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Entre a Psique e a Matéria - Novas Conexões
7 de novembro de 2003

Abertura
Profª. Dra. Denise Gimenez Ramos

Entramos no século XXI com a questão, talvez mais intrigante entre todas, muito pouco esclarecida: como é que matéria e psique se relacionam? Esta pergunta, que tem sido objeto de estudo desde os primeiros filósofos até os cientistas de ponta de nossa era, está longe de ser respondida. Várias tentativas têm sido feitas, inclusive por S. Freud, que em 1895 tentou construir um modelo neurocientífico da mente. No seu projeto para uma psicologia científica, o grande mestre tentou estabelecer a natureza do relacionamento entre o cérebro e a mente. No final, foi obrigado a desistir deste projeto ao perceber que a maioria dos conceitos fundamentais sobre os quais se baseava não passavam de mera especulação. O argumento da época era que a biologia não era suficientemente avançada para ser útil à psicanálise. Mais de um século passou e apesar do incrível progresso nas ciências biológicas, um grande número de psicanalistas ainda continua a manter o ponto de vista de Freud, às vezes até de um modo mais radical. Alguns afirmam, por exemplo, que a ciência da mente e a ciência do corpo usam linguagens, conceitos e instrumentos tão diferentes que não é possível unificar essas ciências numa linguagem comum. Outros, entretanto, buscam na interdisciplinaridade a formação de um campo fértil de idéias com a expectativa de se propor um novo salto no conhecimento.

Nesse sentido, o Núcleo de Estudos Junguianos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP tem sido um dos centros pioneiros ao promover um debate com cientistas das áreas da física, neurologia e psicologia.

O diálogo entre a física e a psicologia não é novo para os junguianos. É bem conhecido o relacionamento de C.G.Jung com A. Einstein e Wolfgang Pauli. Se a física newtoniana pressupunha um objeto a ser estudado fora da psique, a física quântica questionou essa “objetividade” e afirmou que toda observação depende da posição do observador, trazendo a subjetividade, da qual a psicologia tentou tanto se livrar, de volta para a física. Do mesmo modo, o reducionismo da neurologia do século passado e a crença no domínio da genética estão dando lugar à neuropsicologia e à hipótese de que o gen pode sofrer mutações devido ao estresse psicológico. Portanto, o que iremos assistir daqui para frente não é mais se esses campos se relacionam, mas sim como eles o fazem.

C.G. Jung afirmou que o inconsciente coletivo contém toda a herança espiritual da evolução da humanidade renascida na estrutura cerebral de todo individuo e que a separação da psicologia da biologia é artificial porque a psique humana vive numa união indissolúvel com o corpo. De modo que a cisão entre a mente e o corpo começa agora ser sanada. Mas, para isso é necessário compreendermos que a psique e a matéria são fenômenos inter-relacionados e não reduzíveis uns ao outro. Usando uma metáfora, poderíamos dizer que embora a música dependa de um instrumento, ela não é reduzível a matéria da qual é feito o instrumento. Do mesmo modo que o piano não faz a música, a matéria do cérebro não faz a psique, mas um não existe sem o outro. Assim como a música, poderíamos falar que toda produção humana é produto de um fator que transcende a matéria e a própria consciência, isto é, o símbolo, fator básico na construção do ser humano e da cultura.

Portanto, é com grande satisfação, frente a um auditório lotado, que iremos participar do esforço de cientistas de traduzir as últimas descobertas de seu campo numa linguagem comum.

Prof. Alberto Pereira Lima Filho: É com imenso prazer que apresento aos senhores a Dra. Denise Menezes. Descobri há pouco que a melhor parte do curriculum dela é que ela é mãe de 5 filhos. Mas, não menos importante, Dra. Denise é médica neurologista e homeopata, Mestre em Biologia Molecular, professora de Bases Neurológicas do Diagnóstico Psicológico no curso de Psicologia da PUC de São Paulo e Chefe da Clínica Neurológica do Hospital Municipal Arthur Ribeiro de Saboya. É uma honra tê-la conosco.

A estrutura e o desenvolvimento cerebral

Profª. Dra. Denise Menezes

Fiquei muito feliz com o convite da professora Denise Ramos. É um prazer e uma alegria falar para uma platéia de Junguianos sobre as bases neurofisiológicas das emoções e suas relações com os processos de adoecimento e cura.

Primeiramente gostaria de lembrar como se dá o desenvolvimento cerebral. Nós nascemos com a estrutura cerebral incompleta. O genoma determina apenas determinados segmentos. A área cerebral mais antiga, relacionada com a memória de espécie, que é o tronco cerebral e parte do sistema límbico, depende exclusivamente do genoma. Ninguém precisa aprender a respirar, a fazer bater o coração ou a filtrar urina. Essas funções fazem parte do sistema nervoso autônomo e se processam à revelia da nossa vontade e consciência. As áreas sensórias primárias (visão, audição, olfação, gustação, tato) também são determinadas essencialmente pelo genoma. Embora o meio ambiente gestacional influa no bom desenvolvimento dessas estruturas, dentro de certos limites a maior responsável sem dúvida nenhuma é a bagagem genética. O resto, nossas áreas associativas, parte do sistema límbico, nossas funções corticais superiores, dependem predominantemente de aprendizado. Nossos neurônios precisam aprender a “conversar” uns com os outros para que haja percepção e comportamento. Essa “conversa” consiste na formação de sinapses. As sinapses são os pontos de contato entre os neurônios, onde o estímulo elétrico se transforma em estímulo químico, que desencadeia, ou inibe, o funcionamento do neurônio seguinte. Quanto mais eficientes as sinapses, mais eficiente o funcionamento cerebral.

Do que depende a formação de sinapses? De estímulos. Sem estímulos os neurônios não são induzidos à formação de sinapses. Se um recém-nascido ficar por um determinado tempo em ambiente totalmente escuro, ele terá deficiência visual, até mesmo cegueira cortical, por não ter estimulado o córtex visual em fase crítica do desenvolvimento. Se um bebê tiver otite média secretora, que é a presença de secreção alérgica atrás do tímpano, impedindo-o de vibrar de acordo com a onda sonora e de transformar essa onda em estímulo nervoso, essa criança poderá apresentar posteriormente desordem de processamento auditivo, com conseqüências para seu desempenho escolar e vida social. A capacidade cerebral de formar e reformular sinapses é o substrato para todo e qualquer aprendizado, inclusive aquele relacionado com reabilitação pós-lesional.

Antigamente achava-se que as sinapses eram formadas apenas nos primeiros anos de vida. Depois se verificou que a capacidade de se modificar os contatos entre os neurônios permanece ao longo da vida. Ultimamente descobriu-se que na adolescência há uma verdadeira varredura de sinapses, com amplas modificações na estrutura cerebral. Eu pessoalmente tenho certeza que essa varredura de sinapses não tem tanta relação com as mudanças hormonais da puberdade como imaginam, mas sim com os profundos questionamentos que ocorrem na adolescência no plano psíquico. Tudo que fazemos, praticamos, pensamos, se traduz por modificações sinápticas. Quando uma revista anuncia com espalhafato “a criança que joga muito videogame tem o cérebro diferente das outras crianças”, eu sempre digo: a mulher que costura muito tem o cérebro muito diferente da que não costura, o homem que faz artesanato tem o cérebro diferente daquele que não tem atividade manual, e assim por diante. Por isso eu tenho convicção de que um dia vai-se descobrir que uma pessoa que aos 60 anos de idade muda de profissão, hábitos, relações afetivas, filosofia de vida, faz também uma varredura das sinapses cerebrais, como os adolescentes. Nós estamos sempre refazendo a estrutura fina do nosso cérebro, de acordo com as atividades físicas e mentais que temos. O nome disso é plasticidade cerebral.

Outro passo para prosseguirmos nosso raciocínio é entendermos como acontece a percepção. Como nós percebemos o mundo exterior a nós? Estamos cercados por ondas eletromagnéticas de diferentes freqüências, ondas de pressão, compostos químicos dissolvidos na água ou no ar, mas percebemos cores, sons, gostos e cheiros. O que existe em torno de nós não é o que percebemos. A percepção só acontece depois que os estímulos que entram no nosso cérebro e são distribuídos por áreas muito diversas, onde são processadas as sub-funções cerebrais. Por exemplo: a profundidade do estímulo visual é processada em um local do cérebro, o movimento em outro, a cor é processada em uma área diferente, a memória para que o estímulo seja reconhecido em outro lugar, e assim por diante. Esse processamento se dá tanto de forma seriada como paralela. São muitos fenômenos ocorrendo ao mesmo tempo. Depois que cada área do cérebro processou cada particularidade do estímulo, tudo é reunido na área primária, e só nesse momento o estímulo é percebido por nós. Podemos entender então que a percepção é construída. Quanto mais usamos nosso cérebro, mais aperfeiçoamos nossas sinapses, melhor fica nossa percepção do ponto de vista fisiológico.

E a memória? Dependemos da memória para adquirirmos conhecimentos. Como se dá a recuperação do conhecimento memorizado? A memória existe como imagem em potencial no cérebro. Ela depende de que um determinado grupo de neurônios dispare de uma determinada forma, em um determinado ritmo, com uma determinada freqüência. Ao rememorarmos qualquer conhecimento adquirido, os neurônios responsáveis pelas sub-funções são novamente acionados, e toda aquela construção que aconteceu para que houvesse percepção acontece novamente. A memória é uma reconstrução.

E onde entra a emoção nisso tudo? – Em primeiro lugar esclareço que eu tentarei usar as palavras emoção, sentimento e psiquismo com uma conotação específica. Acho que podemos fazer uma espécie de glossário para nós nos entendermos. Vamos combinar que quando eu falo em emoção eu me refiro a um estado bioquímico cerebral, que por sentimento entendo a percepção consciente da emoção, e que psiquismo eu uso para me referir a algo mais profundo, a que as neurociências não costumam se referir, estando mais no domínio da psicologia dinâmica. Então, onde entra a emoção na plasticidade cerebral, na percepção e na memória?

As emoções modulam a cada momento a construção das redes sinápticas cerebrais. A nossa percepção da realidade é influenciada não apenas pela integridade do tecido nervoso, como pelo colorido que nosso psiquismo dá às nossas interpretações da realidade. Se projetarmos insegurança, desconfiança ou ingenuidade, será assim que perceberemos o mundo. Da mesma forma, ao lembrarmos fatos passados, nossa reconstrução da realidade terá o colorido não só da nossa percepção no momento em que os fatos ocorreram, mas também dos sentimentos que tivermos tido em relação a eles ao longo do tempo. Então nós percebemos uma realidade interpretada e construída e ao rememorarmos, voltamos a interpretá-la e construí-la. Quer dizer, ficamos ainda mais longe de uma realidade absoluta. Há uma pesquisa interessante na qual os voluntários liam uma história e depois precisavam contar essa história. No momento em que eles contavam, eles processavam as informações lidas, porque é assim que as coisas acontecem. Havia síntese, interpretação, emoção. O que eles contavam já havia passado pelo processamento cerebral. Algum tempo depois apresentaram as duas histórias para os voluntários: a história que eles leram de verdade e a história que eles contaram. A maioria reconheceu como sendo verdadeira a história contada e não a história lida. Quer dizer, o que eles haviam memorizado era a construção deles e não o fato original. Eles tiveram que escolher qual das duas tinha sido a que leram e eles escolheram a que eles tinham contado, com todas as suas modificações.

 

O Marcador Somático

Retomando o raciocínio, a estrutura cerebral foi se desenvolvendo filogeneticamente de tal forma que a parte mais antiga do cérebro contém aprendizado estável, não modificável, cujas funções acontecem inconscientemente. Esse setor do cérebro encerra todos os nosso mecanismos reflexos para a sobrevivência pessoal e manutenção da espécie. Tudo indica que as porções mais novas do cérebro, as áreas sub-corticais, relacionadas com o novo conhecimento que é automatizado, e as áreas corticais, relacionadas com o planejamento de comportamentos, com as novas aquisições cognitivas, apesar de hierarquicamente superiores ao cérebro antigo, sofrem influência permanente deste. Essa influência, tudo indica, deve-se ao fato do cérebro antigo permanecer exercendo sua missão de preservação do indivíduo e da espécie. Toda a informação que chega ao cérebro passa pelo crivo dos setores antigos, para checar se ela é boa ou ruim para a nossa sobrevivência. A memória construída passa por uma classificação: se é boa ou má para nós. O mecanismo cerebral que controla a classificação das experiências vividas, acionando rapidamente uma resposta fisiológica inconsciente, tem sido chamado de Marcador Somático. Ele nos proporciona grandes vantagens quando precisamos tomar decisões rápidas, antes de termos tempo para avaliarmos os prós e os contras. Vou dar alguns exemplos:

Se quando estamos dirigindo, pensando nos problemas, na agenda, tentado descobrir a rádio que tem um noticiário naquele momento, um motoqueiro surgir "do nada", vindo exatamente do ponto cego do nosso retrovisor, como costuma acontecer, antes que nós tenhamos consciência do que está acontecendo nós tomamos todas as providências para não colidirmos com ele. Freamos o carro por segundos, aceleramos novamente desviando o sentido dentro da margem de segurança para não subirmos no jardim central, buzinamos, e só depois que o motoqueiro já se distanciou gritando um impropério é que nós tomamos consciência de tudo. E todo esse complexo comportamento em defesa da nossa vida pode ter sido desencadeado por algo tão sutil como o vulto do capacete do motoqueiro na periferia do nosso campo visual. Nosso cérebro reconhece esse estímulo, classifica-o como perigoso e põe em atividade nosso sistema nervoso autônomo, sobre o qual falaremos mais tarde.

Nós também podemos perceber esse mecanismo de triagem dos estímulos em situações menos dramáticas, na nossa rotina diária. Por exemplo: um jovem pode ser acordado pela mãe todos os dias, apesar de ter um despertador. Ele se habituou a ser acordado pela mãe e não reconhece o som do despertador como um estímulo importante o suficiente para tirá-lo da cama quentinha e gostosa, aproveita mais um pouco o sono e espera que a mãe venha vê-lo a tempo de não perder a aula na escola. Isso pode acontecer mesmo estando verdadeiramente dormindo. A substância reticular ativadora ascendente (SRAA) não permite que o estímulo chegue ao córtex cerebral despertando-o. Quando este jovem passa no vestibular e vai estudar em outra cidade, morar sozinho ou em república com outros rapazes, que absolutamente não estão preocupados se ele perde aula ou não, ele passa a acordar com o som do mesmo despertador. A SRAA passa a permitir que esse estímulo alcance o córtex cerebral, despertando-o. O cérebro antigo reconhece como necessidade de sobrevivência que ele freqüente a escola e sabe que não há mais a possibilidade da mãe substituir o despertador.

Eu dei dois exemplos em que o cérebro interpretou corretamente o significado dos eventos, modulando a resposta a eles a favor da sobrevivência. Mas existe uma outra situação possível, em que os estímulos podem ter um significado ambíguo para nós, sendo percebidos ou classificados na memória de forma equivocada. Por exemplo:

Se tivermos uma experiência intensamente desagradável em um ambiente onde se queimava um determinado incenso, é possível que muitos anos depois, chegando a um local onde se sinta o mesmo cheiro, ainda que não nos lembremos mais a experiência desagradável, tenhamos uma sensação de desconforto, mal estar, perigo. Nosso cérebro arquivou equivocadamente aquele cheiro como algo que põe em risco a nossa sobrevivência. Do ponto de vista fisiológico nosso organismo reage à primeira (desagradável) e não à segunda experiência. Quanto menos elaboradas forem as experiências negativas ao longo da vida, maior o risco do cérebro classificar erroneamente os eventos memorizados.

Então nós já estamos entendendo que o cérebro tem plasticidade, refaz suas sinapses constantemente ao longo da vida, constrói suas percepções, reconstrói suas memórias e modula suas percepções e memórias de acordo com suas emoções, mesmo que essa modulação às vezes se faça de forma equivocada.

Como poderemos fazer a conexão disso tudo com o adoecimento?

O cérebro antigo é constituído pelo tronco cerebral, e estruturas subcorticais, como o tálamo e o hipotálamo. O hipotálamo regula tanto o sistema endócrino, responsável pela fabricação dos hormônios que, lançados na corrente sanguínea, agem à distância, como o sistema nervoso autônomo, que se divide em enteral, simpático (SNS) e parassimpático (SNP). Os dois últimos nos interessam neste momento, pois têm relação com a resposta de luta ou fuga (SNS), e com o relaxamento (SNP). Na verdade o que precisa ocorrer é um trabalho conjunto e equilibrado dos dois sistemas.

Resumidamente, o SNP ativa a digestão e leva o resto do corpo ao relaxamento. A resposta de luta ou fuga, relacionada com o SNS consiste numa reação orgânica difusa, que aciona a fabricação de neurotransmissores, hormônios e peptídeos que aceleram nosso metabolismo, aumentam nosso estado de alerta, nossa capacidade de raciocínio, a circulação sanguínea nos nossos músculos, gerando maior agilidade e força, enfim, nos preparam para enfrentar uma situação de perigo, fugindo ou lutando.

A curto prazo e no momento certo, toda essa cadeia de reações nos protege. Numa situação de estresse, de perigo, vem um carro, eu vou ser atropelada, dou um salto para a calçada que normalmente eu não conseguiria dar. Se eu tentar imitar isso no dia seguinte não consigo. O sistema nervoso autônomo simpático é que permite esse aporte de energia maior e que me possibilita executar tarefas com uma força, com uma rapidez, com uma prontidão que no dia a dia eu não consigo.

Porém, se desencadearmos a produção de todas essa moléculas desnecessariamente, como no exemplo em que entramos no ambiente com o cheiro do incenso que nos remete inconscientemente àquela experiência traumática antiga, essa reação em cadeia gera moléculas que não serão utilizadas para luta ou fuga. Nosso corpo permanecerá em estado de repouso ou pequena atividade física, sem consumi-las. Essas substâncias estarão circulando no nosso organismo, gerando efeitos nas células que serão deletérios. A metáfora que eu costumo fazer é a de um indivíduo que se alimenta muito porque realizará um trabalho pesado e ficará muitas horas sem comer, e um que se alimenta da mesma maneira e vai em seguida dormir. O alimento é o mesmo, mas no primeiro caso ele gera energia para a execução do trabalho, e no segundo caso ele não será utilizado, sendo armazenado em forma de gordura, gerando sobrepeso, flacidez muscular e todos os problemas secundários à obesidade. Da mesma forma, uma ativação prolongada e desnecessária do SNS acabará levando a doenças como hipertensão arterial, gastrite, diminuição da imunidade com maior propensão para doenças infecciosas, etc.

Existe uma pesquisa feita em uma universidade americana, na qual listaram eventos como separação, morte, fracasso nos negócios, enfim uma lista de eventos que são considerados nocivos. Averiguaram também a percepção de estresse, com um questionário que incluía perguntas do tipo: "Você considera sua vida boa? Como você acha que a sua vida é? Você normalmente está de bom humor ou de mau humor? Como você acorda?" Enfim, uma série de perguntas que servia para medir o quanto aquela pessoa estava satisfeita com a vida dela. Eu gostei muito da metodologia empregada nessa pesquisa, porque sempre questiono os trabalhos que enfocam só os eventos. Afinal, o que é um evento? Eu tenho uma paciente que me conta que está separada chorando dolorosamente. Outra diz: Finalmente eu consegui me livrar daquela cruz! Então, o que é um evento na vida de uma pessoa? Um evento não quer dizer grande coisa. Agora, a percepção de estresse sim. Mas vamos voltar à pesquisa. Após responderem os dois questionários as pessoas foram vacinadas. Posteriormente foram comparados os resultados dos questionários com o nível de anticorpos obtidos com a vacinação. O nível de anticorpos dessas pessoas não teve relação com o resultado da lista de eventos, mas teve relação clara com a percepção de estresse. Quanto maior a percepção de estresse, menor o nível de anticorpos, e quanto menor a percepção de estresse, maior o nível de anticorpos. Esse resultado confirma a idéia de que os indivíduos que lidam mal com a vida têm uma diminuição da atividade imunológica, estando, portanto, mais propensos a adoecerem do que os que conseguem lidar bem com as frustrações e reveses. Isso por causa da hiperativação do SNS.

O sistema nervoso parassimpático é o oposto do simpático. Ele é o sistema do relaxamento, do repouso. A única parte do organismo que este sistema ativa é o aparelho digestivo. Por isso quando você come, durante a digestão, você fica mais devagar, a cabeça fica mais lenta. O sistema parassimpático está ativando o aparelho digestivo e está promovendo um relaxamento no resto do corpo. Ele é ativado em meditação, em relaxamento, em qualquer prática que vise abaixar o nível de ansiedade, de estresse. Os dois sistemas autônomos, simpático e parassimpático, têm que estar sempre equilibrados para você funcionar bem. Você tem que ser capaz de ter uma reação de defesa imediata, e também tem que ser capaz de, no momento em que não está precisando disso, relaxar.

Voltando para a psicologia, podemos dizer que uma pessoa que tenha um determinado problema emocional não resolvido, por exemplo um complexo de inferioridade, tenderá a interpretar a realidade à sua volta de forma desfavorável, gerando cada vez mais equívocos classificatórios tanto no seu processo de percepção, como na construção das memórias de suas experiências de vida. A todo o momento seu organismo reagirá aos eventos como se estivesse numa situação de luta ou fuga. Uma inundação hormonal e peptídica ocorrerá. O que acontece quando você começa a ter muitas distorções? Você vai começar a viver experiências negativas, experiências desagradáveis, com muito mais intensidade e muito mais freqüência do que seria o esperado para o tipo de vida que você tem.

Vocês não podem imaginar como as pessoas leigas em psicologia vêem o psiquismo humano como uma coisa estática. Fulano é assim, e não fulano está assim. Eu escuto muito no consultório os pacientes dizerem que são ansiosos por causa da genética, ou depressivos porque sua família toda é assim. Não que eu queira negar uma predisposição genética para os distúrbios do humor, como para qualquer problema de saúde. Mas as pessoas subestimam a dinâmica de vida deles. Ninguém pensa que pode funcionar de outro jeito, diferente do que aprendeu em casa. As pessoas não sabem que podem mudar. Existe um modismo de dizer que o problema é a bioquímica cerebral. As pessoas dizem: "eu descobri, ou meu médico descobriu, que meu problema é uma substância que meu cérebro não fabrica, a serotonina". Mas será que essa bioquímica é determinada assim dessa forma tão imutável?

Pensemos novamente na hipótese de um marcador somático. Se você muda o significado das coisas para você, o seu marcador somático deixa de acionar de forma inadequada e exagerada, o seu sistema nervoso autônomo. Então, na hora em que o indivíduo consegue descobrir que o chefe é mal humorado, que o comportamento do chefe não tem nada a ver com ele, que o problema é do chefe com ele mesmo, seu sistema de luta ou fuga não é mais acionado desnecessariamente. Considerando-se a plasticidade cerebral, quantas sinapses de ansiedade você faz quando está vivendo com alto nível de hormônios e peptídeos relacionados com a ansiedade? Precisa haver no DNA alguma herança de ansiedade? É o seu jeito de perceber o mundo que está produzindo um cérebro mais propenso a funcionar de determinado jeito do que de outro. Agora, imagine se tudo isso acontece na infância onde a proliferação de sinapses é muito mais exuberante. Se o paciente é adulto, veja por quantos anos essas sinapses foram sendo reforçadas. Quando as pessoas se resignam a se classificar como ansiosas, depressivas, irritadas, porque "está no DNA", elas estão aumentando a eficácia de suas sinapses equivocadas. Não podemos dizer: “o cérebro foi formado assim, então ele é assim”. Não. Ele está assim. Você pode modificar muitos circuitos sinápticos que formam seu cérebro estruturalmente. Na hora em que funcionar de outra maneira, você vai mudar essas sinapses.

 

As Moléculas de Informação

Quando eu escolhi o nome desta palestra, eu quis fugir do termo medicina psicossomática, porque existe um hábito no meio médico de listar determinadas doenças como psicossomáticas. Na minha opinião, todas as doenças têm a ver com o que eu acabei de falar. Por que elas têm a ver? Onde é que está a ponte de ligação? Vamos por etapas.
Existe uma comunicação permanente entre o cérebro e o resto do corpo, e vice-versa, através das chamadas moléculas de informação: neurotransmissores (neurônio-neurônio e neurônio-músculo), hormônios e peptídeos (como no sangue, líquor, espaço extracelular). É esse fato que assegura que o sistema nervoso central se comunique com o sistema endócrino, com o sistema imunológico, e, por conseguinte com todos os tecidos orgânicos. O problema é que quando em desequilíbrio, o sistema nervoso autônomo e, por conseguinte, o sistema endócrino e o imunológico, bombardeiam as células com moléculas de informação, levando a alterações intracelulares. As nossas células funcionam o tempo todo fabricando proteínas. A nível molecular é só isso que a gente faz: fabricar proteína.

Fabricar proteína para começar uma função, fabricar proteína para interromper a função. Para executar ou parar de executar qualquer função que a célula tenha, ela vai ter que fabricar proteínas. O bombardeio das moléculas de informação vai levar a alterações de enzimas, fatores de crescimento, proteínas que governam a atividade celular, ativando genes que deveriam estar inativos, desativando genes que deveriam estar ativos, provavelmente até provocando mutações de genes. Vamos dar um exemplo:

O que ocorre no câncer? Cada célula tem um ciclo, que se repete inúmeras vezes de acordo com o tecido ao qual a célula pertence. Cada ciclo é composto por cinco estágios: G0, G1, síntese, G2 e mitose. G0 é momento em que a célula cumpre a sua função. É o momento em que ela expressa os genes que ela tem. Não basta ter o gene, ele tem que se expressar fabricando proteína, se não é o mesmo que ter uma máquina de fazer dinheiro em casa, sem fazer dinheiro. Ou você faz dinheiro ou não adianta nada ter a máquina. Para comprar as coisas você precisa do dinheiro e não da máquina. Assim são os genes dentro da célula. Eles precisam fabricar proteínas. G0 é momento em que a célula cumpre a sua missão. Está fazendo as suas proteínas, os genes estão se expressando, estão trabalhando. A célula vai fazer o que for para ela fazer. Se for uma célula de glândula sudorípara, ela vai fazer o suor. Se for uma de suco digestivo, vai fazer o suco digestivo. Cada qual vai fazer o que é para fazer. Na fase G1 ela se prepara para a fase de síntese, que é a fase em que ela duplica a sua bagagem genética. Tudo o que ela tem é replicado. Na fase G2 ela se prepara para a fase de mitose, que é uma fase mecânica em que ela se divide em duas. Uma célula vira duas. Em algumas células esse ciclo acontece continuamente, por exemplo na pele. Em outras, o ciclo só acontece quando necessário, por exemplo no fígado, quando há uma lesão ou inflamação. Mas em todas as células, quando ocorre, volta e meia o ciclo é interrompido para que seja feita uma checagem. “Está tudo bem? Não tem nada errado? Não precisa consertar nada?” Se não houver essa checagem, as células se multiplicam com erros de estrutura, que são as mutações. Existem vários genes que tem como missão fazer essa checagem. No câncer o principal é o P53. A proteína fabricada por ele, a p53, parece uma aranha. Ela vem com os braços, abre a hélice de DNA, o gene que é responsável pelo reparo é transcrito e a proteína providencia o conserto do DNA. Depois de ter sido feito o reparo no defeito, o P53 deixa o ciclo prosseguir e a célula proliferar. Então, se houver uma mutação no P53, ele mesmo tiver um defeito, a proteína que ele fabrica não cumpre a sua missão, o reparo não é feito, e a célula se reproduz com o defeito, ou seja, com a mutação. O câncer nada mais é do que lesão de DNA. Dependendo do tipo de câncer, para que ele aconteça é necessário haver três, quatro, sete mutações na mesma célula.

 

O Sentimento de Fundo

Agora sabemos que além do cérebro ter plasticidade, refazer suas sinapses constantemente ao longo da vida, construir suas percepções, reconstruir suas memórias e modular suas percepções e memórias de acordo com suas emoções, mesmo que essa modulação às vezes se faça de forma equivocada; sabemos também que o desequilíbrio das funções nervosas autônomas pode levar à ativação, inativação ou talvez até mutação de genes no interior das células.

Mas tudo o que eu falei até agora, cérebro, sinapses, hormônios, proteína, genes, tudo isso que é matéria, que é orgânico, tudo é permeado pelo significado. É permeado por você considerar um fato, um evento, um acontecimento, agressivo a você ou não. Se você considera aquilo uma coisa boa para a sua sobrevivência ou não. Se te ajuda ou não. E pode ser em nível consciente ou inconsciente. E então nós chegamos a um assunto que me é muito caro, que é o sentimento de fundo. Alguns neurocientistas, os que falam nisso – poucos falam – usam a expressão sentimento de fundo no sentido do sentimento presente quando uma pessoa está meditando, aquele sentimento neutro que não é alegre nem triste. Os textos de neurologia tratam o sentimento de fundo como se ele fosse neutro e emoção seria o que tira o sentimento de fundo daquele estado de placidez. Para melhor ou para pior, mas a emoção é que garantiria a saída desse estado neutro. A minha visão pessoal não é essa. Para mim, o sentimento de fundo é aquele que está presente ordinariamente no ser humano, e não é necessariamente um sentimento neutro. Talvez nunca seja neutro. Eu vou contar um exemplo, modificado por uma questão ética, mas poderia ter sido exatamente assim:

Uma paciente veio com uma queixa clínica de mais de 10 anos de duração. Narcolepsia, que são crises de sono irresistível. Já havia até se machucado por conta dos episódios. Ela não podia tomar os remédios usados para narcolepsia por causa dos efeitos colaterais. Então, ela foi me procurar tentando ver se podia tratar narcolepsia com homeopatia. Na consulta homeopática nós sempre procuramos achar a emoção que desencadeou a doença, ativou a predisposição genética do paciente, porque nós podemos trabalhar com homeopatia os efeitos físicos da emoção. Portanto, é rotina pesquisarmos como estava a vida do paciente antes do início do quadro. E essa paciente me contou uma situação de vida delicada com pessoas muito próximas, às quais ela na verdade nunca havia perdoado. Como eram pessoas muito importantes para ela, ela pôs uma pedra no assunto e não falou mais nisso. Ela me disse: “Sabe doutora, desde esse dia, faz quinze anos, eu estou sempre triste. Eu posso rir de uma situação engraçada, mas, lá dentro, eu não mudo. Eu continuo triste. Eu posso conviver normalmente. Eu sou uma pessoa que reage ao que está ao meu lado. Mas, se for olhar lá no fundinho de mim, eu estou sempre triste”. Eu fiz sua receita levando em consideração esse sentimento de fundo e ela teve uma resposta muito boa. Foi a melhor narcolepsia que eu já tratei. Nem sempre a resposta é tão rápida. Na primeira receita já parou definitivamente de ter crises. Foi um caso que deu certo desde a primeira tentativa. O que nem sempre acontece com a homeopatia. Ela não tinha mais o sono anormal. E a tristeza? - “Que engraçado, doutora! Sabe que eu não estou mais sentindo aquilo?” Isso para mim é que é o sentimento de fundo. É o sentimento que modula nosso funcionamento orgânico. É aquele sentimento maestro, que dá o tom da nossa vida. Seja ele bom ou ruim, neutro não deve ser, talvez o Dalai Lama tenha um sentimento de fundo neutro. Será que isso tem a ver com complexo, com arquétipo? Não saberia dizer agora, mas é algo para ser pensado. Um sentimento permanente, ligado ao psiquismo, que sobrevive às oscilações emocionais do dia a dia, que se mantém imutável nas 24 horas, gerindo nossas reações bioquímicas mais profundas, talvez gerindo até as conformações dos nossos receptores de membrana celular. Bem, toquei em outro ponto que merece ser mencionado.

Qualquer substância química produzida ou introduzida (remédios, por exemplo) no organismo, provoca uma reação nas células através de um contato com receptores. Os receptores são moléculas dos mais variados tipos, que ficam na membrana celular. A metáfora mais comum para isso é comparar o receptor com uma fechadura e as moléculas de informação com a chave que entra na fechadura e liga a função celular. Mas essa é uma visão estática. Não só nós produzimos dinamicamente os receptores, de acordo com nossas necessidades físicas e psíquicas, como eles mudam de configuração entre três ou quatro preferenciais o tempo todo. Por que será que muitas vezes uma pessoa toma um antidepressivo e ele funciona? Outras vezes, ou com outras pessoas, não funciona? Talvez os receptores não estivessem estruturalmente corretos, suas subunidades não fossem as mais eficientes, talvez não estivessem na configuração adequada para receber aquela substância de informação. O antidepressivo também é uma substância de informação. Exógena, mas é.

Então o sentimento de fundo talvez seja o maestro da produção de receptores, de peptídeos, de hormônios, de neurotransmissores. O maestro que determina a configuração e, portanto, a eficiência dos receptores. Em última análise, ele talvez comande a expressão dos nossos genes. Você pode ter herdado uma predisposição genética, mas você não precisa, necessariamente, expressá-la. Na psiquiatria a definição de depressão reativa inclui o tempo. Se a depressão durar mais do que um determinado tempo já não é mais reativa, seria endógena. Mas na minha opinião nós não podemos determinar tempo nenhum, porque você pode cristalizar um determinado sentimento, e ele passar a ser o seu sentimento de fundo. Assim, uma coisa que aconteceu muitos anos atrás permanece em você no presente. Não está no passado. Você pergunta a um paciente: você já superou esse fato? E pela forma com que ele responde você percebe que está tudo no presente. Ele fica com o sentimento de fundo, vinte e quatro horas por dia. Talvez os monges tibetanos tenham esse sentimento de fundo neutro que a gente vê nos livros de neurofisiologia. Pra mim o sentimento de fundo é um sentimento muito mais personalizado e está atuando vinte e quatro horas por dia.

As pessoas podem trabalhar esse sentimento de fundo de muitas formas. Desabafando com amigos, viajando para a praia, fazendo terapia psicológica, tomando homeopatia, meditando. O que vai funcionar depende, provavelmente, do quanto a causa daquele sentimento de fundo está enraizada na pessoa. Há coisas que são resolvidas facilmente, outras são tão difíceis de resolver que até eu, que relativizo a importância do genoma, fico tentada a atribuir à genética o problema do paciente. A escolha de se usar remédios alopáticos, por exemplo, um antidepressivo, depende do nível de sofrimento do paciente. Às vezes a dor é tão intensa que é impossível usar qualquer outro método. O paciente não tem forças para reagir. Eu sempre divido com ele essa decisão. Mas se o paciente após um tempo de uso de antidepressivo ficar bem e não precisar prosseguir o tratamento medicamentoso, eu interpreto que ele resolveu internamente a causa daquele sentimento de fundo. Eu não acredito que o antidepressivo “curou” o paciente. Eu interpreto que o antidepressivo tornou a vida dele possível, enquanto outras coisas ocorreram para mudar o significado do problema na sua vida. Daí ele não precisar mais de antidepressivo. Nesse sentido a meditação funciona bem. Além de ajudar a organizar fisiologicamente o cérebro, ela dá uma pausa no bombardeio que o sentimento de fundo provoca no nosso organismo. A prática de meditação, de visualização, desliga por algum tempo a conexão entre os problemas afetivo-emocionais não resolvidos com o nosso sistema nervoso autônomo. Quanto maior a prática, maior a profundidade e duração do efeito. Você interrompe o fluxo exagerado de substâncias sobre o teu genoma. É lógico que o efeito disso tem suas limitações, não é uma panacéia universal. Para cada paciente o instrumento ideal é um, em um determinado momento da vida. Às vezes remédio alopático, às vezes homeopatia, às vezes terapia psicológica, ou cirurgia, ou acupuntura, ou meditação, ou a associação de vários métodos. Nós temos que convergir, juntar forças para ajudar o paciente a se modificar, para que ele dê o salto de qualidade na sua vida. Quando ele dá o “pulo do gato”, tudo se modifica completamente. Quando a pessoa resolve uma pendência antiga na alma, é lógico que o marcador somático vai parar de identificar o que antes era identificado como agressivo para a sobrevivência. Então, de repente, aquilo que antes fazia minha adrenalina ir a mil, agora me faz rir. “Nossa! Eu nem entendo como antes eu ficava nervosa”. Então, o importante é você mudar o significado das coisas. Mudando o significado das coisas, você vai fazer todo esse circuito, sobre o qual eu estou falando aqui há algum tempo, se modificar. Eu encontro colegas em aniversários de formatura, e eles me dizem: “Denise, você não mudou nada”. Eu espero ardentemente ter mudado, porque se eu for a mesma pessoa que eu era na faculdade... A verdade é que nós mudamos, graças a Deus. Nós estamos sempre mudando. O nosso eu biológico, o nosso substrato anatômico cerebral muda para melhor ou para pior, dependendo do que você faz na e da sua vida. Com certeza, nós podemos mudar sempre para melhor, se nós estivermos atentos a isso.

Debate

Profa. Denise Menezes: Marcador somático? Podemos dizer que marcadores somáticos são circuitos organizados a partir das nossas experiências, que classificam as nossas contingências de vida, de modo a constantemente avisar-nos do risco ou da vantagem de se tomar esta ou aquela atitude. Estruturalmente tem relação com o córtex pré-frontal e a amígdala. Eu imagino que a minha hipótese de sentimento de fundo como um “maestro” do funcionamento do nosso corpo tenha relação com a ação dos marcadores somáticos.

Professor Efraim Boccallandro: Denise, me dá licença que eu vou falar uma coisa para você. Em primeiro lugar, eu aprendi muita coisa com a sua palestra. E, em segundo lugar, eu queria agendar uma conversa nossa lá na clínica, porque não vai dar para a gente discutir o que eu gostaria. O negócio é muito demorado. É o seguinte: você é uma excelente homeopata. Eu sei porque eu envio criança para você, você trata e melhora. Agora, você falou de homeopatia e nos deixou com uma visão de homeopatia, assim, tão rápida que sinceramente, eu acho que ficou uma homeopatia muito injustiçada. Eu entendo que homeopatia é medicina bi-racional. Então, eu gostaria que você falasse alguma coisa sobre isso se é que está de acordo, é claro. Outra coisa: eu estou sempre em oposição àquilo da faculdade. Sempre estou na oposição. Então, uma jornada de psicossomática quando eu estava no doutorado com a Matilde, e fizeram uma jornada que era de doença degenerativa caminho sem volta. Eu sou portador de uma doença degenerativa. Eu fiquei revoltado. O que é isso? Está me matando antes do tempo? E aqui: entre mente e corpo. Entre a psique e a matéria. Tudo bom. Esse entre em espanhol é divisão. Dez entre dois dá cinco. E, em português não sei se tem esse sentido, mas, entre já separou. Então, tem que ser uma palavra que fosse uma união entre a psique e a matéria. E ainda mais: entre a psique, a matéria e o social. Quando eu escrevo psicossomática no meu artigo, eu escrevo assim: Psicossomática social. Tudo junto. Agora, você cometeu uma transgressão nesse negócio de psique e matéria. Você falou muito da matéria e pouco da psique. Quem interpreta isso? Eu acho difícil de saber quem interpreta do seu ponto de vista psicológico. Porque eu não sou proteína. Eu sou também proteína. Mas, como uma vivência, como um ser em relação, eu sou uma pessoa e, essa pessoa é tudo isso. Agora, eu tenho uma consciência, porque eu não sei o que é. Então, aí começa um mistério. Isso vem sendo aos séculos dos séculos e, até agora ninguém respondeu. Era só isso.

Profa. Denise Menezes: Eu vou começar respondendo o mais fácil. Eu optei por não falar aprofundadamente de homeopatia porque senão eu iria fugir do tema que me deram. Na verdade eu me senti mostrando o Louvre em meia hora, porque são assuntos extensos demais para eu falar em 90 minutos. Se eu fosse incluir outras coisas... Mas professor Efraim, eu adoraria que nós marcássemos um outro encontro em que isso pudesse ser abordado. Eu acho que fica a sugestão. Hoje o meu compromisso era dizer o que a ciência oficial diz, o que a neurologia oficial diz disso tudo.

Então, tudo o que eu falei aqui é oficialmente aceito pela neurologia, com as exceções que eu fiz questão de deixar bem claro, dizendo ser minha opinião pessoal. Fora essas exceções, tudo o que eu falei sobre sistema nervoso é o que é oficialmente aceito, comprovado. Eu digo para a professora Denise Ramos que existem três áreas na minha vida acadêmica, que eu tenho que ter muito cuidado para não tornar promíscuas. Uma é o que a neurologia, as neurociências aceitam como realidade. Outra é o que já foi provado, mas ainda não foi aceito oficialmente. E a terceira é o que eu acho, são as minhas inferências, que ninguém provou, nem eu mesma, é o que está só na minha cabeça. Então, eu tenho que transitar com muito cuidado entre essas três áreas. Eu entendo que hoje era só da primeira área que eu deveria falar, com pequenas incursões, muito limitadas, às outras áreas. Mas, fica a sugestão para nós aprofundarmos a conversa.

Platéia: O que eu perguntei para a professora Denise: O marcador somático. Para ela falar um pouquinho do estresse pós-traumático.

Profa. Denise Menezes: O raciocínio não muda. Quando você tem um impacto emocional, qualquer que seja ele, quer ele esteja na consciência ou não, você vai ter uma tendência a reagir a situações que tenham qualquer semelhança com ele, como se fosse o mesmo. A semelhança pode ser por uma particularidade absolutamente sem importância, ou uma generalização descabida. Por exemplo, uma mulher que sofreu abuso sexual pode reagir a todos os homens indistintamente como se todos fossem agressores em potencial. Você não reage aos novos eventos, mas ao evento antigo, marcante. O psicólogo diz que o sofrimento é maior quando põe o dedo na ferida antiga. Do ponto de vista neurofisiológico, a explicação é essa, a do marcador somático. O corpo não reage ao que aconteceu agora, mas, ao que aconteceu agora, ontem, na semana passada e aos dois anos de idade. A reação que vem do organismo é ao todo. E é principalmente ao pior. Qual tenha sido o trauma mais doloroso, mais difícil, é para esse que o seu organismo vai reagir, porque é reconhecido como o mais nocivo à sobrevivência. O trauma psíquico fica fora da dimensão espaço-tempo. Ele está no presente, no hoje, no agora. No momento daquele trauma você criou um sentimento de fundo que está te acompanhando permanentemente. Ontem eu estava tentando convencer uma paciente a ir à terapia. E ela dizia: “Não, isso é bioquímica. Eu já li sobre isso. Se é bioquímica, eu sou assim, eu sempre fui assim”. A terapia assusta as pessoas um pouco. Mas, se você não elaborar seus problemas, resolver suas pendências, o mecanismo do marcador somático vai continuar fazendo novas classificações equivocadas. É o mesmo mecanismo que fazia bater o meu coração forte quando uma criança chegava perto da janela do meu carro. Porque por três vezes eu já fui assaltada por uma criança colocando uma garrafa quebrada no meu pescoço, um canivete. Por muito tempo bastava uma criança se aproximar do carro para o meu sistema simpático acelerar meu coração. No estresse pós-traumático acontece igual. Quando o trauma está na consciência imagino que o trabalho psicológico seja um e quando está na inconsciência seja outro.

Platéia: Professora Denise, não ficou muito claro para mim a relação entre o câncer e a checagem do DNA pelo gen P53.

Profa. Denise Menezes: Foi até bom mesmo você ter falado nisso. O assunto é complexo e eu fui resumida demais. Para que haja célula cancerosa, é preciso que haja mutações que desvirtuem a finalidade da célula. Em vez de ela fazer o que se propunha, por exemplo, leite se for uma célula da glândula mamária, ela simplesmente fica se reproduzindo. Nada mais faz que duplicar sua bagagem de DNA e se separar em duas outras células. Como tudo começa?

Tomemos o exemplo dado anteriormente. Se o gene P53 está defeituoso, ele não fabrica mais corretamente a proteína p53 que interrompe o ciclo da célula para ver se há erros de estrutura de DNA – as mutações. Daí a célula se reproduz com erros. Essa é a primeira fase da formação do câncer, a fase de iniciação. Dependendo do câncer tem que ter no mínimo três a sete mutações na célula. Nessa fase a célula tem mutações, mas ainda não é câncer. Os fatores de iniciação são os mais diversos: raios solares ultravioletas, raios-X, nicotina. Sabe de uma coisa? O fumo é o único fator que preenche as três fases da formação do câncer: ele é fator de iniciação, fator de promoção e fator de progressão. Não precisa mais nada. Basta o cigarro para cumprir as três etapas.

Os fatores de promoção, segunda fase, são diversos. O corante chamado manteiga amarela que é o corante das margarinas amarelinhas. Para ficar parecida com a manteiga usam aquele corante amarelo. A aflotoxina do amendoim (100% dos amendoins no Brasil estão contaminados com aflotoxina). Carne vermelha mal conservada. Na verdade nós estamos em contato com agentes cancerígenos o tempo todo.

Aí vem terceira fase, a fase de proliferação. Quais são os fatores de proliferação? Dentre outros, os fatores de crescimento, o hormônio de crescimento, testosterona, estrógeno, progesterona. Moléculas que fabricamos normalmente, algumas delas exageradamente produzidas quando temos desequilíbrio SNS/SNP. Além disso, quando uma pessoa está com um ritmo de vida estressante, o bombardeio do sistema nervoso simpático leva a um alto nível do hormônio cortisol, que diminui a produção de células NK. As células NK são células que fagocitam, destroem, vírus, bactérias e também células cancerígenas. Elas são eficazes quanto ao câncer apenas numa fase muito inicial. Se o sistema imunológico está deprimido, há diminuição das células NK, que não destroem as células cancerosas, que então se desenvolvem como câncer.

Nós não escapamos da maioria dos fatores geradores de câncer: sol, alimentos(sobre os quais nós temos tão pouca informação e controle). Porque não é todo mundo que tem câncer? Não se deve superestimar nem subestimar os multifatores geradores de câncer. Não se deve dizer “eu faço terapia então posso comer amendoim à vontade. Vou pegar sol de meio dia sem protetor solar porque eu estou com a cabeça boa, isso basta”. Não. Claro que não é assim. Carne defumada. A carne defumada é maravilhosa, mas é um fator cancerígeno potente. Porque nem todo mundo que come defumado, enlatado tem câncer? Nós estamos freqüentemente em contato com fatores cancerígenos. Por que uns desenvolvem e outros não? Eu pessoalmente acho que a diferença pode estar no sentimento de fundo, no maestro do nosso marcador somático. E muitas vezes esse sentimento de fundo não é conhecido por nós. Não está na consciência.

Profa Liliana Wahba: Denise, você já falou isso, mas, talvez para deixar um pouco mais claro, nós estamos falando bastante em causalidade. Até experiências do começo da vida, esses marcadores somáticos. Neste simpósio eu espero que vocês todos nos ajudem a pensar num método que Jung uniu à causalidade e é o prospectivo sintético. Eu queria te perguntar em termos de organismo: é sabido que respondemos em termos orgânicos a causas mórbidas patológicas. Teria também uma possibilidade agora do meu organismo responder à prospecção? Quer dizer, aquilo que vai acontecer, aquilo que eu imagino para depois, vir retornando no meu agora?

Profa. Denise Menezes: Com certeza. Os mecanismos de memória são idênticos para a memória evocada do passado e, para a memória evocada do futuro. Quando você imagina uma coisa você ativa áreas de percepção e quando você evoca o que você imaginou, você ativa as mesmas áreas cerebrais. Idêntico. Não faz a menor diferença. Por isso que falam sobre o valor do pensamento positivo, coisas do gênero. Porque para o seu organismo aquilo não é futuro, aquilo é presente. Está acontecendo agora. Para efeito de sistema nervoso autônomo, o marcador somático interpreta como já acontecendo. Talvez mude a intensidade da resposta, mas é qualitativamente igual.

Prof. Alberto Lima: Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. O tema que propusemos suscitou o que em você? A partir da sua experiência profissional como e onde você foi impactada com o tema proposto para o simpósio? A que ele te remeteu? Qual foi a primeira imagem que ocorreu? Dá para você falar um pouquinho sobre isso?

Profa. Denise Menezes: Na verdade, eu já era neurologista há muitos anos quando eu decidi estudar homeopatia. Acho que pelo motivo que leva metade dos médicos homeopatas a estudar homeopatia. “Viram acontecer” e disseram: o que isso? Meus filhos tinham uma alergia que ninguém dava conta. Eu fui absolutamente incrédula, só para não dizer que não tentei e meus filhos sararam. Aí eu disse: “Nossa! Eu não tive nenhuma aula sobre isso. Como é que pode? Eu sou médica com especialização e pós-graduação e não sei o que é isso aí!” Fui fazer o curso, é longo, três anos, e pensei: faço um ano só para entender como é que é, depois eu paro. Só que com um ano de curso eu já estava medicando com homeopatia e não parei mais. Então houve uma mudança profunda na minha forma de ver a saúde e a doença. Pela idéia de causalidade psíquica na homeopatia, pelo fato da medicação homeopática não ter molécula da substância original, aconteceu uma revolução no meu paradigma médico. Então a primeira idéia que eu tive ao ser convidada para falar foi “que bom poder falar num local onde as pessoas pensam como eu, têm uma visão de mundo parecida com a minha”. É muito diferente falar sobre isso para médicos. Eu preciso convencê-los a cada momento da relação entre emoção e adoecimento. Então, que ótima oportunidade que a professora Denise Ramos me deu. Eu sou muito grata.

Em segundo lugar porque, por outro lado, eu gosto de desmistificar a falsa competição entre médico e psicólogo. O neurologista erra por um lado, o psicólogo erra pelo outro. Fica uma disputa do que é psicológico, do que é orgânico. Eu adoro oportunidade de dizer assim: nós precisamos analisar o tempo todo quem tem o melhor instrumento. Não importa onde começou. Não importa se começou no físico e foi para o emocional, se começou no emocional e foi para o físico, se começou nos dois ao mesmo tempo. Vamos checar sempre. É uma coisa que eu procuro fazer na minha prática profissional e, eu acho que é o mais difícil, porque a gente se apaixona pelo que faz e, quando menos percebe já acha que dá conta de tudo. Então, eu gosto de ter essa oportunidade. Desmistificar. O psicológico é orgânico, o orgânico é psicológico. A divisão funciona didaticamente, mas não na prática. Não há mágica. Nós somos matéria. Qualquer coisa que você sinta vai se traduzir por matéria sim. Mas nem sempre a solução é abordar diretamente a matéria. Não é para ficar espantado. A propósito disso, existe uma pesquisa que uns biólogos fizeram com lagostim. Existem dois tipos de lagostim, os vencedores e os perdedores. Os lagostins brigam sempre e os vencedores escolhem a comida, as fêmeas, têm prioridade sobre os perdedores. E os biólogos descobriram que os vencedores têm um tipo de receptor de serotonina e os perdedores outro. Só para comparação, os seres humanos têm vários tipos de receptores de serotonina. Um dia um perdedor ganhou. E aí eles foram observar o receptor do perdedor, tinha mudado, estava igual ao do vencedor. Após a vitória, o perdedor havia fabricado um receptor de serotonina com as mesmas características do vencedor. Eu contei isso entusiasmada para um médico amigo meu. Olha aqui! Está vendo como nós podemos mudar estruturalmente o cérebro conforme nossas experiências? Ele olhou e disse: “Que interessante! Houve uma mutação e aí ele venceu”. A primeira reação dele foi achar que primeiro houve a mutação e aí ele se tornou um vencedor. Então, é um prazer falar para vocês! Vocês nem imaginam!

Prof. Durval Luiz de Faria: Dr. João Bernardes da Rocha Filho é físico, especialista em Psicossomática, especialista em metodologia do ensino, Mestre em Educação e Doutor em Engenharia, sendo professor de física e psicooncologia, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e atual diretor científico da Sociedade Brasileira de Psicooncologia, Regional Sul. Ele lançou recentemente seu livro, intitulado "Física e Psicologia – as fronteiras do conhecimento científico aproximando a física e a psicologia junguiana”. Gostaria de lhe dar as boas vindas.

Entre a física e a psicologia
Prof. Dr. João Bernardes da Rocha Filho

Os Fundamentos da Ciência

É um prazer muito grande estar aqui com vocês. Esse convite muito me honrou e foi aceito imediatamente. Espero, nesses minutos nos quais vamos estar juntos, passar a mensagem do livro, que trata da correlação entre a física e a psicologia. Já conversei com o pessoal da organização do evento, avisando a eles que minha memória não é muito boa, então eu preciso de cutucões, de beliscões para poder me lembrar dos fatos importantes que precisam ser apresentados e discutidos. Por isso eu queria pedir para vocês que durante a passagem das lâminas, que são muitas, fizessem imediatamente as perguntas que forem surgindo. Vamos combinar isso? Eu preciso dessas perguntas senão a palestra vai ficar muito chata. Estamos combinados? Então vamos lá.

Nós vamos conversar primeiro sobre os fundamentos da ciência. Vou passar por essa primeira parte rapidamente para que cheguemos logo nos temas maior aplicação. Vamos falar um pouco sobre a física clássica, sobre o que ela significa, sobre suas falhas, porque a física clássica já não responde mais perfeitamente bem às nossas necessidades. Depois vamos abordar a relatividade e, em seguida, vamos entrar na mecânica quântica para mostrar, afinal, o que é a física quântica. O que ela diz, quais são suas idéias fundamentais. Em seguida nós entraremos mais na nossa área. Vamos conversar sobre idéias junguianas. Vamos comentar autores que fazem essa ligação da física com o funcionamento da mente, com o funcionamento do universo, e então vamos pensar um pouco sobre a visão e a memória interpretadas de um modo holográfico. Nós também vamos falar sobre a questão do universo ser interligado ou não. Falaremos sobre o tempo, o que é muito importante, assim como a consciência e a ciência. Conversaremos também sobre idéias de pessoas da física e da psicologia, e até alguns da engenharia, que também fazem pesquisas nesta área. E, por fim, uma seqüência de mini conclusões que, na verdade, são perguntas que eu vou deixar sem resposta, mas que são perguntas que surgem a partir da nossa conversa.

Queria deixar claro uma coisa que considero importante: não veremos aqui, nesta palestra, nada que se pareça com uma aplicação clínica direta dos conhecimentos da física quântica. Não é esse nosso objetivo. A preocupação central que está nesse livro sobre o qual nós vamos conversar é epistemológica. É uma preocupação de conteúdo, que pretende que vocês mesmos façam essa interpretação e a traduzam na sua vida profissional, no tratamento das pessoas, enfim, nas suas próprias vidas, da forma como puderem ou quiserem. Não há receitas aqui. Cremos que o conhecimento tem o poder de melhorar as pessoas, tanto em suas vidas privadas como profissionais, mas isso é só uma crença. Cada um levará daqui o que quiser.

Vamos começar, então, com os fundamentos da ciência. A ciência, como vocês sabem, é uma das formas de interpretar o mundo. Nós podemos interpretar o mundo pela experimentação, pela criação de teorias científicas, pela lógica, através da filosofia, por exemplo, ou através da religião. As três são complementares, e nós precisamos delas em conjunto. E a civilização sempre foi prolífica na criação de modelos que explicam o universo. Talvez vocês já tenham percebido isso, mas a cada geração, a cada grande era, as pessoas criam um novo modelo de universo. O modelo científico de universo mais importante que se tem notícia é o modelo newtoniano-galileano, um modelo de universo como sendo uma grande máquina, ou seja, um universo-relógio. Foi natural o surgimento deste modelo porque as estrelas, planetas e satélites passam no céu a intervalos regulares e previsíveis, como uma máquina. Esses, aliás, foram nossos relógios mais primitivos, e o universo, então, podia ser compreendido como sendo um relógio, uma máquina. Isso deu início ao primeiro superparadigma moderno.

Essa idéia do superparadigma é uma idéia interessante. Todos conhecem o conceito de paradigma, mas o conceito de superparadigma é um tanto aberto. Superparadigma pode ser entendido como sendo aquele conjunto de conhecimentos e/ou interpretações que estão tão arraigadamente aceitos e assimilados por uma sociedade que as pessoas sequer pensam sobre ele, embora o superparadigma seja precisamente aquilo que lastreia e baliza todos os demais desenvolvimentos científicos e tecnológicos, e também as filosofias e até as religiões dessa sociedade. São aquelas idéias que ninguém questiona. Então, houve época em que o melhor modelo de universo era o modelo de universo-relógio.

Com a revolução industrial e o surgimento da máquina a vapor, que parecia resolver todos os problemas da humanidade porque liberava as pessoas e os animais do trabalho pesado, estava aberta a porta para o surgimento de um novo superparadigma. A energia, fonte do movimento da máquina a vapor, passava a ser o centro das atenções, e aos poucos o universo inteiro foi sendo compreendido em termos energéticos, afinal, as máquinas podem mudar e evoluir, mas sempre precisarão de uma fonte de energia. Assim foi que a energia passou a ser o centro do universo sócio-econômico, produzindo efeitos culturais importantes, entre eles a idéia crescentemente aceita de que tudo poderia ser explicado e reduzido à energia. Surge assim, como uma decorrência direta do desenvolvimento tecnológico, o superparadigma do universo-energia.

A idéia de que tudo pode ser explicado em termos energéticos persiste até nossos dias, exceto nos meios científicos mais avançados, cujas idéias ainda não se disseminaram, e podemos ver conseqüências dessa pressuposição tácita em muitas áreas do conhecimento. Ainda hoje fala-se muito em energia, e esse conceito está disseminado no linguajar coloquial a tal ponto de as pessoas dizerem coisas como “..estou sentindo uma energia ruim.”, por exemplo, quando quer dizer que está tendo um mau pressentimento. Veremos em seguida que o uso de expressões desse tipo, baseadas no superparadigma atual, provavelmente não está muito correto, e vamos ver porquê. Adiantando um pouco o tema, atualmente nós temos os computadores, que existem embutidos em quase tudo. Você entra em qualquer lugar e encontra computadores. Eu estou mexendo num deles agora. Dentro das pastas de cada um de vocês deve ter um celular ou outro dispositivo eletrônico microprocessado, como um Palm, um PocketPC ou um discman, ou alguma coisa assim. Toda tecnologia moderna inclui o computador, então podemos dizer que um novo superparadigma está se formando, e ele deverá incluir a informação como entidade central, já que os computadores não são nada mais do que processadores de informações. O superparadigma universo-informação vem surgindo. Tudo passará a ser explicado em termos de informação, como foi explicado em termos energéticos até hoje. Isso é bom ou ruim? Vamos pensar sobre isso.

Também vamos discutir um pouquinho as idéias sobre a constituição no universo ao longo das eras. Os quatro elementos. O elemento único. O conceito de vácuo que é muito importante para a física moderna. A física tem um suporte conceitual que podemos considerar relativamente antigo. Antes de Galileu, precursor de Newton no século XVII, o suporte conceitual pode ser considerado antigo. O conhecimento científico que vigorava até Galileu era geocêntrico. Ninguém questionava que a Terra estava no centro do universo. Galileu estudou a lei da queda dos corpos e usou o telescópio para olhar para o espaço, para ver os planetas, enquanto Kepler enunciou as leis orbitais sem usar telescópio, ainda muito baseado nos conceitos gregos dos quatro elementos. O suporte conceitual clássico começa com Newton, que nasce no ano em que Galileu morre. E o mundo ficou um pouco diferente depois de Newton, que podemos considerar um avatar do superparadigma universo-máquina, porque ele enuncia as leis do movimento orbital, de Kepler, em termos gravitacionais. Ele e Huygens têm uma grande disputa em função disso e de outros desenvolvimentos. Christian Huygens e Isaac Newton divergiram em relação à suas percepções sobre a natureza da luz, que Newton julgava tratar-se de um tipo de partícula, enquanto Huygens atribuía-lhe caráter de onda. Então, vamos olhar as quatro idéias fundamentais do suporte clássico, da física clássica:

A luz é partícula. É como uma bolinha que viaja muito rápido da fonte até nossos olhos. A lâmpada está emitindo bolinhas de cores diferentes que batem nas coisas e produzem certos fenômenos. Essa é a idéia clássica de luz.

A Massa é invariável. A lei de conservação de Lavoisier, de que nada se cria, mas tudo se transforma, já era bem conhecida, e a massa era considerada invariável. A natureza é contínua. Não dá saltos. Tudo acontece passo a passo e, em passos infinitamente pequenininhos. O tempo e o espaço são absolutos e independentes.

Newton começa o seu livro mais importante, “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, dizendo isso: O tempo é absoluto. Ele flui como um líquido. Flui sem relação nenhuma com o resto das coisas. E a física clássica foi um sucesso, resolvendo muitos problemas científicos e tecnológicos, e até hoje funciona muito bem no nosso cotidiano. A lei da gravitação universal de Newton é usada até hoje e, ela é perfeita na maior parte das aplicações. A lei da inércia também pertence à física clássica, e funciona muito bem. Toda balística está baseada na lei da inércia e na gravitação. A famosa segunda lei de Newton, F=m.a, ainda é estudada no Ensino Médio, e permanece plenamente válida na maior parte dos contextos. É uma lei que funciona muito bem e está aí até hoje. O princípio da ação e da reação, que sempre cai no vestibular, também funciona muito bem. A estática e dinâmica dos fluídos. A teoria cinética dos gases. Tudo isso até hoje não foi derrubado. Continuamos usando o suporte conceitual matemático da física clássica.

Mas há conseqüências: Quando estamos imersos num superparadigma temos conseqüências que não são ditas. Elas não estão escritas em lugar nenhum. Elas não são oficialmente reconhecidas, mas perpassam toda sociedade. E as conseqüências desse superparadigma da física clássica estão aí no surgimento da máquina a vapor. Isso vai passar para a sociedade de uma forma muito contundente, como nós vamos ver a seguir ao discutirmos o efeito conhecido como “ação à distância”.

Literalmente a gravitação de Newton propunha, por exemplo, que a Lua age sobre a Terra assim como a Terra age sobre a Lua, instantaneamente, e não propôs a existência de qualquer coisa que agisse como mediadora dessa interação. Ele não disse que não havia nada, mas também não disse que havia, e isso passou implícito em sua teoria, influenciando toda a civilização posterior. Todos podiam constatar que não havia nada visível entre a Terra e a Lua, e não era preciso ser cientista para concluir isso. Bastava olhar para o céu. No entanto a Lua não cai na Terra, e apesar de Newton não ter dito nada sobre essa hipotética corda que atrai Terra e Lua, ficou combinado tacitamente que essa ligação existia, e esse princípio passou a ser chamado de ação a distância. Somente mais tarde, com o surgimento da idéia de campo elétrico, magnético e gravitacional, é que a noção de ação a distância se desfez.

A revolução industrial, no fundo, é uma conseqüência da física clássica. O auge da física clássica, vocês sabem, culminou com uma série de suicídios porque as pessoas pensavam que não havia mais nada a fazer. O diretor de um departamento de física, de uma importante universidade, inclusive, propôs que o curso de física fosse fechado porque, segundo ele, não havia mais nada de novo para ser descoberto. Newton tinha fornecido todas as ferramentas matemáticas e descrições físicas necessárias para compreender totalmente o universo. Restava apenas algum trabalho na área de aplicações, mas a física teórica tinha que ser abandonada, e não era necessário que fossem mantidas faculdades para isso. O diretor, então, propôs o fechamento e disse: Não tem mais sentido fazer física. Por trás desse sentimento que ficou conhecido como “o fim da física” havia um poderoso superparadigma, no qual Deus era considerado como sendo equivalente ao empurrão inicial que deu energia para a criação do universo. Um cientista típico desta época bem poderia ter dito algo assim sobre Deus: “Bota bem lá atrás, diz que ele deu o empurrão inicial e, o resto é Newton”.

Inevitavelmente decorreram desse superparadigma o fatalismo e o determinismo. A crença era de que as coisas aconteciam como tinham que acontecer, ou seja, estavam determinadas. Nem Deus, nem ninguém poderia fazer nada para mudar o destino, e isso produziu um fenômeno compreensível: as pessoas acabaram perdendo a razão de viver. Mas, como ocorreu com todas as teorias físicas até hoje, o mecanicismo falhou em determinar se a luz era onda ou partícula. Newton, como já vimos, dizia que a luz era composta por partículas. Huygens acreditava na natureza ondulatória da luz. Ambos escreveram livros defendendo suas idéias, mas houve vencedores nesta discussão, embora a fama produzida pelo sucesso da teoria da gravitação pendesse a balança para o lado de Newton. No início do século XX, entretanto, já havia provas definitivas de que a luz tinha tanto aspectos ondulatórios quanto propriedades de partícula. Ainda hoje não sabemos explicar exatamente o que a luz, de fato, é.

Sabemos apenas que ela apresenta propriedades de onda e de partícula, conforme o experimento que esteja sendo realizado. No slide que estamos mostrando aquelas bolinhas são partículas coloridas da luz, algo compatível com a idéia de Newton. O desenho de cima mostra-as colidindo contra uma superfície espelhada, sendo refletidas. Todos estão familiarizados com isso: chama-se reflexão, e ocorre nos espelhos, por exemplo, como ocorreria se jogássemos bolas de tênis numa parede. No segundo desenho temos um fenômeno chamado difração, que ocorre quando a luz passa por furinhos muito pequenos. O feixe de luz emergente abre e ilumina uma área muito maior do que seria o normal, se a luz fosse composta por partículas. Isso nunca teve explicação na física clássica. Ela simplesmente não serve para explicar isso, e tudo o que sabemos é que trata-se de um fenômeno tipicamente ondulatório. Se imaginarmos a luz como sendo uma onda, até dá para explicar. Ninguém sabe como acontece, mas sabe que com ondas isso acontece sempre, mas só com ondas, não com partículas. Então, numa experiência a luz parece ser uma partícula, e noutra parece ser uma onda. No terceiro desenho nós temos a refração, que é um fenômeno muito melhor explicado considerando a luz como onda. É claro que essa contradição do comportamento natural levou a uma ruptura grave da física clássica, que não tinha como responder objetivamente.

Outro obstáculo importante, que não teve solução simples, foi o experimento de Oersted. Talvez vocês tenham ouvido falar nisso no ensino médio. Sabemos que uma corrente elétrica passando por um fio gera um campo magnético, que pode ser orientado através da colocação adequada do fio. Esse campo magnético pode ser detectado, se fizermos uma espira, como aparece no desenho, colocando uma bússola no centro. A agulha da bússola se move na direção perpendicular ao plano da espira quando passa a corrente. Só que a teoria clássica contemplava apenas forças que agiam entre cargas ou entre massas, de centro a centro. Então, um movimento de elétrons numa dada direção não poderia causar uma força para uma direção perpendicular, ou pelo menos esse resultado exigia uma outra explicação dentro da física clássica e, isso ficou assim durante um longo período, como uma das falhas do mecanicismo.

Outro ponto importante no qual a física clássica falhou, foi em explicar porque a massa gravitacional é igual à massa inercial. Aliás, isso não tem explicação até hoje. A massa inercial, por exemplo, é a responsável pelo amassamento de um automóvel cujo freio de mão falha, e que ganha velocidade descendo uma rampa qualquer, atingindo uma região plana e colidindo contra um muro. No momento da colisão não há mais rampa, e o carro se desloca apenas por inércia, e é essa inércia que vai amassá-lo. Também é a massa inercial a responsável pela manutenção do movimento praticamente perpétuo de satélites, asteróides e cometas. A massa gravitacional, por outro lado, está relacionada com a gravidade, que atrai os corpos conforme a segunda lei de Newton F=mA. Só que essas duas massas são iguais e até hoje não existe uma explicação plausível para essa igualdade. Não há nenhuma teoria que diga que uma massa deve ser igual a outra. Elas são iguais, mas ninguém sabe porquê. A física clássica não conseguiu explicar isso, e nós não sabemos até hoje por quê elas são iguais.

Então, surge uma mágica da ciência, ou deveríamos chamar de truque. Não sei se todos já perceberam, quando não sabemos alguma coisa e, essa coisa está nos torturando muito, às vezes encontramos uma solução mágica, e a ciência é boa nisso. O truque consiste em batizar o problema. “Bota nome nessa coisa, porque aí facilita. Daí eu consigo me tranqüilizar. Isso daí é um problema psicossomático. Está resolvido. Eu dei nome para ele. Agora é psicossomático”. Então, parece que está entendido, quando na verdade ninguém entendeu coisa alguma.

Ninguém sabe a origem, por exemplo, da força gravitacional. O próprio Newton sofreu muito com isso, porque ele sabia que não há como imaginar uma força agindo à distância, sem um elemento de mediação. Se eu quiser chacoalhar esse quadro, por exemplo, eu vou ter que assoprar, que jogar alguma coisa nele, que prender um cordão e puxar, utilizar imãs ou outra coisa, mas tem que existir algo físico aqui no meio. E a física clássica não pôde apontar o meio através do qual a força gravitacional agia, por exemplo, entre a Lua e a Terra, ou entre um pássaro e a Terra. Na ausência de uma explicação consistente, a ciência deu um nome a esse efeito: isso foi chamado de ação a distância. Mas a ação a distância ocorre de um modo fantasmagórico, porque acontece sem uma ligação evidente. Para evitar isso, novamente só modificando a nomenclatura: então inventamos o conceito de campo. Campo, assim, foi o nome que os físicos do século XVIII e XIX adotaram e utilizaram para explicar como é que coisas poderiam ser atuadas a distância, dentro da física clássica. Porque não se sabia como operava, não tinham como explicar o fenômeno da ação a distância em si, mas sempre era possível atribuir-lhe um nome.

Imaginem uma criança, um irmão menor, cutucando um adolescente e perguntando: Como é que um corpo pode atrair outro? Podem imaginar enrascada maior? Vocês já pegaram dois imãs e tentaram brincar com eles? Eu fazia isso com as turmas de psicologia de nível I da PUC do Rio Grande do Sul. Tenho uma amiga que dava aulas neste nível, e mandava seus alunos de psicologia para ficarem comigo durante uma tarde, no início da década de 90, fazendo experiências. A experiência que eu mais gostava de fazer era propor que eles pegassem dois ímãs bem fortes e tentassem aproximá-los e afastá-los. Quando eles tentavam aproximar pólos iguais, por exemplo, os imãs não encostavam um no outro apesar de usarem toda sua força. As carinhas deles eram um negócio incrível.

Então, como não sabemos porque os ímãs se repelem e se atraem, até hoje o que conseguimos fazer foi inventar um nome para o fenômeno. Dizemos uma coisa bonita que soa muito científica: ao redor do ímã se forma um campo magnético. Dar um nome para este fenômeno faz as pessoas acreditarem nisso e pararem de fazer perguntas. Um aluno típico pensa assim: “Espera um pouquinho! Ele já explicou. Se eu fizer mais uma pergunta, eu vou bancar o bobo aqui”. É claro que sempre tem aquele aluno que fica pensando: “Mas, o que é campo, na verdade?”. Infelizmente, para esse ainda não temos resposta. Até hoje eu só vi definições do que não é campo. Você encontra em livros: “Campo não é a região ao redor de um ímã, de um planeta, de uma carga”... Está escrito isso. Mas, ninguém diz: “Campo é...”. As pessoas dizem assim: “Existe campo se tais e tais fenômenos acontecerem”. Então, se eu pegar esse copo, soltá-lo, e ele cair, é porque existe um campo gravitacional atraindo-o. Mas, o que é o campo eu não sei. A física clássica não consegue responder isso. Mas, funciona. Está funcionando até hoje, apesar da falta de respostas.

 

A Teoria da Relatividade

Essa é a física clássica, e vocês viram os problemas dela. Ela é uma boa física. Explica como as máquinas funcionam: as máquinas térmicas, os jatos, os motores à combustão interna, os motores elétricos. Tudo isso é explicado pela física clássica sem grandes problemas. Mas, em 1905 Einstein publicou três artigos na mesma revista. Um deles é um artigo muito importante sobre o efeito fotoelétrico mostrando que Newton estaria certo, que a luz podia ser formada por partículas mesmo. Foi muito importante. Mas, ele também publicou um artigo onde mostrava que era possível entender melhor os fenômenos eletrodinâmicos, de cargas em movimento, se a luz fosse considerada como tendo uma velocidade limite. Essa teoria chamou-se de relatividade, e ela levou Einstein à popularidade alguns anos após, embora a teoria nunca tenha sido bem compreendida. Na verdade, nesse exato momento existem pessoas no mundo inteiro trabalhando para tentar mostrar que a relatividade não é a resposta definitiva para fenômenos de altas velocidades. Mas, por enquanto ela está valendo.

O que a relatividade diz? Diz, por exemplo, que o tempo anda mais devagar para aquilo ou aquele que se move em altas velocidades. Todas as experiências feitas até hoje comprovam isso. Um dos tipos de experiências mais importantes envolveu relógios de césio, que são os relógios de longo curso mais precisos que nós temos, colocados dentro de aviões e satélites, sincronizados com outros relógios iguais, que ficam na Terra. Inevitavelmente o relógio do foguete ou avião atrasa em relação ao que ficou na Terra. Ninguém tem dúvida disso. A dúvida que surge é a seguinte: Foi o tempo que passou mais devagar para o relógio do foguete, ou foi o relógio, que é um sistema mecânico ou eletrônico, que funcionou mais devagar? Não existe resposta para isso. De qualquer forma o que se mede com um relógio não é tempo, rigorosamente, mas sim o número de vezes que um fenômeno ocorre, entre dois outros fenômenos. Por exemplo, se quiséssemos saber minha velocidade, eu daria um passo e depois outro, enquanto alguém que tivesse um pêndulo poderia ficar balançando-o regularmente. Essa pessoa poderia ouvir o barulho do primeiro passo, e contaria quantas oscilações seu pêndulo completaria antes do segundo passo, e assim sucessivamente. Esse número de oscilações nós associamos ao tempo, por isso não existe nenhum padrão de tempo, rigorosamente. Nós temos padrões que vibram num certo passo. O relógio de césio, por exemplo, tem uma espécie de laser de partículas. É um feixe atômico muito fino, quase uma luz, que passa entre magnetos muito poderosos e, então, ele bate numa superfície sensível, ou passa num detetor. Se a freqüência de ressonância de um eletromagneto próximo estiver combinando com a do Césio, o feixe atinge um determinado lugar. Se ela estiver deslocada um pouquinho, ele bate noutro lugar. Então, o sistema corrige-se automaticamente. É mais ou menos isso. Mas, sempre existe um pêndulo, seja ele um balancim mecânico, um cristal piezelétrico, ou um feixe de átomos de césio. Nossos relógios de pulso, exceto os antigos, automáticos ou à corda, são baseados em cristais piezelétricos. Mecanicamente eles vibram, criando sons da ordem de 32kHz. Essa é a freqüência padrão de todos os relógios comerciais de pulso.

Não existe nada como o tempo na física. Nós medimos o número de pulsações de alguma coisa, e sabemos que nossos relógios, quando colocados em satélites velozes, andam mais devagar, mas quando afastados da Terra, andam mais lentamente. Coisas muito estranhas acontecem. Então, é esse pouco que sabemos sobre o tempo.

Outra comprovação da teoria da relatividade ocorre em aceleradores de partículas. Partículas aceleradas parecem ficar mais pesadas. A relatividade prevê isso. Prevê que uma partícula mais veloz tem mais inércia. Ela fica mais pesada. Parece que é isso o que acontece. Tudo indica que a relatividade está certa, pois todas as experiências batem com as previsões de Einstein. Existe, por exemplo, um tipo de partícula especial chamada múon que é criada na alta atmosfera por efeitos da radiação do sol. Esses múons são criados em interações dos raios cósmicos com a alta atmosfera terrestre, e têm um tempo de vida muito curto, da ordem de um microssegundo. Depois desse microssegundo eles reagem com algum átomo presente na atmosfera e desaparecem, deixando atrás de si um pequeno brilho. Em um microssegundo não seria possível, mesmo que eles viajassem à velocidade da luz, atingirem a superfície da Terra, pois as regiões onde eles se formam estão a seiscentos quilômetros de altura. Eles obrigatoriamente deveriam desaparecer um microssegundo depois de serem formados, ainda muito longe da Terra. Mas não é isso o que acontece. Eles chegam ao nível do mar em grandes quantidades. Como eles não são criados em outros lugares da atmosfera, concluímos que houve efeitos relativísticos envolvidos. Os múons vivem mais porque eles estão numa velocidade tão alta que os efeitos relativísticos se tornam relevantes. Em seu próprio relógio os múons vivem cerca de um microssegundo, mas para nós, que estamos estacionários, eles duram cem vezes mais, por exemplo. Então, de uma certa forma, eles conseguem chegar à Terra porque seu tempo passou mais devagar. E existem muitas experiências onde isso ocorre, comprovando a teoria da relatividade.

Outra comprovação importante envolve a luz de uma estrela qualquer que esteja atrás do Sol, em relação à Terra. Quando esse feixe de luz passa perto do Sol ele sofre uma curvatura. A relatividade prevê isso. Prevê que quando existe um campo gravitacional muito forte, a luz pode ser desviada. Só que a relatividade explica isso como uma curvatura do espaço-tempo, mas talvez existam outras explicações. A conversão de massa em energia, que todo mundo conhece na forma de bombas atômicas, é outra comprovação. Mas existem pessoas, neste momento, que estão desenvolvendo teorias alternativas muito boas, e estão conseguindo explicar os fenômenos relativísticos de uma outra maneira, através do aumento de massa do sistema, sem definir uma velocidade limite para a luz.


A Física Quântica

Vamos ver agora a física quântica, que é o segundo aporte que nós temos. Primeiro a relatividade envolveu energia, massa e tempo. Agora, a física quântica surgiu de um problema muito simples. Quando um corpo é aquecido ele emite luz. Muitos aqui já pegaram um prego, um alfinete ou uma agulha, e viram que eles brilham ao serem aquecidos em uma chama. Pois a física estudou isso, preocupada em prever quanta energia um corpo aquecido poderia emitir, dedicando-se a um tipo especial de corpo, chamado corpo negro, que tem umas características especiais. Então você esquenta e ele emite uma radiação luminosa e térmica, ou infravermelha. As teorias que existiam até o século XIX, não conseguiam explicar a cor da emissão, o espectro da emissão. A teoria que existia era a teoria de Rayleigh-Jeans, que dizia o seguinte: Se continuamos esquentando um corpo, a freqüência da luz emitida por ele vai subindo tanto e, a potência dessa radiação vai subindo tanto, que tende para o infinito. Ora, todos sabemos que um prego aquecido não emite muita radiação, mas a teoria previa exatamente isso, e evidentemente estava equivocada. Então Max Planck, um físico-matemático num movimento quase desesperado, decidiu usar um truque matemático que acomodava a situação. Ele criou uma restrição quanto à forma como a energia podia sair do corpo negro, dizendo que ela somente poderia sair em pacotes de tamanho bem definido, iniciando a idéia da quantização na física. O próprio Planck disse e escreveu que isso era um truque matemático que propôs apenas para botar os valores da teoria no lugar certo. Só que funcionou, e funcionou muito bem. E outros físicos começaram aplicar a quantização e viram que funcionava bem para explicar muitos outros fenômenos.

Desse truque matemático de Planck surgiu a mecânica quântica, e hoje ela é ensinada até a estudantes do ensino médio, que aprendem que os átomos têm órbitas de elétrons de energias específicas, de distâncias específicas do núcleo, por exemplo. A quantização também foi um bom modo de explicar o efeito fotoelétrico, de Einstein, que acabou fornecendo é uma espécie de comprovação da teoria de Planck. Não é muito simples de explicar, mas, é mais ou menos assim: quando iluminamos um metal, dependendo da cor dessa luz, e de uma certa suscetibilidade do metal, elétrons são arrancados desse metal, podendo ser capturados por um eletrodo positivo colocado nas proximidades. Se aumentarmos a intensidade dessa luz, aumentará proporcionalmente o número de elétrons liberados. Só que se não aumentarmos a intensidade da luz, mas sim aumentarmos a freqüência da luz, ou seja, utilizarmos luz de comprimentos de ondas cada vez menores, começando com vermelho, depois subindo para o amarelo, para o laranja e, assim sucessivamente, para o azul e, para o ultravioleta, esse metal não emite mais elétrons, mas emite elétrons mais energéticos.

E isso fornece uma comprovação importante para a teoria de Planck, significando que cada fóton, de acordo com sua cor, ou seja, com sua freqüência, vai arrancar elétrons com maior ou menor energia. Na direção de uma compreensão dos fenômenos quânticos, DeBroglie defendeu uma tese de doutorado no mínimo estranha, que afirmava que todas as coisas se comportam às vezes como onda, às vezes como partícula. Em 1927 realmente isso não era fácil de ser aceito, mas no final ele foi premiado por essa dedução importante, provada na sua tese de doutorado. Um dos experimentos mais importantes da física, conhecido como experimento das Fendas de Young, acabaram comprovando a tese de DeBroglie. Para compreender esse experimento vamos imaginar um feixe de luz bem fino, composto por uns poucos fótons atravessando um pequeno orifício numa placa, que fica exatamente à frente de outra, com dois orifícios desalinhados em relação ao furo da primeira placa. Ora, como sabemos do estudo das ondas, a luz difrata ao passar pelo primeiro furo, e o feixe de luz se abre como num leque, indo atingir os dois furos da segunda placa. Ao passar pelos dois furos da segunda placa, então, os dois pequenos feixes se encontram e interferem, produzindo uma figura típica, conhecida como franjas de interferência. Esse fenômeno é muito semelhante ao que ocorre na superfície de um lago tranqüilo, quando jogamos nele duas pedras, simultaneamente. Cada uma das pedras cria suas próprias ondas e, essas ondas vêm e se encontram em um lugar intermediário, formando uma turbulência bem característica, conhecida como interferência. Matematicamente é fácil de compreender a interferência, mas se lembrem que para que ocorra interferência é necessário que existam duas ondas, ou mais.

É precisamente aí que a realidade nos prega uma peça de arrepiar. Como fótons podem ser emitidos com a freqüência que se queira, podemos fazer com que um único fóton seja emitido através do primeiro furo, a intervalos de tempo regulares. Como se trata de um único fóton, obviamente ele não pode atravessar simultaneamente os dois furos da segunda placa, então não pode ocorrer interferência de espécie alguma do outro lado. Mas ela acontece. De alguma forma que não compreendemos o fóton passa pelo primeiro furo, transforma-se em onda e então passa pelos dois outros furos, gerando as franjas de interferência. Esse é o único modo que temos para compreender esse comportamento bizarro dos fótons: eles apresentam propriedades de partícula e de onda, embora ninguém saiba exatamente o que vem a ser isso. Afinal, fótons são entidades duvidosas mesmo, desde que Newton e Huygens defenderam sua natureza corpuscular e ondulatória, respectivamente, de modo que o experimento de Young com fótons não chegaria a causar comoção pública.

Ocorre que as figuras de interferência aparecem também se elétrons ou outras partículas carregadas, como núcleos de átomos de hélio, são utilizadas no lugar dos fótons, de modo que temos que aceitar que a matéria também tem comportamento duplo. Ninguém sabe exatamente o que é um elétron ou um átomo, mas também ninguém duvida que essas partículas podem ser chamadas de matéria. Um átomo com seus prótons, nêutrons é muito grande se comparado, por exemplo, a um elétron isolado, pois um único próton ou nêutron tem quase 2000 vezes a massa de um elétron. E mesmo assim, quando essas grandes partículas são enviadas através das fendas do experimento de Young, mesmo uma após outra, lentamente, elas interferem e formam franjas. De alguma forma que ninguém sabe explicar partículas alfa e beta passam pelo primeiro furo e depois acontece alguma coisa com elas. Parece que deixam momentaneamente de ser matéria e se transformam em ondas, passando pelos dois outros furos e interferindo. Além disso, se tentamos colocar detetores no meio do caminho das partículas para descobrir se elas atravessam as fendas da segunda placa como partículas ou como ondas, elas simplesmente mudam seu comportamento: deixam de apresentar características de onda, escolhem apenas um dos caminhos e não criam as franjas de interferência típicas. Isso é muito grave porque nos mostra um comportamento estranho e fundamental da natureza, como se houvesse uma barreira ao conhecimento que podemos ter. A natureza evidentemente não é o que achamos que ela é. Nós sabemos que se jogarmos uma bolinha qualquer num furinho, ou ela passa ou ela não passa. Não tem meio termo. E se tiverem dois furinhos, ela pode passar num deles, pode passar no outro, ou em nenhum, mas nunca nos dois ao mesmo tempo. Só que com fótons e partículas carregadas é exatamente isso o que acontece, e todas as coisas são feitas destas partículas.

Einstein nunca aceitou completamente a mecânica quântica em virtude do caráter intrinsecamente aleatório de alguns fenômenos. Ele foi um dos criadores da moderna teoria quântica, mas jamais admitiu que essa dúvida fundamental, demonstrada na experiência das fendas de Young, fosse uma propriedade intrínseca da natureza. Einstein achava que mais cedo ou mais tarde encontraríamos uma explicação realista, isto é, uma explicação material previsível e clássica para este fenômeno. Em contrapartida outros fundadores da mecânica quântica, como Bohr, Planck e Heisenberg, previam que não se acharia explicação melhor que essa. Para eles a natureza é assim, naturalmente duvidosa, intrinsecamente dual. A disputa ficou acirrada quando Einstein criou um movimento contra a interpretação idealista da mecânica quântica, apresentando um paradoxo chamado EPR, que deriva das iniciais dos sobrenomes de Albert Einstein, Bóris Podolsky, e Nathan Rosen. O experimento EPR ficou muito famoso, e era uma dedução lógica que negava a possibilidade da comunicação instantânea entre partículas quânticas, sob alegação de que isso feria a teoria da relatividade. Tratava-se de um experimento apenas mental, porque não havia na época condições técnicas para a realização física do experimento.

O experimento EPR envolvia a correlação de dois fótons criados num mesmo evento quântico, afastados posteriormente. A mecânica quântica previa que esses fótons estavam correlacionados eternamente, não importando o quanto eles estivessem afastados, e que uma ação sobre um deles poderia ser detectada em outro. Einstein, Podolsky e Rosen diziam que não, se nenhuma informação tivesse tempo de ser emitida entre eles, e isso dependia da velocidade da luz. Nada pôde ser provado naquela época, mas em 1964 o físico irlandês John Bell deduziu matematicamente um teorema que é chamado desigualdade de Bell, ou teorema de Bell, e nesse teorema ele afirma o seguinte: Uma experiência igual ao EPR vai produzir uma correlação entre os fótons maior do que a esperada porque o universo é não local. Todas as forças da física clássica são locais. Eu sei onde elas estão. Elas são intermediadas por meio qualquer. Mas John Bell fez uma dedução de duas páginas que até hoje não foi derrubada que diz que para o mundo ser como é, para ele ser aparentemente local, no fundo, ele tem que ser não local. E não local significa: existe uma interconexão entre todas as coisas. Não há como separar uma coisa da outra. Essa é a mensagem do teorema de Bell. Vocês sequer imaginam quantos físicos se levantaram contra Bell na tentativa de derrubar este teorema matemático relativamente simples, e até hoje nunca ninguém conseguiu.

Em 1972 um físico francês, muito cordial e amigável, chamado Alain Aspect, fez uma experiência na Universidade de Paris que provou que EPR os fótons estavam inevitavelmente correlacionados, como Bohr e Heisenberg tinham previsto, contrariando Einstein, Podolsky e Rosen. Então, a experiência EPR que tinha sido desenvolvida para derrubar a teoria quântica, no fim acabou comprovando-a por meio da experiência do Aspect. Então nós estamos perante duas constatações importantes: o teorema de Bell diz que a realidade é conectada, e o experimento de Aspect prova isso. Resumindo, tudo está conectado. Duas partículas que participaram de uma interação qualquer, que um dia foram uma unidade, nunca mais se separam. É impossível. Toda separação é ilusória. A melhor explicação que temos para isso não é a de que uma forma de energia viaja de lá para cá, porque isso violaria a teoria da relatividade. A melhor explicação que nós temos para isso é: nós estamos enxergando dois fótons, mas, na verdade eles são um só. Os que entenderam as conseqüências disso devem ter sentido um arrepio agora. E é a verdade.

Mas a natureza nos reserva muitas surpresas. Uma delas é o princípio da incerteza, de Heisenberg. Em palavras comuns, o que ele diz é: se conhecermos precisamente onde está uma partícula não é possível saber bem qual é sua velocidade, e vice-versa. Essas duas variáveis são interdependentes, de modo que se fizermos uma experiência para detectar onde está a partícula, naquele momento da medição perdemos a informação da velocidade, de modo que parece que a partícula se espalha no espaço, ocupando-o totalmente. O famoso gato de Schrödinger é um experimento mental que tem relação com esse aspecto dúbio da natureza. Numa interpretação quântica o gato está vivo e morto dentro da caixa, pois as duas possibilidades se interpenetram. Não há como dizer se ele estará vivo ou morto ao abrirmos a caixa. Nenhuma experiência até hoje realizada violou o princípio da incerteza. Essa é a mecânica quântica, e tudo o que nós vimos até agora são pressupostos da física. Agora, nós vamos ver a aplicação disso.

A Aplicação da Mecânica Quântica

O próximo assunto é muito interessante, sobre o qual todos já ouvimos falar: trata-se do holograma. Um dos modelos de universo, de memória e de visão, fala em holograma. Então, vale à pena sabermos do que se trata. A idéia é simples. Lembram-se das franjas de interferência de Young, sobre as quais falamos há pouco? Pois os hologramas têm muita relação com aquilo. