HOME
NEJ
Objetivos
Linhas de pesquisa
Programa acadêmico
PROFESSORES
PESQUISAS
TESES E DISSERTAÇÕES
SIMPÓSIOS E EVENTOS
PUBLICAÇÕES
Artigos
Livros
Análise de filmes
NOTÍCIAS
NOTÍCIAS
CONTATO
LINKS

Diálogos com o Prof. Dr. Carlos Amadeu Botelho Byington
Editado por Liliana Liviano Wahba e Sandro Leite

No segundo semestre de 2009, no Núcleo de Estudos Junguianos, o Prof. Carlos Byington brindou-nos com seus ensinamentos, tomando como referência sua importante obra: Psicologia Simbólica Junguiana: a viagem de humanização do cosmos em busca da iluminação, de onde foram retiradas as citações referidas. Editamos o diálogo feito com os alunos que enviavam e-mails com questões que eram respondidas pelo professor Byington.

Entre o virtual e o real, tem a vida
Carlos Byington

Wolney Martini
Tenho algumas questões referentes à aula da semana passada. Fiquei "patinando" um tempo em cima destas questões durante a aula, e acabou não dando tempo de fazê-las. Busquei fazer referência a alguns trechos do livro, para facilitar:

p. 24 – "[...] foi a retomada do subjetivo e o seu funcionamento lado a lado com o objetivo dentro da imaginação consciente e inconsciente na dimensão simbólica".

O que imagina o inconsciente, como se diferencia do processo inconsciente? O que é o funcionamento lado a lado com o objetivo? Estaria relacionado à sincronicidade?

Carlos Byington
A imaginação é uma função estruturante, que como todas as funções e símbolos estruturantes, apresenta características conscientes e inconscientes. Digo que o subjetivo funciona lado a lado com o objetivo porque ambos estão inseridos no símbolo e vão se diferenciar durante a elaboração simbólica. Somente depois de separados é que poderão se reunir outra vez dentro da causalidade ou da sincronicidade.

Wolney Martini
Não sei se entendi, pois a origem do ego é arquetípica, o ego em si não. Ainda há a polaridade criado/particular (ego) versus não-criado/arquetípico ou forma geral (arquétipo) versus conteúdo particular.
p. 54 – "Depois que se descobriu a formação arquetípica do ego, a polaridade pessoal-arquetípico perdeu a razão de ser".

Carlos Byington
Tudo na psique é simbólico e arquetípico dentro da minha perspectiva. Uma vez que qualquer símbolo ou arquétipo surja na elaboração simbólica, isto significa que o virtual arquetípico se tornou real no simbólico.

Wolney Martini
A origem de qualquer imagem não tem que ser arquetípica? Parece que arquétipo está sendo usado em oposição ao pessoal. Da forma como entendo, o arquétipo é coletivo, mas atua no individual. Não está se misturando arquétipo com inconsciente coletivo aqui?
p. 54 – "Assim, considerou-se arquetípica e não pessoal qualquer imagem coletiva, o que trouxe para a teoria uma grande indiscriminação, devido à superposição da Consciência coletiva com o inconsciente coletivo".

Carlos Byington
Jung descreveu a teoria dos arquétipos como expressão do inconsciente coletivo. Na psique, temos a dimensão pessoal e a dimensão coletiva. Ambas, no meu entender, são arquetípicas porque o Arquétipo Central e os símbolos podem se expressar tanto no Self individual quanto no Self Cultural.

Wolney Martini
Eu vinha entendendo da seguinte forma: a representação não é arquetípica, porque é imagem e não forma ou potencial. Por que considerar o arquétipo como sendo pessoal se é o mesmo em um indivíduo e o mesmo em todos – ele é coletivo?
p. 55 – "Existe, por exemplo, algo de mais pessoal e arquetípico do que a representação em nossa Consciência das imagens de nossos pais?".

Carlos Byington
Jung definiu o arquétipo como um potencial virtual que se expressa pela imagem arquetípica. Eu ampliei o conceito de arquétipo para se expressar através do símbolo que inclui não somente a imagem, como também a emoção, a palavra, o número, a natureza, o corpo, a conduta e até mesmo o silêncio. Nesta perspectiva, o arquétipo se expressa igualmente no Self individual (processo de individuação de Jung) e no Self coletivo (processo de humanização de Teilhard de Chardin).

Gostei muito do e-mail do Wolney e espero que os demais se inspirem na sua iniciativa para também se manifestarem.

Sandro Leite
Prof. Byington, gostaria de colocar uma questão que tem me consumido: a de que "tudo é símbolo". Em primeiro lugar pergunto: esse tudo se aplica a tudo, até mesmo à arte? Cada linha, cada mancha, cada gesto expressivo posso ou devo considerar simbolicamente?

Acredito, pelo menos penso que acredito, que "tudo é signo", mas não necessariamente que tudo é símbolo.

Se por exemplo, mostro uma imagem como a que foi pintada pelo artista Yves Klein: trata-se tão somente de uma pintura azul monocromática que traz um azul singular, o IKB (International Klein Blue), cor essa que foi produzida pelo próprio artista e depois patenteada. Por mais que eu saiba do contexto, essa pintura se apresenta para mim como pura materialidade, ou seja, a percebo signicamente e não simbolicamente.


Yves Klein, Blue, 1947
(www.google.com.br/images)

Quando Magritte pintou um cachimbo e declarou: "Isso não é um cachimbo", estava na verdade alertando para o problema da simbolização de tudo, ou em termos psicanalíticos, achar que um cachimbo pode colocar-se no lugar de um pênis. E talvez eu veja aí o perigo desse movimento, que aliás podemos perceber em Freud: de uma certa forma ele precisava saber porque era afetado por uma certa obra de arte, e a partir disso fez belos estudos sobre Da Vinci, Jensen e Michelangelo; ou seja, só conseguia ter prazer verdadeiro se o símbolo expresso na obra pudesse ser desvendado (se eu estiver errado nesse pensamento por favor me corrija). E aí vem o grande problema: Freud não conseguia lidar com a música, que muito o afetava (lembremos que o piano foi retirado de sua casa para não atrapalhar os estudos do pequeno notável). Como não dava conta disso, não conseguia entender o por que dessa comoção ,e por isso, simplesmente a colocou de lado (preferia colecionar coisas com as quais pudesse dialogar, pegar: estatuetas egípcias, pequenos objetos), já que a música possui uma qualidade fluida, volátil (parece fumaça, não se pega...), nos remete à ideia de algo que acontece num determinado espaço-tempo, como no depoimento de uma harpista, protagonista do filme Ensaio de orquestra de Fellini, que pergunta: para onde vai a música quando ela deixa de se tocada?


