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II Simpósio

Faces da Alegria

Bases neurais do riso
Prof. Dr. José Salomão Schwartzman

Boa tarde a todos. É realmente com muito prazer que eu volto a essa casa que já foi minha por algum tempo, algumas décadas atrás. Vale a pena chamar atenção, além de tudo o que já foi dito, para a felicidade da escolha desse tema para o qual foram convidados a falar uma monja, uma psicóloga e um neurologista. Essa seria uma associação impensável algum tempo atrás. Quer dizer, o que poderia ter em comum o que fala uma monja, o que diz um neurologista, com o material que uma psicóloga possa apresentar? Mais uma vez a PUC-SP está na vanguarda nesse aspecto. Eu tive a felicidade de estar nessa casa e trabalhar no laboratório de epilepsia, que foi, provavelmente, o embrião do que hoje é a neuropsicologia aqui em São Paulo. Por várias razoes esse trabalho foi descontinuado, mas prosseguiu em outros lugares, e atualmente a neuropsicologia é uma matéria lecionada praticamente em todas as universidades. Nesse momento, a PUC apresenta ao público de modo mais amplo, um novo aspecto que é esse casamento entre o que é biológico e aquilo que até algum tempo atrás não seria considerado biológico em hipótese alguma. Eu entendo que o exemplo maior é uma matéria nova, no campo da neurologia, que se chama neuroteologia na qual a neurologia estuda a interface biológica daquilo que alguns chamam de experiência mística. Então, nada a ver uma coisa com a outra? Tudo a ver. Tudo absolutamente a ver. Quando me propuseram a falar sobre alegria, eu aceitei sem pensar no que estava fazendo, eu achei que seria algo absolutamente fácil, confesso que aprendi e vou ganhar muito mais com essa apresentação do que qualquer um de vocês porque eu tive que procurar, e procurar muito. Os médicos não se preocupam com alegria porque ninguém vai ao consultório dizer: meu filho ri demais. Ou: meu filho está tão feliz que você tem que dar vitamina ou alguma outra coisa porque ele ri à toa. Ninguém se queixa de estar alegre e esse não foi objeto do estudo da neurologia por muito tempo. Portanto, eu não consegui trazer um material interessante sobre alegria. Então eu vou reduzir o tema e quero avisar de antemão sobre o que eu não vou falar para não deixá-los tristes no final. Não vou falar sobre vantagens do riso, e as vantagens da medicina baseadas na alegria. Eu não vou falar do humor, não vou falar da alegria. Vou falar de algo que pode ser um pouco melhor estudado que é o riso. Óbvio que o humor, a alegria não se reduzem à risada, mas é um começo. Podemos começar a analisar a risada como primeiro enfoque e obviamente alargar, posteriormente, esse aspecto do conhecimento.

A primeira pergunta que vem à mente de todo mundo é: afinal de contas para que serve essa coisa – o riso – que está sempre conosco? Quer dizer, há evidências de que o homem sempre foi capaz de rir ao menos em certas circunstâncias. Eu vou lhes mostrar, também, um chipanzé rindo comigo ou de mim. Rindo obviamente de algo que estava acontecendo naquele momento. E há quem diga que outros animais também riem. Nós não temos evidências tão claras, mas provavelmente até os chipanzés podem partilhar conosco essa forma de expressão que é a risada.

Considerando que o riso está sempre presente, que nunca deixou de estar, provavelmente deve haver algum aspecto biologicamente importante para que isso se dê dessa maneira. Alguns autores, no entanto, dizem o contrário. Eu vou lhes mostrar várias evidências num sentido e noutro. Vou falar, então, sobre o que eu resolvi chamar de Bases Neurais do Riso. Eu volto a insistir que quando eu falo em bases neurais, não estou discutindo outros aspectos envolvidos, não estou reduzindo o riso ao que eu vou lhes mostrar. Quero dizer que por força do meu viés, eu vou me ater às estruturas neurais e ao riso. Mais especificamente à Gelotologia, que é o estudo do riso. Existem alguns getólogos pelo mundo afora. É verdade que eles são poucos. Mas provavelmente o riso é importante porque não há quem não tenha um imenso prazer em ver um bebê rindo. Deve haver algo extremamente poderoso do ponto de vista biológico para que nós queiramos que ele sorria para nós. Então o sorriso e o riso devem proporcionar um impacto biológico muito importante.

O Riso

A risada pode ser caracterizada como:

Sons vocálicos com a duração de 1/16 segundos repetindo-se a cada 1/5 de segundo.
O diafragma se contrai, o coração acelera os batimentos, a pressão arterial se eleva e as pupilas dilatam.

O ar sai dos pulmões a mais de 100 km/h.

O que é a risada? É um som vocálico com duração de um sobre dezesseis avos de segundo que se repete num indivíduo normal a cada 1/5 de segundos. O que acontece ao rir? O diafragma se contrai, o coração se acelera, a pressão arterial se eleva, as pupilas se dilatam, e o indivíduo praticamente perde a mobilidade das mãos. Ele fica paralisado. Normalmente na gargalhada intensa você pára. Eu vou mostrar estudos de estimulação cerebral nos quais se pode verificar que a área que paralisa o movimento das mãos está muito próxima da área que elicia a risada.

Adultos riem, em média, 20 vezes por dia.

Crianças riem até 10 vezes mais do que adultos.

Bebês apresentam sorriso como resposta na quinta semana pós-natal.

A risada surge por volta do quarto mês de vida.

Quando rimos há contração simultânea dos músculos zigomático maior e orbicular dos olhos.

Outros músculos faciais, respiratórios e da laringe também são ativados.

Há quem diga que o bebê na barriga da mamãe já sorri. Existem discordâncias em relação a essa afirmação mas alguns autores dizem que os bebês obviamente sorriem durante o período de gestação.
Se eles não sorriem, ao menos apresentam alguns movimentos labiais que sugerem os mesmos movimentos das crianças mais velhas e dos adultos quando eles estão sorrindo. Um bebê recém-nascido, ainda antes de completar vinte e quatro horas de vida, parece estar sorrindo ou tentando sorrir enquanto adultos estão brincando com ele. Crianças com cinco horas de vida já imitam a atitude facial de quem está em frente deles. De forma que se alguém tiver o tempo necessário para sorrir na frente de um bebê, provavelmente, ainda que ele nem saiba o que está fazendo, ele imita o aspecto facial do sorriso. Nesse caso, como em qualquer outra característica de comportamento de bebês, há os que riem mais, há os que riem menos, há os que são mais difíceis, há os que são menos difíceis, mas em média por volta dos oito meses eles são só sorriso.



O que acontece na face do indivíduo ao rir? Os músculos envolvidos no riso são o zigomático maior e o orbicular, que se situa em volta dos olhos. A contração do zigomático maior eleva o canto labial e a contração do orbicular estreita um pouco os olhos, diminuindo a fenda palpebral. Esses dois músculos trabalhando simultaneamente é que dão a face o aspecto típico do sorriso. Os chipanzés também riem e o fazem de forma muito parecida conosco. Existe um trabalho mostrando a diferença do ponto de vista físico entre a risada do homem e a do chipanzé. A risada do homem se faz através do há-há-há num movimento expiratório. A risada do chipanzé se faz num movimento expiratório, acompanhado de uma inspiração. Ela é intercalada. A forma do chipanzé rir é, portanto, diferente da nossa no que se refere à algumas características físicas do ato.

Se alguém ouvir sua risada possivelmente começará a rir também.


Mecanismo neurobiológico para a detecção e replicação do riso segundo Provine, 1996

Porque alguém ri quando outra pessoa está rindo? O indivíduo tem algo que, a grosso modo, se chama gerador do riso o qual determina que o indivíduo comece a rir. O interlocutor teria um detector auditivo que identifica que o vizinho está rindo, e quase que de forma contagiosa começa rir também.
Riso: inato ou adquirido?

As crianças riem porque as pessoas riem para ela?

Estudo de Leuba (1940):

fazia cócegas em seus 2 filhos usando uma máscara que ocultava sua expressão facial;
as cócegas faziam com que as crianças explodissem em gargalhadas.

Crianças nascidas cegas ou surdas começam a rir por volta dos 3 meses.
O padrão sonoro é diferente das crianças normais.

Leuba mostrou que, pelo menos os bebês por ele estudados, aprendiam a rir sem que tivessem tido um modelo adequado. A intenção dessa pesquisa era tentar provar que esse é um aspecto inato no ser humano. Além disso, as crianças surdas congênitas seguem mais ou menos o mesmo padrão cronológico do desenvolvimento do riso e da risada de crianças que vêem e que ouvem. O que é diferente é o padrão sonoro. O riso do cego é um pouco diferente do riso do indivíduo vidente.

O atendimento ao padrão cronológico habitual indica que esse desenvolvimento é determinado biologicamente e que pode ser modificado por experiência, aprendizado, etc.

Segundo Köstler: o riso é um reflexo de luxo que não teria nenhuma utilidade biológica
Darwin (1872) especulou que a base evolucionária do riso seria sua função de expressar felicidade no contexto social e isto propiciaria uma vantagem de sobrevivência do grupo

Riso: teorias

As teorias que buscam compreender o fenômeno do riso são:

Teoria da superioridade:
a risada seria a expressão dos sentimentos de superioridade de uma pessoa com relação a outras

Teoria da incongruência:
a risada seria uma reação intelectual a algo inesperado, ilógico ou inapropriado

Teoria do alívio:
a risada seria um alívio de energia nervosa

Teoria de Morreall (1983):
a risada seria resultante de uma mudança psicológica agradável

Dissociação do riso, sorriso e emoção

Podem ocorrer paralisias totais ou parciais das expressões faciais voluntárias com persistência das expressões associadas a emoções

Esta condição tem sido denominada de “síndrome de Foix-Chavany-Marie”, “síndrome opercular anterior” e “paresia facial volitiva”

Situação inversa pode ocorrer na chamada “paresia facial emocional”

Lesões associadas com a “paresia facial volitiva” têm sido observadas:

na região opercular bilateralmente

podem ser de origem congênita

decorrer de acidente vascular cerebral ou tumores

enfartos da região da artéria cerebral média

enfartos na coroa radiada

lesões da cápsula interna

lesões da ponte

lesões ocupando espaço na substância branca fronto-parietal

esclerose múltipla

Exemplos clássicos da “paresia emocional” são observados em pacientes com a doença de Parkinson, nos quais, a despeito de sensações emocionais subjetivas preservadas, não observamos as características expressões faciais normalmente associadas a elas

Nestes pacientes, os mesmos movimentos faciais podem ser produzidos voluntariamente
Autópsias de pacientes exibindo “paresia emocional” têm revelado lesões na porção reticular da ponte, tálamo ou estruturas do corpo estriado

Riso patológico

Um capítulo importante da gelotologia que é o riso patológico. É claro que riso patológico é um termo que pode ser usado com conotações absolutamente diferentes. Alguém pode dizer que o riso é patológico quando você ri frente a uma piada politicamente incorreta. Mas aqui eu estou me referindo a um outro tipo de patologia: às doenças neurológicas que interferem com o emergir do riso normal. São possíveis doenças do neurônio motor, paralisias vasculares, e quadros extrapiramidais. Um quadro extremamente interessante embora não muito freqüente é o riso tolo prodrômico. Trata-se de uma crise de riso imotivado que precede um evento neurológico, freqüentemente de origem epiléptica. Há um capítulo inteiro da neurologia que são as epilepsias gelásticas, epilepsias nas quais episódios de riso são manifestação importante precedendo ou fazendo parte da crise propriamente dita.

Riso patológico: de acordo com a localização das lesões
mesencéfalo, ponte, tronco encefálico e cerebelo
regiões do corpo estriado e cápsula interna
lesões frontais
grupo misto:
paralisia pseudobulbar
hemiplegia simples e dupla
tumores da cápsula interna direita
região subtalâmica direita
tegmento da ponte
esclerose múltipla
O riso patológico pode ser classificado do ponto de vista neuropatológico em:
doença do neurônio motor, paralisia vascular pseudobulbar e desordens motoras extrapiramidais
fou rire prodromique
fazendo parte de crises epilépticas
Fou rire prodromique
Descrito em 1903 por Féré
Condição rara caracterizada pela ocorrência de riso inapropriado, não motivado como sintoma inicial de um quadro de isquemia cerebral
O riso, a princípio incontrolável, pode se seguir de risadinhas ou choro
Em seguida surgem os sinais e sintomas mais típicos de um acidente vascular: hemiparesia, afasia etc.

Lesões que têm sido associadas com o fou rire prodromique:
base da ponte sem comprometimento do tegmento
giro hipocampal esquerdo
tálamo esquerdo póstero-lateral e partes adjacentes da cápsula interna sem envolvimento do hipotálamo
hipotálamo
complexo amigdalóide
núcleo lenticular e caudado esquerdo

O Fou rire prodromique foi descrito já no início dos anos mil e novecentos e consiste de episódios de riso inapropriado, não motivado, sem nenhuma explicação plausível. Esse é um sintoma inicial de um quadro de isquemia cerebral. Trata-se de um riso incontrolável, abrutalhado e mecânico que vai cedendo e se transformando num riso, num sorrisinho, podendo, entre outras coisas, terminar numa crise de choro. Depois surgem aspectos mais evidentes que tornam possível identificar quadros de hemiplegia. As lesões que tem sido envolvidas com esse tipo de transtorno são: lesões na base da ponte cerebral, do hipocampo, do tálamo, cápsula interna, hipotálamo, complexo amigdalóide que está sendo muito estudado pela neurologia atualmente. Quem estuda comportamento hoje, seja comportamento normal ou anormal, tem atenção especial para com o complexo amigdalóide. Outras áreas envolvidas com a origem desse transtorno: lesões no hipocampo, o complexo amigdalóide e o tálamo. São, então, as regiões mais freqüentemente citadas como associadas com esse transtorno da risada, do riso.

Epilepsia gelástica

O riso pode ocorrer durante qualquer tipo de manifestação epilética: antes, durante ou depois. O termo de epilepsia gelástica, no entanto, é habitualmente reservado para os casos em que o rir é a manifestação única ou principal. Algumas vezes o indivíduo só ri. Obviamente, do ponto de vista de identificação é muito pouco provável que alguém pense que um indivíduo possa estar rindo por causa de uma crise epilética. Outras vezes, felizmente para o médico ou para quem está em torno, além do riso existem alterações autonômicas, movimentos automáticos e estados alterados de consciência que permitem a suspeita de que se trata de um fenômeno epiléptico. Como alguns desses indivíduos não perdem totalmente a consciência, e como alguns deles realizam movimentos complexos automáticos durante a crise não é incomum que eles tenham crises anos a fio sem que o problema real seja identificado.

Riso pode ocorrer durante qualquer tipo de manifestação epiléptica; porém, o termo epilepsia gelástica deve ser reservado para aqueles casos em que o riso é o seu sintoma principal
Algumas vezes o riso constitui a única manifestação da crise
Em outras, se acompanha por alterações autonômicas, movimentos automáticos e/ou estados alterados da consciência

O riso nestas crises, em geral, é mecânico e estereotipado; mas, eventualmente pode parecer natural e ser contagioso

Alguns paciente relatam sentimentos de alegria, enquanto outros percebem o riso como inapropriado e não acompanhados por emoções positivas

Segundo alguns autores, as crises epilépticas originadas no lobo temporal se acompanhariam da sensação de alegria, enquanto as originadas no hipotálamo não

Entretanto, foram descritos alguns casos de crises acompanhadas por sensação de alegria em pacientes com hamartomas (tipo de tumor) do hipotálamo

As áreas cerebrais mais freqüentemente envolvidas em casos de epilepsia gelástica são:
hipotálamo, em geral nos casos de hamartomas hipotalâmicos

os pólos frontais
os lobos temporais
pacientes com esclerose tuberosa generalizada
Riso: estudos com estimulação elétrica cerebral
Fish et al., em 1993, observaram sorriso em 2/75 pacientes estudados:
um caso estimulação da amígdala
um caso estimulação do córtex frontal
Gordon et al.(1996) e Arroyo et al. (1993), riso e/ou sorriso em 2/106 pacientes:
riso e alegria com a estimulação do giro fusiforme e giro para-hipocampal
os pacientes relataram que “o significado das coisas se alterava” e “que tudo ficava engraçado” durante a estimulação

Foram descritos pacientes com doença de Parkinson que descreveram sensação de bem estar, algumas vezes acompanhada por risos e gargalhadas durante a estimulação do núcleo sub-talâmico
Em um paciente com hamartoma, a estimulação do hipotálamo produziu risadas
Risada foi induzida com a estimulação elétrica do córtex do cíngulo e do globo pálido


Qual é o melhor jeito de você descobrir para que serve cada pedacinho do cérebro do seu paciente? O cérebro não dói. Se você não comprometer meninges e artérias, é possível expor a superfície cerebral para estimulá-la. O primeiro indivíduo (Fish et al) a fazer estudou especificamente o riso e estimulação elétrica cerebral em 1993. Foram 75 pacientes submetidos à diversas estimulações em áreas distintas. Dos 75 pacientes, 2 responderam com risos. Um deles com estimulação do núcleo amigdalóide e o outro, com estimulação do córtex frontal. Ainda em 1993, Gordon e colaboradores descreveram esses dois pacientes e Arroyo, a partir desse estudo, publicou em 1996, estudo com 106 pacientes estimulados da mesma maneira que no estudo de Fish.

