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Meia NOITE EM PARIS
Liliana Liviano Wahba

A psique cria realidade a cada dia. A única expressão que posso usar para essa atividade é fantasia.
Carl Gustav Jung

Meia Noite em Paris de Woody Allen - cidade que ele diz inspirá-lo para o romantismo -, é menos elaborado cinematograficamente do que outros de seus filmes, mas mantém a assinatura do diretor em diálogos inteligentes e irônicos retratando afinidades e diferenças entre personagens. O alter ego do diretor está presente na semelhança gestual do ator escolhido e na identificação como roteirista de Hollywood que deseja ser escritor. As relações afetivas, encontros e desencontros, são tônica de seus filmes; alguns considerados mais românticos, como este.

O romantismo na arte em seu primeiro movimento prima pela subjetividade, o sonho, o escapar da realidade, a idealização da mulher. O movimento surrealista viria acentuar as dimensões do inconsciente e a oposição à razão. O Manifesto do Surrealismo, assinado por André Breton em outubro de 1924, marcou historicamente o nascimento do movimento, que priorizava a linguagem artística pautada pelas emoções que seguem o fluxo do irracional, fundindo a realidades externa e interna. Uma visão do homem contrária às convenções sociais, em que a imaginação seria guia de sentimentos e relações.

A psicanálise inspirou esse movimento, com a descoberta do inconsciente, as motivações mais amplas e profundas do que aquelas reconhecidas pela razão. Allen situa seu personagem Gil em conflito com valores e objetivo de vida, ou seja, em transição existencial, nos anos 20 em Paris, onde encontrará seus inspiradores nas figuras de Hemingway, Picasso, o casal Fitzgerald, Gertrude Stein, Cole Porter, Dali, entre outros artistas da época; devaneio que demonstra, em parte, que "a arte é antídoto contra o vazio da existência".

Seria esse o papel do cinema e do cineasta. E vai mais a fundo: a imaginação restaura o sentido da existência. Sentido esse embasado no grande conflito das oposições amor e morte, sem solução para o ser humano consciente de sua finitude, mas com uma possibilidade de atenuação, segundo o cineasta, pois, se a arte é um antídoto, o grande amor é antídoto contra o medo da morte. Afirma, assim, que a vida se realiza na entrega amorosa e apaixonada, sem a qual a fatalidade da morte impera, se sobressai a toda possibilidade humana de ser.

Eludir o dilema da aceitação de nossa mortalidade, sem sermos aniquilados por ela, é um dos fios condutores da cinematografia de Allen. Neste filme destaca o saudosismo a uma Idade de Ouro, a nostalgia do passado idealizado, o que desejamos que tivesse sido, em suma, a ilusão do renascimento nos primórdios, com todas as possibilidades abertas e gratificantes.

Gil em determinado momento declara a Adriana que ela não pode voltar ao passado, pois o que ali busca não será encontrado. O enamorar-se de Adriana - musa dos artistas - representa para Gil a substancialização de sua figura anímica, uma instância psíquica que traz à tona a interioridade.
A noiva, Inez, e os pais dela afastam Gil de seus sonhos, considerados saudosistas e fora da realidade. No entanto, a "moral" da história não se limita a enfatizar que devemos seguir nossos sonhos - slogan de auto-ajuda - e é menos simplista: devemos seguir nossa imaginação, com todos os enganos e confusões que isso nos traz. O resultado será sempre incerto (Match Point, 2005; Sonho de Cassandra, 2007); no caso, o desfecho foi favorável.

Retoma, de certo modo, personagens como Cecilia, de A Rosa Púrpura do Cairo (1985), que se entrega às ilusões após se apaixonar por um misto de figura projetada e de homem admirado. No filme Meia Noite em Paris, Gabrielle lembra uma Cecilia com pés no chão, pela semelhança das atrizes. E Alice (1990) que toma ervas que a deixam em estado hipnagógico e invisibilidade, abandona um casamento convencional, se apaixona, e muda o rumo de sua vida. Ou ainda, Linda, em Poderosa Afrodite (1995), desiludida após perder o namorado, encontra o companheiro ideal que desceu dos céus de um helicóptero: ação de um Deus ex machina.

Em o recente Você vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos (2010), a personagem Helena prefere acreditar nas ilusões e a cartomante "lhe traz mais benefícios do que o terapeuta". Crédula e desprovida de senso crítico, acaba encontrando o homem que a compreende.
O escapar da realidade como defesa é enfatizado; Allen conhece psicanálise. No entanto, não é a única condução da fantasia, pois o risco existe em toda escolha, assim como podemos nos destruir escapando da realidade, podemos nos destruir apegados a ela.

O filme reflete sobre escolhas e inspirações, sobre a imaginação e os diálogos que ela nos propõe, o caminho vislumbrado quando a fantasia é considerada como realidade da psique, o que não nos garante sucesso, mas certamente nos torna mais humanos.

 
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