escritos da flecheira libertária presentes nesta edição da revista Ecopolítica e das análises singulares dos hypomnematas, miramos com o arco teso e a seta afiada a preparação, realização e os desdobramentos políticos da Rio+20. |
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1972, 1992 e 2012. Do "nosso futuro comum" ao "futuro que queremos" desdobram intermináveis conferências, reuniões, documentos, marchas e declarações que dão forma inacabada à convergência moderada composta de alternativas convergentes, minorias, empoderamentos, protestos, reformismo revolucionário repaginado, justiça social, ambiental, global e local que se alojam numa verdade de governo sustentável, registradas como tecnologia ecopolítica. Neste instante, em que até mesmo o que antes se configurava como resistência institucionaliza-se como matéria política resiliente, cabe a nós perguntar: qual o percurso das resistências no presente?
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seleta de flechas
Ambientalismo made in China
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As vésperas da Rio+20, certos ambientalistas celebram os investimentos da China, segunda maior economia do planeta, nas chamadas fontes renováveis de energia. O governo chinês lidera o ranking dos países que mais aplicaram recursos financeiros em energia eólica, solar e na construção de usinas hidrelétricas. Mesmo apontada como a nação que mais polui o planeta, efeito das altas taxas de queima de carvão, o governo chinês divulgou documento oficial declarando seu apoio a um caminho de desenvolvimento verde. Diante das negociações e lucrativos acordos em nome do planeta pouco importa o que se passa no interior do país mais populoso do globo. Enquanto o posicionamento chinês mobiliza a cúpula organizada pela ONU, a violência do Estado prossegue sustentada pela subserviência de grande parte da população e por meio das censuras sistemáticas, perseguições, prisões, torturas e assassinatos de certos homens e mulheres acusados de subversão.
flecheira libertária, 252. 12 de junho de 2012. |
Após o interminável vai-e-vem de negociações e permutas diversas, o documento que chegará às mãos dos chefes de Estado presentes na Rio+20 não possui mais os colchetes, sinalização que indica divergência entre os interesses políticos de certos países. As questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável, à governança e à biodiversidade dos oceanos estão garantidas. Entretanto, as denominadas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, isto é, a diferenciação entre a responsabilidade na recuperação dos recursos do planeta pelos países ditos desenvolvidos e dos que estão em chamado processo de desenvolvimento, somada às tensões em torno da definição de economia verde, foram alteradas pelos negociadores brasileiros. Para além do lema “o futuro que queremos”, as mudanças, chamadas por alguns de “um novo rascunho zero”, evidenciam os incessantes embates políticos às vésperas da cúpula oficial da ONU. Diante das intermináveis permutas, o futuro do planeta, mesmo que mobilizando milhares de militantes dispostos a reivindicar migalhas, desponta como o futuro daquilo que é possível negociar entre Estados. |
quantas gramas?
Em meio ao desfile estéril de variedades alternativas, despontou com força na Rio+20 a proposta de uma alternativa ao Produto Interno Bruto (PIB) como medição de desenvolvimento econômico. O desafio, segundo os especialistas econômicos em alternativas, é a criação de um índice de desenvolvimento sustentável que funcione para além do atual ranking do PIB, estritamente enredado na produção econômica de cada país. O primeiro esboço para esta nova maneira de medir o desenvolvimento foi apresentado nesta semana pela ONU com o nome de Índice de Riqueza Inclusiva. A liderança do ranking ficou com a China. Não é de espantar, visto que, o governo chinês anunciou recentemente um vultuoso pacote de investimentos em fontes renováveis de produção de energia. Todavia, enquanto alternativos discutem alternativas, a China segue adiante com sua ditadura. |
verde do mar
Pelas ruas, nas esquinas do Rio de Janeiro, sob a justificativa de garantir a segurança da cidade durante a realização da Rio+20, homens com fardas do exército circulam segurando fuzis. No mar e no espaço aéreo, navios e helicópteros completam a patrulha. Ao ser questionada por um repórter sobre o que achava da presença dos militares, uma moradora respondeu: “isso é porquê é a Rio+20. Seria bom se fosse assim todos os dias”. Passadas mais de duas décadas do ocaso da ditadura civil-militar, as práticas de tortura seguem acontecendo nas ruas, esquinas, porões, celas, prisões e quartéis. No presente, permanecem resquícios da adesão e conivência de grande parte da população brasileira à violência do Estado instaurada pelo golpe de 1964. Todavia, é insuportável, para quem curte os prazeres de uma vida mais livre, ter de se deparar com quem aceita servir ao Exército. Além do que, as fardas destoam da força e da beleza do Rio.
