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Paisagens

Texto: Michel Serres e Hans Ulrich Obr

 

Quase-objetos

 

 

“Esse quase-objeto não é um objeto, mas todavia o é, pois não é um sujeito, está no mundo, é também um quase-objeto, uma vez que marca ou designa um sujeito sem o qual não o será... Este quase-objeto, em movimento, faz o coletivo: quando para, produz o indivíduo”. – Michel Serres 1

 

   
Hans
Ulrich Obrist
Outro dia eu estava com meu BlackBerry na mão e me perguntei se é um “quase-objeto”. Sua ideia é que o quase-objeto não é objeto nem sujeito. É uma relação. Gostaria de saber se você diria que se pode dizer que os smartphones são quase-objetos?

 

Michel Serres

Certamente são quase-objetos, mas são quase-objetos quase inteligentes. São objetos relacionais, objetos de conexão. Neste momento estamos os dois em relação graças a eles.

 

   
Hans
Ulrich Obrist

E como nasceu a ideia do quase-objeto? É uma ideia que você introduziu em 1980 em Le parasite.

 

Michel Serres

Sou um pouco como os ingleses, pois nasci no sudoeste da França e joguei muito rúgbi. Eu tinha muita paixão pela bola. Eu me perguntava o que é a bola. E examinando o papel da bola no jogo de rúgbi, tive a ideia do quase-objeto.

 


Hans
Ulrich Obrist

Você teve essa revelação pelo rúgbi – isto é magnífico. Passando para a arte, sua obra é importante para muitos artistas. Outro dia conversei com Philippe Parreno, que se inspira em você. Ele diversas vezes falou dessa ideia que certos filmes ou formas ou obras de arte podem agir como quase-objetos. Você pensa que a obra de arte pode se tornar um quase-objeto?

 

 

Michel Serres

De certa maneira, quase-objetos possibilitaram reunir uma dada sociedade, e mesmo formar uma sociedade. Há quase-objetos que são objetos de arte, por exemplo os objetos religiosos, que agregam os membros de uma comunidade. De certa forma, esta sempre foi uma das principais funções da obra de arte.

 

 

Hans
Ulrich Obrist

Você considera que o quase-objeto pode produzir a realidade?


 

Michel Serres

Claro! Uma vez que o quase-objeto agrega uma comunidade, esta torna-se real; o virtual cria o real. Passamos nosso tempo transformando o virtual em real. O que é uma moeda? É um quase-objeto. Ela pode ser transformada em qualquer coisa. É um equivalente geral e, portanto, não há nada mais real hoje em dia que a moeda.

 
Hans
Ulrich Obrist

Você colaborou muitas vezes com outros, e a conversação é uma parte importante de sua filosofia, como para Philippe Parreno. Podem-se inventar novas formas com a colaboração, ou mesmo com a amizade?

 

Michel Serres

Sim, sem dúvida. Mas o essencial é que uma conversação não seja apenas uma discussão entre duas opiniões fixas. É necessário que cada participante seja livre e aberto.

 
Hans
Ulrich Obrist

Eu conversei muito sobre comunicação com Bruno Latour, quando ele realizou o livro de entrevistas com você 2. Mas antes disto, nos anos oitenta, você falou sobre esta era da comunicação através de Hermes. Você poderia falar sobre este modo de antecipação da era da comunicação?


 

Michel Serres

Não era realmente uma antecipação, pois estava acontecendo. Foi bem antes dos anos oitenta; pois o primeiro Hermes foi publicado nos anos sessenta 3 . Via-se já naquela época o que se chama em inglês “colarinho branco” substituindo o que se chama de “colarinho azul”. A indústria se transformava, e os empregos de serviço estavam substituindo os de produção. Via-se bem que a comunicação estava para se sobrepor à produção desde os anos sessenta. Eu estava bem atento para essa transformação. Essa transformação teve evidentemente um crescimento extraordinário, e depois uma explosão, um crescimento vertical quando chegaram os computadores e as novas tecnologias.

 
Hans
Ulrich Obrist

Em sua obra recente, Petite Poucette – cujo título, suponho, refere à prática contemporânea de enviar SMS sem cessar – o senhor fala de três revoluções 4 . Eu gostaria de ouvi-lo um pouco mais sobre esta revolução no meio da qual nos encontramos.