Rene Magritte, The treachery of images, 1929
(www.google.com.br/images)

A minha questão então é: será que ao entender que tudo é símbolo, não estarei correndo o risco de achar que tudo pode ser trazido à consciência, que tudo pode ser explicado? E pensando assim será que sobrará alguma coisa que escapará de nossa consciência?

Evidentemente que há trabalhos como o do artista indiano Anish Kapoor, que abrem uma gama imensa de leituras simbólicas e cujo exercício de desvelamento é delicioso. Que há uma conexão intrínseca entre as coisas e que a física quântica não tem cansado de mostrar, não tenho dúvidas, só não estou certo de que ao tratar tudo como símbolo, isso me aprisionará num movimento de que tudo pode ser explicado, de que tudo tem um por que. E o mistério, onde fica? Talvez contra esse perigo, o grande Gilbert Durand tenha escrito: o símbolo é a epifania de um mistério.


Anish Kapoor, Blood, 2006
(www.google.com.br/images)

Carlos Byington
Parabéns pela sua pergunta sobre a minha generalização da dimensão psíquica, equacionando-a com a dimensão simbólica. No meu entender, tudo é símbolo porque a coisa em si é maior que ela própria e se instala numa rede de significados dentro do sistema nervoso do Self. Nesse sentido, alguns significados dos símbolos elaborados podem ser percebidos pela consciência, enquanto outros tantos se aprofundam em raízes que se nutrem no Arquétipo Central, permanecendo dentro do mistério. Por isso, tenho muita afinidade com Gilbert Durand, quando afirma que o símbolo é a expressão de um mistério.

O seu ego pode perceber um quadro azul e permanecer na sua contemplação, sentindo o azul apenas como azul. Mas o seu sistema nervoso e o seu Arquétipo Central não se contentarão com isso. À noite, você poderá sonhar com um lindo céu azul, que lhe traz bem-estar e felicidade. Amanhã você poderá comprar um suéter para sua esposa e escolher a cor azul, pois, vestindo esse suéter, você a verá especialmente linda.

Qualquer coisa é símbolo porque transcende a sua literalidade e apresenta significados variados em contextos diferentes. Pense em algo, e faça um grande esforço mental para ficar só com o significado imediato. Você poderá consegui-lo durante 20 segundos, no máximo, porque logo em seguida o seu sistema nervoso e o seu Arquétipo Central produzirão outros significados, que vencerão a força de vontade do seu ego e se imporão na sua mente.

A consciência é o produto da elaboração simbólica, formando a identidade do ego e do outro, mas ela é sempre muito menor do que o Self. Alguns significados dos símbolos se revelam para formá-la, e ela os conhecerá, mas sempre sobrarão muitos e muitos outros que ela não conseguirá conhecer.

O problema de Freud é querer que o ego e a consciência dominem o id, decifrando-o e tomando posse dos seus significados. No entanto, no final de suas interpretações, ele só realizou sua intenção reduzindo os significados dos símbolos a um sistema teórico e mutilando a inesgotável criatividade psíquica enraizada no mistério.

Os símbolos não são finitos, para que nós os decifremos. O que podemos, com a elaboração simbólica, através das funções estruturantes agindo sobre os símbolos estruturantes, é produzir significados, que se revelam para nós vindos da profundidade do Self – e por isso toda elaboração simbólica pertence ao processo de epifania do Arquétipo Central.

Tudo é símbolo e a arte, então, nem se fala. O que Magritte quer expressar, no meu entender, com a guerra que empreendeu contra os significados simbólicos, é que os símbolos não podem ser reduzidos nem aprisionados. Nesse sentido, lutando contra a interpretação dos símbolos, Magritte se torna um defensor extraordinário da dimensão simbólica, criticando com sua arte aqueles cujos egos (inflados) querem transformar os símbolos em signos para dominá-los e limitar o horizonte infinito ao qual a contemplação estética nos conduz.

Os símbolos podem ser transformados em signos para o uso prático da consciência. É o caso do interruptor de luz, que para cima acende e para baixo, apaga. Mas nem por isso o símbolo do interruptor de luz, transformado em signo, deixa de ser símbolo. A qualquer momento, a função transcendente da imaginação, coordenada pelo Arquétipo Central, pode querer ampliar o signo novamente para alguma expressão simbólica maior que ele. Duas irmãs brigam, e uma diz à outra: – "De vez em quando, eu fantasio instalar um interruptor dentro da sua cabeça, para eu poder controlar a sua arrogância".

Sandro Leite
Prof. Byington, se me permite gostaria de relatar um grande sonho que tive hoje (o sonho em questão apareceu na noite após a resposta do prof. Byington sobre o signo e o símbolo), onde a cor azul apareceu.

Estava como turista, em algum país do Oriente e num local próximo ao mar, pois eu estava com roupa de banho e havia uma comoção por parte das pessoas pela chegada da comitiva (de nativos) que realizaria um ritual. No início do sonho fiquei entre a água da praia e algumas idas ao templo, ansioso por ver a hora exata do início do ritual. No final da tarde então o ritual teve seu início. Tratava-se de um grande templo, com paredes pintadas com um azul intenso e, por ser muito antigo, essas paredes estavam descascadas em algumas partes. Havia um grande pátio aberto (sem paredes, nem teto) logo no começo do templo, depois uma escadaria que levava a um pavimento que era coberto e cuja entrada principal era aberta para o pátio inicial, e uma sala lateral, esta fechada com três paredes e também coberta, porém conectada com essa primeira sala mais aberta. E subindo mais um grande lance de escadas estava um lugar mais reservado (neste percebi que somente a comitiva tinha acesso). Grande parte do sonho se passou entre o pátio que era aberto e esse nível intermediário composto por duas salas conjugadas. O ritual teve seu início no grande pátio aberto. Tratava-se de um conjunto de pessoas nativas, desde crianças montadas em grandes elefantes extraordinariamente enfeitados com pinturas e tecidos, gente jovem e mais velha também. Uma música bastante eufórica e alegre embalava esse cortejo. No todo esse ritual durava cerca de duas horas e vinte minutos e intercalava momentos de execução e momentos de recolhimento. Depois disso o cortejo se foi e voltei à praia novamente. Na sequência, o ritual se deu no nível intermediário, onde tudo pareceu mais intenso (pois o lugar era menor e por isso as pessoas ficavam mais próximas) e pude chegar muito próximo e mesmo me amalgamar com todo aquele espetáculo vibrante. Cheguei muito próximo dos músicos e pude perceber uma vibração intensa ressoada por grandes instrumentos de percussão. No auge desse ritual, naquela sala acoplada e fechada com três paredes, acontecia algo que muito me fascinou: havia um homem mais velho e uma criança. Não tenho a imagem da criança e nem a posição que ela ocupava, porém via com clareza as ações desse homem de pele mais escura. Ele estava pintando sobre a parede, usando somente as cores preto e branco. No início seus movimentos foram circulares e pude perceber então que ele estava pintando um grande mandala, somente um pouco menor do que sua própria altura. Acompanhei a cena da sala onde estava acontecendo o ritual, e por isso conseguia ter somente uma visão lateral das ações desse homem. Só sei que em mim havia um grande desejo de acompanhar mais proximamente as ações dele. E por sobre o mandala ele pintou alguma outra coisa, que na configuração final englobou o próprio mandala. Depois disso o ritual se encerrou, por isso procurei chegar mais próximo à pintura e pude perceber que a forma mandálica havia sido engolida pela imagem que o homem havia pintado por cima. Em mim havia um desejo de contemplar esse mandala que ficou sob a pintura final, mas já no fim do sonho pensei que isso seria inviável, já que a tinta ainda estava fresca e a pintura do mandala já havia se misturado com as da pintura final. No final do sonho acabei de certa forma conformado com isso.