Então a área que mais evocou risada foi a área suplementar na face medial dos hemisférios cerebrais, que fica exatamente na área motora suplementar. Essa risada desencadeada a partir da estimulação cerebral era acompanhada, em geral, por sensação interna de algo risível. O curioso foi que cada vez que se perguntava o motivo para o riso, as respostas eram diferentes. Num momento o médico parecia gozado. Em seguida, era o aparelho de anestesia que estava meio torto o fator desencadeador da risada. Então não se sabe se havia realmente uma sensação de alegria ou se o sujeito inventava racionalmente uma justificativa para estar rindo. Além disso, é interessante ressaltar que a duração e a intensidade das risadas eram proporcionais a intensidade da estimulação. Estimulação baixa promoveu sorriso; estimulação mediana, uma risada razoável e, estimulação maior, uma enorme gargalhada.

Riso: conclusões

A maioria dos autores concorda em que deve existir no tronco cerebral, uma via final comum para a risada;

Esta via final integra expressões faciais, respiração e respostas autonômicas;

Há evidências no sentido de que apenas lesões mesencefálicas dorsais causam diminuição das expressões emocionais faciais enquanto que lesões ventrais levam ao riso patológico.

Leituras recomendadas
Neural correlates of laughter and humour
Barbara Wild, Frank A. Rodden, Wolfgang Grodd and Willibald Ruch
Brain (2003), 126, 2121-2138
Taking Laughter Seriously
John Morreall 1983
State of New York University Press
Compassionate Laughter
Patty Wooten 2002
Jest Press


Debate

Marilena Dreyfuss: O riso dos adolescentes pode ter uma base neurológica?

Prof. José Salomão Schwartzman: Eu gostaria de esclarecer como eu vejo o comportamento: não há comportamento na espécie humana que não tenha uma base biológica. Quando se fala em, por exemplo, histeria de conversão, essa conversão, em algum momento, tem uma interface biológica. O que causa o riso do adolescente que pode ser diferente de um indivíduo para outro. Pode se tratar de um riso do escárnio, de gozação, para obviamente mexer com as pessoas. Então, existe uma base? Óbvio que sim. No entanto, quando entramos no terreno do comportamento, no porquê o adolescente é do jeito que é, entramos no terreno da psicologia. Claro que no meio de tantos psicólogos, eu não vou ousar a discutir isso.

Profa. Ceres Araújo: Eu queria te fazer uma pergunta, uma curiosidade. Você que estuda tanto a diferença entre cérebros masculinos e cérebros femininos. Existe alguma diferença, algum estudo a respeito da risada, do riso em homens e mulheres?

Prof. José Salomão Schwartzman: Do riso não. O que sabemos se tratar de uma das diferenças fundamentais entre homens e mulheres, pelo menos se admite que seja, é que a mulher é muito mais sensível a pistas sociais do que o homem. O homem não lê bem a comunicação não verbal. Ele não percebe bem, enquanto a mulher é muito mais sensível. De forma que eu esperaria que a mulher risse muito mais que o homem frente a pistas sociais, por exemplo. Não conheço trabalhos que apontem para diferenças entre gêneros nesta forma de expressão.

Profa. Liliana Wahba: Eu tenho uma pergunta. Evidentemente há um exagero nessas técnicas, nesses modismos, mas existe a terapêutica da risada, as pessoas se encontram, dão grandes gargalhadas, e fazem isso intensamente e propositalmente. Pensando na estimulação cerebral, o fato de provocar o riso, assim, forçadamente como um exercício poderia ajudar a promover um humor correspondente?

Prof. José Salomão Schwartzman

Há muitos estudos que trazem algumas evidências laboratoriais mostrando que a risada pode modificar até a bioquímica da lágrima. Então se você der risada e fizer um exame das imunoglobulinas presentes nas lágrimas, elas se modificam. Quanto aos relatos da teoria da gargalhada, até o momento eles são evidências anedóticas. Anedótica significa que num estudo com determinado número de pessoas aquilo deu certo. O fato de dar certo não significa necessariamente que o ato de gargalhar foi responsável pelo resultado. Assim, se eu puder dispor de uma hora por semana para me reunir com amigos só para dar risada, acho que isso vai me fazer um bem enorme. Não sei se é a risada ou se é eu me permitir durante uma hora, encontrar amigos queridos para dar risada. Eu entendo que isso me faria um bem enorme. A diferença entre fazer bem e determinar o que foi que fez bem é o que a ciência tem a responder. Então nada contra essas coisas, por exemplo, a terapia do abraço. Ser abraçado carinhosamente por alguém não é maravilhoso? É. Agora, dizer que a teoria do abraço cura autismo? A distância é imensa. Se eu sou um profissional que tem que fazer medicina baseada em evidências, essas evidências, até hoje, não existem. Há inúmeras evidências mostrando que estados alterados da consciência mudam padrões de eletroencefalograma de forma objetiva. Há inúmeras evidências mostrando que determinados padrões do eletroencefalograma podem acompanhar relatos de experiências místicas. Indiscutivelmente o que nós estamos procurando agora são evidências mais claras. Por exemplo, existem estudos de indivíduos com câncer com os quais você trabalha com base em visualização, que têm, em boa parte dos casos, uma sobrevida maior e uma qualidade de vida melhor. Mas nós ainda estamos atrás de evidências. Provavelmente se eu estivesse nessa situação eu procuraria um grupo para fazer isso. Porém eu não me sinto autorizado a prescrever isso. Essa é a enorme distância entre aquilo que se fala, aquilo em que eu acredito, e aquilo que eu posso prescrever. Hoje é obrigatório que eu tenha evidências. As pessoas, às vezes, dizem: mas a medicina é muito reacionária e fechada ao novo. Alguns médicos realmente o são mas alguns são muito preocupados com as evidências. Eu não tenho direito de promover ou de propor um tratamento a respeito do qual não haja evidências muito claras. A medicina, no entanto, se abriu para esse tipo de experimentação e essa é uma grande mudança de paradigma. Hoje você encontra médicos que estão estudando estados alterados de consciência. Hoje existe o campo da neuroteologia que surgiu de algo que não tinha evidência. Um neurologista resolveu fazer um retiro num mosteiro e durante o retiro teve uma experiência mística profundamente envolvente. Quando ele saiu de lá, ele pensou: eu sou neurologista e senti algo que eu nunca tinha sentido antes. Tenho a obrigação de tentar explicar com o recurso que eu tenho disponível - a neurologia - porque eu senti isso. Ele está estudando esse fenômeno e fez achados muito interessantes. Ele está tentando descobrir a origem cerebral da experiência do encontro com Deus. Não está discutindo se Deus existe. Essa é uma outra discussão.

Quer ele exista ou não, o que preocupa os neuroteólogos é tentar esclarecer o que acontece com o cérebro quando este tipo de experiência ocorre. A experiência mística era considerada antigamente como não relacionada ao físico. Aquela velha dicotomia. Você faz, pensa, fala, anda e muitas coisas mais com algo dentro da cabeça mas muito do que ainda não pode ser explicado seria feito acima da cabeça!!! Não. É dentro da cabeça. Agora nós começamos a identificar os locais onde isso se dá. Então podemos esperar que vá surgir, provavelmente, uma possibilidade de estudar isso aqui. Nós já temos ferramentas, os instrumentos estão ai, basta que comecemos a pensar em responder essas perguntas.

Muito obrigado.

 

Prof. Durval Faria: Boa tarde a todos. Passamos agora para uma outra área da experiência humana, a religiosidade. E pelas palavras do doutor José Salomão entramos neste tema quase sem querer, e aí percebemos como as coisas estão conectadas. Jung já apontava isso quando ele mostrava que o instintivo e o simbólico estão interligados e representam pólos de uma realidade mais ampla. Olhemos então para o outro pólo, o da espiritualidade, da experiência religiosa. E neste sentido convidamos uma pessoa que tem se dedicado a essa reflexão. Temos o prazer de apresentar a vocês a Monja Coen, que é missionária da tradição Sotus Zen do budismo japonês, e membro do conselho parlamentar pela cultura de paz. Que ela seja bem vinda por todos nós.


Uma visão religiosa da alegria
Monja Coen

Primeiro gostaria de agradecer pelo convite e pela alegria em trazer a reflexão espiritual a este encontro. Recentemente fiquei muito feliz em saber dos avanços científicos quanto a Neuroteologia, pois o fato de haver neurônios que se manifestam nas preces e meditações, confirma os ensinamentos de Buda de que somos um só corpo, uma só mente. Não há dicotomia entre os nossos processos mentais, espirituais, e psicofísicos. Para nós budistas essa compreensão é essencial. Em nosso corpo-mente tudo se manifesta, a tudo está conectado, interligado.

Gostaria agora de pedir a vocês o que sempre peço quando inicio uma palestra: façamos um momento de meditação. Preferem se levantar por um instante? Podemos fazer a meditação em pé. Alongamos os braços para cima, e relaxamos ao os abaixar. Coordenamos esse movimento com a respiração. Ao inspirar levantamos os braços, olhamos para cima e sorrimos. Ao expirar, lentamente pelas narinas, abaixamos os braços. Deixemos a cabeça pender. Solta. O joelho não está tenso. Sinta um certo relaxamento. As mãos estão soltas. Vamos inspirar novamente levantando os braços. Olhe para o teto, sorria. Tome uma respiração mais longa e vá expirando lentamente. E se solte. Fique assim, sentindo que não há nada tenso. Onde houver tensão procure oxigenar, soltar, respirar. E, uma última vez, vamos inspirar, olhar para o céu e sorrir, e expiramos. Relaxamos. E agradecemos. Muito obrigado.

Quando faço a caminhada meditativa nos parques e praças públicas, caminhamos percebendo a coordenação da nossa respiração com o nosso andar. Caminhamos e respiramos em plena atenção, em contato com tudo que nos cerca, com o que está acontecendo no momento.

Assim permitimos que Buda se manifeste.

“Tudo o que existe é apenas a mente”

Buda quer dizer Ser iluminado. Quem acordou para a verdade, despertou. Há o Buda histórico, que viveu na Índia há dois mil e seiscentos anos e dá início do budismo. Era chamado Xaquiamuni Buda.
Eu trouxe um texto, que gosto muito, para compartilhar com vocês sobre seu último sermão.

Xaquiamuni Buda viveu oitenta anos. Teve uma experiência mística, como as experiências que agora estão sendo estudadas pelos neuroteologistas. Maravilha! Nós conseguimos perceber o que é estimulado na prática, no contato com o sagrado. A experiência da iluminação não se limita a uma religião nem a uma pessoa especial. É comum à nossa espécie.

Estive, há pouco tempo, assistindo a uma palestra de Leonardo Boff na qual ele dizia que os cientistas encontraram a parte do cérebro, o pedacinho que se conecta com Deus. É muito interessante que nós saibamos disso.

Xaquiamuni Buda, viveu na Índia há dois mil e seiscentos anos, e deixou um legado muito grande de trabalhos e informações sobre a mente humana. O seu foco principal era a mente. Como funciona, o que são os fenômenos mentais, o que é o ser humano, o que é vida, o que é morte?

Buda dizia em um de seus sermões: “tudo o que existe é apenas a mente”. A que mente se refere?

Será o cérebro? Será algo mais, que inclui o cérebro? É interconectada, interligada a tudo?

Quando comecei as minhas práticas estava morando em Londres e havia uma série sobre Jung na BBC. A vida de Jung, sua obra e seus trabalhos com mandalas. E, sendo leiga no assunto, percebi que o que Jung dizia tinha muito a ver com o processo de consciência onde o eu deixa de ser eu para ser nós.

Há um monge vietnamita, Thich Nhat Hanh que sugere a inserção de uma nova palavra nos dicionários: interser. Nós intersomos, não estamos separados. Estamos inter relacionados não só com os outros da nossa espécie, mas com tudo que existe, todas as formas de vida.

“Aprendam a estar contentes”

Quando Xaquiamuni Buda estava para morrer - parece que muitos de nós nos lembramos da verdade na hora em que vamos morrer, e procuramos deixar para as pessoas que amamos, os nossos alunos, os nossos seguidores, os nossos filhos, o que seria a essência da nossa vida, o que consideramos importante para deixar, o nosso legado - Buda estava lúcido, tinha oitenta anos de idade e os seus alunos se reuniram.

Em seu último discurso Buda disse: “aprendam a estar contentes”. O que é fundamental para uma vida iluminada e sábia? O contentamento. A alegria. A capacidade de satisfação. Descobrir a fonte inexaurível de satisfação presente mesmo nas dificuldades, nos problemas, nas dores, e sofrimentos.
Não é uma ausência de dor, de problemas, de sofrimento que nos faz contentes, satisfeitos. Quando nós acessamos a sabedoria suprema, quando percebemos que tudo que possa nos acontecer faz parte da mandala da nossa vida, da verdade e da existência, então para nós, esse despertar é a fonte do contentamento e da sabedoria. A sabedoria é que nos traz o verdadeiro contentamento. Não é uma felicidade passageira, não falamos da alegria momentânea, mas de um estado alegre, de satisfação e contentamento que emerge da própria sabedoria. Do contato com a verdade. A verdade que é em nós. Não uma verdade externa a nós. Podemos acessar em nós a fonte da verdade. Uma fonte de águas límpidas e cristalinas jorrando incessantemente. A procura, a intenção de alcançar essa fonte, purifica, pois somos banhados pelas águas em todo o percurso. Entretanto, só acessamos a fonte quando estivermos em pureza. Se houver qualquer macula, qualquer apego, qualquer intencionalidade, não atingiremos a fonte.

É um paradoxo porque preciso ter a intenção de atingir o estado iluminado, que vai me dar um contentamento ilimitado. Mas a intenção pode ser um obstáculo, pois cria expectativas, conceitos, fantasias.

Não é um estado desligado de nossa vida diária, de nossas emoções e sentimentos. Mesmo na tristeza quanto na alegria podemos perceber: que maravilha! Sou humana! Como humana posso ficar triste. Essa tristeza se torna a tristeza do mundo todo. Quando eu sorrio, o mundo todo sorri comigo. Não é assim?

Há uma jovem que pratica comigo, que se enamora e se desencanta com muita rapidez. Quando fica enamorada ela fica amorosa com todo universo, com tudo e todos e com tudo. Assim que interrompe o relacionamento amoroso ela não percebe mais a flor que no dia anterior cumprimentara sorrindo. É visível a dependência da “felicidade”, da “alegria” aos sentimentos amorosos correspondidos, às relações agradáveis.

Os ensinamentos de Buda, entretanto, nos levam além. É uma maneira de acessarmos o canal de compreensão maior onde a alegria e a tristeza são partes integrantes do mesmo ser. Por que preferir apenas a alegria? Se não houvesse nuvens haveria plantas? Não é possível um céu sempre claro.

Analogamente não quero ficar em um estado mental fixo. A nossa própria vida como ela é, é o caminho iluminado. É a entrega a este instante, a este momento. Somos como somos aqui e agora e isto é transitório. Podemos alcançar a satisfação quando percebemos que este momento é completo e perfeito como é e é breve, passageiro. É tão breve que na hora em que eu falo, já se foi. Por que queremos uma alegria, um contentamento eterno? A única alegria e contentamento que perdura é quando entramos em contato com a verdade.

Buda disse o seguinte: “Praticantes! Contentamento é a capacidade de estar satisfeito.”

(Este é um texto de dois mil e seiscentos anos atrás.)

“Se quiserem escapar do sofrimento devem manter a mente de alegria e satisfação. Estar satisfeita significa manter um estado mental feliz e pacífico, tranqüilo. A pessoa contente é feliz mesmo que tenha que dormir no chão duro. A insatisfeita mesmo que viva numa mansão celestial está infeliz.”
Muitos de vocês estudam Psicologia, têm contato direto com pacientes. Não é assim mesmo? Há pessoas alegres que não tem nada.

“Perdi meu marido, perdi meu filho, perdi minha casa, perdi meu emprego, e ainda dentro de mim há uma energia vital que me estimula. Em tudo encontro vontade de viver, alegria pela vida, uma curiosidade pelo novo”.

Há também o contrário, aquelas pessoas a quem nada falta e mesmo assim ficam descontentes.
Podemos apenas apontar o caminho e esperar pelo processo da descoberta de cada pessoa. Que descoberta é essa que nós todos temos que fazer nesta vida? Meu trabalho como monja, o seu trabalho como terapeutas, professores, é o de estimular as pessoas para que acessem a fonte da verdade e da vida, a fonte da nossa existência.

“A insatisfeita mesmo que viva numa mansão celestial permanece infeliz”.

Embora possa ser rica de coisas materiais, de ganhos, até mesmo possuindo a riqueza de conhecimentos intelectuais - acumular conhecimentos técnicos, científicos, especializados, mesmo os espirituais - a pessoa não é feliz. Conhecemos pessoas assim? Conhecemos. Inteligência maravilhosa, pesquisa incrível, mas descontente, insatisfeita. Não é a riqueza nem de conhecimento nem de coisas materiais que nos torna felizes, e aquela que aparentemente é pobre...

Lembro-me da historia de um rei que queria a camisa de uma pessoa feliz. Seus ministros procuraram por todo o reino. Já estavam perdendo a esperança quando o encontraram. Mas ele não tinha camisa. Não tinha nada. E era extremamente feliz. O rei queria pegar a felicidade. Ser contagiado pela felicidade de alguém.

Não somos assim às vezes?

Nós queremos nos contagiar de energias benéficas. Mas quando tentamos agarrar, não há nada a ser pego. Não há camisa.

“A pessoa contente sente compaixão pela descontente”.

Somos um só corpo e uma só vida

Isto é muito importante - a compaixão.

Compaixão é sentir com o outro. Ligada à empatia. Nós, como espécie, reconhecemos a dor nas outras pessoas se já tivermos passado por alguma experiência de dor. Se nos lembramos da nossa experiência de dor. Há também pessoas que, bloqueadas, não se identificam com as dores do mundo.
“Não é meu problema. Não tem nada a ver comigo. Posso ser muito feliz, muito contente mesmo que o mundo inteiro esteja em guerra. Mesmo que muitos estejam sendo torturados e mortos, oprimidos e injustiçados”.

Entretanto, a felicidade individual e pessoal depende do coletivo porque fazemos parte, não estamos separadas.

Participamos, sentimos toda a tristeza do mundo. E também as alegrias.
Muitas pessoas estressadas ou com síndrome do pânico vem até mim. O que está acontecendo? Por que são tantos? Há alguma coisa no ar, no mundo, no nosso inconsciente coletivo que precisa ser cuidado, trabalhado.

Fiquei muito magoada quando os nossos moradores de rua foram mortos aqui em São Paulo, no centro da cidade. Sabe por que? Eu me senti co-responsável. Na noite anterior, ou seja, na madrugada em que eles foram mortos eu havia parado o carro em um sinal luminoso, e pessoas pobres me pediram moedas. Eu estava cansada e sem abrir os vidros apenas pensei “que coisa desagradável essa gente pedindo o tempo todo”. Esse meu pensamento também contribuiu para os assassinatos. Por que não fui capaz de ter um pensamento iluminado e terno, inclusivo, de alguma solução ou alívio para quem vive nas ruas?

Um monge nos Estados Unidos comentou certa vez que reclamamos contra as armas nucleares, “mas as armas não foram feitas pelos políticos nem cientistas apenas. Nós as fizemos. A mente humana as criou e executou”. Nós, nossa mente criou causas e condições para que existam as armas nucleares, as guerras, as violências, os moradores de rua.

Pensamos estar separados do todo, das decisões internacionais, do meio ambiente, mas é impossível estar separado. Somos um só corpo e uma só vida. Perceber esta teia de inter-relacionamentos é importante.

De certa forma podemos dizer que só atingiremos a plenitude do contentamento quando o mundo todo puder estar contente. Ou seja, é praticamente impossível. Temos instantes de contentamento que se desfazem tão rapidamente quanto surgem. Os ensinamentos de Buda dizem que podemos acessar um estado de paz, de tranqüilidade, de satisfação plena, onde essas oscilações se extinguem, chamado Nirvana.

Buda disse: “São oito os aspectos da prática das grandes pessoas”. Dai Nin. Dai quer dizer grande. Nin pessoa. Pessoas grandes. Para amadurecermos como espécies Buda fala de oito aspectos e um deles é o contentamento, tema de nosso encontro de hoje.

Libertar-se da ganância, da fama, do lucro, do pensamento, da intenção de ganho faz parte do processo. Nós estamos sempre querendo ganhar, obter alguma coisa. Quando nos colocamos do lado oposto do ganho e do lucro, quando pensamos em como contribuir, acessamos a fonte do contentamento.

A palavra feliz vem de felice que se origina em fértil. Fértil no sentido de frutífero. Algumas de vocês aqui já amamentaram? Algumas já. Não é uma delicia? Que coisa maravilhosa amamentar um bebê. Dói, o bebê morde os seios algumas vezes, a acidez da saliva pode deixar o seio ferido e quando o bebê vem mamar dói muito. Mas é uma grande alegria amamentar - é manter uma vida, pequenina, frágil, dependente.

Então, a felicidade que nos induziram a pensar como única, de ter coisas, ter conhecimentos, ter roupas, ter relacionamentos não é verdadeira. A felicidade acontece quando nos doamos, quando o que fazemos dá frutos. Quando vocês têm um paciente e que ele tem uma melhora, vocês ficam felizes. Por que? Porque deu fruto, deu resultado. E nós ficamos amarrados na idéia de que encontrar a felicidade é receber.

O contentamento, a felicidade depende primeiro dessa não-intenção.
Nós precisamos progredir, melhorar, aprender mais. Mas isso não pode nos controlar, aprisionar. A liberdade é necessária. Onde é que nós encontramos a verdadeira liberdade de sermos em plenitude?
“Nós somos esse processo de transformação”

Há uma historia que gosto muito de um monge chamado Guensha Shibi, que viveu no século oitavo na China. Guensha era um pescador. Certo dia saiu para pescar com seu pai e o pai caiu nas águas e ele não o conseguiu salvar. Sozinho à noite, triste, sentou-se no barco e a tempestade, o maremoto se acalmou. Mar de almirante, onde a lua se refletia perfeita. Guensha refletia sobre sua vida.

Nós todos conhecemos momentos de reflexões mais profundas: o que estou fazendo com a minha vida, com essa temporária e breve existência? Como é que eu estou vivendo? Estou contente com meu trabalho, com meus relacionamentos, com a família, com a pesquisa? É suficiente? O que é essencial?

Guensha reflete e decide se tornar monge. Em pouco tempo se torna o abade. É um caso raro porque os mosteiros eram centros da intelectualidade. O antigo pescador se torna abade e recebe pessoas de toda China questionando sobre a essência do seu ensinamento, ao que responde: “Nas dez direções norte sul, leste oeste noroeste nordeste sudoeste sudeste para cima, e para baixo, tudo é apenas uma jóia arredondada sem dentro nem fora. E nós somos a vida dessa jóia em constante transformação. Não viemos para fora, não vamos para fora. Nós somos esse processo de transformação”.

Há um monge vietnamita, que já talvez vocês já tenham ouvido falar, Thich Nhat Hanh. Ele ensina o seguinte: “Sorria”. Como transformar o mundo? Sorrindo. Comece a sorrir. Treine sorrir. Um monge seu discípulo mora em Vermont nos Estados Unidos e esteve há um mês na Associação Palas Atenas. Assisti uma de suas palestras: ”Sorriam. Comecem a sorrir para quem estiver próximo de você. Sorria na rua. Isso modifica o mundo”. Uma senhora questionou: “Vivo numa cidade muito violenta, São Paulo. Como vou sair sorrindo para as pessoas? Ele respondeu: ”Experimente então fazer uma cara feia. Veja o que vai acontecer. Você está andando na rua, vem alguém olhando com cara feia para você, você olhe bem feio para ele”.

Que diferença poder olhar e sorrir, um sorriso verdadeiro. Você é capaz de sorrir assim. De onde vem esse sorriso profundo? Da compaixão. Do compartilhar da vida. Somos todos companheiros nesta existência.

Se estivermos num congestionamento de trânsito não estamos a sós, estamos compartilhando a vida de uma cidade grande. Uma vez um motorista de táxi me deu uma lição. Eu estava com pressa e dizia a ele que procurasse ruas com menos movimento, ao que ele me disse “que bom eu não ser egoísta, não quero a cidade só para mim”.

Gostamos de viver numa cidade grande, a qual compartilhamos com tantas pessoas? Sem dúvida é uma cidade com muito trânsito. Que riqueza! Se eu não gostar posso me mudar para uma cidade pequena. Ou posso usar o tempo no trânsito. Podemos também exigir melhorias nas vias de acesso, soluções que facilitem a vida de toda a comunidade.
“Cuidado, não desperdice esta vida”

Nós reclamamos da realidade como ela é. Nós não aceitamos este instante este momento. Nós nos esquecemos que foram nossas escolhas que nos fazem agora estarmos aqui. É possível estar contente mesmo no trânsito. Aprendi a levar livros, revistas interessantes no carro e até me alegro quando há trânsito ou o farol se fecha para que eu possa ler um trecho interessante. Cada momento é o momento de nossa vida, toda presente no aqui e no agora. Precisamos saber usar esse tempo maravilhoso ao invés de apenas reclamar.

Nós podemos escolher e utilizar o nosso tempo vida. Este tempo vida não é longo, é até bem curto. Nos mosteiros Zen, todas as noites, recita-se o seguinte: “Vida e morte são de suprema importância. Tempo rapidamente se esvai e oportunidade se perde. Cada um de nós deve esforçar-se por acordar, despertar. Cuidado, não desperdice esta vida”.

Zen não é para dormir, é para despertar! Para acordar até mesmo no sonho. Não é maravilhoso sonhar que acordamos? Sonhar o despertar e despertar de verdade. O que é a vida? Seria um sonho dentro de um sonho?

Somos agora humanos. Que alegria! Poderíamos ser outra forma de vida. Há tantas experiências únicas como humanos. Inclusive chorar. Que bom podermos sentir dor, até mesmo sofrer e nos comovermos com o sofrimento de outro ser vivo.

Tanto na saúde como na doença, no nascimento como na morte, na alegria e na tristeza, temos de alcançar o estado de sabedoria, a percepção da transitoriedade e da interconexão de tudo que existe.
A vida feliz, contente não significa a ausência de dor, de sofrimento, de doença. Minha superiora do mosteiro feminino no Japão recontava sempre a história de uma senhora que ao ser diagnosticada como paciente terminal foi capaz de despertar, de se transformar. Até então era uma pessoa difícil, reclamava de tudo e de todos. Em seu quarto sempre tocando a campainha e brava se houvesse qualquer demora. Mas, a partir do momento em que o médico disse ”A senhora tem pouco tempo de vida”, ela descobriu o contentamento de estar viva. Sua sobrevida foi feliz. Passou a agradecer o marido que a servia, se encantava com o tempo quer de frio, quer de calor. Cada instante se tornou precioso, cada pessoa sagrada.

Quando nos lembramos da brevidade da nossa existência, as pequenas coisas a que nos apegamos e que parecem nos tornar infelizes deixam de nos incomodar tanto.
Se soubéssemos ser hoje nosso último dia de vida, como o viveríamos? Estamos aqui vivendo nossos últimos instantes. Pode ser. Nenhum de nós sabe.

Há muitos anos em Los Angeles, Califórnia, participei de um encontro entre Zen e Psicologia. Nós nos sentávamos em pares, de frente a uma outra pessoa, indagando: quem é você? Quem é você? Nenhuma resposta podia ser aceita, até que chegássemos ao: não sei.
O nosso contentamento depende desta mente de não saber. O que nos atrapalha é ficarmos aprisionados ao pouco que sabemos. Nos apegamos àquilo que consideramos as únicas possibilidades e maneiras de compreender o mundo e tentamos convencer os outros, brigamos, discutimos, ficamos enfurecidos com quem discorda. Imaginemos a possibilidade de não discutir e sim de dialogar. Que delícia dialogar. Podemos ter pontos de vistas completamente opostos e não precisamos impor o nosso ponto de vista ao outro.

Acredito que a mudança do mundo depende de uma mudança de modelo mental. Nós somos treinados, e somos treinados desde o jardim da infância, na escola e em casa a nos comportar de uma certa forma.

Eu não sei quase nada sobre Psicologia. Mas acredito termos uma carga genética herdada que pode ser estimulada, motivada, treinada e transformada. Nós fomos criados numa sociedade numa comunidade que no momento poderíamos chamar de violenta. Temos de competir, brigar, temos que nos impor.

O contrário é uma cultura de não violência. Não uma cultura hierarquizada, patriarcal, mas sim uma cultura de relacionamentos circulares, com pessoas capazes de compartilhar ternamente a vida. Esta é a mudança necessária para uma comunidade menos violenta, agressiva. Mudança que precisa ocorrer em nosso modelo mental, na maneira de pensar e de ver o mundo.

Buda nos ensina que é sábio “quem controla seus próprios pensamentos”. Minha mãe, quando eu comecei a praticar o Budismo, me dizia assustada: “Que horror minha filha. Isso parece lavagem cerebral”. E eu respondia: “Tomara que sim, que seja possível lavar bem o cérebro de todos os aprendizados errados, que fique bem limpo, que haja cândida, muito sabão”.

A maioria de nós tem medo de perder a identidade. Que identidade é essa que não posso perder?

Somos múltiplos, não paramos nem por um só instante de nos transformar e ao mesmo tempo, o que é isso que eu quero segurar com toda força e tenho medo de perder?

Medo é o contrário de esperança. Houve até mesmo uma campanha política de sucesso baseada na esperança. O medo nos impede nos segura, nos trava. Digo para os meus alunos que sofrem com a síndrome do pânico, que deixem de ter medo do medo. É importante perceber o medo, identificar-se com o que está acontecendo. E aqueles que já passaram pelo medo podem perceber quando se aproxima a crise. É uma experiência de certa forma conhecida, embora cada uma seja única. Poder refletir:

“Está começando a sensação do pavor. Eu já a conheço, já passei por isso várias vezes. O medo está tomando todo meu ser. Em mim, neste momento, tudo que existe é medo, pavor.”

Observamos como está nossa respiração, batimento cardíaco, contrações musculares. Vivenciamos a experiência em nosso corpo-mente. Sem medo do medo.

E o momento passa e o medo se vai. Tudo que começa termina.

Mas o que geralmente fazemos? Ficamos agarrados. Não querendo que aconteça, torcendo para não acontecer. Colocando uma muralha e com isso, na verdade, convidando a sensação desagradável. Vamos nos fechando e nos tornando duras. Física e emocionalmente endurecidas. Esse não é o Caminho. Temos de amolecer, suavizar, o que pode ser bem difícil.

O processo é simultaneamente físico e mental. Corpo e mente. Quando fico estressada, sinto dor no pescoço.

Se o pescoço começa a doer me pergunto onde foi que deixei de relaxar, onde a emoção me endureceu. Meus problemas, minha pressa de querer ir de um lugar para o outro, de querer que as pessoas aprendam rapidamente. Às vezes eu fico aflita. Treino pessoas que querem se tornar monges, monjas, treino pessoas a meditar, a encontrar o seu eu verdadeiro.

Falo, ensino e quando não aprendem há um momento em que minha musculatura endurece.
Há uma história interessante de um monge nos Estados Unidos.Esta história é verídica e ele sempre nos pedia que não a contassem com a intenção de dizer que a meditação cura doenças. Foi o seguinte:

o monge foi ao médico, fez vários exames, e diagnosticaram câncer de estomago. Ele decidiu ficar a sós, se retirar de sua comunidade e penetrar a prática dos ensinamentos de Buda sozinho.

O trabalho de um monge, uma monja inclui a orientação de retiros. É quando mais trabalhamos, quando fazemos inclusive atendimentos individuais. Mas esse monge da história ficou a sós numa montanha. Analisou sua vida e pensou “Estou com câncer, é terminal, tenho pouco tempo de vida. Não sei de quanto será minha sobrevida”.

Ele procurava ser muito bondoso com seus alunos, muito paciente. Paciente. Sabe aquela paciência que corrói por dentro, mas que precisa aparentar grande compaixão, capacidade de compreender e aceitar? Pois ele voltou outro desse seu retiro. Ele voltou bravo. Se não faziam o que deveria ser feito gritava: façam direito!

Os alunos comentavam que o professor estava estressado. Mas foi assim que ele se curou e sua comunidade também ficou mais saudável e esperta. Os médicos não entenderam como a cura se realizara. E fora um processo bem simples. Ele se curou quando deixou de querer ser bonzinho. O caminho não é ser bonzinho. Ninguém deve ser bonzinho. É preciso ser bom, ser o próprio bem. A compaixão pode ser irada e por isso mesmo bondosa.

Temos de perceber todas as energias, as forças que são em nós. São significativas e importantes. Não devem ser mascaradas, escondidas. Quando participei do primeiro grande encontro inter-religioso aqui no Brasil, depois de voltar de meus estudos no Japão e Estados Unidos, o grupo me chamava de generala. Eu dava ordens e queria organizar. Eu tinha pressa de chegar aos lugares, ao ponto crucial, a transformação.

Talvez seja uma característica apreendida ou herdada e as práticas meditativas não são para transformar a pessoa numa outra pessoa. Mas para que nós conheçamos com intimidade e passemos a compreender a nós mesmos e nos aceitar com nossas limitações, com as nossas coisas boas, e as nossas coisas que talvez não sejam tão boas.

Precisamos atingir o nível da consciência que transcende a dualidade entre o bem e o mal, o certo e o errado, para encontrarmos a verdadeira felicidade e contentamento. Não devemos parar em estágios intermediários de consciência.

Cada um de nós é um ser iluminado

A proposta de encontramos Buda, o ser iluminado, não se limita a encontrar um personagem de dois mil e seiscentos anos atrás. Cada um de nós é um ser iluminado. E por que não estamos vivendo de acordo com o, ser iluminado que somos? O que está nos impedindo? O que nos impede de ver com plenitude cada instante da nossa existência com perdas e ganhos? Aqui se inicia nossa reflexão.
Libertar-se da ganância, raiva e ignorância. Encontrar a satisfação, contentamento, prazer, tranqüilidade. Em meio às preocupações mundanas. Nós estamos aqui nesta sala lotada. E podemos sentir prazer em ficar sozinhos. Podemos estar em grupo e estar só. Podemos estar a sós e com muitas pessoas em conosco, em nossa mente. Estão todos em nós, onde quer que possamos ir, todos irão conosco. Todos os pensamentos, idéias, julgamentos, percepções, memórias, sensações, emoções.

É possível encontrar prazer na tranqüilidade. Entretanto esperamos ser estimulados o tempo todo. Quase nunca assisto televisão. Quando isso acontece é fascinante, é uma novidade. Assisto a publicidade, os programas e acho tudo muito interessante!

Que propagandas estão passando na TV? Qual a intenção? Por que isso está acontecendo?

Percebo também como somos constantemente estimulados. Música alta, falar em voz alta, sons de talheres, pratos, anunciadores e anunciadoras com novos produtos, cartazes nas ruas, pessoas rindo, chorando, noticiário nacional e internacional baseado em cenas de violência. Estamos sendo super estimulados e a nossa cabeça fica rodando a mil, dez mil. Essa maravilhosa peça onde estão as memórias e os controles de quase todo o corpo. A mente sabe tudo o que está acontecendo em nosso corpo, mesmo a unha que cresce na ponta do dedo mínimo da mão esquerda. Que computador maravilhoso. Por que o sobrecarregamos?

Somos o que falamos, comemos, fazemos, pensamos. Nosso corpo está gordo ou magro de acordo coma constituição hereditária, as experiências de vida, os alimentos, a falta ou excesso de exercícios. Assim é a nossa mente.

Há vários planos, níveis mentais. Há o corpo, as sensações, percepções, a consciência. Há o que em budismo chamamos de alaiashiki. É um depositório para todas as experiências da vida. Não apenas da vida individual, mas como um todo, do processo vida. As explicações deste alaiashiki fazem lembrar o DNA.

Nós vemos, nós fazemos, nós sentimos. E essa experiência é guardada e armazenada. E lá também estão armazenadas todas as nossas emoções, todo leque de emoções humanas. Não só as que eu gosto, as que eu não gosto também estão lá. Dependendo do estímulo que recebemos, se manifesta, vem à tona.

O que acontece quando vem à tona uma emoção prejudicial, desagradável? Quero expulsá-la. Há grandes centros religiosos lotados que expulsam os males: xo-xo-xo.

Buda nos diz a não expulsar, excluir. Pelo contrário, nos ensina a dar colo, acolher.

Abrace a energia negativa. É sua. É nossa. Dê colo, não diga que é do outro, perceba quando dizemos que “Eu estava tão bem e ele acabou com a minha vida! Ele me fez ficar com raiva!”
A raiva é sua. Reconheça. Admita. Apenas é.

Nós seres humanos podemos ficar indignados. Mas nós podemos transformar essa raiva noutra coisa. Nós podemos acolher, reconhecer. É minha. Eu, ser humano, sinto o que sinto e isso é a vida humana.
Se alguma injustiça social, violência, guerra, se alguém me tratou com desrespeito e me deixou indignada, como é que transformo isso em compreensão? Muitas vezes estamos apenas recebendo a carga emocional de outra pessoa, que provoca emoção em nós.

Um caso interessante: fui dar uma palestra em um colégio e uma adolescente me procurou dizendo estar muito triste porque o pai dela falava mal da família da mãe. Ela gostava muito da família da mãe e não sabia o que fazer. Eu sugeri o seguinte:

“Fale com seu pai. Converse com ele. Se isso é uma novidade, se esse comportamento dele é recente, pergunte a ele o que está acontecendo com ele. Você é filha dele. Sua mãe falar não vai adiantar nada. É você. Pergunte ao seu pai se ele tem namorada. Pergunte. Pode ser. Por que se ele tiver interesse em outra mulher, tentará encontrar defeitos em sua mãe ou na família dela para ficar isento de culpa. Pergunte também se são problemas financeiros, ofereça ajuda.”

A jovem se foi, hesitando se falaria ou não com o pai. Dois meses depois voltei à mesma escola e a reencontrei. Ela me agradeceu emocionada. Falara com o pai e ele percebeu o que estava fazendo e melhorou. Foi capaz de mudar porque percebeu a si mesmo.

Se houver alguém em casa que se torne rancoroso, rabugento e todos apenas tacharem a pessoa de “insuportável” estaremos contribuindo para que realmente se torne insuportável, estaremos isolando a pessoa de nosso convívio.

Precisamos sempre nos lembrar: o outro sou eu. Sente o que sinto e pode estar dando um grito de socorro de forma velada.

Eu tenho que o acolher da mesma forma como eu acolho a mim mesma.

Nós intersomos, não estamos separados

Há um monge vietnamita, Thich Naht Hahn, que cuidou muito das vítimas da guerra. Ele tem uma analogia belíssima que reproduzo aqui para vocês.

Olhem para esta folha branca de papel. Vocês estão vendo uma nuvem aqui? Há uma nuvem. Há também o céu. Olhe bem, lá está a arvore grande, seu tronco forte, passarinhos, formigas, cupins.
Aproxima-se um lenhador trazendo um machado. Minério de ferro. O lenhador traz também um sanduíche no bolso. O campo de trigo.

A folha de papel é feita de elementos não papel. O eu é feito de elementos não eu. Tudo que eu digo que não sou eu é o que me faz, o que torna possível minha existência. Intersomos.

Estamos todos em uma teia de inter-relacionamentos onde nada está fora.



A seguinte história está nos anais da tradição budista:

Na Índia antiga, um monge se aproximou de seu mestre e pediu:

“Por favor, pacifique minha mente.”

O mestre olhou profundamente para ele e respondeu:

“Traga-me aqui sua mente e a pacificarei.”

O monge pensou, refletiu, meditou e finalmente disse ao mestre:

“Senhor, eu não consigo pegá-la.”

“Então está pacificada.”, respondeu o mestre e o monge compreendeu.


Nós não podemos pegar a mente humana. Nós nem sabemos o que é a mente. Estamos descobrindo a neuro plasticidade, neuro teologia, neuro fisiologia. Entretanto estamos sempre examinando como se fosse um objeto exterior a nós. O fascinante é que podemos observar a mente com a própria mente. Isto é a verdadeira meditação.

Algumas pessoas acham que meditar é não pensar em nada, fazer a mente como uma folha branca de papel. Entretanto, se quisermos tornar nossa mente branca corremos o risco de confundir a idéia da folha branca com a realidade da mente incessante e luminosa. Não é para pensarmos uma folha branca, mas para nos tornarmos abertos a tudo que se manifeste na mente.

Esta capacidade de percepção profunda da mente pela própria mente e da transitoriedade dos pensamentos, emoções, memória, percepções, conexões mentais, vários planos de consciência, nos liberta do sofrimento e da dor. Surge a verdadeira alegria. É um contentamento profundo.
Algumas vezes começamos trabalhando de fora para dentro. Procurando a alegria, re-aprendendo a sorrir. O monge Thich Naht Hahn sugere que comecemos sorrindo para o céu, para a terra, para as pessoas na rua, para nós mesmos.

Minha superiora no Japão sempre insistia nesse ponto.

“Uma face harmoniosa, cria harmonia”.

Fazemos caras feias, fechadas, críticas. Quando estava no mosteiro, eu havia visto um filme, lido sobre a vida monástica e tinha criado imagens mentais de como deveria ser. A realidade era diferente e me tornei muito crítica. Fechava a cara e era muito solitária. Mas eu não percebia minha própria face. Os ensinamentos de Buda são para que nos vejamos a nós mesmas.

Vou contar a vocês um pouco da história de Buda. Ele era um príncipe, em um castelo, cercado de servos, alimentos, divertimento, amor, mulher, filho. Em certo momento começa a se questionar sobre a vida fora dos muros do castelo. Sai escondido e encontra a velhice, a doença e a morte. Vê também um monge passando e decide procurar uma maneira de amenizar o sofrimento do mundo.

Pratica Yoga por alguns anos. Depois se une a um grupo de ascetas. Mais tarde se afasta de ambos e afirma que o caminho não é nem de satisfazer todas as vontades nem de restringir. É o Caminho do Meio.

Senta-se sob uma árvore, em meditação, para compreender a mente, a vida, a morte. Durante sete dias e sete noites, até que, na manhã do oitavo dia, atinge a iluminação, o estágio de transcendência.
“Eu e todos os seres da grande terra simultaneamente nos tornamos o Caminho.”

Havia atravessado a noite escura, analogia comum a experiência mística de várias tradições espirituais.

A transcendência na imanência. Este é um aspecto importante, pois é neste corpo, é nesta mente, é nesta vida que a experiência do encontro acontece. Não é fora. Não há fora.
Penetrar nesse plano mais profundo, nesse encontro do eu com o eu, pode causar uma emoção imensa. Há quem chore de alegria.

Todos conhecemos a alegria profunda que nos comove. Lágrimas de bem estar, de penetrar o mais íntimo da nossa própria intimidade, de compreender a tapeçaria da nossa vida. Tapeçaria na qual muitas vezes parece não formar nenhum desenho e não fazer sentido. Quando compreendemos tudo se transforma. E todos temos a mesma capacidade de compreensão da verdade. Independe de nível intelectual, de inteligência, estudos. Todos podemos nos tornar Buda, o Ser Iluminado, aquele que desperta.

Havia um mestre no Japão que dizia em suas palestras: todos irão se tornar seres iluminados? Não. Vocês já o são. Todos são seres iluminados. Comecem a viver de acordo com seres iluminados que vocês são. Ou seja, apreciem esta experiência humana.

Só podemos vivenciar o que está acontecendo neste exato momento e não é necessário comparar com o que queríamos que fosse. Qual é a régua, qual é a medida que pode ser usada para calcular se a vida é boa ou não? Melhor ou pior em relação a que?

Alegria suprema

Quando estamos na realidade deste instante, quando nos tornamos a realidade deste instante, a transformação ocorre. A maior alegria que podemos alcançar é este estado iluminado de corpo e mente.

“Desde que o corpo influencie a mente e a mente influencia o corpo, a alegria que sentimos ao receber a predição de iluminação permeia o mundo e as quatro direções do universo. É a alegria suprema.”
Isso é um texto de 1200, século XIII, e como é contemporâneo.

A certeza dessa alegria suprema está presente tanto quando dormindo ou acordados, parados ou andando, iluminados ou não iluminados, é a verdadeira alegria. Pode ser encontrada por qualquer pessoa, mas por ser tão pura transcende as categorias comuns do pensamento. É pura e serena, e assim é transmitida de geração a geração. Através da iluminação as pessoas experimentam a verdadeira felicidade.

Buda, no Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa, faz a predição a seus discípulos e discípulas de que estes se tornarão Buda se sentirem alegria ao ouvir mesmo que seja um só verso dos ensinamentos. As pessoas que sentem alegria em compreender mesmo que seja um trecho da verdade, tornar-se-ão pessoas completas e verdadeiras.

Buda ensinou aos praticantes que a vida no presente é nascimento, velhice e morte. Aqui está o nascimento, a velhice a morte tudo em cada instante, em cada inspiração, em cada expiração. O ensinamento principal é baseado naquilo que nós chamamos de não criado. Nada se cria, nada se destrói.

Entender o não criado e o não extinto é a forma verdadeira que transcende a discriminação. Nesse estágio não há nem mesmo a idéia de receber a predição nem a idéia da iluminação.

Se ainda houver a idéia de iluminação, ainda não é o estado iluminado.

Perguntaram a Buda (Sutra do Diamante):

“O ser iluminado, tem noção de que é iluminado?”

E Buda respondeu:

“Não, porque se ele tiver noção de ser iluminado, não terá alcançado a Iluminação Verdadeira.”
Quando alguém que se considera iluminado se separa dos outros seres. Se tiver a noção de separação, não é iluminado.

Cada um que se transforma, pode ser o elemento de transformação do todo
A iluminação inclui compaixão e sabedoria. A percepção de que estamos todos numa imensa rede. Essa é a percepção de Buda, o jovem peregrino, que abandona tudo, se torna um iogue, um asceta, entra em meditação e durante essa semana surgem inúmeros pensamentos. Inicia assim sua compreensão da mente humana, ao compreender sua própria mente.

“Estudar o caminho de Buda é estudar a Si mesmo”.

“Estudar a Si mesmo é esquecer-se de si mesmo”.

“Esquecer-se de si mesmo é ser iluminado por tudo que existe”.

“É transcender corpo e mente seu e dos outros”.

“Nenhum traço de iluminação permanece e essa iluminação é colocada à disposição de todos os seres.” (Mestre Eihei Dôguen, fundador da tradição Soto Zen no Japão, 1200-1253)
Buda ao se sentar em zazen (meditação) questiona a si mesmo: meu pai, meu reino, minha esposa, meu filho - o que eu deveria estar fazendo? Como estarão? Por que estou sentado aqui? Para que serve isso?

Entretanto decide que não se levantará até encontrar a resposta a seus questionamentos profundos. Uma nova prova se apresenta ao praticante: as tentações dos sentidos, da sexualidade, através de mulheres lindas e sensuais. Ele não se move. Depois de várias tentativas de demovê-lo de seu propósito, o próprio rei dos demônios procura tirá-lo do caminho, sem sucesso. Na manha do oitavo dia ao ver a estrela da manha, Buda exclama:

“Eu e todos os seres da grande terra simultaneamente nos tornamos o caminho.”Essa percepção, essa compreensão, essa iluminação, esse estado de consciência é a verdadeira alegria e contentamento.
O “eu” de Xaquiamuni Buda é todos os seres na grande terra.

Essa experiência nos torna mais felizes, capazes de compartilhar a vida.

Quem recebe a predição de se tornar Buda? Todos os seres recebem juntos porque cada um é parte do todo. Se um recebe todos recebem.

Mahatma Gandhi disse:

“Cada pessoa que dá um passo em direção a paz, toda a humanidade caminha um passo em direção a paz”.

Por estarmos todos interconectados, somos todos co responsáveis. Precisamos encontrar o verdadeiro contentamento, a verdadeira alegria, não só para o bem estar pessoal, mas pelo coletivo. Cada um que se transforma, pode ser o elemento de transformação do todo.
Precisamos entrar para o mundo que nós budistas chamamos de Terra Pura, similar ao Paraíso, e que não alcançamos apenas depois da morte. A Terra Pura se manifesta aqui para aqueles que são capazes de perceber que cada momento da vida é sagrado e precioso. Não há nada a ser evitado, nada a ser descartado, não há fora nem dentro.
Neste incessante movimento é nosso dever transformar energia, criando situações benéficas. Transformamos, transmutamos energia prejudicial em energia benéfica. E assim encontramos a felicidade individual e coletiva. Que todos possam ser verdadeiramente felizes e encontrar a fonte mais íntima do contentamento iluminado. Muito obrigada.

