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CRIATIVIDADE, REGRESSÃO, E EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA. UMA ARTISTA: CAMILLE CLAUDEL
Liliana Liviano Wahba


A história de Camille Claudel mantém-se viva até a atualidade, e expressa o drama da criatividade, da interação entre personalidade e entorno, e dos fatores inconscientes que compõem uma dinâmica passível de sucesso ou de fracasso devastador.

Como uma peça da tragédia, acompanhamos o drama desde a infância de Camille, de suas relações famíliares, de seu amor atormentado, de sua queda no ostracismo. Perguntamo-nos como isso ocorreu, o que poderia ter sido evitado e a questão pertubadora: atualmente essa história poderia ter tido o mesmo fim ? Um fim de reclusão no asilo de onde não sairia mais.

Morta aos 79 anos, permaneceu prisioneira desde a idade de 49 anos e não produziu mais nada. O silêncio artístico pode ser compreendido a partir de distintas razões. Segundo críticos não favoráveis – inseridos em uma época machista – sua criação, por ser copia do mestre, esgotou-se após a separação. Afirmação improcedente, já que, após a ruptura com Rodin, criou obras fecundas e repletas de beleza. Dificuldades econômicas e de penetração no mercado a impediram de criar mais.

A paralisação no asilo pode ser compreendida, em parte, pelo protesto contra a reclusão injusta em condições infernais e contra a hostilidade de sua família. Haja-se visto que no século XIX e início do XX a internação de mulheres em asilos era frequente para livrar-se delas e, muitas vezes, para impossibilitá-las de herdar bens familiares.

Diagnosticada com uma psicose paranoide, a devastação de sua psique decorreu de um conjunto de fatores, tais como personalidade, complexos parentais, cultura da época. Foi uma mulher de paixões; a arte era uma das maiores. O artista é um indivíduo de extremos que procura ir além, à procura do absoluto, à procura do belo, da perfeição, e essa procura a caracterizava desde a adolescência. Já menina esculpia com afinco, e com quinze anos sua obra chamava a atenção de artistas reconhecidos.

O meio social é fundamental para compreender a luta e a impotência de Camille Claudel, que acabou impiedosamente derrotada. Uma sociedade patriarcal e autoritária, relegando a mulher a um papel definido, sem o direito de contestá-lo. Mas a artista ousa, segue as demandas de sua criatividade. O papel feminino era estreito; dizia-se detestada pelas mulheres, particularmente a irmã e a mãe. Apesar de ter algumas poucas amigas, esse antagonismo e interdito lhe fez grande mal.

Apaixonou-se por Rodin, homem e artista que admirava, e entrou em depressão após a separação e um aborto. Queria ser mãe e escultora, perdeu ambos. O delírio paranoide tinha uma base depressiva que abria a ferida profunda da falta de amor materno. A maestria do genio, a beleza e a emoção, estão presentes em toda sua obra, em parte autobiográfica ainda que universal. A criação traz um enigma e o risco do colapso. O abismo da artista é aquele da impotência, da luta fracassada, da rejeição no esquecimento. Ainda assim, nos deixou um legado de exímia e notável escultura.

Entender o sofrimento do artista remete à discussão sobre a liminaridade entre criatividade e loucura; se esta última decorreria ou não da intensidade do processo criativo. O psicanalista Ernst Kris (1955) considera que a imaginação e a projeção operam tanto no artista como no psicótico, mas que há diferença entre a compulsão de um e a liberdade do outro. Na obra artística o inconsciente aflora, vivo, mas o ego se mantém no domínio e evita que a deformação tome conta. Desse modo, o objeto emerge de novo, com realidade plena ou acentuada para o artista e a comunidade a quem se dirige. O autor refere-se a uma regressão à serviço do ego.

O fato de encontrar artistas com sintomas de loucura, ou doentes mentais que são considerados artistas, não prova que ambos estejam necessariamente associados, pelo contrario, tendem a se repelir. Um trabalho artístico de coerência e continuidade demanda a colaboração de um ego que esteja estruturado em sua identidade e inserção no mundo e que tenha confiança em seus recursos internos, podendo dispor deles. Que alguns artistas o sejam mesmo sob a condição de desordem mental, indica a magnífica pujança da criatividade destes, a qual não se esgota com a fixação e a restrição proveniente da loucura.

Existem artistas cujo sofrimento psíquico insuportável esgota a obra, outros conseguem suportá-lo e manter a criatividade; há aqueles que o superam e transcendem, renovando-se, e existem as crises de desequilíbrio psíquico que se alternam com um diálogo mais ou menos coerente entre o ego e o inconsciente. Permanece a questão se haveria no fazer artístico ou no processo criador algum componente que favorece o eclodir de uma psicose. E outra pergunta derivada: a arte, benéfica e necessária para a humanidade, sacrificaria o artista sofredor dos males de sua missão?

Fora os problemas de aceitação em termos de cultura e mercado, existe o sofrimento interior da entrega, sem a qual não seria possível criar. Ocorre uma ativação de conteúdos inconscientes intensa e constante. O ego e a persona - adaptação ao mundo exterior- são deixados de lado e a sombra – em grande parte o reprimido - e o inconsciente mais profundo – anima e animus - geralmente predominam na primeira etapa de produção. Neste momento o risco de ser invadido pelos complexos autônomos e pela constelação arquetípica é acentuado.

Aquilo que a personalidade não resolveu, aquilo que teme enfrentar, recebe um amplificador interno. Ou seja, a fonte de criatividade é também fonte de tensão e de conflito, de regressão inconsciente. O artista é de certa forma um filtro para a cultura, assinalando seus movimentos e entraves e, por isso, está mais exposto às tensões do inconsciente com sua constante dinamização de conteúdos.

Ele é geralmente capaz de sair desta imersão e de aliar o inconsciente ao consciente, à capacidade egóica de discriminação e de separação, em suma, "obrar". Jung denomina função transcendente a função que une o consciente e o inconsciente, cujo instrumento principal é o símbolo. O artista também pode encontrar sua cura na capacidade simbólica, mas o percurso que há de atravessar oferece riscos de desestruturação psíquica.

Segundo Jung (1967) a regressão ao inconsciente gerador, materno, tanto pode diluir o ego como representar um mergulho interior para o renascimento da consciência. O sofrimento decorre da intensidade da entrega, e a possibilidade de encontrar o fio condutor permanece até certo ponto um enigma, já que, sentido e não sentido são companheiros inseparáveis.



* Conferência dada no XVIII Congresso da Associação Junguiana do Brasil. 21 a 24 de outubro de 2010 Teatro HSBC, Curitiba - PR

Referências
JUNG, Carl Gustav. Symbols of Transformation. CW 5. Princeton: Princeton University Press, 1967.
KRIS, Ernst. Psicoanalisis del arte y del artista. Buenos Aires: Paidós, 1955

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