AS POLARIDADES MASCULINO E FEMININO, ADULTO E CRIANÇA E O MÉTODO SIMBÓLICO, NA TEORIA DO CONHECIMENTO
Carlos Byington
Apresento a vocês ideias baseadas num referencial teórico que denomino Psicologia Simbólica Junguiana. Esta teoria é simbólica porque para mim todas as representações registradas pelos 100 bilhões de neurônios do nosso cérebro são símbolos. Quando eu me apaixonei pela psique, senti que a principal função psíquica é a função transcendente. Em 1916 Jung descreveu a função transcendente, mas seu artigo ficou escondido numa gaveta do Instituto Jung, em Zurique durante 40 anos, porque ele temia ser considerado um religioso como seu pai e não um cientista. Foi esse conceito que incentivou minha ida a Zurique. Jung não o publicou. Foram os alunos do Instituto que o descobriram em 1956, 40 anos depois de escrito. Esse conceito correspondeu plenamente àquilo que buscava na minha carreira. Foi ele que transformou, para mim, todas as representações psíquicas, normais e patológicas, em símbolos do Self.
As coisas são sempre mais do que aparentam. Isso ocorre porque nosso cérebro tem cem bilhões de neurônios, que nos permitem usar as coisas com inúmeros significados para fazer tudo o que já conseguimos até hoje. Essas coisas, que nós vivemos para formar nossa consciência e nossa inteligência, Jung chamou de Processo de Individuação. Elas dão sentido à nossa vida. Por isso, eu chamei essa disciplina de Psicologia Simbólica, que não deve ser reduzida nem a uma psicologia, e nem a uma descoberta, pois, na realidade, ela é um humanismo.
Eu não posso admitir cientificamente que um Junguiano seja contra um freudiano, ou contra Moreno, ou contra Heidegger, ou que combata a ontologia, ou as neurociências. Eu não posso conceber isso porque todas as escolas expressam o Self que é sinônimo de Psique, Atman, Tao, Zen, Cosmos e Deus. O que se pode e se deve fazer com os diferentes conceitos, é submetê-los de forma crescente à elaboração simbólica para que eles não deformem a realidade psíquica e a expressem de maneira cada vez mais condizente com a sua autenticidade. Uma das causas frequentes de deformação dos conceitos psíquicos é o reducionismo que impede percebê-los plenamente dentro da sua abrangência simbólica e arquetípica.
Mas porque que eu chamei de junguiana essa Psicologia Simbólica? Foi por causa do processo de individuação. No meio da ciência psicológica, Jung foi, ao que eu saiba, o único que percebeu dentro de si mesmo um processo, que deu sentido à sua identidade profunda e nela incluiu a busca da totalidade latente em todo ser humano.
É importante elaborarmos bem o Arquétipo da Anima, pois ele é o responsável pela busca da identidade profunda no Processo de Individuação. No início, Jung achou que o arquétipo da Anima era o Arquétipo de Deus, mas, depois de receber de Richard Wilheim O Segredo da Flor de Ouro, que representava a totalidade como mandalas da meditação na alquimia chinesa, percebeu que a mandala é o símbolo da totalidade, do Self e que a Anima expressa a função estruturante do amor, que é o psicopompo, o arquétipo guia para a busca dessa totalidade. Assim concebeu o Arquétipo do Animus, como o equivalente na mulher.
Apesar de Jung ter descoberto o Arquétipo da Anima na sua paixão por Sabina e por Toni Wolff, como descreveu Maria Helena Guerra (2011), em O Livro Vermelho: o Drama de Amor de C. G. Jung, acho redutivo considerarmos a Anima como o arquétipo do feminino e o Animus do masculino, pois eles são os arquétipos da busca da totalidade que pode ou não ser ligado ao gênero. No meu caso, por exemplo, isso não foi assim. Eu já era apaixonado por Freud, fazia análise e me considerava psiquiatra e psicanalista, quando li o vol. 9 parte 2 de Jung, que continha a descrição dos arquétipos e da psique coletiva e fui acometido de uma segunda forte paixão. Foi assim que minha Anima me levou para Zurique e me tornou um analista Junguiano.
Eu já fui para Zurique apaixonado por Freud, e depois voltei de Zurique com dois amores, e tive que reunir isso na minha criatividade. Foi aí que me dei conta da importância central do conceito de símbolo na Psicologia porque ele reúne os polos das polaridades, a começar pelo subjetivo e o objetivo e também por Freud (a infância) e Jung (a maturidade). Nessa época, percebi que nós precisávamos de uma psicologia simbólica que reunisse a dissociação entre sujeito e objeto no Self Cultural para curar a ferida que ocorreu no final do século XVIII, com a Revolução Francesa. Ao separar a ciência da religião, houve uma ruptura dentro do Self cultural com a separação do subjetivo e objetivo, e a ciência passou a cultivar exclusivamente o objetivo e se tornou materialista. Essa foi a origem da dissociação materialista que passou a dominar a cultura Ocidental a partir do século 19.
Ao se separar da religião, a ciência adotou o materialismo como expressão única da verdade científica. Essa dissociação foi considerada uma libertação, mas na realidade ela inaugurou a dissociação sujeito-objeto, que é a grande fixação da cultura ocidental, e que passou a fazer parte inconscientemente da epistemologia científica, ou seja, apesar de ser uma defesa gravíssima, passou a ser tratada como se normal fosse.
A libertação da Inquisição foi maravilhosa, com a Revolução Francesa, com o fim da monarquia e a declaração da república. Só que, o subjetivo foi eliminado do conhecimento científico e considerado um erro quando relacionado à verdade. O esotérico, o mito, a imaginação e, a arte foram expulsos com a religião e não puderam mais fazer parte da verdade. É essa dissociação terrível que separa os psicólogos dos psiquiatras. Ela está na cultura. Vocês não podem receitar e eles são donos da receita dos psicotrópicos e da neurociência. Isto não é ciência, isto é patologia cultural. Exatamente como nós temos as divisões das classes sociais, nós agora temos isso dentro do saber. Foi a busca da cura dessa dissociação que me fez adotar a perspectiva simbólica como uma nova psicologia, uma nova epistemologia e um novo humanismo.