Debate

Profa. Liliana Wahba: Acho que em cada coração tem o mesmo desejo de poder prolongar este momento e estar numa jornada em algum lugar, dormir, acordar, e continuar conversando e ouvindo e compartilhando. Muito obrigada. Nós tivemos um modelo vivo de comunicação inteira, com toda essa generosidade com que você nos brindou. Perguntas? Talvez haja curiosidade ou comentários.

Profa. Denise Ramos: Obrigada Monja. Pela nossa quietude, você pode sentir quanto nós estávamos presentes e compartilhando o seu pensamento. Muito obrigada. Eu tenho tantas perguntas, fui tão estimulada que a minha mente está agitada em vez de estar calma. Você falou como os instintos e como o corpo influencia a mente. Um dos filmes que mais me impressionou a esse respeito foi Samsara que trata da questão da sexualidade versus espiritualidade. Eu percebo no budismo, no catolicismo, em outras religiões, o celibato, a abstinência sexual, ou a abstinência de certos prazeres que são dados pelo corpo como um caminho para a iluminação. Isso certamente é um grande conflito para nós que temos um corpo. Principalmente o budismo que fala que a iluminação tem que ser feita no corpo. Se você pudesse falar um pouco sobre essa questão que aflige a tantos.

Monja Coen: O Samsara é muito específico do budismo tibetano. Inclusive eu vi o filme como uma crítica ao celibato e a castidade. No momento em que o monge sai do mosteiro e se casa, parece que perde toda a sabedoria. Questiono essa ótica do autor do roteiro. Como que de repente se esvaiu tudo que o monge aprendera desde criança? Passara por um retiro difícil, tão longo. Deve ter penetrado estados profundos de consciência, de percepção da mente. Depois do casamento fica meio tolo e a mulher dele se torna toda sábia, inclusive sobre a educação dos filhos. Pareceu-me forçado e apenas o aspecto crítico sobre o celibato e a castidade foi ressaltado. No budismo japonês ao qual estou ligada os monges podem se casar. Para as monjas isso só foi permitido depois da segunda guerra mundial. Meu mestre, em suas palestras dizia: a pureza não é a castidade. Porque senão a humanidade não existiria. Então nosso ponto de vista é diferente do budismo tibetano. Na minha experiência de vida pessoal, eu me casei e me separei algumas vezes. Agora estou vivendo com muita alegria, por opção pessoal, o celibato e a castidade. É importante citar os dois. Alguns monges se dizem celibatários e mantém relações sexuais. Alguns são castos, embora casados. Mahatma Gandhi diversas vezes tentou a castidade, mas não resistia ás necessidades sexuais. O meu caso é diferente.

Não estou tentando provar nada. É o que está acontecendo. E eu não estou sublimando, eu não estou sentindo nenhuma necessidade sexual nem de relacionamentos sexuais. Porque talvez a minha atividade no momento me complete de tal forma que eu me sinto completa. Eu não sinto que falte nada. Eu estive com monjas católicas, com freiras católicas em Salvador, durante o Conselho das Religiosas do Brasil da regional Salvador e Sergipe. E eu encontrei uma grande afinidade com elas que enfatizavam a vocação e a consagração. Eu consagro o meu corpo. Utilizo minha energia para um propósito que para mim é superior ao de temporariamente satisfazer as minhas necessidades físico-psíquicas. Eu não nego que elas existam. Eu não pretendo que elas não existem. Percebo a mim mesma.

Havia um jovem nos Estados Unidos, que já se casara inúmeras vezes, e um dia foi ao supermercado e viu a moça da caixa e se apaixonou imediatamente. Aquela era a mulher de sua vida, queria se casar com ela. Então se lembrou que já se casara muitas vezes, montara várias casas e havia recentemente acabado de se unir a uma mulher por quem se apaixonara da mesma forma que agora sentia por esta. Refletindo sobre seus sentimentos ele foi embora, sem dizer nada. É assim que eu entendo a castidade. Uma opção de cada instante. Eu não sei como seria manter o voto sem nunca ter tido nenhuma experiência sexual. Mas eu acredito que é possível, que alguns possam verdadeiramente fazer esse compromisso. Outros não conseguem. Por isso, no budismo japonês o voto é pessoal e não exigido pela comunidade. Não há obrigatoriedade.

O filme Samsara é sobre monges tibetanos que assumem o compromisso da não sexualidade. Não entendo muito bem sobre o budismo tibetano. Na minha tradição esse voto não existe. Meu mestre costuma dizer que a castidade é uma exigência antinatural e por isso pode não ser benéfico. Ao mesmo tempo podemos refletir com Buda:

“Todos vão nesta direção. Faço com que vocês pensem e ajam de outra forma.”

Profa. Marion Gallbach: Muito obrigada. O budismo fala muito em compaixão. Você, também, falou muito em compaixão. Eu me pergunto se existe ai uma diferença da palavra, do conceito, do símbolo, da vivência, da experiência: amor. Quando você fala em compaixão, você está falando no amor ou existe uma diferença?

Monja Coen: Bom, aí nós já entramos em outro campo de estudos. Qual a origem da palavra e de onde ela surge. O que é amor? Por exemplo, no Japão não se fala muito sobre amar. Na verdade se refere a relacionamentos entre casais, namorados. No budismo usamos compaixão como termo principal.

Profa. Marion Gallbach: É que no cristianismo se usa a palavra amor.

Monja Coen: Sim. O amor incondicional neste sentido. O que nós chamamos de amor? O que nós chamamos de compaixão? A capacidade de sentir o outro como eu mesmo. Por isso sei da dor e da alegria, eu compartilho da sua alegria, e compartilho da sua dor. Por me identificar procuro meios possíveis para amenizar a dor e o sofrimento do mundo. Se isso também é amor, estamos falando da mesma coisa.

Platéia: Eu queria saber do que você pensa do riso, do sorriso sereno de Jesus Cristo, por exemplo. A serenidade da felicidade. Eu queria que você falasse um pouco sobre isso.

Monja Coen: Você fala da serenidade de Jesus Cristo. Será a mesma de Buda? Será o Nirvana, o estado de paz e tranqüilidade supremas alcançado através da Iluminação? O encontro com a verdade, com o caminho, com a vida?

Todas as imagens de Budas são representadas, quer de pé, quer sentado, com um leve sorriso.
Também não podemos nos esquecer de Jesus na cruz, sofrendo, sem sorrir - a imagem mais comum na maioria das igrejas.

Mas mesmo na maior dor ainda pode se voltar ao sagrado e penetrar o plano da tranqüilidade, da sabedoria suprema, da compreensão maior. A grande compaixão que inclusive pede por aqueles que o atormentavam “perdoai-os, pois não sabem o que fazem.”

Quando compreendemos a nós e aos outros, entramos noutro plano de consciência. Quando não compreendemos, quando estamos em dualidade entramos no plano do sofrimento e da dor.
Quando adentramos o Caminho, sabemos que a dor é passageira, e que toda essa existência é passageira. Desaparece o apego ao mundano, ao transitório. Este desapego ao transitório tranqüiliza.
Falando então sobre a sexualidade, conforme alguém perguntou, a sensualidade também nos prende ao transitório. Às vezes cria um relacionamento emocional de dependência da resposta do parceiro sexual. A alegria, a felicidade, passa a depender dessa resposta, desse estímulo.

Quando a pessoa se liberta, a independe ate dessa resposta, desse estímulo. Pode penetrar estados de satisfação plena que independem da satisfação dos estímulos sexuais. É o desapegar-se. Mas temos de nos desapegar até mesmo do desapego. Isso é difícil. Há muita confusão. Algumas pessoas confundem o estar desapegado com manter relações sexuais com vários parceiros, como se esse fosse o ensinamento de Buda. Quem assim o faz é um falso Buda.

Budismo é ético. Baseado na ética da vida, no propósito de jamais causar sofrimento. Os relacionamentos sexuais, quando não são corretamente compreendidos, podem ou se tornar libertinos, invés de libertos, ou aprisionados como na questão da posse que o filme Samsara retrata.
Porque o ex-monge se perturba? Ele se perturba quando uma segunda mulher vem provocá-lo.
Vejam como o filme retrata a sexualidade. É discriminatório. Vejam bem, o homem-monge teve fantasias sexuais quando estava só, mas quando encontra uma jovem ele se torna passivo e cabe a jovem mulher de invadir o seu quarto e o instigar ao sexo. Depois do casamento feliz, etc, aparece uma segunda mulher. Cabe novamente a esta mulher o papel de sedutora e provocadora. Ele é levado ao sexo pelas mulheres. Será isso verdadeiro? São as mulheres que induzem os homens à sexualidade? Ou será que é mútuo?

Nós no Japão fizemos um curso sobre discriminação de gênero. Era só para monges. E a professora perguntou aos jovens monges: “Vocês já viram filmes pornográficos? Tenho certeza que sim. Por acaso notaram que esses filmes foram feitos por homens sem a menor noção da sexualidade feminina? São absurdos, são loucuras. E como é que os meninos, os homens no Japão são educados sexualmente? Por revistas pornográficas e filmes pornográficos. Vocês não sabem o que é a sexualidade feminina. Seria necessário que mulheres fizessem filmes sobre sexo para os homens entendessem”.

No Japão a sexualidade é hoje discutida com os monges, pois a maioria se casa. Há também os que são celibatos e mantêm relações sexuais. Há os que são castos e não mantêm relação sexual de forma alguma. Cada um de nós pode passar por fases diferentes durante a vida.
Quando há a entrega total à vida monástica, muitas vezes nem pensamos sobre sexo. Há tanto o que fazer no mosteiro, tanto a aprender.

No filme Samsara o jovem decide retornar ao mosteiro depois de sua experiência casado, pai, amante.
Ele se desapegara da vida monástica e se apegara aos relacionamentos mundanos. Mais tarde se desapega do mundano e retorna ao sagrado. Mas o sagrado estava sempre presente em tudo. Isso o filme não foi capaz de mostrar. Havia uma crítica a Buda também, que abandonara esposa e filho e saíra à procura do Caminho. O que o filme não nos conta é que a esposa e o filho de Buda, mais tarde se tornam seus seguidores e o acompanham na jornada espiritual.

Desapegaram-se do castelo e se apegaram aos ensinamentos de Buda. Estamos sempre nos apegando e desapegando, nos prendendo e nos libertando.

É importante saber ao que estamos presos. Seja o que for temos de nos lembrar que talvez nem mesmo a eternidade seja eterna. Estamos num fluxo constante de transformação e não podemos fazer de nossas escolhas pretexto para separações, exclusões, brigas, violências, terrorismo, guerras.
O que neste momento nos parece o mais verdadeiro, o mais concreto, pode mudar. Nós podemos mudar. O mundo está mudando. Assim temos de manter a mente do não sei, a mente flexível, capaz de ir além, capaz de abrir mão pelo bem maior.

Quando as mãos estão abertas tudo, todo universo cabe nelas.

Quando seguro alguma coisa, eu me limito.

Assim vivemos nós. Nos apegando e nos libertando.

Agradeço profundamente por me terem recebido aqui hoje e terem tido a paciência de me ouvir por tanto tempo.

Que todos possam aumentar a capacidade de gerar energia benéfica para o bem de todos os seres.

Muito obrigada.

Mãos em prece.

Prof. Alberto Lima: Boa tarde. A tarefa que foi reservada para mim, além de muito honrosa, é muito fácil. Eu preciso anfitrionar a anfitriã. Quero apresentar a vocês uma pessoa que, além de querida, é muito especial. Ela é membro analista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica aqui na PUC de São Paulo. Dentro desse setor, ela encabeça a equipe docente do Núcleo de Estudos Junguianos, que ela lutou muito para fundar e que hoje existe com consistência. Seus representantes estão aqui; organizaram esse simpósio desse jeito tão simpático, sob a orientação dela. O Brasil tem uma dívida de gratidão para com essa pessoa em razão de ela zelar pelo pensamento junguiano e pelo ensino da psicologia analítica. A criação do Núcleo de Estudos Junguianos, em quase sua totalidade, se deve a ela. Essa luta de muitos anos faz dela, também, uma espécie de embaixatriz do pensamento e do trabalho junguiano no Brasil junto a outros países do mundo. Somos gratos a ela. Assim, não é só honrosa, como gratificante a tarefa de apresentá-la – com muita alegria, prata da casa, para falar de "Bom Humor e Saúde", Professora Doutora Denise Gimenez Ramos.

Bom humor e saúde
Profa. Dra. Denise Gimenez Ramos

Está um pouco difícil depois de tantos elogios. Muito obrigada. Eu estou muito feliz realmente de estar aqui, e tenho uma dívida de gratidão com uma pessoa muito especial, a doutora Mathilde Neder que é exemplo de bom humor. Graças a ela existe o Núcleo de Estudos Junguianos na PUC-SP. Sem Mathilde Neder, ele não existiria. Eu queria, também, agradecer a presença do ator Nichollas Wahba que veio fazer uma brincadeira conosco, mostrando o que é o bom humor.

É uma grande responsabilidade falar depois de duas palestras tão interessantes. Foi muito difícil decidir com qual palestra nós poderíamos encerrar esse evento. Não há uma ordem, tanto faz por onde se começa, ou por onde se acaba; tudo é um grande círculo. Eu espero que no debate final, nós consigamos unir e sintetizar essas três visões sobre a alegria: os aspectos neurológicos, religiosos e psicológicos da alegria.

“As faces da alegria” é um tema pouco estudado na psicologia. É raríssimo você encontrar um livro sobre psicologia e alegria. Eu recomendo o livro “Joy, Inspiration, and Hope” de Verena Kast que ainda não está traduzido para o português. Foi com ela que eu comecei aprender alguma coisa sobre alegria, e me surpreendeu uma analista falar sobre esse assunto tão pouco estudado. Como disse o professor Salomão, todo mundo estuda as patologias mas o comportamento normal ainda tem sido pouco estudado. Nós, que trabalhamos com psicossomática, sabemos muito bem o que é estresse, o que é depressão, e a influência desses fatores nas patologias orgânicas em geral. Contudo, nós falamos muito pouco sobre a influência da alegria na nossa saúde em geral, tanto orgânica quanto mental. Se é possível dissociar a saúde mental da saúde orgânica. Eu acho que é uma coisa só.

Eu também pratiquei meditação por muitos anos, então eu estava muito confortável com a Monja Coen e foi um prazer tê-la aqui. A partir dos anos 70, eu participei de grupos de meditação, primeiro budismo japonês, depois budismo tibetano, eu e meus colegas pudemos perceber o quanto as neuroses atrapalham a meditação. O quanto as neuroses realmente impedem o desenvolvimento espiritual. Assim, a psicologia é certamente um dos caminhos que leva ao espiritual. Muitas pessoas não conseguem e se perdem no caminho espiritual. Isso motivou minha pergunta para a Monja sobre o filme Samsara que eu recomendo: de que maneira a neurose impede o desenvolvimento espiritual de chegar ao sentimento de compaixão, à liberdade do ser na sua completude. Eu entendo que é quase impossível existir liberdade de ser quando uma neurose ou quando um complexo interfere todo o tempo, fazendo com que comportamentos patológicos se repitam eternamente. Muito difícil nós nos desvincularmos desses padrões aprendidos, repetidamente impressos na nossa psique, nos nossos neurônios, sem um processo psicoterápico. Então eu entendo que o processo espiritual passa pelo corpo, e passa também pela psicologia. Primeiro, eu vou apresentar alguns estudos, os poucos que eu achei sobre a questão do bom humor, sobre o efeito do bom humor na saúde. Algumas descobertas estão sendo feitas. Foi elaborada, inclusive, uma escala para mensurar o bom humor. A maioria das pesquisas sobre bom humor e saúde está nos jornais científicos de enfermagem. É raríssimo você encontrar pesquisas sobre esse tema em jornais científicos de medicina ou de psicologia. Parece que é a enfermagem que está reconhecendo o valor do bom humor na cura dos pacientes. Ela está, na verdade, mais adiantada do que nós a esse respeito. Eu fiz uma ligeira amostra para vocês dos achados mais recentes sobre a relação entre bom humor e saúde, eficiência no trabalho, longevidade etc. Depois disso, eu vou definir o que é bom humor.

