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observatório ecopolítica

Ano VI, n. 113, julho de 2022.

 

meio século da declaração sobre o meio ambiente

 

Junho é comemorado o mês do meio ambiente desde 1972, ocasião da Primeira Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano, realizada na capital sueca.


Na ocasião surgiu, entre outros documentos, a Declaração de Estocolmo, texto seminal para a consolidação do dispositivo meio ambiente e de importância comparada à Declaração dos Direitos Humanos de 1948. (Ver OE 39).
O Princípio nº 1 do texto deixou claro: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras."
Em 2021, a Declaração de Estocolmo ensejou uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Resolução 48/13 de 8 de outubro de 2021), pela qual um "ambiente limpo, saudável e sustentável" foi reconhecido como um direito humano universal. Citando os três primeiros itens da resolução, o Conselho:


"1) Reconhece o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito humano importante para o gozo dos direitos humanos; 2) Observa que o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável está relacionado a outros direitos e ao direito internacional vigente; 3) Afirma que a promoção do direito humano a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável exige a plena implementação de acordos multilaterais sobre meio ambiente em conformidade com os princípios do direito ambiental internacional."


O Conselho integra o conjunto de órgãos de apoio à ONU. É composto por 47 países distribuídos por grupos regionais e eleitos para mandatos de três anos. A resolução sobre meio ambiente foi aprovada por 43 membros (Brasil inclusive), mas 4 países integrantes se abstiveram de considerar o direito a um meio ambiente 'saudável': Rússia, China, Índia e Japão.


Com a resolução, a crise ambiental tornou-se uma questão de direitos humanos, ampliando institucionalmente o escopo do dispositivo meio ambiente para a proteção dos direitos. Um dos argumentos para esse reconhecimento é o de conter a perseguição e morte de ativistas ambientais por forças contrárias à defesa da biodiversidade e ao combate às diversas formas de poluição.


Apesar de festejada como algo novo, mesmo repetindo princípios cinquentenários, essa decisão necessita ainda de aprovação na plenária das Nações Unidas para assim ganhar efetividade como política internacionalista. Em todo caso, a confirmação da 'universalidade' desse direito já alavancou a pressão da ONU por ações consideradas "mais ousadas" de combate à crise ambiental do planeta, identificada por três fatores principais: mudanças climáticas, perda da biodiversidade, e poluição, decorrentes dos efeitos de atividades humanas, como resíduos plásticos e lixo em geral, efluentes não biodegradáveis, entre outros.


Ainda em 2021, o Secretário Geral das Nações Unidas, lançou um relatório "Nossa Agenda Comum", respondendo aos questionamentos e desafios feitos na ocasião do aniversário de 75 anos da instituição, em 2020. A agenda tem como objetivos implementar os acordos internacionais já existentes, em especial, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, assim como renovar a solidariedade global em torno dos bens comuns da humanidade.


Dentro dessas recentes iniciativas para uma 'renovação' do papel da ONU, a Conferência de Estocolmo não poderia passar, meio século depois, sem nem um festejo, por pálido que fosse, para cumprir a função de "sensibilizar" e "conscientizar", reiterando o incentivo às mudanças de comportamentos e políticas ambientais mais eficientes. A ONU e o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), instituição gerada pela Conferência de 1972, organizaram um evento de apenas dois dias em Estocolmo, em 2 e 3 de junho, sem incluir, atividades ou comemorações em 5 de junho, Dia do Meio Ambiente.


O evento procurou não só comemorar o cinquentenário, mas alavancar a implementação da Década de Ação da ONU para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030, o fortalecimento do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e o Quadro Global de Biodiversidade, e o apoio a planos verdes de recuperação pós-COVID-19, assim como considerar as propostas da "Nossa Agenda Comum".


Baseado no slogan: "Um planeta saudável para a prosperidade de todos – nossa responsabilidade, nossa oportunidade", o encontro destacou três temas para os chamados "Diálogos de Liderança", que comporiam discussões entre  líderes de diversos setores ambientais: "1) ações urgentes para se obter um planeta saudável e prosperidade para todos; 2) recuperação sustentável e inclusiva da pandemia de COVID-19; 3) agilidade na implementação da dimensão ambiental dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável." O Brasil esteve presente como palestrante no bloco de discussão do primeiro tema na pessoa de Antônio Herman Benjamim, ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e especialista em Direito Ambiental.