Ao adotar o caminho da dimensão simbólica, saímos do caminho exclusivo da falação e entrarmos na dimensão da vivência.
Há cinco anos fui a um congresso em Caracas e lá apresentei um trabalho que vocês podem ler no meu site cujo título é “Freud e Jung, o que a emoção não deixou reunir”.
Os venezuelanos são muito afetivos e com grande vocação para a alteridade, para a democracia e, por isso, havia muitas correntes psicológicas no congresso. Eles se provocavam e curtiam essas discordâncias. Uma Junguiana quis provocar um Lacaniano e foi procurar na obra de Lacan quantos significados diferentes ele deu à palavra “inconsciente”. O resultado foi 238. Aí ela provocou ainda mais dizendo que “é por isso, que quando se reúnem 3 Lacanianos numa comunidade, logo, logo, surgem 3 sociedades...”
A poesia é a arte da metáfora que extrai significados diferentes dos símbolos e enriquece o pensamento. Lacan é um poeta e suas metáforas têm enriquecido a psicoterapia. Uma vez ele escreveu “le phalus est le discours de l’inconcient”, o falo é o discursos do inconsciente. Que lindo! Mas o que é que ele quer dizer realmente? Cada um verá de um jeito. Como poesia está ótimo, mas como uma ciência para tratar pessoas que sofrem, é um método muito confuso. Um colega de consultório, ao sair de uma sessão, me disse muito contente: “Fiz cada interpretação genial hoje!” Aí eu lhe perguntei> “- e a paciente melhorou?” e ele respondeu – “bom, isso é com ela.”
O grande Nietzsche, com a profundidade de sua cátedra de Filologia na Universidade de Basileia e antes de sua internação no final da vida, escreveu que “o teatro e a tragédia são a representação das emoções e da vida e a filosofia é a sua decadência”, Nietzsche (1872), O Nascimento da Tragédia.
Heidegger também pensou a esse respeito, quando afirmou que o ser pleno estudado por Parmênides e os pré-socráticos tornou-se alienado quando Sócrates, Platão e Aristóteles começaram a pensar separando Logos e Eros.
Eu não desqualifico o logos, mas considero que ele não é primário e sim uma consequência da vivência, pois ela é o Eros, a emoção que, quando elaborada, permite a clareza do logos. Por isso, primeiro Dionisos e, depois, Apolo. A inversão dessa ordem gera a racionalização e a alienação.
A genialidade de Freud formulou o conceito de Ego e, a seguir, a formação da identidade do Ego pelas relações primárias. Apesar de reduzir, erroneamente, a meu ver, a libido à sexualidade e ao Complexo de Édipo, ele relacionou o desenvolvimento da libido e da consciência às etapas da vida sensual com a fase oral, anal, fálica e genital.
Estudando o desenvolvimento da libido, Freud, mais uma vez genialmente, descobriu a fixação inconsciente da libido e a formação da defesa da repressão na base das neuroses. Desta maneira, Freud lançou os alicerces da psicopatologia dinâmica das neuroses, centrada nos conceitos de fixação e de defesa. Acrescentou ainda o fenômeno da compulsão de repetição e da resistência à elaboração das fixações e aplicou tudo isto ao processo terapêutico dentro da relação consciente-inconsciente da transferência do paciente e da transferência do analista
Era muita genialidade para uma pessoa só e, por isso, creio eu, essa genialidade foi gravemente deformada ao não aplicar corretamente essas descobertas a si mesmo, ou seja, ao não aplicar a fixação e as defesas à elaboração dos seus complexos materno e paterno. Desastradamente, Freud chamou essas funções primárias de Complexo de Édipo, ao invés de complexo das relações primárias, ou seja, complexos do quatérnio primário, formado pelo complexo materno (Jocasta), complexo paterno (Laios), pelo vínculo entre eles (psicopatia e tentativa de filicídio) e as reações do Ego (Édipo, incestuoso, parricida e cego por automutilação psicótica).
Possivelmente, devido ao sofrimento inerente à descoberta de suas relações primárias, Freud violou sua descoberta anterior da formação do Ego e reduziu o Mito da família dos Labdácidas a Édipo, deixando de lado Laios e Jocasta e a sua história.
Posteriormente, racionalizando mais sua defesa, Freud afirmou que todas as crianças nascem com o Complexo de Édipo e devem ser submetidas à repressão e à sublimação para formar um superego para lhes proporcionar a moral e a maturidade./p>
Para continuar a descoberta original de Freud, segundo a qual o Ego é formado pelas relações primárias e, ao mesmo tempo, evitar sua redução ao Complexo de Édipo, formulei o conceito do quatérnio primário composto pelo complexo materno (a mãe, as irmãs e as cuidadoras), pelo complexo paterno (o pai, os irmãos e os cuidadores), pelo vínculo entre eles e pelas reações da criança para formar a sua identidade.
Quando aceitamos essa formulação, precisamos corrigir muitos erros oriundos da redução das relações primárias ao Complexo de Édipo.
O segundo é que a atribuição do Complexo de Édipo ao desenvolvimento normal de cada criança, independentemente dos pais, muito contribuiu para encobrir inúmeros casos de perversão e violência dos pais às crianças. Essa ocorrência foi veementemente denunciada pelo psicanalista inglês Jeffrey Masson (1984), no livro Atentado à Verdade. A Supressão da Teoria da Sedução de Freud.
O terceiro é a separação da criança dos complexos parentais e do vínculo entre eles nas relações primárias. Esta separação reduziu as relações primárias à díada criança-mãe, ou criança-seio por Melanie Klein, e afastou o pai da relação primária com grandes prejuízos à formação da identidade da criança e à concepção da identidade e dos papéis da mãe e do pai, da mulher e do homem.