 

Michel Serres

Falei historicamente de três revoluções. A primeira foi produzida com a invenção da escrita, ou seja, durante os primeiros milênios orais antes da escrita. A segunda revolução sobreveio com a chegada da imprensa e do livro no século XV. Finalmente, a terceira, a nossa, é a dos computadores. Cada uma das revoluções parte de um duplo “suporte – mensagem”, ou seja, um ajustamento “hard-soft”. Vê-se muito bem que na era oral o suporte é o corpo, e a mensagem é oral. Em seguida, o suporte será o papel e a mensagem será escrita ou impressa. Hoje, o suporte é material e a mensagem eletrônica. São estas três revoluções – a da escrita, da impressão e a nossa – que transformaram pouco a pouco toda a sociedade. Em cada caso ocorreram transformações ao mesmo tempo financeiras e industriais, mudanças de meios, de linguagem, de ciência e mesmo de religião. No momento da escrita, chegou a religião do livro, a religião judaica e em seguida a cristã, e depois, no momento da impressão, foi a reforma, o protestantismo que veio em resposta ao catolicismo. Então, cada vez houve revoluções em quase todos os setores e hoje se pode esperar uma crise em todos os setores análogos.

 

Hans
Ulrich Obrist

Como nasceu a ideia para este livro formidável, que é tão otimista para o século XXI?

 

 

Michel Serres

Eu tinha ao mesmo tempo uma preparação teórica e prática. No nível teórico, há tempos eu escrevia livros sobre comunicação – isto é, sobre Hermes, sobre o deus da comunicação, sobre o parasita, e sobre os obstáculos da comunicação. Portanto, lidava há muito tempo com estas questões. No nível prático, eu ensino há 35 anos em Stanford, no meio do Vale do Silício, e estive engajado com as técnicas, as indústrias e os “startups” 5 sobre esta questão

 


Hans
Ulrich Obrist

Em seu livro você explicou de maneira pertinente que as redes são espaços do passado. Hoje não temos mais essa ideia do ponto de referência, mas a de um espaço topológico sem distância. O que este espaço topológico significa para o futuro?

 

 

Michel Serres

Antes, quando você me dava seu endereço em Londres, era um código que se podia localizar no mapa de Londres, desenhado segundo a geometria métrica onde definíamos as distâncias. Graças à tecnologia de hoje, é a distância que desaparece. Ela encurta as distâncias não apenas como antes – quando encurtávamos as distâncias com um cavalo ou um avião –, mas hoje a anulamos completamente. Seu novo endereço, o número de seu celular ou endereço do computador, funciona onde você estiver, e você pode enviar mensagens onde quer que o correspondente esteja. Não habitamos mais o mesmo espaço que nossos pais. Esta mudança de espaço desempenha um papel evidentemente muito importante, de várias maneiras. Em particular, poderíamos refletir sobre isto em termos de direitos, no plano jurídico. Você se lembra da floresta onde vivia Robin Hood? Era um espaço de não-direito, e creio que a web também é um espaço de não-direito. Quando os viajantes entravam na floresta, percebiam imediatamente que os ladrões e os criminosos que habitavam a floresta obedeciam a Robin Hood. Robin Hood é um nome extraordinário porque Robin significa “aquele que tem a roupa dos magistrados, dos juízes”. Robin Hood é aquele que faz as leis num lugar de não-direito. Creio que a partir deste lugar de não-direito que é a web, brotará logo mais um outro direito, completamente diferente daquele que organizava o antigo espaço métrico.

 

Hans
Ulrich Obrist

A Wikipédia é um bom exemplo do novo sistema de direito. Você é apaixonado pela Wikipédia porque é uma democracia do saber ligada a São Paulo.

 

   
Michel Serres
Wikipédia é o acesso direto e livre a todo conhecimento, e muitos estudantes o utilizam na América, há dez anos. Mas porque pagar tão caro pela escola se os estudos dão acesso a um saber que você já tem em casa? Esse acesso imediato ao conhecimento está mudando diversas profissões. Darei um exemplo: você está doente e vai consultar seu médico. Antes, o médico era competente e você não sabia nada sobre a sua doença. Agora você pesquisa seus sintomas na Wikipédia e obtém informações sobre o que lhe atinge antes de ir ao seu médico. Em consequência, há um tipo de presunção de competência e, portanto, a relação entre o médico e o doente está se transformando como a relação entre o professor e o estudante. A Wikipédia realmente muda as relações sociais, as relações humanas e as relações no ensino.

 

Hans
Ulrich Obrist

Gostaria de saber um pouco mais sobre esta ideia do novo humano que você pensa ter nascido com essa nova tecnologia.