A questão da pobreza ganhou seu destaque. Há meio século, a defesa ao meio ambiente parecia implicar limites ao desenvolvimento de países pobres. O bordão "a pobreza é a maior poluição" atribuído a Indira Gandhi durante a Primeira Conferência, gerou impasses, de certo modo equacionados pela noção de desenvolvimento sustentável, ratificado na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992. O desenvolvimento tornou-se um direito, desde que sustentável, de acordo com o Princípio 3 da Declaração do Rio 92 ("O direito ao desenvolvimento deve exercer-se de forma tal que responda equitativamente às necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras"). A sustentabilidade seria o efeito da proteção ambiental enquanto parte integrante das atividades humanas, especialmente aquelas ligadas à produção econômica (Princípio 4).


Durante os dois dias de junho, em Estocolmo, além dos três Diálogos de Liderança, houve quatro plenárias com chefes de Estado ou seus representantes. O assunto recorrente foi propor ações para o cumprimento da parte ambiental da Agenda 2030, cujos objetivos sustentáveis extrapolaram a questão do meio ambiente. Simultaneamente, ocorreram eventos paralelos: webinars, sessões com a juventude, com indígenas, encontros regionais com stakeholders, funcionários de governos, lideranças empresariais, etc..


Como resultado dessas atividades, foi elaborada uma Declaração de Estocolmo 50+ cujo destaque recaiu na necessidade de a ONU estabelecer em definitivo o "meio ambiente limpo, saudável e sustentável" como um direito. "Para que esse direito seja implementado, serão necessárias mudanças estruturais nas esferas jurídica, econômica, social, política e tecnológica para restaurar um Sistema Terrestre estável e em bom funcionamento." Para isso, propõem-se quatro passos: 1) implementar a Resolução CNUDH 48\13 de 2021, reconhecendo o direito a um ambiente saudável, cujos princípios deverão incluir uma agenda de "regeneração" para que não haja retrocessos; 2) reconhecer, restaurar e salvaguardar os bens comuns globais, para isso o sistema natural planetário, com destaque a um clima estável, deveria ser declarado "Patrimônio Comum" da humanidade; 3) estabelecer uma economia regenerativa, em que o sistema natural, declarado como patrimônio comum, fornecerá a base da prosperidade; 4). priorizar a governança e soluções institucionais para o gerenciamento do "Sistema Terrestre como um todo".


Estamos em Estocolmo. E Greta Thunberg não é mais a criança ativista, mas uma mulher ativista de 19 anos. Ela fora convidada para falar em uma das mesas de debate. Recusou por considerar o encontro incapaz de propor avanços, por achar que sua presença ali seria decorativa e, principalmente, por não encontrar motivos para festejar: "Você acha que é uma piada, que eles estão brincando quando dizem que vamos comemorar 50 anos de conferências ambientais. (...). É engraçado porque nos últimos 50 anos, tudo piorou muito, pelo menos na frente ambiental e climática. Em 1972, estávamos abaixo de 350 ppm (teor de dióxido de carbono na atmosfera). Agora aqui estamos nós, a 420 ppm. Espera-se que as emissões atinjam níveis recordes este ano também." Decidiu então se unir a um grupo de ativistas para continuar com as manifestações de rua das greves climáticas de "Fridays for the future". Pelos próximos 50 anos teremos ainda 2.400 sextas-feiras para reivindicar "políticas ousadas" contra o aquecimento global, talvez com presença de setentonas e setentões sob constantes chuvas de pássaros agonizantes ou mortos, como ocorreu na Índia devido ao calor.


Em 1972, o Primeiro-Ministro sueco, Olof Palme, abriu a Conferência. Advertiu sobre o excesso de otimismo e a crença em tecnologias redentoras, e, ao mesmo tempo, criticou profecias catastróficas na medida em que vislumbrava possíveis soluções. Mas, alertou: "No entanto, é absolutamente necessário que haja um compromisso com uma ação conjunta e internacional. Isso é de fato muito, MUITO, urgente!"