Carlos Byington
O seu sonho é, sem dúvida, intensamente arquetípico, pois nos traz os temas do ritual comunitário dentro de um templo e da pintura de uma mandala encoberta por outra pintura. Sugiro elaborarmos o sonho junto com a classe. Junto com as suas associações, seguidas das amplificações feitas por todos. Trata-se, acho eu, de uma manifestação da classe como Self grupal através de você como emergente, abordando o nosso tema da elaboração simbólica do azul na obra de arte citada por você. O símbolo agora foi transposto para a dimensão religiosa e, certamente, muito contribuirá para os nossos estudos.

Wolney Martini
A questão do Sandro me fez pensar no seguinte: considerando que o significado e o símbolo são tecidos a partir do arquétipo, tendo como material os conteúdos da psique, não podemos afirmar que o significado vem pronto do arquétipo? Então o símbolo tem uma estrutura que em parte pode ser conhecida (conteúdos), e outra "parte" que não pode ser conhecida (arquétipo em si)? Se existe um significado que sempre nos escapa, qual a natureza deste?

Carlos Byington
O arquétipo é virtual e se expressa através de símbolos (imagens arquetípicas de Jung). Cada expressão simbólica é um mero recorte do imenso potencial arquetípico. Para intuirmos a natureza do arquétipo temos que andar em torno dele (Auseinandersetzung) com associações livres e amplificações para que, aos poucos, possamos empatizar algo da sua natureza.

Carlos A. Ferreira
Sobre o quadro de Magritte, peço licença para a opinião de um grande fã desse pintor, mas que não é um especialista em arte. Entendo que a frase "Isso não é um cachimbo" gravada logo abaixo da pintura realista de um cachimbo, ao contrário do que foi comentado sobre o alerta da símbolização de tudo, foi sim um grande marco de rompimento com a escola realista, obcecada em se apoderar da realidade através de cópias supostamente fiéis desta, não considerando a simbolização de nada. Na sequência, pintou ainda um quadro de um queijo, colocou-o em uma queijeira e o ofereceu aos realistas para que o comessem. Fundou assim a escola surrealista, janela fantástica para expressões imagéticas do inconsciente. Abriu espaço para que as imagens trazidas nas telas dissessem muito mais do que o simples retrato da realidade. Pintava com toda nitidez do realismo, mas brincava com paradoxos visuais, escondendo formas e objetos, provocando a capacidade criativa e interpretativa de cada observador.

Carlos Byington
Revendo o e-mail do Carlos, vejo que faltou responder ao quesito sobre o Magritte. De fato, ele tem toda a razão que, como um dos fundadores do surrealismo, no início ratificou plenamente a psicanálise e a visão simbólica na pintura. No entanto, com o passar dos anos, ele se revoltou com a interpretação simbólica redutiva, separou-se relativamente do surrealismo e passou a defender uma pintura que expressasse somente a dimensão estética e não pudesse ser interpretada fosse de que forma fosse. Pessoalmente, acredito que como qualquer outra coisa, a sua expressão estética também seja simbólica e, por isso, sujeita à elaboração e interpretação. Concordo com ele que o símbolo artístico ou qualquer outro não deva ser interpretado redutivamente, mas isso não quer dizer que não possa ser elaborado produzindo significados.

Transcrevo abaixo, as considerações feitas pela revista Ser Médico que antecederam o texto que lhes enviei:

René Magritte desenvolveu uma variante solitária do surrealismo, embora torcesse o nariz à sua inclusão nesse movimento. Inicialmente, foi muito influenciado por Giorgio De Chirico (1888-1978), pintor italiano de origem grega que criou a escola de pintura metafísica. Assim como este, Magritte deixa escassos elementos no campo do quadro. Posteriormente, fez breves incursões pela vertente impressionista e fauvista até chegar à singular combinação poética de figuras absurdas - com frequente reverência à escultura clássica – criando uma representação realista e irreal ao mesmo tempo.

Nascido na Bélgica em 1898 e formado pela Academia de Belas Artes de Bruxelas, Magritte passou uma temporada em Paris, onde conheceu os pais do manifesto surrealista André Breton e Paul Éluard. A pintura em óleo fino e liquado, que criava uma estética "limpa", tanto conferiu autenticidade ao trabalho de Magritte quanto comprometeu seu reconhecimento como um grande pintor. Não era ali que residia a sua genialidade. "Não importa tanto como ele pinta, mas o que pinta", observou o filósofo, professor e escritor espanhol, Frederico Revilla, autor de centenas de ensaios e livros, entre eles a Bibliografia especializada em Historia deI Arte y de Ia Cultura. "A pintura de Magritte é dotada de grande precisão técnica, na qual o naturalismo das representações contrasta com o simbolismo". Na sua perspectiva - opina Revilla - uma camisola, um par de sapatos ou uma jaula jamais parecem banais, embora o sejam como objetos isolados. O professor esmiúça mais exemplos e recorre à imagem do cavalo que avança "entre, por, sobre e contra" os troncos das árvores em Assinatura em Branco; as pontas dos sapatos que se transformam em dedos dos pés em Modelo Vermelho; e a paisagem que escapa do marco da pintura em A condição humana, entre outros.

A despeito do simbolismo, Magritte proclamava a sua obsessão pelo mistério. "Para mim, meus quadros são válidos quando resistem a interpretações em torno de símbolos ou outras explicações". Revilla questiona como pode co espectador resistir à poderosa referência ao erotismo diante de um armário feio e simples com uma camisola que se metamorfoseia em seios femininos? E se não seriam pseudofantasmas aquelas cabeças cobertas por lenços, ilhadas de tudo e despersonalizadas? O pintor insistia em desorientar quem tentasse explicar a sua pintura por esse caminho: "Não tenho nada a expressar! Busco simplesmente umas imagens e invento, invento... Não tenho que me preocupar com a idéia. Apenas com a imagem, a imagem inexplicável e misteriosa, porque tudo é mistério em nossa vida...".

"Prescindo totalmente de acreditar na necessidade de uma atividade inconsciente. A seriedade dos especialistas do inconsciente me parece cômica".

"A psicanálise é um sistema muito inteligente. Porém, não é mais que uma interpretação, entre outras, que atribui um valor de símbolo às coisas; representadas, aos objetos escolhidos pelo artista. Mas para mim uma nuvem no quadro não é mais que uma nuvem. Não acredito no inconsciente, nem que o mundo se apresente a nós como um sonho de outro modo que enquanto dormimos. Não acredito em sonho acordado. Também não acredito na imaginação. Ela é arbitrária, enquanto eu busco a verdade; e a verdade é o mistério. Enfim, não acredito nas 'idéias', se eu as tivesse, meus quadros seriam simbólicos. Pois bem, eu afirmo que não o são".

"Os símbolos são meus demônios; supõe-se que representam à realidade, mas o certo é que não representam nada"; Magritte rejeitou o simbolismo representativo a ponto de atribuir nomes alheios às figuras pintadas. Com frequência suas representações apresentam-se como discordâncias dos títulos. Um relógio foi intitulado O vento e, abaixo de um solitário cachimbo, foram grafadas em óleo a frase Ceci nest pas une pipe (Isto não é um cachimbo).

Magritte morreu de câncer de cólon, em 1967, aos 69 anos, insistindo no convencionalismo de sua pintura, na qual apenas havia lugar para o mistério e negando a inexorável simbologia que há nela. Nada mais subjetivo do que o mistério a estimular a imaginação.

Carlos A. Ferreira
Na última aula, quando voltamos ao exemplo da loucura guardada em porões (pré-revolução francesa), sufocando de certa forma a subjetividade, e de como Pinel e Mesmer "abriram essas portas a serviço do arquétipo central", me surgiram duas questões:

1) O aspecto de autorregulação da psique, quando representado no modelo da Psicologia Simbólica, me induziu ao raciocínio de um fluxo que parte do arquétipo central e vai em direção ao ego-outro ou à sombra, através do símbolo como função estruturante. Falamos ainda no "arquétipo central impulsionando o ego-outro para a totalidade através da elaboração simbólica". Esse princípio de auto-regulação e de impulsão para a totalidade se baseia em uma intencionalidade do arquétipo central?
2) Baseado no mesmo fluxo, como se daria a expressão do mal absoluto, primário ou original? Posterior ao símbolo, através de uma função estruturante que alimenta a sombra e não o ego-outro ou anterior, também como parte de um princípio de auto-regulação intencional do arquétipo central?

Carlos Byington
Dentro da Psicologia Simbólica Junguiana, a realidade psíquica, os arquétipos, os símbolos e funções estruturantes são, em última análise, elaborados pela sincronicidade dentro da posição dialética do arquétipo da alteridade. Por isso, o Arquétipo Central não intenciona primariamente a elaboração simbólica. Ela acontece constelada dentro do campo psíquico, seja por um evento qualquer, seja por uma necessidade psicológica. Não falo em auto-regulação e sim em regulação psicológica através do Arquétipo Central. A psique é considerada como o ser de Heidegger, ou seja, o próprio cosmos. Nesse sentido, o Arquétipo Central coordena a elaboração das representações psíquicas, ocorridas no sistema nervoso, para o desenvolvimento da consciência.

O mal absoluto foi mencionado por Jung no livro Aion (O.C. vol IX parte 2), sem maiores explicações. Intuo que ele se refira à dimensão arquetípica do Mal em contraposição à dimensão pessoal. Como tenho reiterado, acredito que esta dualidade não tenha razão de ser, posto que tudo que é pessoal, para mim também é arquetípico e que o arquetípico só pode ser expresso através do sujeito pessoal ou coletivo. O Mal, como já mencionamos na aula passada, é aqui concebido como a Sombra, que resulta da fixação do desenvolvimento arquetípico normal. Nesse sentido, o Mal é um distúrbio, ou seja, a doença moral da elaboração simbólica. Não sei se vocês têm o meu livro sobre Psicopatologia Simbólica. Ele pode ser adquirido na Livraria Cortez ou comigo, na próxima aula.

Carlos Byington
A nossa aula foi muito produtiva, mas mostrou a necessidade de compreendermos profundamente o conceito de Sombra desta psicologia. Por isso, aconselho vocês a lerem com muito detalhe os capítulos 4 e 5 do livro Psicologia Simbólica Junguiana e também o livro sobre Psicopatologia Simbólica Junguiana.

O tema da Sombra é da maior importância, não só para o nosso curso, mas para toda a psicologia, porque, além do problema do Bem e do Mal, ele abriga a relação entre a normalidade e a patologia. O conhecimento desta diferença é fundamental para quem trabalha com psicoterapia. Quem não sabe fazer esta diferença, fica sempre num "achismo" do que é normal e patológico, sujeito às distorções da subjetividade.

A função estruturante da ética é arquetípica, e por isso não pode ser explicada pelo Superego formado pela repressão e sublimação do Complexo de Édipo. Ela também não está formulada na Psicologia Analítica, onde o conceito de Sombra foi reduzido aos símbolos do mesmo sexo que o ego e, para muitos junguianos, incluiu também todo o inconsciente coletivo.

O conceito de Sombra na Psicologia Simbólica Junguiana inclui os símbolos dos dois gêneros e é sempre arquetípica, mas inclui somente os símbolos, complexos, funções e arquétipos que estão fixados e operam dentro da compulsão de repetição do sistema defensivo.