O quinto erro é a deformação da compreensão diferente da identidade do gênero da menina e do menino pelo Complexo de Castração.
As Consequências da Dissociação Materialista no Self Cultural
no Final do Século 18
Dentro da dissociação sujeito-objeto do Self Cultural, houve uma dissociação geral das polaridades, e nós passamos a ver os sintomas separados do normal. Nós hoje, por exemplo, temos dois manuais da Psiquiatria Americana, o DSM IV e o DSM V, que passaram a orientar a psiquiatria do mundo. O que se vê ali é o diagnóstico de quadros clínicos por sintomas baseados nos quais os pacientes são medicados. Não há psicodinâmica para se buscar as funções estruturantes fixadas, que assim, não podem ser elaboradas e resgatados pela psicoterapia. Cria-se assim na cultura uma relação direta da medicação com a patologia sem uma elaboração das fixações. Quando muito, faz-se uma psicoterapia comportamental também dirigida exclusivamente aos sintomas e não à cura pela elaboração das fixações que os causam. O resultado é a criação de uma legião de dependentes químicos iatrogênicos, ou seja, criada pelo tratamento médico que ocupam na cultura um lugar importante ao lado da adição e dos dependentes químicos alimentados pelo narcotráfico.
Dessa maneira, a dissociação materialista da cultura leva o ser humano a um estado doentio, descrito por Heiddeger como alienado, que não está sendo tratado devidamente pela Medicina, mas que, pelo contrário, em muitos casos é por ela agravado.
Esse estádio de alienação na Medicina, caminha de braço dado com o materialismo da cultura de consumo, na qual as multinacionais de medicamentos visam mais o lucro que a cura da doença mental. Por isso, não exigem a psicoterapia das fixações junto com a medicação, mas pelo contrário, incentivam o uso da medicação para tratar sintomas, transformados em doenças.
Infelizmente esse é o caso dos distúrbios mentais, como por exemplo os transtornos de ansiedade, de sono e depressivos, no que são endossados pela psiquiatria clínica baseada nos manuais DSM 4 e 5.
Não devemos desqualificar os investimentos nas pesquisas farmacológicas que vêm descobrindo medicamentos cada vez mais eficientes para aliviar o sofrimento causado pelos sintomas da depressão, da ansiedade e da insônia. O que devemos, sim, é reconhecer que o tratamento exclusivo dos sintomas sem elaboração psicodinâmica, frequentemente leva à dependência e à alienação como parte da cultura de consumo.
Parte da miséria observada nos países do terceiro mundo, como são os que fazem parte da América Latina advém da concentração da economia no PIB, no polo objetivo da riqueza e não também no polo subjetivo e na distribuição real da riqueza. Este fato propicia a miséria e a ignorância e deixa a população à mercê do populismo que promete diminuir a miséria e socorrer os pobres, sem a competência e a coragem para realizar o gerenciamento da economia que poderia levar a um progresso real. Essa tem sido a dinâmica materialista do populismo na América Latina que tem a mesma dinâmica simbólica e arquetípica da alienação que estamos descrevendo na Psiquiatria.
Para abandonarmos essa alienação dos níveis individual e cultural, temos que adotar a perspectiva simbólica para reunir o subjetivo e o objetivo, e o Consciente e o Inconsciente na formação e no funcionamento da consciência desde o início da vida e durante toda a elaboração simbólica. Foi com essa intenção que concebi o Quatérnio Primário que reúne dinamicamente o Complexo Materno (mãe, irmãs e todas as cuidadoras), o Complexo Paterno (pai, irmãos e todos os cuidadores), o vínculo entre eles e as reações da criança para formar a identidade do Ego.
Essa conceituação relaciona inseparavelmente todas as polaridades, inclusive os polos masculino e feminino e pais e filhos dentro da família para formar a identidade do Ego e do Outro da gestação à puberdade (Veja Byington, A Viagem do Ser em Busca da Eternidade e do Infinito. As Sete Etapas Arquetípicas da Vida pela Psicologia Simbólica Junguiana).
O quatérnio primário é também o principal referencial para a formação da Sombra, pois as fixações que nele ocorrem são a principal causa das fixações que atuarão no Self Individual no resto da vida.
Os Quatro Arquétipos Regentes e o Arquétipo Central
O Arquétipo Central foi também denominado Self por Jung, nas aqui se restringe ao principal dos arquétipos, enquanto que Self é o conceito empregado para abranger a totalidade psíquica, inclusive o Ego da Consciência e da Sombra com todas as suas defesas.
Os quatro principais arquétipos que coordenam a elaboração simbólica durante toda a vida são os Arquétipos Matriarcal, Patriarcal, de Alteridade (Anima e Animus) e de Totalidade.
Diferentemente de Neumann e do próprio Jung, o Arquétipo Matriarcal não é reduzido ao feminino, pois aqui é o arquétipo do desejo e da sensualidade e está presente na psique do homem e da mulher. Da mesma forma, o Arquétipo Patriarcal é o arquétipo da organização e não deve ser reduzido ao masculino, pois está presente na psique da mulher e do homem, ou seja, do feminino e do masculino.
A Formação da Identidade do Homem e da Mulher
Uma vez separados o masculino (homem) e o feminino (mulher), podemos conceituar a formação da identidade de cada um deles em separado e evitando a confusão que Freud fez com a redução da sexualidade da menina à ausência do pênis, que gerou o Complexo de Castração na mulher.
Desta maneira, o que falta à menina, na Psicologia e na Cultura, não é o pênis e sim assumir o clitóris desde o inicio da formação da sua identidade sexual. O Complexo de Castração da menina, formado quando ela percebe que não tem pênis, foi na realidade uma cliterotomia psicológica realizada pela dominância patriarcal na obra de Freud, que continua a cliterotomia tribal até hoje realizada em tribos africanas e que atinge 160 milhões de mulheres.