 

Michel Serres

Sobre a invenção da imprensa, Montaigne em Ensaios disse: “Prefiro uma cabeça bem feita que uma cabeça bem cheia”. Ele notara esta coisa estranha que a cabeça mudava, ou seja, o sujeito do pensamento. Tinha-se a impressão que emergia uma nova maneira de pensar no momento em que nascia a imprensa. A prova é que a física matemática chegou naquele momento. Hoje, na realidade, há uma nova maneira de pensar. No computador há sua memória e muitos de seus rastros de exploração. Por conseguinte, muitas antigas funções do pensamento são substituídas pelo computador. Esta é a nova pessoa. Então, primeiramente, o sujeito do pensamento está prestes a mudar, mas também, e em referência à questão precedente que você colocou: a maneira de estar junto. Quando você está no metrô de Londres ou Paris, você vê bem todas as pessoas que estão telefonando – elas estão transformando completamente a comunidade do metrô. A antiga comunidade está em vias de se tornar outra comunidade que telefona para seus vizinhos virtuais. Há, portanto, duas coisas que mudam: o sujeito do pensamento e o sujeito da comunidade.

 

 
Hans
Ulrich Obrist

Phillipe Parreno e eu preparamos uma exposição que se chamará “Resistências” e estou curioso sobre se o parasita não está engajado nas práticas de resistência. No mundo da nova tecnologia no qual de certo modo não há mais o exterior, como você vê a noção de resistência?

 

Michel Serres

Não sei como responder corretamente a esta questão. Eu sei que a palavra “resistência” tem, para os franceses, um sentido completamente ligado à Segunda Guerra Mundial. Mas a palavra “resistências” tem diversos sentidos. Hoje, a respeito dos parasitas, descobrimos bactérias que são resistentes aos medicamentos. Neste caso, o parasita evolui e passa a ser simbiótico. Há uma espécie de evolução do parasita que primeiro é perigoso e pode levar à morte, e depois de repente ele passa a ser colaborador e simbiótico. No fundo da resistência há, talvez, uma operação entre o parasitismo e a simbiose.

 

Hans
Ulrich Obrist

Outro dia, conversando com Adam Curtis, um grande cineasta inglês que trabalha na BBC, ele falou dessas crises institucionais. Provavelmente isto está ligado ao que você descreveu. Gostaria de saber se você poderia falar um pouco mais sobre isto e o que substituirá essas instituições?

 

 
Michel Serres

Minha primeira resposta é um diagnóstico no sentido médico sobre a questão que você coloca: todas as nossas instituições estão de fato em crise. Em particular, você tem as instituições ligadas às mídias como os jornais, os livros, etc., mas também as universidades, que atravessam uma crise maior, pois os cursos online se consolidam. A questão é: o que será da universidade que não é mais concentrada localmente? As instituições políticas também estão em crise. Evidentemente pode-se vê-la do ponto de vista do diagnóstico e avaliar lucidamente esta mudança. Mas a segunda questão que você coloca é a do prognóstico, ou seja, por quais sociedades ou por quais instituições serão substituídas? Ainda não sei responder a esta questão. Tenho a impressão que hoje temos a necessidade de um grande filósofo político que possa inventar novas instituições.

 

Hans
Ulrich Obrist

Outro dia me fiz a pergunta sobre quem poderiam ser estes filósofos políticos do século XXI. Isto poderia ser o tema de um próximo livro?

 

 

Michel Serres

É por isto que estou estudando muito sobre este tema. Você sabe que no século XIX havia muitos inventores do ponto de vista da filosofia política, como os socialistas utópicos, Karl Marx, e outros. No século XX, sentimos a ausência deste gênero de filósofos políticos e isso nos faz falta ainda hoje.

 

Hans
Ulrich Obrist

Você tem conhecimento de algum que poderia hoje desempenhar este papel?

   
Michel Serres

Não gostaria de morrer sem ter tentado responder esta questão.

 

 

 

 

Fonte:
Parreno, Philippe (2013). Anywhere, Anywhere out of the World. Paris: Koenig Books, Palais de Tokyo, pp.170-177.

 

Tradução do francês por Dorothea Voegeli Passetti.

 

1 SERRES, Michel (1980). Le Parasite. Paris: Editions Grasset&Fasquelle.

2 LATOUR, Bruno e SERRES, Michel (1992). Eclairissements: entretiens avec Bruno Latour. Paris: François Bourin.

3 SERRES, Michel (1968). Hermes: La communication. Paris: Editions de Minuit.

4 SERRES, Michel (2012). Petite Poucette.Paris: Editions Le Pommier.

5 Startup. Trata-se de modo de constituir uma empresa com base na incerteza e se provar sustentável, com custos baixos e altos lucros, tornando um negócio repetível como a propaganda no Google, franquias etc. (N.E.).

 

 

 
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