É claro que, assim sendo, a Sombra tem símbolos bons, e até maravilhosos, só que, ao funcionar de maneira fixada e defensiva, eles estão dentro do caminho do Mal, isto é, da patologia. Para voltarem para o caminho do Bem, ou seja, da consciência, eles precisam ser elaborados e resgatados.

Denise Mathias
Li o artigo abaixo e lembrei do que você tem dito em aula sobre a importância da publicação e a polêmica e mal entendidos que daí poderão surgir. Acho que já começou! Boa viagem e conte-nos tudo na sua volta [o Prof. Byington viaja com sua esposa Maria Helena para Nova York em virtude das comemorações mundiais sobre o lançamento do Livro Vermelho de Jung].


Segue alguns trechos do referido artigo:

"Nem Freud explica
Guardado há 23 anos em um banco, livro de Jung revela sua mente perturbada, um legado para a psicanálise."

"A importância de Jung
Na semana em que a morte de Sigmund Freud completa 70 anos, a divulgação de um livro secreto escrito pelo mais famoso discípulo do pai da psicanálise praticamente ofuscou a celebração. O suíço Carl Gustav Jung roubou a cena de seu desafeto - com quem cortou relações por divergência de ideias - mesmo morto há quase meio século. A obra, que está sendo chamada de "The Red Book" (O Livro Vermelho) devido à cor da capa, esteve guardada em um banco em Zurique, na Suíça, durante 23 anos."

"Tanto cuidado por parte dos descendentes de Jung não é apenas zelo diante de uma herança rara. O texto revela um lado obscuro da mente do psiquiatra. É a história de um especialista em inconsciente tentando lidar com os demônios de seu próprio inconsciente. Depois de uma negociação de quase duas décadas com familiares de Jung, o anúncio de que o livro será publicado em inglês, em 7 de outubro, e o original estará em exposição nos próximos meses no Rubin Museum of Art, em Nova York, deixou os junguianos de todo o mundo em êxtase. O trabalho está sendo considerado o mais influente da história da psicologia."

"Escrito há quase 100 anos e com 205 páginas redigidas em alemão, o resultado beira o indigesto. Entre os delírios que rondavam o pensamento de Jung estão viagens que levavam à morte, a paixão por uma mulher que mais tarde ele descobre ser sua irmã, se ver esmagado por uma serpente gigante e comer o fígado de uma criança. Fantasias, é verdade, que podem fazer parte dos desejos mais proibidos de qualquer ser humano. Uma vez escancaradas, porém, chocam. No epílogo ele avisava: "Para o observador superficial parecerá uma loucura". Em outra passagem, expressa perturbação. "Acredito que estou completamente perdido. Estarei realmente louco? É tudo terrivelmente confuso".

"A comunidade junguiana aguarda essa publicação desde a morte de seu mestre. "Haverá festas em Zurique, Londres e Nova York no dia do lançamento", diz Denise Gimenez Ramos, coordenadora do Núcleo de Estudos Junguianos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. "Estou organizando um evento na PUC". Ela afirma que Jung é fundamental atualmente. Em 1959, no auge da Guerra Fria, quando o comunismo pasteurizava as individualidades, ele previu que viveríamos não em um mundo onde todos seriam apenas um número. Pelo contrário. "Disse que essa uniformização teria efeito inverso e que as pessoas passariam a lutar para ter e expor suas individualidades", relata Denise. Nada melhor do que o fenômeno dos sites de relacionamento como Orkut e Facebook para provar que Jung estava certo.
A teoria do inconsciente coletivo criada por ele afirma que o indivíduo nasce com um conhecimento de experiências já vividas pela espécie humana. Jung formulou esse conceito ao constatar que alguns de seus pacientes tinham alucinações com mitos que desconheciam. E ele também, como mostra o novo livro. Foi então que Jung desenvolveu a ideia dos arquétipos, elementos formadores das mitologias de um povo influenciadas por lendas das mais diversas culturas e épocas. Por exemplo, a crença de que existe um ser superior e onipotente é compartilhada pela maior parte das pessoas.
Assim como a figura do herói, hoje simbolizada pelos ídolos do esporte (e no passado pelos guerreiros que defendiam nações). Chegar a essa conclusão levou ao rompimento com Freud, que via a inconsciência como um calabouço dos desejos reprimidos de cada um de maneira individual, de acordo com experiências, e como uma patologia a ser tratada."

Carlos Byington
Prezada Denise, você tem razão. A polêmica já começou. Veja como o jornalista compreendeu mal a entrevista da Denise Ramos e fez uma série de afirmações absurdas por conta própria. Isso tudo, porém, é uma ótima oportunidade para elaborarmos a diferença entre a Consciência e a Sombra, entre o normal e o patológico. O próprio Jung teve que fazer esta elaboração em si próprio. Na medida em que foi dando prosseguimento à sua imaginação no meio da dúvida se ela era ou não psicótica, foi percebendo que ela era normal, criou a imaginação ativa e estruturou sua Consciência como poucos.

Luis André Martins
Professor Byington e colegas, gostaria de iniciar esta comunicação ressaltando o excelente nível de nossas aulas. É incrível, mas, ainda, nos é raro um mestre com tamanho conhecimento e abertura. Por isto sou-lhe grato.

O fato que me leva a escrever-lhe é uma inquietação em relação às suas colocações sobre o conceito de sombra. Esta é uma temática que me convida, em bases cotidianas, ao diálogo – nem sempre divertido, diga-se de passagem. É a partir de minhas percepções, tanto acadêmicas como vivenciais, que me permiti uma provocação. Provocação num sentido de "por lenha na fogueira".

Desse modo submeto, de forma humilde, ao senhor e todos os colegas de luta acadêmica, um ensaio produzido por mim, onde abordo a temática referida. Sei do tamanho, talvez exagerado do anexo, e por este motivo peço-lhes, de antemão, a compreensão, acreditando ser minha atitude fundamentada na noção de contribuição para os nossos encontros. [Obs.: para ter acesso ao texto citado entrar em contato diretamente com o autor.]

Carlos Byington
Cada um é sempre uma agradável surpresa. Desta vez foi o Luiz André.

Estamos cuidando do conceito de elaboração simbólica e de Sombra há três aulas e somente agora o Luiz André se expôs. Você deve ter sofrido muito com minhas ideias, sem nada dizer, até finalmente soltar estas importantes considerações, tão diferentes das minhas, mas tão bem ponderadas e também alicerçadas em referenciais de autores importantes.