Quando a menina percebe que não tem pênis, é chegado o momento de sua mãe realizar sua iniciação no feminino, dizendo-lhe que ela tem clitóris como sua mãe. “_De hoje em diante”, explicará sua mãe, “você sabe que você é uma mulherzinha igual à sua mamãe e diferente dos homens como seu irmão e seu pai”.
Essa iniciação da menina permitirá que ela manipule seu clitóris livremente, preparando-se para a puberdade e evitando sua repressão e alienação sexual. Quando ela manipular seu clitóris na escola, lhe será dito que, da mesma forma que ela agora vai para o toalete para urinar e defecar e não os faz mais em público, assim também ela deverá somente tocar seu clitóris no toalete, quando “for tomar banho” e não em público.
Esta diferença conceitual do Matriarcal e do Patriarcal é essencial para percebermos a polaridade homem e mulher, ou seja, masculino e feminino juntos e atuantes, desde o início da vida. O Arquétipo Matriarcal, no homem e na mulher coordenam dominantemente a elaboração simbólica durante a gestação até os dois anos de idade e passa a dividir a coordenação com o Arquétipo Patriarcal dos dois anos até a puberdade, aos doze anos.
Esta conceituação evita a redução do Matriarcal ao feminino e permite que o homem e a mulher se relacionem em igualdade de condições na Alteridade, dentro do quatérnio primário. Desta maneira, podemos perceber o feminino sempre como expressão da psique da mulher e o masculino como expressão da psique do homem, sem misturar as suas identidades.
Esta iniciação evitará a formação do Complexo de Castração criado por Freud quando a menina descobre que não tem pênis e permitirá que ela desenvolva um relacionamento normal com seu clitóris, preparando-se para a masturbação, o orgasmo e a maturidade sexual adulta, evitando o rótulo patriarcal machista defensivo e puritano, segundo o qual a relação com o clitóris é indevida (cliterotomia).
ÉO que está ocorrendo atualmente com as meninas que estão vivendo sua identidade sexual de forma exibicionista e promíscua é, a meu ver, a falta de uma iniciação sexual, na qual elas assumam seu clitóris e sua sexualidade junto com sua ternura e sensibilidade e não de forma alienada quando assumem sua sexualidade tardiamente imitando a relação promíscua sexual dos meninos.
O homem e a mulher formam a polaridade básica da vida e, por isso, o que acontece com um, afeta o outro.
O equivalente da formação da identidade do menino acompanha a deformação não iniciática da identidade da menina e é sua ferida primal formada pela repressão da função estruturante da ternura, quando ele descobre que tem pênis e que sua mãe não. Esta separação traumática do seu primeiro amor deve ser compensada pela vivência da ternura com seu pai. Isso geralmente é impedido pela desqualificação da ternura do pai e do filho como homossexualidade. Assim sendo, o menino se aterá ao desenvolvimento exclusivamente da sua sexualidade e tenderá a sexualizar sua relação com a mulher, sendo incapaz de viver sua ternura com ela e amá-la.
O desenvolvimento simbólico e arquetípico da personalidade, dentro do conceito do quatérnio primário, nos ajuda a compreender as dificuldades de formação da identidade do homem e da mulher e do seu relacionamento afetivo e sexual após a puberdade.
Trata-se assim, não somente de uma dificuldade de vivência do ser adulto, mas, também e, sobretudo, de uma vivência da formação da identidade do homem e da mulher.
Revisitando o Método de René Descartes
pelo Método Simbólico de Carlos Byington,
para o estudo do Self Familiar e do feminino
Nicolau Copérnico (1473-1543), no seu leito de morte, entregou para publicação uma obra intitulada Seis livros sobre as Revoluções das Órbitas Celestes. Era a teoria do heliocentrismo. Essa obra decretou a vitória das ciências modernas sobre a visão mágico-mítica na concepção do estudo do conhecimento. Essa metanoia da epistemologia inaugurou uma nova maneira do Ego lidar com o Outro na Consciência, e a nova maneira se mostrou infinitamente mais produtiva do que aquela dos duzentos mil anos anteriores. Foi ela que, em menos de quinhentos anos, fundou as ciências modernas, a revolução industrial e deu à nossa espécie o poder sobre as forças naturais.
Até hoje, no entanto, apesar dos estudos da história que nos permitiram a compreensão do método científico, nunca havíamos compreendido essa importantíssima transformação do ser humano, sob o ponto de vista psicológico simbólico e arquetípico. Temos reduzido a compreensão das descobertas das ciências modernas a uma atitude extrovertida experimental demonstrativa diante da natureza, e não a uma modificação do funcionamento arquetípico do Ser, do relacionamento do Ego e do Outro, nos padrões arquetípicos da Consciência, do sujeito e do objeto, envolvendo sempre o consciente e o inconsciente. Esse redutivismo impediu que o método científico incluísse também a função da ética do Ser e a relação dialética das funções estruturantes do pensamento com o sentimento, do subjetivo com o objetivo e do consciente com o inconsciente.
A compreensão do método científico, a partir das posições arquetípicas da polaridade Ego-Outro, concebidas pela Psicologia Simbólica Junguiana, tornou-nos capazes de compreender a visão científica do mundo, incluindo também a subjetividade junto com a objetividade dentro do Método Simbólico. Se Descartes, no Discurso sobre o Método, separou a polaridade razão-emoção para bem pensar a realidade e a verdade, o método simbólico reuniu outra vez essas polaridades para bem elaborar e conhecer a realidade e a verdade.
Este salto epistemológico é da maior importância para evitar que a imensa riqueza da criatividade científica fique reduzida à objetividade e à sua Sombra e exclua a subjetividade, como vemos ainda hoje na danificação global da natureza e na abissal diferença econômica entre as classes sociais e entre as nações.