flecheira libertária, 253. 19 de junho de 2012.
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vitalidade
Em meio à proliferação pluralista dos brochantes protestos realizados durante a “Rio+20”, conduzidos por carros de som, militantes com bandeiras e faixas, lideranças gritando palavras de ordem, alguns índios saíram as ruas do Rio de Janeiro empunhado seus arcos. Não demorou para que o Estado, por meio da Polícia Federal, emitisse nota de que a presença de um índio portando arco e flecha pode eventualmente representar uma ameaça. Em seguida, a Secretaria de Segurança Pública divulgou que analisaria as denúncias relacionadas ao porte de flechas. Variados especialistas minimizaram as declarações policialescas reiterando que era preciso, ao invés de criminalizar, tolerar a diversidade cultural. O que pouco se comentou é que o intolerável para alguns dos povos presentes na Cúpula é precisamente o Estado. Diante das brochantes manifestações, acompanhados por viaturas com policiais armados até os dentes, certos índios miraram seus arcos e setas tesas. Diante do Estado com seus negócios escusos e armas de morte é preciso que não abramos mão desta vitalidade.
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tirando a roupa
Entre os festejos, protestos, desfiles, passeatas, rodinhas, acordos e desacordos tangenciais próprios de eventos como a Rio+20, no qual estava em jogo negociar como melhorar o capitalismo, a vida dos miseráveis e a do “planeta”, de repente jovens começaram a tirar a roupa. Mulheres colocando os peitos para fora, homens e mulheres despindo-se de suas roupas, porém camuflando seus rostos, exibindo um pouco de nudismo para os flashes. Sabe-se que depois, muitas das garotas vestiram seus soberbos soutiens para circularem pela cidade e que despidos da camuflagem nos rostos, outros jovens vestidos transitaram pelos espaços reservados. Efeitos de espetáculo de protesto ou estilo de vida? Não há nudez corporal sem a cara estampando sorrisos e humor. O resto é cena para a internet, imprensa e televisões. Enfim, ainda não se tocou na lembrança do efeito da queima de soutiens, nem no livre transitar de corpos nus entre músicas, amores, e mais que um tom ecológico. Por ora, os seios, pintos, bundas e pentelhos ao ar ecoam o uso dos corpos a espera de um bom casamento e de uma certa vaidade juvenil. Falta-lhes coragem! |
ver de perto
Compromissos políticos com o desenvolvimento sustentável para geração de uma economia verde e erradicação da pobreza foram pautas das reuniões da Rio+20. Desses compromissos, a Conferência da ONU apresentou diversos casos de sucesso, sendo um deles a UPP Social por desenvolver projetos sociais nas favelas pacificadas pela polícia. Após uma apresentação do programa, participantes tiveram o interesse de conhecer a situação in loco para ver como essa “nova realidade” que treina crianças e jovens para serem embaixadores da comunidade tão amada acontece nos morros. Dizem que é preciso integrar, social e economicamente, as favelas ao asfalto e que, para isso, é dever do cidadão conhecer o outro lado cidade. Assim, empresas de turismo elaboram seus pacotes de tour. Sem entrar nas vielas sujas e fétidas para mostrar o outro lado da comunidade aos interessados que fazem o passeio da mesma forma que vão ao zoológico, as favelas do Rio viram point e referência mundial. Desta maneira o controle se alarga e a população, mais uma vez, consente.
flecheira libertária, 254. 26 de junho de 2012. |
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