Discutir seu ensaio certamente enriquecerá o nosso curso e nos permitirá aprofundar muito o conceito de Sombra, do Bem e do Mal, de ética e de elaboração simbólica.

Algo que dificulta muito a questão do Bem e do Mal e toda a elaboração simbólica na Psicologia Analítica é a divisão entre o pessoal e o coletivo que você postula no início do seu ensaio e que eu tenho tentado reformular, tornando o símbolo e o arquétipo comuns ao individual e o coletivo a ponto de poder afirmar no meu livro que a polaridade pessoal (não arquetípico) e coletivo (arquetípico) é uma formulação ilusória que não existe na realidade. Não existe porque depois da descoberta da formação do Ego pelos arquétipos na década de 50 podemos dizer que tudo na psique é arquetípico. Baseado nessa dicotomia ilusória, ao meu ver, você conclui de saída que a Sombra individual é subjetiva e que a coletiva é objetiva, inacessível ao racional, é o Mal e nos deixa, portanto, "com uma sensação de completa e absoluta impotência". A seguir, você, seguindo Zweig e Abrams, chama a atenção para o uso dos valores coletivos para negar e nos proteger da existência do Mal.

Minha postura na Psicologia Simbólica Junguiana é muito diferente, pois nela o Mal individual e coletivo são o mesmo Mal que se forma através da fixação arquetípica da elaboração simbólica para formar a Sombra.

Desta maneira, a formação do Mal é sempre arquetípica, racional e irracional, subjetiva e objetiva e perfeitamente compreensível dentro da perspectiva simbólica.

Até lá, além da Psicopatologia Simbólica (o livrinho preto), peço a vocês lerem também a Psicopatologia do Nazismo, no meu site, e, se tiverem fôlego, leiam também a análise do filme: "Os últimos passos de um homem", também no site.

Nesse contexto, a psicologia do Mal necessita da compreensão da diferenciação entre a defesa neurótica e a defesa psicopática.

Wolney Martini
Acho que parte da confusão vem do modo como usamos as palavras arquétipo e arquetípico. Dizer que o pessoal e o coletivo são arquetípicos, faz sentido (para mim), porque ambos têm a característica de serem decorrentes do arquétipo. Mas é outra coisa totalmente diferente dizer que o arquétipo é pessoal.
"[...] tornando o símbolo e o arquétipo comuns ao individual e o coletivo a ponto de poder afirmar no meu livro que a polaridade pessoal (não arquetípico) e coletivo (arquetípico) é uma formulação ilusória que não existe na realidade" (BYINGTON, citado acima).

Insisto que realmente, tudo na psique é arquetípico, o que não implica necessariamente que o arquétipo possa ser considerado pessoal. Também não concordo quando o senhor fala que é uma "formulação ilusória, que não existe na realidade". Acredito que seja uma questão de chegarmos a um consenso conceitual coerente, e não de abordarmos o que existe na realidade, em si. Isso lembra o trecho de Jung: "Críticos têm se contentado em afirmar que não existem tais arquétipos. Por certo não existem, assim como também não existem de fato sistemas botânicos na natureza! Mas por essa razão alguém negaria que existem plantas que pertencem a gêneros afins?"
"[...] Não existe porque depois da descoberta da formação do Ego pelos arquétipos na década de 50 podemos dizer que tudo na psique é arquetípico" (Idem).

Liliana Wahba
Veja que a frase se refere à "ilusão" de separação entre pessoal e coletivo, de acordo com Byington, certo?

Sandro Leite

Após pensar bastante e repensar e depois de um excelente final de semana na praia, gostaria de colocar uma questão que havia comentado em sala. Sei que escapa um pouco do contexto, mas para mim faz todo sentido discutir. Trata sobre a noção de arquétipos e a encarnação. Coloco a seguinte questão:
Chico Xavier, ao psicografar, está elaborando a partir de seu próprio ego ou está servindo como canal para a manifestação de um ego-outro?

Carlos Byington
Respondendo a seu e-mail, o problema se situa dentro da função estruturante da intuição, que quando exacerbada atinge a mediunidade. Em primeiro lugar, situamos a percepção mediúnica de um fato concernente a uma pessoa viva. Nesse caso, o Ego percebe a representação de um Outro que está vivo, o que tem sido fartamente comprovado pela literatura dos fenômenos chamados extra-sensoriais, que aqui são considerados fenômenos pertinentes à intuição. No segundo caso, temos a intuição operando com pessoas mortas. Este fenômeno, também fartamente documentado, continua dependendo dos estudos da vida após a morte, que ainda não são conclusivos. Da mesma forma que o anterior, no entanto, essa comunicação pode ser vista como pertinente ao Ego do médium, que empatiza com a representação de um Outro que já morreu.

Paola V. Vergueiro
Gostaria de fazer duas questões. A primeira é de cunho epistemológico, aproveitando o assunto corrente. Creio que todas as questões têm um cunho epistemológico, mas nesta, a relação entre investigador e investigado fica patente, o que acentua as dúvidas em relação aos fundamentos científicos.

Quem pode garantir que certas atitudes ou características de personalidade (determinadas por nós, "os bons") não fazem parte do caminho de desenvolvimento de um indivíduo? Não há um grande perigo de sermos (egos) julgadores, preconceituosos?

Inúmeras vezes vi, na vida, alguém com uma característica aparentemente má (julgada má, pela maioria), promover desenvolvimento. O oposto também se demonstra em pessoas aparentemente boas que não promovem nenhuma aprendizagem.

Assim, ao acreditarmos que o desenvolvimento deve responder a determinados valores éticos, não estaremos correndo grande risco de impormos uma visão equivocada ao desenvolvimento?

Dando alguns passos para trás, podemos ver a situação de outro ponto de vista. Com maior distanciamento, observamos que historicamente sempre houve sombra social. Espero não ser incorreta ao afirmar que o desenvolvimento da sociedade e da cultura tem levado o homem a se preocupar de maneira crescente com a camada da população que representa a sombra da sociedade, realizando alguns movimentos em direção ao que chamamos de integração da sombra. Mas esse movimento é determinado por quem? Não serão todos esses movimentos, já que ligados a valores morais, dependentes e determinados pelo ego?

O foco da minha pergunta é epistemológico, na medida em que busca entender a natureza da relação entre ego e self. Acho que o assunto é sério, na medida em que somos profissionais da escuta, em primeiro plano. Não temos como função determinar o que bom ou mal para alguém. E com base em quê podemos afirmar que determinadas condutas são construtivas (porque até a destruição faz parte da vida) para o indivíduo, e para a sociedade?

A segunda pergunta parte da vontade de colaborar com esta mesma sociedade. Temos dados para afirmar que um grande número de pessoas se estrutura e cresce em estado de identidade com a sombra. Historicamente isso acontece, e no mundo contemporâneo, é evidente. Nossa sociedade é feita de uma grande parte de pessoas marginais, da reconhecida e permanente população que nasce e vive sem se identificar nem ser identificado com nada do que é considerado bom, pelos valores predominantes.

A minha pergunta é:

Dado que o trabalho no consultório é evidentemente insuficiente para melhorar a relação com a sombra no nível social (digo melhorar, porque só posso visualizar um trabalho de diálogo permanente com a sombra, sem resultados definitivos), a que devemos nos dedicar para acrescentar a esta realidade? Imagino a possibilidade de nos dedicarmos à leitura psicodinâmica na dimensão da sociedade e da cultura, para que possamos ter uma atuação mais efetiva, neste sentido. Não vejo outra maneira de colaborarmos mais. Na resposta a esta pergunta, peço a você comentários a respeito da função e das possibilidades da psicologia analítica no mundo contemporâneo.

Carlos Byington
Apesar de ter tido dificuldade em ler o seu texto, pelo fato do seu computador provavelmente cortar os acentos junto com as vogais acentuadas, passo a responder às suas duas questões:

Na primeira, você questiona a validade de uma pessoa julgar outra ou uma situação como criativa ou defensiva. O meu critério para esse julgamento, como tenho apresentado nas aulas, é a existência, ou não de fixação e defesa na elaboração simbólica. Se não há fixação ou defesa, acredito que a elaboração simbólica está no caminho do Bem. Nesse caso, ela deve ser propiciada pelo Ego o melhor que se possa. Quando há, porém, fixação e defesa, considero que a elaboração simbólica esteja no caminho do Mal. Nesse caso, a fixação e a defesa devem ser elaborados e os símbolos dela resgatados para retornar a elaboração simbólica para o caminho do Bem.

Este raciocínio da Psicologia Simbólica Junguiana se baseia na consideração de que os símbolos não fixados são elaborados pelo Arquétipo Central e os demais arquétipos, para a realização plena da personalidade. Esta realização inclui a função estruturante da ética na elaboração simbólica e, por isso, sua realização é identificada com o caminho do Bem.

A segunda questão, diz respeito à como o Ego pode interferir na elaboração simbólica da dimensão cultural. Isso pode ser feito pela atividade do Ego, da Consciência Coletiva em qualquer uma das dimensões existenciais. O médico atua na saúde pública, o advogado na dimensão jurídica, o professor na dimensão pedagógica, o político, na dimensão social de uma forma geral, o sacerdote na dimensão religiosa, o cientista na dimensão científica e assim por diante. O critério para se reconhecer o erro e buscar o acerto é o mesmo da primeira questão.

Desta maneira, não se trata de julgar nada a priori, e de se estabelecer o que é certo e o que é errado em qualquer questão, sem antes elaborar a questão simbolicamente. Trata-se, sim, de subordinar a conduta à elaboração simbólica que é inseparável da função estruturante da Ética.

Sandro Leite
Sobre a questão do Arquétipo Matriarcal – como uma maneira muito íntima de se relacionar com a natureza (pensamento mágico-mítico), envio, anexado, um slide que utilizei em uma palestra ministrada no primeiro semestre, intitulada: Arte, Filosofia e Estados Imersivos. Uma citação traz a fala de Buber sobre a relação da árvore como um outro e a outra citação, extraída de um livro da psicanalista Marion Milner, mostra a passagem de um italiano que se depara com um grande salgueiro. Essas duas falas na verdade estão muito próximas daquela ideia de Jung sobre Betrachten, ou seja, o ser engravidado pela imagem, de tanto contemplá-la. Além disso, como escreve o prof. Byington (2008, p. 149), "quem quiser conhecer a Consciência insular lógica e objetivamente, dificilmente irá consegui-lo. Para entendê-la, há que empatizar com ela dentro das experiências vividas".


Carlos Byington
Quanto à experiência referente ao símbolo da árvore, devemos lembrar que como bem ilustra o teste do House, Tree and Person (HTP), a árvore é um símbolo do Self. Nesse sentido, a empatização matriarcal do símbolo fê-la revigorar o Ego, como acontece quando meditamos sobre um símbolo de totalidade.

Sandro Leite
O Prof. Byington ao falar sobre o Arquétipo da Alteridade citou o músico Arnold Schönberg. Interessantemente, Schönberg além de músico foi um pintor muito expressivo, literalmente fazia uma arte de qualidade expressionista. Por isso trafegava com muita tranquilidade entre a música e as artes visuais, corroborando ainda mais sua condição de artista enquanto agente que abarca o mundo a partir de instâncias variadas, complementares.

Schönberg trocou correspondências com o pintor Kandinsky durante muitos anos. No ano de 1911 Kandinsky assistiu a uma apresentação de duas peças de Schönberg e ficou tão impactado com essas obras que escreveu para Schönberg imediatamente. Kandinsky na verdade pôde constatar que sua procura por uma nova visualidade (passagem da figuração para a abstração) estava perfeitamente em sintonia com o que Schönberg fazia no mundo da musicalidade (passagem do tonalismo para a música atonal), ou seja, algo além da pura musicalidade e da pura visualidade, mais precisamente, algo muito interior que poderia ser trazido à superfície – pura sensação.

Envio algumas pinturas de Schönberg encontradas no livro The Visions of Arnold Schönberg: the Painting Years escrito por Natje Cantz (Editora: Kunsthalle, Local de publicação: Schirn, Data: 2002).


Olhar vermelho 1910
O conquistado 1919


Ódio s/d
Carne s/d

Carlos Byington
Achei riquíssimas as pinturas de Schönberg que não conhecia. O entendimento entre ele e Kandinsky me parece ter sido inspirado pelo arquétipo da alteridade, pois Schönberg deu especial importância à relação da música tonal e atonal e Kandisky analogamente, na dimensão da pintura, deu importância central à relação entre a pintura figurativa e a abstrata. Dessa maneira, ambos lidaram dialeticamente com duas polaridades fundamentais, o que caracteriza a coordenação da consciência e da relação Ego-Outro pelo arquétipo da alteridade.

