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O TRANSGÊNERO E A LIBERDADE DE SER, UMA CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA
Liliana Liviano Wahba

A diversidade de gêneros já é uma realidade incorporada na psicologia. Essa ampla gama de escolhas e de sentimentos de identidade possibilita que cada um molde o gênero que considera ser o seu. A corporeidade é indissolúvel ao sentimento de gênero, entendendo-se que não se restringe à biologia, de onde advém a diferença entre sexo - biológico - e gênero - biopsicossocial. No extremo desses múltiplos componentes da subjetividade encontra-se a experiência do transgênero.

Estudiosos multidisciplinares vêm se dedicando com afinco ao diagnóstico e tratamento de pessoas transgênero procurando amainar o sofrimento de uma condição que envolve sentimentos de dismorfia corporal, depressão, isolamento, fobia social, entre outros transtornos.

A reflexão que segue procura contribuir com aportes da compreensão psicanalítica, avessa a definições em busca de singularidades.

Chamou-me a atenção um depoimento que confirma tantos outros testemunhados na clínica. No Caderno 2 de 8 de agosto o talentoso ator Silveiro Pereira da novela A força do querer, que interpreta um travesti transformista, declara pertencer ao movimento As Travestidas, que une transgêneros, travestis, homo e heterossexuais, advogando contra o preconceito. Ele próprio não é transgênero, mas declara não gostar de ser enquadrado por gênero: “Não me vejo como homem, não me vejo como mulher. Não gosto de definições”. E continua explicando que, mesmo que se entenda como homossexual, não quer se privar de desejar uma mulher se assim ocorrer. Apesar de diferir do transgênero que se vê e sente como alguém do gênero oposto ao sexo biológico, sua fala incita a questionar dois tipos de liberdade expostas.

Uma que, ao não se definir por gênero, permite circular em ambos e a outra que, por abominar o gênero que sente ter-lhe sido imposto, escolhe em sã consciência e liberdade mudá-lo. Em ambas a liberdade se afirmaria contrária a imposições disposta a pagar o preço de sua contravenção; Parece haver distintas acepções sobre o alcance da liberdade, cujo cunho filosófico é infindável. O homem, ou a mulher, seja qual for sua opção de escolha libidinal, utiliza sua liberdade ancorada no corpo e na identidade quando está medianamente em paz com ela; ou seja, posso me entender como homem e desejar outro homem, ou desejar uma mulher, ou alternar, sem necessariamente alternar meu gênero. Essa seria outra acepção da liberdade de ser.

Em uma cultura repressora muitos sofrem pelas opções limitantes que seus gêneros parecem lhes oferecer e introjetam essa repressão em seus corpos sexuados, confundindo gênero - aprendido - e sexo biológico. Se meu gênero aprendido me tolhe, melhor ser indefinido, posto que careço de liberdade de fazer o que desejar com ele.

O transgênero é mais difícil de entender. Raros são os casos de bissexualidade ou transexualidade genética que necessitam ser corrigidas. Mas há pessoas que relatam que desde pequenas se sabiam e sentiam de outro sexo. Mistério. Alguns não tão misteriosos: uma transgênero mulher - cirúrgica e hormonalmente transformada - ativista da causa, em uma entrevista declarou com aparente inconsciência do real efeito dessa constatação em sua escolha: “odiava meu pai e o que ele representava, não queria ser homem como ele”. Aqui se evidencia a ausência de liberdade de ser um homem, mas diferente do pai.

Médicos e profissionais da saúde de centros especializados atendem indivíduos que requerem essa transformação tão radical e procuram sondar suas motivações. Recomendam dois anos de psicoterapia e há uma proposta de reduzir esse tempo, com a alegação de que a espera pode causar enorme sofrimento em quem deseja a cirurgia levando até mesmo ao suicídio. Fato. Outro fato menos comentado diz respeito a aqueles que se suicidam após a cirurgia; e quanto à liberdade consciente, a psicanálise nos mostra que o domínio do inconsciente tolhe a liberdade de dentro para fora, assim como a coerção a tolhe de fora para dentro.

Respeitando as demandas e urgências um alerta se faz necessário, particularmente quando se dá a opção dessa mudança irreversível e transgressora em púberes e adolescentes, porque convenhamos que trangressora é, pois o transgênero ganha uma identidade, um novo sexo, e até muitas vezes um quinhão de felicidade, mas se transforma em doente clínico para a vida toda, mutilado e dependente de alta carga hormonal e com importantes sequelas secundárias a serem constantemente monitoradas.

A condição transgênero deverá ter sempre caráter de excepcionalidade sem incorrer na arrogância da medicalização da subjetividade, assim como tantos tratamentos psiquiátricos uniformizados desconsiderando a vivência psíquica individual e, ainda mais grave, a proliferação de cirurgias plásticas ao exagero para operar transformações concretas que parecem mais fáceis de alcançar. Para tantos meninas e meninos seria mais profilático investir na liberdade de ser e de desejar, ancorados no corpo que possuem e transformando as amarras e as dores que carregam, o que não deixa de ser uma condição do humano. Muitas vezes podemos querer sentir nos e vernos como o outro que não somos, porque não queremos ser e porque a vida dói.

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