O sistema heliocêntrico, desenvolvido por Copérnico, invalidou o sistema ptolomaico, no qual se baseava a Igreja, dominada pela Inquisição para interpretar o movimento dos astros em consonância com as Escrituras, e não com a realidade.
Esta vitória não foi comemorada por Copérnico, pois ele sabia que ela lhe custaria a vida. Sua genialidade, porém, dela não se absteve e, por isso, ele a entregou ao mundo e a Deus, no seu leito de morte. Foi como se dissesse: “_Srs. Inquisidores, nesta publicação do sistema heliocêntrico, consagro a maior das heresias, que é o método científico. Com esta obra, encerro a hegemonia da perspectiva mágico-mítica, na qual se baseia a patriarcalização do Cristianismo que fundamenta a Inquisição. Inauguro a era científica e admito sua acusação de heresia. Concordo plenamente que a ciência é a maior de todas as heresias, porque ela contraria a visão de mundo dos que comandam atualmente o Santo Ofício e expressa uma interpretação do Cristo e da Santíssima Trindade diferente daquela adotada durante sua institucionalização. Sei que vocês me matariam por essa audácia. Por isso, entrego ao mundo esta obra somente no meu leito de morte. Adeus!”
No século seguinte, coube a Galileu Galilei (1564-1642) se tornar o príncipe das ciências na defesa do heliocentrismo e sofrer a perseguição da Inquisição, inclusive com a decretação de sua prisão domiciliar. A crueldade demonstrada pela Inquisição ao torturar e queimar Giordano Bruno na Piazza Navona, no centro de Roma, em 1.600, fez com que Galileu se ajoelhasse diante de cinco cardeais e negasse o movimento de translação da Terra em torno do Sol. Isso não evitou, porém, que ele publicasse em 1632, o Diálogo sobre os Dois Sistemas Cósmicos, Ptolomaico e Copérnico, expondo claramente as visões opostas.
Apesar da grandiosidade da descoberta proposta, invertendo o movimento aparente da Terra e do Sol acreditado pela humanidade até então, o que Copérnico descobriu e Galileu referendou foi o abandono das afirmações dogmáticas baseadas em premissas esotéricas e a adoção do método da observação dos fenômenos, para modificar o conhecimento humano, sempre que algo novo fosse descoberto. O novo paradigma mostrou sua força de forma exuberante, acintosa e até humilhante porque afirmou que a essência da ciência, neste caso e em quantos mais descobertos fossem, podia ser o oposto da aparência. Tratava-se, então, de uma descoberta que afrontaria, de forma fragorosa, não só as enciclopédias do Santo Ofício, como a simples observação dos céus feita por todas as espécies da Terra durante quatro bilhões de anos. Doravante, exigia-se a humildade do Homo Sapiens na busca do conhecimento e não havia mais lugar para a empáfia, a soberba e a ignorância desembaraçada, professadas pela metodologia mágico-mítica.
Durante o século que sucedeu Copérnico e durante a luta heroica empreendida por Galileu para divulgar o sistema heliocêntrico, um terceiro cientista e filósofo dedicou sua criatividade para descrever um método para a mente operar dentro do paradigma inaugurado por Copérnico. Em 1637, René Descartes (1595-1650) escreveu o Discurso sobre o Método para bem empregar a razão. No Método, Descartes ensinou como diferenciar a razão da emoção e da fantasia “para bem pensar”. Dessa maneira, Descartes ensinou como separar o paradigma mágico-mítico do paradigma científico.
Ao descrever as cinco posições arquetípicas da Consciência, a Psicologia Simbólica Junguiana nos ensina o método simbólico para compreender a passagem da mentalidade mágico - mítica para a mentalidade científica, dentro do Arquétipo da Alteridade: e vai além, descrevendo a reunião do subjetivo e do objetivo de maneira quaternária, simbólica e dialética .
A primeira posição arquetípica da Consciência é a posição indiferenciada ou urobórica de Neumann (1949). Nela, o Ego e o Outro estão ainda indiferenciados. Neumann chamou-a urobórica, usando a metáfora do dragão que engole a própria cauda no início da obra (opus) alquímica. Ela dá início a toda a elaboração simbólica.
A segunda posição arquetípica da Consciência é a posição insular matriarcal. O Arquétipo Matriarcal é o arquétipo da coordenação de toda a sensualidade. Por isso, abrange as funções estruturantes dos sentidos, da alimentação, das emoções como o ciúme, a inveja e a agressividade, da sexualidade e de todas mais. Esta posição é binária e forma ilhas na consciência porque o Ego e o Outro se relacionam de maneira muito simbiótica (íntima), de tal forma que eles podem até mesmo trocar de posição, como ocorre na magia, quando o objeto expressa o desejo do sujeito. Uso um amuleto para espantar o mau olhado. Meu desejo é espantar o mau olhado do vizinho. O amuleto é capaz de fazê-lo. Nesse “passe de mágica”, o amuleto que é o objeto, passa a encarnar o meu desejo que é o sujeito. Vemos aí que o sujeito se transformou no objeto e vice-versa.
A posição insular matriarcal é a base da visão de mundo mágico-mítica, exatamente pelo fato de poder aproximar e até mesmo inverter a posição do Ego e do Outro, em função da imaginação e do desejo. Desde sempre, o Sol circulou à volta da Terra, de acordo com a aparência. O sistema astrológico de Ptolomeu referendou essa aparência. A Igreja adotou-a para referendar as Escrituras. Ao fazê-lo, transformou seu desejo (sujeito) no objeto (translação da Terra em torno do Sol). Daí em diante, transformou a aparência (subjetiva) em realidade dogmática (objetiva). A translação do Sol em torno da Terra (imaginação subjetiva) tornou-se dogma e o sistema heliocêntrico (realidade objetiva) virou heresia.