Em 2022, o rei da Suécia, Carlos XVI Gustavo, abriu as comemorações do cinquentenário. Com uma expressão um tanto ausente, assinalou, destacando a Declaração de Estocolmo e a criação do PNUMA, que a Conferência de 1972 foi um ponto de partida para várias ações e encontros globais para a conservação da natureza e do meio ambiente ao longo desses 50 anos. Ao final de seu breve e seco discurso, o rei trouxe um vaticínio sombrio: "Mas, serei muito claro, nós não temos mais cinquenta anos para mudar o curso do desenvolvimento: de acordo com IPCC, o tempo está acabando. Se quisermos limitar o aquecimento global a um nível aceitável por nossa civilização, os próximos poucos anos serão críticos! Senhoras e senhores, vocês têm o conhecimento, vocês têm as ferramentas, agora é o momento de utilizá-los. (...) Obrigado, e ... Boa Sorte!"

 

Haja sorte!


Entre 6 e 16 de junho, houve a Conferência de Mudanças Climáticas da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC - United Nations Framework of Climate Change), em sua sede em Bonn. Foi o primeiro encontro entre as Partes depois do Pacto Climático de Glasgow (COP-26) e teve como objetivo preparar a Conferência das Partes - COP 27, para que as pendências do Pacto sejam resolvidas, especialmente nas questões técnicas do Acordo de Paris. A COP 27 ocorrerá de 6 a 18 de novembro de 2022, no Egito, na cidade de Sharm el Sheik, península do Sinai, às margens do mar Vermelho.


Os dois principais acordos climáticos: Kyoto e Paris, resultaram das atividades do UNFCC, criado em 1992, durante a Conferência realizada no Rio de Janeiro. O objetivo das ações resultantes dos acordos seria o de estabilizar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera para evitar alteração deletéria no clima e possibilitar que os ecossistemas, e consequentemente a vida humana, se adaptem naturalmente às mudanças decorrentes das atividades humanas, o que, segundo o UNFCC, possibilitaria o desenvolvimento sustentável.


Os trabalhos de junho se dividiram pelas agendas de dois órgãos da  Convenção-Quadro destinados a dar suporte às Partes: Órgão Subsidiário de Implementação (SBI), voltado ao apoio aos instrumentos de implementação dos acordos climáticos: transparência, mitigação, adaptação, finanças, tecnologia e capacitação; e o Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico (SBSTA), voltado aos aspectos científicos dos impactos, da vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas; à promoção do desenvolvimento e transferência de tecnologias, e à realização de trabalho técnico para preparar e revisar inventários de emissões de gases de efeito estufa das Partes.


As pendências a serem resolvidas podem ser agrupadas em dois blocos: construção da adaptação aos impactos inevitáveis e cada vez mais frequentes das mudanças climáticas, como ondas de calor, inundações, ciclones, e apoio financeiro, no qual se inclui o ressarcimento a perdas e danos causados por mudanças climáticas extremas e financiamento climático para países em desenvolvimento.


Além disso, a Conferência de Bonn realizou o primeiro diálogo sobre o Balanço Global que tem feito a revisão do progresso coletivo prometido pelas resoluções das Partes para alcançar a meta de limitar o aquecimento em 1,5 graus Celsius. Foram identificadas muitas lacunas a ponto de dificultarem as ações para manter uma temperatura razoável até 2030. Tentando manter certo otimismo, afinal as decisões políticas informadas pelas ferramentas científicas serão tomadas na próxima COP, o presidente do SBSTA disse que ciência foi o foco principal da Conferência de Bonn, mas os relatórios do IPCC devem ser, com urgência, levados em conta pelos governos.
Estudos baseados nos relatórios IPCC deixam evidente que qualquer acordo em torno de um limite acima de 1,5 graus Celsius nos próximos anos levará a situações de difícil mitigação. Haja sorte!

 

... e a maré subindo...