Sandro Leite
Gostaria de confirmar se entendi o que foi trabalhado em sala de aula a respeito dos complexos:

Os complexos são elementos constitutivos da psique. Todos os temos e eles sempre existirão (haja vista a qualidade dinâmica da psique). A princípio, não são nem positivos (normais) ou negativos (patológicos). No processo de elaboração simbólica, podem agregar-se à consciência ou transformarem-se em patológicos, mediante a fixação. A evidência disso seria a repetição do 'tema' do complexo, que na verdade objetiva apresentar-se à consciência com fins à elaboração.

Carlos Byington
Os complexos são um aglomerado de símbolos e funções estruturantes que se comportam da maneira como você descreveu. Eles são constitutivos da Psique, porque são as representações subjetivas e objetivas de tudo o que vivemos.

Sandro Leite
Uma dúvida sobre as polaridades Arquétipo Matriarcal-Arquétipo Patriarcal:

Se a qualidade dessa polaridade não está necessariamente vinculada com a questão do sexo, poderia um casal homossexual (masculino e feminino), ao adotar ou gerar um filho, dar uma estrutura necessária para a formação de um núcleo familiar 'harmônico', conjeturando-se que eles tenham bem trabalhadas as polaridades insular (sensualidade) e polarizada (abstrair, organizada).

Carlos Byington
Quanto à questão da função estruturante da homossexualidade, ela é muito atualizada porque cada vez mais, casais de homossexuais adotam filhos. Nesse sentido, recomendo sempre que se o casal for masculino, que tenha uma empregada de confiança, se possível de bom nível cultural para cuidar das crianças junto com os pais e, também, concentrar a convivência com amizades sociais e professoras femininas que ajudem a cuidar das crianças desde cedo, para terem função estruturante importante na formação da sua identidade. No caso de um casal homossexual feminino, recomendo a mesma conduta com o sexo oposto.

Maristela Souza
Sabendo que a nossa próxima aula será o último encontro, não resisti em avançar na leitura, e conseqüentemente, num pequeno ponto que fiquei em dúvida.

Na página 146 está o diagrama 3, onde podemos ver o quatérnio arquetípico regente. Ao lermos o cap. VII, fica claro em que posição eles funcionam.

Na página 206 o senhor exemplifica descrevendo o conflito que um executivo sofreu ao ter de demitir muitas pessoas, e o quanto ele sofreu e teve de elaborar "diante da desumanidade da posição polarizada patriarcal que se sentia obrigado a desempenhar".

Na página seguinte (p.207), o Sr. esclarece que neste exemplo há um "componente de apego à ambição", bem como um "desapego intenso, de maneira planejada e racional, da função afetiva para consigo mesmo ou para com o outro".

Assim, fiquei me perguntando: Qual seria a saída para este conflito?

No final, o Sr. escreve que ele se pergunta: "Será que valeu a pena?" Isso me fez pensar se é possível atender às necessidades do matriarcal e do patriarcal, diante da necessidade de sobreviver mas sem deixar de se sentir responsável por si mesmo e pelo Outro.

Lendo um pouco mais adiante, me deu a impressão de que o Sr. respondeu isso. Especialmente quando fala que Jesus diante da tese e da antítese (p. 235), introduz a síntese, "remetendo o agressor a sua alma e estabelecendo uma ética mais ampla, capaz de substituir a agressividade patriarcal pelo julgamento de alteridade através da compaixão". É necessário atuar na posição dialética da alteridade. É isso mesmo? Num sentido mais prático, quais seriam as condutas possíveis para este rapaz dentro de cada posição arquetípica?

Carlos Byington
A problemática do executivo (p. 206) é entre o afeto pelos colegas e a gratidão por seu ex-chefe e a demissão que ele foi encarregado de executar. De um lado o matriarcal, emocional, afetivo e apegado e do outro o patriarcal que deveria desapegar da emoção para executar as demissões. Qual seria a saída para este conflito tão freqüente em nossa vida, que surge como tese e antítese?

O arquétipo da Alteridade, através da compaixão, se dedica a compreender os dois lados em conflito e de, criativamente, chegar a uma síntese.

Enumero abaixo algumas possibilidades criativas:

1) Omitir-se de tomar partido e ele próprio pedir demissão;

2) Conseguir, junto à diretoria um bônus para os demitidos;

3) Conseguir da diretoria uma pesquisa de mercado para realocar os demitidos;

4) Tentar realocá-los na própria empresa, com mudança de função;

5) Tentar prorrogar o prazo da demissão para que os colegas tenham mais tempo para buscar outra colocação.

Carlos A. Ferreira
No dia-a-dia das grandes corporações, posso dizer com tranqüilidade que:

1) Muitas vezes acontece, mas é das opções uma das menos recomendáveis. Eticamente, por tamanho, dinheiro e possibilidades, a empresa deve liderar o processo, qualquer que seja esse, conduzindo de forma apropriada para minimizar as inevitáveis conseqüências;

2) Possibilidade usual, mas mais comum nos topos da organização e bem mais difícil nos níveis iniciais ou da base da pirâmide... infelizmente!;

3) Usual e, para gerentes e cargos maiores, é comum inclusive o pagamento de serviços de outplacement – recolocação. Empresas como a DBM, especializadas em apoiar os executivos em transição;

4) Não havendo desgastes de relacionamento, é comumente a primeira opção. Talvez até por ser a mais "barata". O turn-over é sempre um problema de custo de captura de talentos, aculturação, práticas comerciais, entre outros treinamentos que se perdem;

5) Vide 2, as empresas acabam sempre protegendo mais os que talvez menos precisem...

O "The Great Place to Work Institute", que publica anualmente a lista das melhores empresas para se trabalhar, traz claramente um ponto comum entre as melhores: demissão é prática de mercado, mas usada quando a comunidade compreende que era a última instância. Se alguém tiver interesse pelo tema, tenho diversos casos de melhores práticas e casos de sucesso onde o processo foi conduzido de maneira ética e humana.

Carlos Byington
Agradeço as suas contribuições às questões levantadas pela Maristela. Vejo que você é um especialista na matéria. É importante percebermos que as minhas possibilidades e os seus comentários para aperfeiçoá-las ocorrem dentro do campo dialético do Arquétipo da Alteridade. Por ser sempre inovador e contar até mesmo com a sincronicidade, ele requer sempre muita criatividade.

Um abraço, Byington



Prof. Carlos Byington e Profa. Liliana Wahba


Prof. Carlos Byington durante uma aula (configuração mandálica da psique)



Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Desenvolvido por DTI-Núcleo de Mídias Digitais