A terceira posição arquetípica da Consciência é a polarizada patriarcal. O Arquétipo Patriarcal coordena a polaridade Ego-Outro de forma ternária e sistêmica. O Ego se posiciona radicalmente separado do Outro, que pode estar consciente ou inconsciente, certo ou errado, bonito ou feio, homem ou mulher, adulto ou criança, alto ou baixo, etc. A separação do Ego do Outro e do subjetivo do objetivo é radical e permanente, é uma “cláusula pétrea” da Epistemologia na posição polarizada patriarcal.
Esta foi a pedra angular do Método de Descartes para bem pensar. A posição patriarcal polarizada encerrou a hegemonia da posição insular matriarcal com sua visão de mundo mágico-mítica da verdade.
A quarta posição arquetípica da Consciência é a posição dialética. Ela é quaternária e sistêmica e nela o Ego percebe o positivo e o negativo no Outro, ou seja, a luz e a Sombra e permite que o Outro faça o mesmo com ele (Ego). Esta posição é a essência do método científico e da psicoterapia dinâmica (Byington, “O Conceito de Self Terapêutico e o Quatérnio Transferencial” - veja em www.carlosbyington.com.br). Esta posição é a mais inteligente de todas, porque tem capacidade para produzir o potencial máximo do processo de elaboração simbólica.
A quinta e última posição arquetípica da Consciência é a posição contemplativa. Ela é unitária e sistêmica, pois se baseia no desapego e no esvaziamento da Consciência pela meditação, para vivenciar a totalidade do Self (Byington, Psicologia Simbólica Junguiana).
O Arquétipo da Sombra e a Teoria Arquetípica da História
Junto com o conhecimento da formação da Consciência, a genialidade de Freud descreveu a formação da patologia por intermédio da fixação da libido e da formação das defesas (repressão) caracterizadas por Jung como a Sombra.
A Psicologia Simbólica Junguiana ampliou o conceito junguiano de Self Individual para o conceito de Self Transindividual. Esta ampliação permitiu a concepção da teoria arquetípica da história, com os mesmos arquétipos do desenvolvimento do Self Individual no Self Cultural.
A Evolução Histórica das Posições Arquetípicas no Self Cultural
Como mencionei acima, a posição insular matriarcal é a base da perspectiva mágico-mítica do animismo e da magia. Ela foi dominante durante os mais de 180 mil anos da pré-história, quando éramos povos nômades caçadores-coletores. Após a revolução agropastoril, há 12 mil anos, graças ao assentamento, ativamos a elaboração simbólica, pela posição polarizada patriarcal. O animismo e a magia cederam lugar à religiosidade profética revelada, sistematizada e institucionalizada.
A dominância patriarcal, com a posição polarizada, continuou baseada no paradigma mágico-mítico em muitas dimensões.
Há 2.500 anos na Índia, e há 2.000 anos no Oriente Médio, o Mito de Krishna, do Buda e o Mito do Cristo expressaram a implantação histórica da posição dialética do Arquétipo da Alteridade.
Do século V ao século XIX, o Mito Cristão foi defensivamente patriarcalizado pela Igreja e pela Inquisição. Há 500 anos a implantação da posição dialética do Arquétipo da Alteridade deu nascimento às ciências modernas, com o Sistema Heliocêntrico de Copérnico. A Inquisição perseguiu a ciência como heresia, aprisionando, torturando e matando muitos cientistas. Duzentos e cinquenta anos depois de Copérnico, a ciência tomou o poder e expulsou a Inquisição da Universidade. A libertação foi comemorada mas, infelizmente, o subjetivo foi expulso da Universidade junto com a Inquisição. Assim sendo, a partir do século 19, instalou-se a dissociação sujeito-objeto expressa orgulhosa e onipotentemente pela ideologia materialista. A função ética, no Método Científico, ficou restrita à objetividade.
Durante 500 anos, a aplicação da dialética de alteridade à dimensão objetiva estabeleceu o domínio da nossa espécie sobre as forças naturais. O desenvolvimento tecnológico resultou na era industrial e chegou ao apogeu no controle da energia atômica e no conhecimento do genoma humano.
O mesmo não aconteceu com a dimensão subjetiva relegada a um segundo plano pela ciência dissociada. A partir do início do século dezenove, a dimensão subjetiva menosprezada começou a ser lentamente resgatada, mas seu desenvolvimento continua, até hoje, muito aquém do progresso objetivo.
Foi nesse sentido, que o físico Oppenheimer, considerado o pai da bomba atômica, exclamou, depois de Hiroshima e Nagazaki, que “ninguém conheceu o pecado mais do que os cientistas atômicos”, exatamente aqueles que atingiram o ápice da ciência objetiva e que haviam repudiado a dimensão subjetiva. Sua consciência da Sombra da ciência tronou inevitável a busca do resgate da função ética, junto com a subjetividade.
O Resgate do Subjetivo
Quando Pinel (1745-1826) libertou os psicóticos dos calabouços e separou a doença mental da criminalidade, teve início o resgate da dimensão subjetiva dissociada, ainda que dentro da patologia.
Durante o século dezenove, o estudo da dimensão subjetiva começou a ser desenvolvido nas artes, mas nas ciências, seu desenvolvimento continuou muito limitado. A função ética recebeu grande ênfase dialética na separação da verdade e do erro na dimensão objetiva, mas o problema do bem e do mal na dimensão subjetiva ainda permaneceu dentro da dimensão esotérica nas religiões.
No final do século XIX, baseada nos conceitos de fixação, defesa, compulsão de repetição e resistência patológica, a genialidade de Freud descreveu as neuroses. Esses conceitos permitiram à Psicologia Simbólica Junguiana formular a relação dialética entre as funções estruturantes normais e defensivas (Sombra) dentro de toda a psicopatologia, pelo método simbólico.