O mês de junho fecha com a Declaração de Lisboa, "Nosso oceano, nosso futuro, nossa responsabilidade" divulgada no encerramento da 2ª Conferência dos Oceanos, promovida pela ONU em Portugal, entre 27 de junho e 1º de julho, cujo tema foi ‎‎"Dimensionamento da ação oceânica com base na ciência e inovação para a implementação do Objetivo 14: estocagem, parcerias e soluções."‎


A preocupação planetária com a preservação da qualidade dos ecossistemas marinhos apenas recentemente entrou na pauta das políticas internacionais associadas ao meio ambiente e, assim, aparece ligada à questão climática e à defesa da biodiversidade, na chave da sustentabilidade. A década do mar decretada pela ONU iniciou-se em 2021 e vai até 2030, data do prazo da implantação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
O texto da declaração funciona como um "apelo à ação", sem caráter vinculativo ou estratégico, reiterando intenções para a defesa da geo-biodiversidade do mar sem deixar de lado o desenvolvimento de uma economia azul: uma economia do mar sustentável. Consiste em um esboço com sugestões para dar prosseguimento aos debates para alcançar as metas do 14º Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos) e para a elaboração de tratados específicos de proteção aos oceanos, especialmente nas áreas fora de jurisdição nacional. A conferência se encerrou com otimismo frente à participação de representantes de 150 Estados-membros da ONU e pelos compromissos delineados em reuniões e encontros em favor da proteção ao oceano.


No entanto, nada se comentou, oficialmente, sobre um acontecimento que começa a alterar as expectativas do "ambiente saudável e limpo": a guerra na Ucrânia. Os efeitos ambientais não se restringem aos impactos das batalhas e bombardeamentos no território ucraniano, mas prometem se estender ao planeta, desde a volta do investimento em energia de origem fóssil, como o carvão mineral, até a ameaça de explosão de armas nucleares.
A expressão ausente do rei sueco nos festejos monótonos do cinquentenário da Conferência poderia indicar atenção a um perigo próximo: uma invasão bélica russa através de sua fronteira. A Suécia solicitou entrar na Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, provocando diretamente a Rússia. Ao mesmo tempo a indústria de guerra sueca cresce e já contabiliza os lucros com a demanda por armas sofisticadas.
Em um dos sete mares, no mar Negro, minas flutuam nas águas e chegam às praias. Prontas para explodir.

 

R A D. A. R

 

Estocolmo 50+

 

Observatório Ecopolítica nº 39

 

Resolução Conselho de Direitos Humanos ONU de 8 de outubro 2021: Meio Ambiente saudável como um dos direitos humanos

 

Conselho da ONU dos Direitos Humanos

 

Nossa Agenda Comum ONU 2021

 

Documento base para o tema 1 dos Diálogos de Lideranças de Estocolmo 50+

 

Diálogo de Lideranças 1 – vídeo e participantes

 

Brasil em Stockholm 50+

 

Brasil em Stockholm 50+ (versão institucional do governo brasileiro)

 

Greta Thunberg e a Conferência 50+ (em sueco, mas o tradutor online funciona)

 

Declaração de Estocolmo 50+: Restaurando nossa casa comum. 2022

 

Observatório Ecopolítica nº 53

 

Observatório Ecopolítica nª 54

 

56ª Conferência Climática do UNFCC em  Bonn

 

Conferência Climática de Bonn (notícia sobre final do evento)

 

Balanço Global do Acordo de Paris

 

Sem tempo para complacências (artigo)

 

Observatório Ecopolitica nº 73

 

Conferência da ONU sobre o Oceano

 

Observatório Ecopolítica nº 97-98

 

Década do Oceano

 

"Nosso oceano, nosso futuro, nossa responsabilidade" (Declaração de Lisboa)

 

Conferência Internacional sobre Biodiversidade Marinha de Áreas Além de Jurisdição Nacional (agosto 2022)

 

Meio ambiente e guerra na Ucrânia

 

Crimes ambientais na Ucrânia

 

 

 

 


O observatório ecopolítica é uma publicação quinzenal do nu-sol aberta a colaboradores. Resulta do Projeto Temático FAPESP – Ecopolítica: governamentalidade planetária, novas institucionalizações e resistências na sociedade de controle. Produz cartografias do governo do planeta a partir de quatro fluxos: meio ambiente, segurança, direitos e penalização a céu aberto. observa.ecopolitica@pucsp.br

 

 

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