Até esse momento, a Monja Coen falou de alegria e felicidade, o professor José Salomão falou dos aspectos do riso. Eu acredito que o meu enfoque nessa palestra vai complementar as outras duas. Eu vou enfocar o que é o bom humor. Bom humor não é dar risada. Bom humor é um constructo de natureza multidimensional relacionado com qualidade de vida, e co-relacionado com certos traços de personalidade como nós veremos. Ele tem, de acordo com as pesquisas disponíveis, tem uma correlação negativa com o neuroticismo: quanto mais neurótico, mais mau humor. Guarda, também, correlação negativa com pessimismo, evitamento de conflitos, auto-estima negativa e ordem. Isso é interessante: o bom humor tem uma correlação negativa com ordem.

Resignação, agressão, depressão, ansiedade de morte, seriedade, percepção de dificuldade diária são fatores que concorrem para que se instale o mau humor. As pessoas excessivamente sérias serão o enfoque da minha palestra. Eu fui educada em escola católica e sempre aprendi a importância de ser séria na vida. Hoje, eu estou vendo como faz mal ser excessivamente séria. Claro que eu não estou falando de ética. Eu estou falando de um comportamento ético, mas não sério. Na verdade, trata-se da capacidade de brincar e de dar risada da seriedade excessiva.

As pessoas mal humoradas também têm auto-estima mais negativa do que pessoas bem humoradas. Bom humor tem uma correlação positiva com extroversão. Na verdade não são pessoas mais extrovertidas, mas que as se comunicam mais. Não estão fechadas, não estão ensimesmadas. Procuram emoções positivas. São pessoas que têm uma atividade produtiva, são mais assertivas no sentido de que elas falam mais o que estão pensando. Têm uma capacidade maior de agregação. O bom humor reúne pessoas. Pessoas que têm bom humor juntam pessoas. Elas estão sempre agregando, juntando. Existe também uma correlação positiva com dominância. A pessoa bem humorada apresenta um fator de dominância; ela predomina num ambiente. Quer dizer, líderes bem humorados têm mais domínio sobre o seu grupo do que líderes mal humorados. Nós estamos trabalhando a questão da liderança e do bom humor em empresas. As pessoas bem humoradas são mais calorosas. Têm uma religiosidade intrínseca: um respeito pela natureza, um respeito pelo mundo espiritual. O bom humor leva à alegria.

Saúde psicológica e senso de humor

Como eu disse anteriormente, existe uma escala chamada de humor multidimensional, que está sendo muito utilizada nesse momento. Notas altas nessa escala são relacionadas positivamente com uma série de fatores associados com saúde psicológica tais como: otimismo e auto-estima, e negativamente com o estresse psicológico tal como depressão. As pessoas mais deprimidas são pessoas mais mal humoradas ou o mau humor leva a depressão. Os efeitos do humor na saúde também têm sido investigados. Na Austrália, numa amostra de 504 indivíduos, a hipótese de que o humor está significativamente associado com a saúde foi testada e confirmada. As pessoas bem humoradas têm mais saúde. Indivíduos com mais senso de humor têm níveis de saúde significativamente maiores do que aqueles com menos humor. Esta é uma asserção meio controversa, mas as pesquisas estão indo nessa direção.


Longevidade

Inúmeros trabalhos têm sido realizados, nos últimos anos, mostrando que indivíduos idosos bem humorados são capazes de se adaptar melhor aos problemas críticos da idade como: perda dos amigos, doenças, e perda de certas habilidades que para alguns são catastróficas. Eles reagem também com maior serenidade e compreensão do que aqueles sem bom humor. Entre as formas ou estilos de lidar com as dificuldades da vida, o humor é o mecanismo de adaptação de maior sucesso. Então, idosos com bom humor têm uma qualidade de vida muito superior aos que não têm bom humor.


Eficiência no trabalho.

Pesquisa realizada com executivas demonstra que o bom humor, otimismo e perfeccionimo afetam a qualidade do trabalho. As executivas que alcançaram maiores pontuações, que apresentaram alto grau de bom humor, sabiam lidar com as dificuldades diárias com menos estresse, sem sofrer o efeito do burn out, e sem prejuízo para sua saúde física. Essas executivas conseguiram manter a saúde física sem cair na exaustão emocional. Nós estudamos estresse e burn out, mas não os associamos ao bom humor. Por que algumas pessoas perante o mesmo evento se estressam e outras não?


Bom Humor em profissionais da medicina e enfermagem

Existem diversas pesquisas realizadas com enfermeiras e enfermeiros. Uma delas revela que aqueles que contam com humor no trabalho obtêm maior cooperação dos pacientes e apresentam maior capacidade de agüentar um trabalho delicado e por vezes extremamente doloroso.

Também se descobriu que médicos que têm bom humor, diminuem as diferenças sócio-culturais e interpessoais entre eles e seus pacientes. Eles comunicam com bom humor as situações e notícias mais difíceis de uma doença grave. Ajudam os pacientes a expressar melhor a frustração e raiva, e lidam melhor com situações que geram pressão e ansiedade.


Bom Humor e níveis de imunoglobulina

Uma pesquisa bastante sofisticada avaliou os efeitos do humor sobre os níveis de secreção da imunoglobulina. A imunoglobulina é um anticorpo contrário presente em todos os fluidos corporais e que fornece defesa contra as infecções. Os pesquisadores provaram que crianças em idade escolar e adultos depois de assistirem filmes cômicos em comparação com filmes didáticos tiveram aumento dos níveis de secreção da imunoglobulina A. Filmes tristes abaixaram o nível de secreção. Adultos que têm notas mais altas na escala do bom humor também têm níveis mais altos da imunoglobulina A. Eu adoraria orientar quem quisesse fazer um mestrado ou um doutorado sobre isso. Nós somos estimulados constantemente com cartazes, outdoors, com filmes trágicos, de mau humor, com alto nível de violência e ninguém se dá conta do efeito orgânico dessas informações. Que efeito tem isso sobre os nossos organismos? Pouco se fala sobre esse assunto. No entanto, pessoas que têm altas notas na escala de bom humor, portanto, vão adoecer provavelmente menos do que pessoas mal humoradas.

Efeitos do humor sobre a memória e batimento cardíaco

Num estudo experimental foi provado que desenhos bem humorados são melhor armazenados na memória que desenhos literais, estranhos ou simplesmente didáticos. Material cômico é melhor armazenado. Observou-se também que houve uma diminuição do ritmo cardíaco tanto na observação quanto na re-memorização de desenhos bem humorados. Ficou provado que quando você está vendo um cartoon, um desenho animado, seu batimento cardíaco abaixa. Se depois disso for dada a você uma tarefa de memória, você vai se lembrar melhor do que você faria se tivesse assistido um desenho neutro ou simplesmente didático. Então essas atividades estão ativando o cérebro diferencialmente.


Humor e diálise

Num hospital em Israel foi demonstrado que o humor favorece a redução da ansiedade dos pacientes antes da diálise. Abranda o medo das agulhas e dos procedimentos dolorosos. Humor ajuda também a dissipar a raiva que os pacientes sentem do tratamento, ajuda a melhorar a comunicação com a equipe de saúde e a relaxar o paciente durante a diálise.



Rir é o melhor remédio

Resumindo, como os antigos já falavam, está sendo provado hoje que rir é certamente o melhor remédio porque fortalece o sistema imunológico. O bom humor aumenta a atividade dos anticorpos, abaixa a pressão arterial e reduz os níveis dos hormônios do estresse como cortisol e epinefrina, oxigena o sangue, aumenta o nível de energia, e relaxa a nossa musculatura. Ele é benéfico. Pesquisas em Stanford mostram que vinte minutos de uma boa risada são, para o coração, equivalentes a três minutos de remar fortemente. Após um ano de infarto do miocárdio, dentre aqueles que assistiram filmes cômicos durante meia hora, diariamente, somente 10% tiveram o segundo infarto. Entre os que não assistiram filmes cômicos, 30% tiveram o segundo ataque. Temos, então, uma boa amostra de como esse tema pode redundar em pesquisas. Vários estudos mostram que o bom humor diminui o efeito do estresse em adultos. Mostram, também, que dar risada age como antagonista da dor, podendo diminui-la durante procedimentos médicos. A professora Liliana Wahba falou sobre o Norman Cousins que foi o precursor da idéia de dar risada durante procedimentos médicos ou na recuperação de uma doença no seu livro “Anatomia de uma doença”. Ele tinha uma doença grave, estava à beira da morte e reverteu todo o processo. Ele era jornalista e viveu até setenta anos. Os palhaços da alegria e o movimento em psicossomática nos Estados Unidos foram desencadeados por suas idéias.

Rir é grátis. Você pode estar deitado, sentado, ou de pé. Sozinho ou acompanhado. Não requer nenhum aparelho simples ou sofisticado. Tão bom quanto, ou talvez ainda melhor do que rir, é ter bom humor. Então, vamos definir melhor o que é bom humor. A etimologia da palavra humor nos remete a algo que flui, que se movimenta internamente, sem controle. Tem a ver com disposições, impulsos, reações emocionais. Humor é algo que flui sem que eu tenha consciência ou controle. O senso de humor é uma especificidade do ser humano. O professor José Salomão mostrou que os chipanzés podem dar risadas. Mas será que eles têm senso de humor? Eles riem, mas senso de humor é outra coisa. Talvez seja aquilo que realmente nos diferencie dos animais. Quando as pessoas se tornam desumanas e vão aos extremos, a primeira coisa que se observa é que elas perdem o senso de humor. Senso de humor é um comportamento, portanto, exclusivamente humano. Também pode ter a ver com humildade. Humildade vem da palavra humos e quer dizer fertilidade. A importância do senso de humor está no fato de que ele nos protege da vaidade e do orgulho excessivos. Mesmo a maior vitória ou a maior derrota, desde que com humor, torna-se relativa, temos uma correta dimensão do fato, preservando com isso a nossa saúde mental e física. O humor relativiza tudo que acontece, até o que é muito bom. Ganhar na loteria com bom humor fica melhor.

Bom humor é sinal de saúde porque cura a humilhação. Pessoas mentalmente perturbadas não têm senso de humor. Elas trabalham com exigências inúteis, vaidades feridas, ressentimentos e raiva há anos curtidos. Eu nunca vi uma pessoa neurótica com bom senso de humor. Ela pode fazer piada, ser sarcástica, irônica, mas ela não tem senso de humor, porque senso de humor se refere sempre à capacidade de rir de si mesmo. Um paciente um dia me falou: “eu vou me dar alta quando eu tiver a capacidade de rir de mim mesmo”. Eu aprovei completamente. Quando você consegue rir de si mesmo você está curado. Quando você consegue ter bom humor, dar risada de seus ressentimentos e feridas, curtidos há anos, você está no caminho da cura.

Quantas vezes não somos pegos num humor insuportável sem termos a menor noção do porquê desse estado? Ou quando temos uma vaga idéia da razão desse nosso humor, como fazer para nos livrarmos dele?


Mau humor e complexos

Nós acordamos de mau humor e não conseguimos nos livrar desse estado. O mau humor é maior do que a nossa consciência. Ele nos pega de tal maneira que é difícil nos livrarmos dele. Está presente, portanto, um conteúdo inconsciente, em geral, lançado sobre um vizinho mais próximo, sobre o parente, ou mesmo o cachorro. Aqui entra finalmente a psicologia. Mau humor está relacionado com complexos. É impossível você ser bem humorado, se você está sob as garras de um complexo. Como Jung disse: “nós não temos complexos; os complexos nos têm”. Se existe um conteúdo emocional inconsciente que está me atingindo naquele momento, eu estou aprisionada a um mau humor insuportável.

Às vezes, o caminho da espiritualidade é bloqueado por um complexo. O complexo é composto por um núcleo doloroso, conflitivo, ao redor do qual se agregam vivências, sentimentos, idéias, sensações, intuições altamente carregadas de emoção. Como ser feliz, como ter bom humor, se estou sob as garras de um complexo? O centro de todo complexo é carregado de emoção. Emoção quer dizer movimento do sistema nervoso autônomo. Emoção é movimento para fora. Ela sempre ativa os sistemas simpático e parassimpático. O complexo é comportamento repetitivo. Não sei porque estou fazendo algo, mas de novo, estou fazendo a mesma coisa. Eu estou na mesma briga em que sempre estive. Estou repetindo exatamente da mesma forma. Estou sob as garras do mau humor e de um complexo. Uma das formas que a cultura criou para fugir das garras de um complexo é manter um comportamento repetitivo e automático. Eu faço aquilo sem pensar. Certas atividades quando executadas de modo automático e repetitivo podem levar o indivíduo a uma cisão psicológica. A pessoa pode ter um burn out, um estresse total. Qual é a recomendação clássica para esses casos? Férias. Porém, os infartos do miocárdio são mais comuns durante as férias. Todos meus pacientes que tiveram infarto estavam descansando. Houve um paciente que conseguiu finalmente construir sua casa na praia e infartou no segundo dia em que estava relaxando. Então, férias não são a solução. Se não houver uma reformulação interna, quer dizer, se os complexos não forem trabalhados, é altamente provável que o indivíduo venha a ter uma recaída em breve. Ele vai repetir a sua neurose onde quer que esteja. Somente uma atuação nos níveis dos complexos poderia transformar de modo definitivo a capacidade do indivíduo de lidar com estresse e desenvolver o seu bom humor.

Por que os pacientes não conseguem seguir as recomendações médicas? O que o médico diz quando o paciente sofre infarto do miocárdio? – “Fique calmo e não se excite. Tire férias, se exercite, leve uma vida diferente”. Isso é possível? É possível ficar calmo e não se excitar? O paciente pode seguir essas recomendações, no máximo, por um mês. Uma pessoa pode, por exemplo, começar a jogar tênis para relaxar e, depois de algum tempo, se tornar campeão de tênis em seu clube. Ela passa a acordar as cinco da manhã para treinar cada vez mais. Um caso clássico, para o qual o médico recomendou exercícios, comprou uma máquina de remar que conta com um monitor no qual se pode verificar a posição de seu barquinho em relação aos outros. Ele se manteve em competição e sofreu um infarto na máquina porque tinha um comportamento neurótico. Tinha que ser sempre o primeiro. Um complexo de inferioridade tomava conta dele e era imperativo que ele fosse o primeiro. Caso contrário, ele ficava extremamente mal humorado.


Reações de mau humor e suas implicações

Mau humor tem a ver basicamente com intolerância. Se você observar as relações que se travam entre executivos no mais moderno escritório, comportamentos de domínio e submissão, intolerância e desencontro de informações são comuns. Esse exercício do poder é uma base eficaz para o surgimento do mau humor, com toda a ineficiência que dele decorre. O mau humor guarda relação com frustração e rejeição. Nada nos deixa mais mal humorados do que os sentimentos de rejeição e frustração.
Frustração leva ao mau humor principalmente se tocar um complexo de inferioridade. Como você reage quando tem uma série de expectativas, quando você constrói um cenário romântico, e o seu parceiro está em outra sintonia? O que fazer depois disso? O mau humor tem a ver também com sentimento de impotência. Eu quero fazer alguma coisa e não consigo. Como dar risada de mim mesma nessa situação? Essas máquinas de refrigerantes aqui na PUC (isso já me aconteceu várias vezes), eu estou com pressa e quero pegar alguma coisa, eu ponho o dinheiro, a máquina encrenca e a coisa não sai. Isso pode promover um ataque de mau humor. Você chuta a máquina, dá vontade de quebrar, fazer uma queixa, reclamar, telefonar... Como você vai enfrentar essa situação? Você vai ter um burn out por causa do trânsito, a máquina não funciona, dá tudo errado nesse dia. Posso considerar que todos são culpados. Eu projeto em todo mundo as minhas frustrações e saio dando pancadas. Perda de controle e exposição ao risco são os resultados desse meu comportamento descontrolado quando sou tomado por um complexo. Eu entro num comportamento de risco que vai se agravar e agregar mais elementos aos meus complexos.

Muitas vezes o mau humor leva ao pânico. É importante que quando mal humorada, a pessoa tenha controle e não entre em pânico, pois isso não vai resolver. Você pode fazer de conta que a briga não é com você, que você não tem nada que ver com isso. Mas será que resolve? Essa situação me lembra a história de dois monges tibetanos. O mestre e o discípulo andavam por um longo caminho. Eles tinham feito votos de silêncio e de celibato. Chegam à beira de um rio e encontram uma mulher desesperada que não sabe nadar e precisa passar para a outra margem. Sem hesitar, o mestre pega a mulher nos braços e atravessa o rio, deixando-a do outro lado. Continua a caminhar com seu discípulo. Depois de umas três horas, o discípulo quebra o seu silêncio e fala para o mestre: “como o senhor, que fez um voto de celibato, pegou uma mulher no colo? O senhor não podia ter feito isso”. O mestre respondeu: “eu peguei a mulher no colo e a deixei naquela margem de rio faz três horas. Você a continua carregando”. Então o que fazer com as raivas e ressentimentos? Depositar ou continuar carregando? Explodir em raiva? Ou lançar mão do humor negro? O humor negro não é bom humor. Ele realça, com amargura e crueldade, os absurdos da vida. Mas é melhor do que o excesso melodramático novelesco televisivo. As novelas, os dramas mexicanos são uma exposição de complexos. Elas me parecem piores do que o mau humor, do que o humor negro. Pois, de alguma maneira, o humor negro não deixa de ser uma denúncia que expõe ao ridículo os comportamentos autoritários e abusivos de toda espécie. Assim, o humor negro provoca sentimentos ambíguos frente à tragédia e ao sofrimento do outro. Nesse caso, o desejo de poder e a prepotência narcísica são exercidos ao extremo, levando ao ridículo as personagens em cena. Humor negro não é bom humor.


Senso de humor

Vamos voltar à idéia do que é senso de humor. Senso refere-se à habilidade de apreciar ou compreender um fato que se apresenta à consciência – diferente do humor, que pode ser inconsciente. Sem consciência, portanto, não há senso de humor. A capacidade de apreciar conscientemente uma situação estabelecendo uma certa distância em relação ao mundo é o que caracteriza o senso de humor. Ter bom humor é poder se distanciar de um evento. Sem a devida distância em relação ao fato perturbador, corremos o risco de nos tornarmos prisioneiros de uma situação sem saída. Se, ao contrário, mantivermos a distância necessária, a atenção aos gestos e atitudes pode dar lugar a um sorriso. O senso de humor aumenta a capacidade de suportar frustração e lidar com conflitos, sem para isso ser necessário dar um tiro no marido, ou brigar no trânsito. O bom humor tem uma dimensão social bastante importante. Ele aumenta a tolerância frente à falha dos outros, dos familiares e colegas de trabalho. A capacidade de trabalhar em grupo em posição de liderança está intimamente associada à capacidade de relativizar os erros e reforçar os acertos. Claro que nada disso é possível se você está tomado por um complexo.

Como desenvolver o bom humor? O sinal mais evidente de sabedoria é um bom humor constante.


Qualidades do bom humor

O senso de humor sempre nasce do senso de proporção. Em grandes poetas, escritores, cientistas e filósofos, esse senso de humor brilha, mesmo quando falam de tragédia e das desgraças da vida humana. Se conseguirmos manter a percepção da proporção no meio das maiores e menores emoções, descobriremos no centro de toda experiência o riso e o sorriso. Saber rir diante de um erro, mesmo quando catastrófico, é importante. O bom humor relativiza, portanto, a importância de nossos feitos, de nossas graças e desgraças. Desincha o ego inflado e enche o ego murchado. O senso de humor funciona como espelho, dando a importância real de nossos feitos grandiosos ou vergonhosos. Estudos sobre o humor têm observado que as piadas mais engraçadas são as que favorecem a identificação do público com a personagem. Isto é, são piadas sobre nós mesmos. Além de nos preservar do orgulho e da vaidade excessivos, o bom humor nos protege de alterações emocionais violentas, que podem ocasionar distúrbios psicofisiológicos graves: aumento da pressão arterial, infarto do miocárdio, gastrite, úlceras e enxaquecas. Então, o bom humor é certamente um fator de autoproteção.

Como desenvolver o bom humor? Reformulando metas. O bom humor tem papel importante quando temos que lidar com erros, quando as coisas não dão certo, pois ele permite que nós reformulemos nossas metas. Diante do erro ou do descuido, o senso de humor faz com que nos recuperemos mais rapidamente. Se necessário, podemos reorientar com maior eficácia nossos objetivos. Pessoas poderosas e falsos profetas geralmente ficam aprisionados num tipo de falsa grandiosidade. Presunçosos levam tudo extremamente a sério, inclusive sua própria importância. A pessoa bem humorada aceita seus erros, sem deixar de assumir responsabilidade por eles. Não passa a vida se martirizando porque falhou, porque cometeu algum erro, aproveitando a situação como aprendizagem e evolução. Temos que sorrir para os nossos erros.

O senso de humor mantém vivos o brincar e o divertir-se. Somos mais preparados para viver quando temos disponíveis nossas habilidades de nos divertir e de brincar. Quando observamos as risadas das crianças percebemos que há uma enorme variedade. Reconhecemos a risada de um amigo tanto quanto reconhecemos a sua voz. A modulação da risada é uma tentativa de expressar diferentes sentimentos. Mais do que o riso, o sorriso é um grande fator na nossa comunicação. E como aprendemos a sorrir? Sorrir é inato e observado desde o nascimento, tem a ver com prazer e contentamento, e é tão importante quanto andar, por exemplo. Nada como o riso de uma criança no meio de uma situação difícil. Quantos entre nós não nos tornamos palhaços, ficamos ridículos só para fazer uma criança dar risada?

Quando compartilhado, o bom humor revela uma importante dimensão social. Ele nos livra do medo de ataques e aumenta a tolerância para diferentes conflitos. Com bom humor, criamos novas soluções, modificamos o ambiente e influenciamos mais pessoas. A experiência de sermos capazes de construir junto com os outros nos proporciona ainda mais alegria e aumenta o nosso senso de pertencer a um grupo interdependente e transformador. O benefício do compartilhar é a alegria, uma vez que é difícil alguém ser alegre sozinho. É gostoso quando a gente está alegre e quer realmente espalhar essa alegria. Ser capaz de rir em situações nas quais o riso não podia ser previsto, transforma o esperado, o conhecido, em algo inesperado, criativo. Transformar algo que faz sentido em algo “sem sentido”. Transformar algo exageradamente majestoso, sério, numa bobagem. É uma das maiores lições do brincar: a capacidade de transformar as coisas. O brincar, o bom humor também tem a ver com esperança. A expectativa de fazer algo bom é essencial e causa grande prazer, pois envolve a esperança, que é um sentimento de expansão. Pesquisas com pessoas saudáveis de mais de oitenta anos revelam que elas estão sempre esperando por algo muito agradável, cheias de planos para novas realizações. Ter expectativas positivas é tão necessário para o organismo como comer bem e se exercitar. Aos oitenta e quatro anos, em entrevista para a BBC de Londres, indagado sobre qual conselho daria para pessoas idosas ou pacientes terminais, Jung diz: “façam planos. Continuem fazendo planos como se a vida fosse continuar para sempre. Aí vocês vão ter uma vida saudável”.
Ter bom humor aumenta o círculo de influência. Eleva nossa capacidade de trabalho, de estabelecer relações, e de nosso senso de segurança. O bom humor, portanto, aumenta a segurança e a esperança. Com bom humor é mais fácil tolerar situações difíceis e superar o que pensamos ser absolutamente insuperável. Podemos dar risada do difícil.


A biografia da alegria

Quero terminar o nosso encontro falando da biografia da alegria baseada em algumas idéias da Verena Kast. Reconstituir momentos da nossa história nos quais fomos felizes é a biografia da alegria. Nós nos esquecemos de manter presente essa biografia. Os terapeutas não estão atentos à biografia da alegria de seus pacientes, ocupando-se apenas com as tristezas. Os momentos de felicidade dependem muito pouco dos acontecimentos externos. Pode parecer absurdo, mas nem sempre ganhar na loteria, por exemplo, faz alguém feliz. Talvez faça momentaneamente. A felicidade está muito mais associada à nossa reação a determinado evento do que à qualidade do evento em si. Depende da nossa perspectiva, de como encaramos o que aconteceu. Às vezes, um pequeno detalhe, aparentemente sem importância, pode ser visto por um novo ângulo e nos fazer rir. É ter bom humor em relação a isso. Ao reconstituir situações que nos fizeram felizes, vamos descobrir o quanto elas foram relativamente independentes dos acontecimentos externos, e o quanto decorram de nossa atitude. A memória dos momentos alegres resgata a energia do momento original. Nossa memória da alegria reformula nossa história. Algumas pessoas, especialmente as mais velhas, deixam de lado os maus momentos e recontam suas vidas só com os bons momentos. Esse recontar dos momentos de glórias tem um efeito terapêutico antidepressivo, dando um novo significado à vida. Mesmo ao lembrar os momentos difíceis, podemos enfatizar a vitória e a superação. A lembrança da felicidade nos dá força para encarar as dificuldades e perceber como repetimos as más experiências recriando-as, sem nos darmos conta. Finalmente devemos lembrar que a alegria e o bom humor são sentimentos de expansão e estão profundamente associados à necessidade de compartilhar, ou ao sentimento de compaixão. Podemos reconstituir nossa biografia de várias maneiras a partir de várias perspectivas. Reconstruir a biografia da alegria nos remove dos caminhos biográficos habituais. Podemos revelar, assim, uma nova faceta do nosso eu. O que foi feito da minha alegria? Onde ela está?

Eu vou agora propor a vocês uma pequena mobilização para encerrar o nosso encontro. Eu vou pedir, para que vocês se sentem confortavelmente. Fechem os olhos, ou fixem os olhos num ponto à sua frente e tentem perceber qual é seu estado de humor agora. Tente se lembrar de uma fase da sua infância. Qual idade que você tem? Lembre de você nessa idade. Como você está vestido, o que você está fazendo? Tente se lembrar de uma situação na qual você tenha se divertido muito, que você tenha dado muita risada. Deixe que essa situação fique o mais viva possível na sua memória. E pergunte a si mesmo como você expressou essa alegria. Como você tem expressado a sua alegria atualmente? Tente recordar o que na vida atual tem lhe trazido alegria. Como isso te afeta? Pense: como era a alegria que eu sentia quando criança? Será que ainda hoje eu sou capaz de sentir o mesmo? Quando eu sou alegre? Quando a alegria afeta os meus relacionamentos? Volte a um momento muito alegre de sua vida e deixe esse sentimento se expandir. Imagine que ele sai do seu peito, se expande e cresce de tal forma que as pessoas que estão ao seu lado vão sentir essa alegria emanando de você. Tente sentir profundamente essa alegria. Imagine que ela vai se expandindo, e se quiser você pode mostrar isso acontecendo, se movimentando. Mostrando alegria, se mexendo, expandindo a alegria aos seus vizinhos. Obrigada.

Debate

Profa. Liliana Wahba: Obrigada. A Profa. Denise sempre nos surpreende com essa maravilhosa fala que demonstra sua maturidade e conhecimento da psique. Os professores do Núcleo de Psicossomática e Psicologia Hospitalar vão coordenar o final do debate: Profa. Mathilde Neder, Profa. Ceres Araújo e Prof. Esdras Vasconcellos. As especialidades deles são os estudos de abordagem sistêmica, de resiliência, estresse e psiconeuroimunologia, que estão incluídos em tudo que foi dito hoje.

Prof. Esdras Vasconcellos: Está sendo aberto espaço para perguntas. Mas se alguém, em vez de perguntar alguma coisa, quiser rir também pode. A professora Denise está aqui e vocês podem fazer perguntas a ela.

Denise Menezes: O simpósio foi maravilhoso e eu estou muito feliz por estar aqui. Eu queria perguntar para a Denise, pois fiquei curiosa, quando você mostrou aquela pesquisa sobre a imunoglobulina em relação a filmes didáticos ou cômicos. Eu fiquei me perguntando: uma pessoa extremamente competitiva que só pensar em estudar, o que poderia acontecer com a imunoglobulina dela? Será que ela não ia achar perda de tempo um filme cômico e ia aumentar os níveis de imunoglobulina com filmes didáticos? Não sei se existe alguma pesquisa nesse sentido, mas essa hipótese me ocorreu.

Profa. Denise Ramos: As pesquisas nessa área estão começando, mas sem dúvida esse poderia ser um belíssimo trabalho. Você está acrescentando uma variável de personalidade ao efeito do filme cômico. certamente deve haver alguma relação mais se sabe, ainda, muito pouco. Eu espero que esse simpósio seja um estímulo a todos para que possa haver pesquisas nessa área.

Platéia: Qual a relação entre processo de individuação e alegria?

Profa. Denise Ramos: O caminho de individuação implica você lidar com seus complexos. Não é possível você transcender, ou ir para o caminho búdico, o caminho da iluminação, se você for neurótico. Na metanóia, a segunda metade da vida, é um momento propício para se refletir sobre tudo aquilo que se viveu e conquistou no mundo. Essa reflexão só ocorre plenamente à medida que o indivíduo possa se libertar de seus padrões infantis e dos padrões de sua cultura. Sem isso não é possível, transcender as próprias limitações e ir para o caminho da espiritualidade. A metanóia é um caminho altamente espiritualizado no qual você pode se desapegar de todas as suas conquistas. Para isso você tem que estar livre psicologicamente, evitando as repetições neuróticas. A neurose não permite o caminho da iluminação.

Platéia: É possível treinar o bom humor, pensando especialmente em profissionais da saúde?

Profa. Denise Ramos: Equipes de enfermagem foram treinadas para brincar com os pacientes, para relativizar o sofrimento pelo qual eles estão passando. Procedimentos dolorosos que precisam ser realizados com os pacientes, provocam menos dor quando são realizados com certo grau de brincadeira. Isso não significa necessariamente que a enfermagem conta com bom humor na realização de suas tarefas. Entretanto, eu entendo que é possível ensinar as pessoas a desenvolverem o bom humor.

Platéia: E muitas vezes recuperar o bom humor do estresse. Quer dizer, aliviando, relaxando o nível do estresse.

Profa. Denise Ramos: E vice-versa. O bom humor diminui o estresse. Se você tiver bom humor você evita o estresse. A capacidade natural, normal do bom humor não se refere a contar piadas, mas ao brincar. Às vezes, brincar em situações difíceis, sem levar extremamente a sério as nossas pretensões. Isso você pode ensinar. Você ensina as crianças a fazerem isso: a relativizar vitórias e erros. Isso é aprendido. As pessoas podem aprender até o último minuto da vida. A aprendizagem é sempre possível, mas a pessoa tem que se desapegar de suas pretensões e de seu ego. Nós achamos que somos muito importantes, que tudo o que nós fazemos é extremamente importante. Portanto, se nós erramos é o fim do mundo. Então, o processo de educação de crianças pode incluir a possibilidade do erro como motivadora do riso. Podemos dar risada do erro. Brincar com o erro sem desconsiderá-lo, assumindo a responsabilidade por ele é completamente diferente de mantê-lo agregado ao complexo, como fonte de tortura para a vida inteira. As metas podem ser reformuladas sem que o sujeito se sinta paralisado. “Como eu fiz isso? Como eu pude cometer tal erro?”

Platéia: A importância do bom humor no processo de educação pode ser pensada para crianças vítimas de violência?

Profa. Denise Ramos: Eu entendo que as crianças vítimas de violência terão que aprender a relativizar o que aconteceu com elas. Quem sabe um dia, até conseguir falar sobre isso brincando. Quer dizer, tomando uma distância daquilo que aconteceu com elas, do trauma que viveram. Como ter bom humor em relação ao trauma? É difícil, claro. É um processo difícil. Você se liberta do trauma quando conseguir falar brincando consigo mesma sobre isso.

Profa. Mathilde Neder: Quero fazer uma pergunta para a Liliana. Seu filho que veio aqui fazer uma apresentação de bom humor. Qual foi à participação dele? Qual foi a sua participação? Você disse alguma coisa a ele? Porque eu achei espetacular a apresentação. A maneira como ele bota o terapeuta na parede. Ele fez terapia? Ele criou essa apresentação ou você colaborou? Como é que foi?

Profa. Liliana Wahba: Minha maior participação foi a produção quando ele nasceu, e era uma criança sempre muito bem humorada que gostava de teatro. Na trajetória dele, acabou se dirigindo para a mímica. Teve a oportunidade de fazer esse número, e de fato eu ajudei com o texto do primeiro ato, e ele criou o sonho, a parte da mímica. Minhas dicas se referiram às brincadeiras com o terapeuta, que ele incorporou bem porque fez terapia.

Eu vou aproveitar para fazer uma pergunta à Mathilde que foi sempre um exemplo para nós na psicologia como uma mestra da maior importância, que tinha a visão, quando não se falava essa palavra, multidisciplinariedade. Mathilde conseguia ser coerente, ter uma teoria na qual ela acreditava, e que ensinava muito bem; ter uma prática própria, e estar aberta àquilo que acontecia nas outras correntes com um olhar sempre crítico no sentido de observador, mas não crítico no sentido de preconceituoso. Ao mesmo tempo eu via nela essa amorosidade bem humorada. E eu pergunto se Mathilde tinha noção dessa ligação que nós vimos hoje nas apresentações.

Profa. Mathilde Neder: Eu penso que tudo tem sua raiz numa expressão assim: no mundo há lugar para todos, basta cada um querer ser o que ele é. Se você quer, se o outro quer ser ele próprio, ele pode. Há lugar para todo mundo, basta a gente querer ocupar este lugar ou desenvolver este lugar. Eu tive muita sorte na minha trajetória de professora, de aluna, de estudante. Desde o curso primário, eu sempre tive muita sorte. Sempre encontrei gente pelo meu caminho que era original. Até uma professora, uma vez, me aprovou sem eu merecer. Eu acho formidável aquela professora. Por um tempo eu fiquei muito brava com ela, ela me aprovou para o segundo ano do curso primário, e eu era analfabeta. E ela me aprovou. Eu procurei descobrir o que havia entre nós porque ela me aprovou. E com o tempo eu agradeci muito essa professora porque ela viu uma criança muito carente, muito sofredora, porque eu era, naquele tempo, quase ceguinha, e caia milhões de vezes pelo recreio. Ninguém se apercebia que eu tinha uma deficiência visual. Ela também não se apercebeu, mas percebeu que eu fiz a minha falcatrua de maneira a parecer que estava alfabetizada, e ela aprovou. Então eu acho que há lugar para todos nesse mundo. Para tudo e para todos. Até para mim houve um lugar naquele tempo. De modo que eu já briguei bastante com meus alunos, com meus colegas e deixei que eles brigassem comigo também. Mas eu tive uma felicidade: encontrei a Denise Ramos pelo meu caminho. Que maravilha que foi! Nós pudermos ter aqui, o Núcleo de Psicossomática e Psicologia Hospitalar. Que maravilha que foi encontrar a Denise e irmos amadurecendo a idéia do Núcleo de Estudos Junguianos. Eu me lembro que dois ou três anos atrás, antes de ser fundado o núcleo de Jung, eu disse: “Denise não está na hora? Vamos lá?” Denise disse: “Não. Ainda não”. Ela sabe esperar. Quem mais sabe é ela, e se ela está dizendo que é assim, é assim. Então soubemos esperar. Eu estou muito feliz por estar aqui hoje. Na realidade como o meu pessoal, os meus amigos dizem, eu estou aqui meio de teimosa, e acho que de bom humor porque se pensam que eu vou. Não, não é agora. Eu estou aqui.

Platéia: Eu gostaria de fazer uma pergunta. Na verdade solicitar um comentário. Ficou muito evidente a importância do bom humor para enfrentar as situações, as dificuldades, os problemas. Mas e aquelas pessoas que fogem dos problemas demonstrando aí um bom humor, uma coisa aparente que não é vivenciada na realidade? Os artistas, por exemplo.

Profa. Denise Ramos: Os artistas? Eu acho que não adianta fingir. Você não engana ninguém. Nós não enganamos os outros. Pensamos que enganamos. No exercício que nós fizemos hoje, pudemos experimentar que quando a alegria vem de dentro, ela é contagiosa. Você transmite isso, não há como você fingir que está alegre. Essa é uma mascara facilmente percebida.
Eu gostaria de complementar a resposta sobre crianças abusadas e traumatizadas. Considerando que a alegria é inata, como fazer com que essas crianças entrem em conexão com a sua alegria e aumentem sua resiliência? Se elas sentirem essa alegria que vem com elas apesar de terem tido uma vida terrível, se elas conseguirem se conectar a este instinto que todos nós carregamos, talvez com isso se consiga resgatar a resiliência dessa criança e superar situações terríveis.

Platéia: O brincar leva à resiliência? Isso pode ser treinado?

Profa. Ceres Araújo: Eu responderia assim: uma das características da resiliência, um dos fatores que favorecem a resiliência é o bom humor. Isso está sendo listado em todos os estudos, em todas as pesquisas a respeito de resiliência. A resiliência é um potencial inato presente em todo mundo, em todas as épocas, em todos os lugares. É um potencial humano e faz parte desse potencial humano a capacidade ou habilidade de ser bem humorado. Eu entendo, então, que o bom humor é próprio da saúde. Existe uma relação importante entre o bom humor e a resiliência enquanto um potencial. Não significa que ele é atualizado em todas as pessoas ou em todas as circunstâncias, mas ter bom humor é uma maneira de treinar a resiliência ou de atualizar a resiliência em cada um. Isso pode ser treinado sim. É a palavra exata. A alegria pode ser treinada através do brincar. O brincar é resgatar a criança interna em nós. Treinando o brincar, nós conseguimos uma forma de auto-cura. Jung dizia que o brincar é próprio da saúde e produz a auto-cura. Entendo portanto que a alegria poder sim ser treinada através do brincar.

Platéia: Às vezes eu tenho idéias, penso alguma coisa do passado, e eu dou risada. Isso me faz muito bem ainda que eu tenha um certo preconceito com isso porque eu começo dar risada sozinho. O que você acha disso?

Profa. Ceres Araújo: Eu acho que é um sinal muito grande de saúde mental e física poder rir sozinho, poder rir de si mesmo, poder rir junto com os outros. Eu acho que a risada está sempre ligada a saúde. Ela é da turma do bem.

Prof. Esdras Vasconcelos: Eu só queria dizer algo bem rápido sobre isso. Eu não conheço nenhuma pessoa que não tenha um registro na sua memória afetiva de uma situação em que ela ri independente do estado em que esteja. Até no leito terminal de morte. Existe sempre uma situação que nós temos gravada afetivamente que nos leva se não mais a rir, pelo menos a esboçar um leve sorriso diante da lembrança do que aconteceu. Se não for uma situação é uma pessoa querida, uma pessoa que se amou muito. Nesse momento se esboça um leve sorriso. Certamente todos nós temos na nossa memória afetiva, uma situação, pelo menos uma, que nos faz rir em qualquer situação que estivermos, até sozinhos. Senão não há vida emocional. Isso faz parte da nossa vida emocional.

Denise Menezes: Eu estava aqui pensando num dos meus temas favoritos que é o sentimento de fundo. Quando você ri de uma situação traumática significa que isso é passado, não é presente. Não existe mais em você o constrangimento daquela dor. Encontrei um ciclo vicioso porque eu pensei: o bom humor ajuda a curar psiquicamente mas o psiquismo saudável é que gera o bom humor. Como é que nós vamos entrar nessa rede? Eu não sei se eu entendi bem ou não, eu fiquei com a impressão de que o bom humor é uma questão momentânea. Uma pessoa mesmo doente emocionalmente pode ter um momento de bom humor, mas o senso de humor é contínuo, que depende talvez de um estado emocional saudável.

Profa. Denise Ramos: Eu entendo que podem existir alguns momentos de bom humor, mas o desenvolvimento do senso de humor é um contínuo maior. Quer dizer, a pessoa que tem senso de humor vai ter mais momentos de bom humor. Existem pessoas que nunca têm momentos de bom humor. Dão risada, mas não tem bom humor.

Prof. Esdras Vasconcelos: Quem visitou Mathilde Neder na UTI ou em qualquer momento de sua internação, chegava e imediatamente tinha um sorriso, recepcionando. Tinha um sorriso no rosto dela quando ela voltou da UTI. Isso é senso de humor. Eu sei que a profa. Denise Ramos falou isso no início, e a Liliana Wahba também ressaltou esse aspecto. Eu acho que Mathilde é mesmo esse exemplo de bom humor. Já brigamos muitas vezes, mas seu sorriso é permanente. Ela é um bom exemplo de senso de humor.

Profa. Mathilde Neder: Não me lembro de nada disso. Eu soube de umas coisinhas que aconteceram lá, mas eu ainda estou amadurecendo para saber o que foi aquilo. Você que está contando. Eu não me lembro de nada disso.

Prof. Esdras Vasconcelos: Eu creio que se nós nos lembrarmos de alguma coisa que foi verdadeiramente agradável, alegre, e neste momento, nada mudar na nossa fisionomia, se não sorrirmos ao lembrarmos de algo que foi alegre, gostoso, algo está errado na integração corpo-mente. Não é possível lembrar-se e não rir, sorrir. Se isso não acontecer é porque a mente e o corpo estão desintegrados.

Platéia: Eu fiquei pensando no papel do terapeuta como aquele relativizador do humor. Alguns pacientes precisam entrar em contato com o sofrimento, alguns levam tudo na brincadeira e não entram em contato. Nesses casos, por onde o humor caminha? Outros estão muito ligados no sofrimento e nós precisamos resgatar a alegria. Como é que vocês vêem isso? Como nós podemos trabalhar o nosso senso de humor além da nossa análise, para conseguir relativizar o humor para o paciente na terapia?

Profa. Liliana Wahba: Antes de passar para a Denise, eu queria fazer um comentário: o que é realmente o senso de humor, e o que seria aquele humor escapista. Porque as pessoas brincam aparentemente para sair de si, ou porque estão sem jeito, ou porque estão com vergonha, porque sentem uma inferioridade. Então é aquela brincadeira que acaba sendo uma brincadeira sem graça. Eu acho que hoje foi trazido o humor, aquele riso, aquilo que o Salomão mostrou desde o começo, o nosso sentimento biológico diante do riso de uma criança. Como a Denise mostrou: as palhaçadas engraçadas. Como isso é importante para nós enquanto seres humanos. É essa alegria que tem que ser resgatada no paciente. Me parece que a nossa arte precisa reconhecer como trabalhar com essa questão de deparar-se com a dor e o sofrimento. O complexo tem que ser lidado dentro da dor porque não tem como fazer esse trabalho sem entrar nessa mortificacio dolorosa, mas como fazer também para estimular dentro dessa biografia a felicidade. Gostaria de saber como Denise vê esse trabalho com o complexo, estimulando o tônus da alegria que é o tônus da vida.

Profa. Denise Ramos: Nós temos mesmo que aprender. A situação analítica é carregada por momentos de muita tristeza, mas nós precisamos resgatar a criança interna do paciente, relembrá-lo dos momentos de alegria, aumentar a resiliência e a força para lidar com o sofrimento. Os terapeutas, às vezes, se esquecem que existe essa criança alegre e feliz dentro do paciente. Nós podemos lembrar o paciente disso.

Platéia: Eu gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre o poder do complexo. Não se costuma dizer que ele não pode ser controlado?

Profa. Denise Ramos: O bom humor pode relativizar a força do complexo. Você pode ter um ataque de raiva numa situação na qual você se sente humilhado, inferiorizado. Se você já souber quais situações provocam essa raiva ou outra emoção extremamente negativa, que pode gerar um comportamento de risco, você pode começar a tomar distância do seu complexo. Se você conseguir fazer isso, você já está no caminho da cura. Você já tem consciência que determinadas situações provocam uma emoção relacionada ao complexo. Você já está se curando, porque quem tem o complexo geralmente nunca o reconhece. Sempre projeta a culpa no outro. Sempre é um mecanismo de projeção. Com bom humor, você pode retirar as projeções. O outro não tem culpa. O mau humor é meu.

Platéia: Algumas pessoas que eu conheço que são muito mal humoradas mas, ao mesmo tempo, muito divertidas. Eu tenho certa dificuldade de fazer essa leitura. Elas são bem humoradas, sendo mal humoradas?

Profa. Denise Ramos: Não. Os comediantes, em geral, são pessoas muito depressivas e muitas vezes cometem suicídio. Assim, pessoas que fazem piadas nem sempre são bem humoradas. Elas são às vezes extremamente orgulhosas de si mesmas, tentam agradar e seduzir o tempo todo, e são muitas vezes sarcásticas. É um humor duro, é quase um humor negro. É um humor sarcástico, ruim. Todo mundo dá risadas com essas pessoas, mas elas não dão risadas de si mesmas. Você tem sempre que observar se a pessoa está rindo de si mesma, ou se está fazendo piada com os outros. É bem diferente.

Lury Yoshikawa: Eu queria contar uma história que eu me lembrei quando a Monja Coen estava falando, e a agora a Denise Ramos me fez recordar novamente. É uma historia que se chama o Buscador. Um homem vai andando, andando, em busca de alguma coisa. Até que ele chega num lugar e se depara com um jardim muito lindo. Ele anda por esse jardim e vê várias lápides onde se lê: Maria dois anos e três meses. João oito anos e dois meses. Fernando cinco anos e três meses. Ele fica desolado e pergunta para o coveiro que está ali: mas o que acontece nessa vila que as crianças morrem tão cedo? As pessoas morrem tão cedo? Que desgraça se abate sobre essa vila? O coveiro responde: Não, meu amigo. Não é assim. Aqui nessa vila nós temos um costume: quando nós fazemos dez, doze anos, nós ganhamos um caderninho, e cada vez que temos uma grande emoção, escrevemos quanto tempo durou esse emoção. O nascimento de um filho: quanto tempo durou essa emoção? Dois dias e três horas. O beijo do primeiro amor, vinte e quatro horas. Nós vamos somando essas horas. Quando a pessoa morre, nós fazemos a soma dos tempos anotados nos caderninhos. Porque, para nós, o que verdadeiramente importa na vida vivida é essa soma e não o resto.

Prof. Esdras Vasconcelos: Eu acho que esse é um bom momento para encerrar. Muito se falou do humor, da alegria, do riso, do sorriso e se falou pouco sobre a piada. Esse é um tema não muito cientifico, mas eu acho que seria importante dizer uma coisa. Hoje, nós sabemos que entender uma piada depende de dois momentos: a rede neural precisa estar muito bem conectada e a piada, para poder provocar algum efeito, precisa quebrar a lógica. Portanto, quebrar uma matriz de pensamento. O que hoje nós sabemos é que quando alguém está contando uma piada, se forma um foco no lóbulo frontal e isso pode ser acompanhado através de ressonância magnética. A medida em que a piada vai sendo contada, o foco vai se estendendo para o lóbulo parietal, depois passa pelo sistema límbico, portanto, pelo centro das emoções, sobretudo a amigdala. Só, então, o efeito do riso será provocado quando nós entendemos a piada. Mas ela precisa quebrar a lógica. Então, a piada que parece ser uma coisa tão vulgar, tão simples, merece hoje um estudo muito especial, muito bem desenvolvido tecnologicamente porque talvez o fenômeno de humor mais cotidiano seja a piada. Nós sempre escutamos uma piada. E por falar nisso, já que aqui e todos são psicólogos: vocês sabem porque o baiano não tem síndrome do pânico? Porque a crise vem no outro dia. Essa é uma piada que exige uma rede neural complexa. Não riam porque não é o momento de rir. Existem piadas elementares que todo mundo entende, mas existem piadas que exigem essa conexão neural e, portanto, um conhecimento lógico. Uma pessoa que não sabe o que é síndrome do pânico não vai entender essa piada.

Profa. Ceres Araújo: Coube a mim encerrar o simpósio de hoje. Eu gostei muito dessa incumbência porque é muito bom estudar, é muito bom trabalhar, mas é ótimo ter um final de semana. O ócio faz parte da nossa vida e também é responsável pelas nossas alegrias. Então, além de convidar vocês para o simpósio e a jornada do próximo ano que, espero, serão tão entusiasmante como essa, quero lembrar que entusiasmo significa ter Deus dentro. Eu acho que nós tivemos uma vivência muito importante nessa tarde. Então, além de fazer esse convite, eu queria agradecer não só aos três palestrantes, mas a todos vocês, a todos nós que juntos compartilhamos destes momentos tão alegres. E a alegria realmente precisa ser compartilhada. Na tristeza, a gente pode ficar bem quietinho, bem sozinho, se abraçar, e esperar para ver o que acontece, mantendo a esperança de conseguir uma elaboração. Mas a alegria não cabe dentro do peito. Nós temos que extravasar, que dividi-la, compartilha-la com os outros. Eu sei que isso aconteceu hoje, aqui. Nós, terapeutas, precisamos nos lembrar do que a Denise Ramos falou quanto à carência da biografia da alegria nas nossas anamneses. Precisamos nos lembrar que trabalhamos muito bem a tristeza com os nossos pacientes, mas que não trabalhamos bem a competência para a alegria. Nós, terapeutas, precisamos constelar o arquétipo da criança eterna dentro de nós para que possamos colocar alegria na vida das pessoas e fazer com que elas coloquem alegria na vida das pessoas com as quais elas se relacionam. Isso está ligado a saúde. Basta ver a doutora Mathilde que tanta alegria nos dá e por isso ela é tão importante para nós, além de todos os outros motivos óbvios. Nós como junguianos não podemos esquecer que a Volúpia também chamada Alegria, é filha de Eros e Psique. Assim a alegria, de fato, tem que estar em nosso coração, em nossa mente. Para terminar eu queria dizer que nesse momento nós podemos nos aproximar de um outro deus que é Dionísio. Afinal de contas nós precisamos celebrar a alegria de estarmos vivo, e com ele, talvez, nós possamos fazer isso essa noite. Muito obrigada.

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