Apesar de ter havido um grande progresso no resgate cultural da dimensão subjetiva e até mesmo uma reaproximação substancial da psicologia e da neurologia com a nova disciplina da neuropsicologia, ainda sobrevivem muitos bolsões culturais, nos quais o subjetivo e o objetivo continuam operando e sendo estudados separadamente. Isto se dá, sobretudo, com símbolos cuja elaboração é coordenada pelo Arquétipo Patriarcal que, como sabemos, é sistêmico e cujos polos das polaridades são separados. Nesses casos, esses polos podem ser empregados para formar sistemas separados que apresentam totalidade, mas que, na realidade, trazem grande alienação, devido à sua unilateralidade. Isto aconteceu, por exemplo, com a polaridade ciências humanas e ciências exatas na formação universitária.
Um grande exemplo desta alienação por unilateralidade é a sexualidade na psicanálise. Há, porém, muitos outros, presentes nas polaridades adulto - criança, homem - mulher, países ricos - países pobres, psicofarmacologia - psicoterapia, consciente - inconsciente e ciências humanas - ciências exatas.
Dentro do nosso tema de hoje, concentrarei a elaboração simbólica em torno das polaridades adulto-criança e masculino-feminino, para exemplificar seu estudo alienado pela unilateralidade, em contraposição à sua elaboração correta e dialética pelo método simbólico.
As polaridades adulto - criança e masculino - feminino foram muito enfatizadas dentro da coordenação patriarcal dos símbolos dos papéis familiares, devido à importância do sistema da família no Self Cultural de dominância patriarcal. É bom lembrar que essa importância vem do fato de a família ter substituído o grupo e haver se tornado a célula central da cultura, desde que nos tornamos povos assentados há 12 mil anos atrás.
A polaridade adulto - criança adquiriu fundamental importância devido à reunião da geração atual e da futura, devido à demarcação das gerações no tempo, devido à propriedade privada, devido à herança e devido à importância da educação na organização social.
Além de essa polaridade ter sido deformada pela coordenação patriarcal unilateral que supervalorizou o papel do adulto e oprimiu o polo infantil, ela foi também muito deformada na cultura ocidental pela psicanálise, que centralizou a educação e a formação da identidade da criança, no conceito do Complexo de Édipo.
Depois das descobertas geniais de Freud do conceito de Ego, da formação da identidade (Ego) pelas relações primárias, dos conceitos de fixação, defesa, compulsão de repetição e resistência, da sexualidade infantil e a da transferência, adveio a fase defensiva da criatividade de Freud, após a genial e corajosa descoberta do Complexo de Édipo em si mesmo.
Esse marco defensivo dentro da teoria do desenvolvimento psicanalítico veio com a descoberta do Complexo de Édipo na própria personalidade do grande gênio. Não conseguindo elaborar a descoberta da função defensiva parricida e incestuosa em si mesmo, Freud projetou essas funções no desenvolvimento normal da criança, e denominou esse suposto desejo parricida e incestuoso em todas as crianças de perverso-polimorfo. A seguir, projetando sua própria repressão, determinou que o Complexo de Édipo deveria ser reprimido e sublimado para formar o Superego (instância moral), sem o que a criança se tornaria fatalmente um doente mental.
Além de generalizar para todas as crianças o relacionamento patológico da criança com os pais que ocorre em casos graves, Freud transformou a pedagogia patriarcal repressiva da criança, num procedimento obrigatório. É óbvio que isso não só autorizou, como tornou indispensável a continuação dos odiosos métodos pedagógicos repressivos tradicionais da educação.
Além de responsabilizar exclusivamente a criança pelo Complexo de Édipo, Freud foi além, separando Édipo da defesa psicopática parricida de Laios e Jocasta. Na ansiedade culposa e defensiva de projetar em Édipo a desgraça dos Labdácidas, o grande erudito esqueceu-se até mesmo de enfatizar devidamente o significado do nome Édipo, que é central no drama. Édipo quer dizer “pé inchado”. Por que esse nome? Porque a criança foi carregada pendurada pelos pés, por um servo a mando de seus pais, para ser assassinada e esse traumatismo deixou seus pés inchados para o resto da vida. O significado do nome Édipo denuncia com a própria identidade, o crime de tentativa de filicídio, quando ele ainda era bebê.
A gravíssima consequência da explicação de Freud do Complexo de Édipo, além da autorização e estímulo da educação repressiva, foi encobrir a patologia do Complexo Parental durante o desenvolvimento da personalidade, como denunciou o psicanalista Jeffrey Masson em seu livro Atentado à Verdade (1984).
Para corrigir esse grande erro de Freud, conceituei o quatérnio primário para formar a identidade normal e da Sombra, do nascimento até a puberdade. Ele engloba o Complexo Materno formado pela mãe e também pela madrasta, avó, madrinha, irmãs, tias, babás, professoras e demais cuidadoras, o Complexo Paterno, formado pelo pai e também pelo padrasto, avô, padrinho, irmãos, tias, professores e demais cuidadores, o vínculo entre eles e as reações da criança.
Ao introduzir a função do Complexo Paterno desde o início da vida, o conceito de quatérnio primário vem, também, corrigir a unilateralidade da formação da identidade precoce da criança pela díada criança-mãe ou criança-seio, o que é importantíssimo para a concepção da identidade da criança e, também, da mãe e do pai, da mulher e do homem.
A outra polaridade deformada pela coordenação patriarcal e a unilateralização sistemática dos polos é a polaridade masculino e feminino, da qual o polo feminino é o tema central deste simpósio.
Baseado em tudo o que foi dito acima, quero agora afirmar que estudar o feminino separado do masculino, é uma proposta esotérica e não científica. Como enfatizei, o método simbólico que exerce a ciência simbólica, exige que qualquer símbolo estudado inclua sempre os seus dois polos e afirme que o estudo sistêmico exclusivo de um polo isolado conduz inevitavelmente à alienação.
Quando falamos aqui do feminino cientificamente, qual é a natureza do masculino que o acompanha? Trata-se de um masculino afetuoso e terno que se relaciona com o feminino dentro da posição de alteridade? Trata-se do feminino que estava indo para a escola quando o masculino lhe atirou ácido no rosto? Trata-se do feminino que tirou o prêmio Nobel porque recebeu um tiro na cabeça ao defender o direito de todas as meninas estudarem? Trata-se do feminino existente na África entre as 160 milhões de mulheres cliterotomizadas? Se não situarmos o masculino ao lado do feminino que estudamos, faremos afirmações esotéricas sobre o feminino sem, contudo, preencher o requisito básico do método científico simbólico.
Outro erro epistemológico ainda mais grave que este é a introdução de um polo no outro que se quer estudar. Dizer que o Arquétipo da Anima, que é do homem, é o feminino dentro dele é um erro epistemológico, não só do método científico simbólico, como até mesmo do método Cartesiano.
Quando senti um fortíssimo chamado de minha Anima para ir a Zurique estudar os arquétipos e o processo de individuação, não havia nenhuma imagem feminina em questão. Eu segui minha vocação (vocação quer dizer chamado), para buscar o significado profundo que sempre foi a bússola do meu Ser.
Quando Edwin Powell Hubble (1889-1953) voltou da primeira guerra mundial (1914-1918), ele deixou seu escritório de advocacia, que era de seu pai e enclausurou-se no observatório de Monte Wilson, para estudar os céus e seguir uma intuição profunda do seu Ser. Foi esta intuição que o levou a descobrir uma infinidade de galáxias, além da nossa Via Láctea. Obviamente, ele seguiu sua Anima e sua individuação. Não havia uma imagem feminina guiando sua Anima, mas, sim, muitas estrelas brilhando nos céus.
Quando Eugène-Henri-Paul Gauguin deixou sua mulher e seus cinco filhos, junto com o emprego de corretor da Bolsa de Valores de Paris, para buscar a luz da Polinésia francesa, ele também não seguiu nenhuma figura feminina. Havia, sim, aquela claridade e aquela cor da natureza dentro da qual sua Anima iria respirar e pintar sua obra genial.
É verdade que Jung descobriu o Arquétipo da Anima durante sua paixão por Sabina Spielrein e por Toni Wolff, esta última tão bem percebida e estudada por Maria Helena Guerra (2011), na sua interpretação do Livro Vermelho.
Isto, porém, não deve reduzir a vivência da Anima de um homem à paixão por uma mulher e, muito menos autorizar, que a Anima do homem seja concebida como o feminino dentro dele, da mesma forma que o Animus seja percebido como o masculino na mulher. Isto significa reduzir um polo ao outro para estudá-lo, o que é um erro fundamental da epistemologia científica, dentro do método simbólico.
No que concerne ao estudo científico do feminino junto com o masculino, pelo método simbólico, devemos perguntar-nos, o que significa um homem descrever o complexo de castração, como parte da personalidade da mulher porque ela não tem pênis, ou perguntar também, por que esse mesmo homem definiu a existência de uma fase de latência até a puberdade na personalidade da mulher, depois de descrever seu complexo de castração.
De minha parte, quero afirmar que, durante minha vida, segui fervorosamente minha Anima, como guia do meu processo de individuação. No entanto, tenho total convicção, que muitas vezes a Anima esteve presente na minha relação de amor, mas que, por mais que me examinasse, nunca encontrei uma mulher nem a presença do feminino dentro dela ( Anima).
Da mesma forma, sempre busquei conhecer profundamente a mulher nas relações profundas da minha vida. Procurei conhecer muito a mulher e o seu Animus, mas também, nunca encontrei nenhum homem ou masculino dentro deles.
Para terminar, quero acrescentar que o homem e a mulher formam um dos símbolos mais importantes de nossa espécie. Buscar conhecê-los, guiados ou não pelo amor, é entrar no seu mistério abissal, muitas vezes impenetrável. Nessa busca do conhecimento necessário para o encontro entre o homem e a mulher, considerar que um existe dentro do outro é uma fantasia, uma quimera, uma ilusão, um erro do método simbólico que dificulta muito a busca da compreensão de um dos maiores segredos da vida.
Finalizando, quero enfatizar que a separação dos polos das polaridades descrita por Descartes pelo Método para bem pensar, deve ser complementada pelo método simbólico que reúne as polaridades de maneira psicodinâmica quaternária e dialética.
Referências
BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho (1985). O Conceito de Self Terapêutico e a Interação da Transferência Defensiva e da Transferência Criativa no Quatérnio Transferencial. Junguiana, Revista da Soc. Bras. de Psicologia Analítica. São Paulo, 1985, Nº 3, pp 5-18.
_________ (2008). Psicologia Simbólica Junguiana. A viagem de humanização do cos-mos em busca da iluminação. São Paulo: Ed. Linear B.
_________ (2013). A Viagem do Ser em Busca da Eternidade e do Infinito. As Sete Eta-pas Arquetípicas da Vida pela Psicologia Simbólica Junguiana. São Paulo: Ed. do Autor, 2013.
COPÉRNICO, Nicolau (1543). De revolutionibus orbium coelestium (Da revolução de es-feras celestes). Nele está a teoria do modelo heliocêntrico, a maior teoria do autor
DESCARTES, René (1637). “Discours de La Méthode - Pour Bien Conduire la Raison et Chercher la Verité dans les Sciences” in Descartes, Oeuvres et Lettres. Paris: Bibliothe-que de la Pléiade, Gallimard, 1953.
GUERRA, Maria Helena R.M. (2011). O Livro Vermelho - O Drama de Amor de C. G. Jung. São Paulo: Ed. Linear B, dezembro de 2011.
MASSON, Jeffrey Moussaief (1984). Atentado À Verdade. Rio De Janeiro: Ed. José Olympio, 1984.
NEUMANN, Erich (1949). História e Origem da Consciência. São Paulo: Ed. Cultrix, 1995.
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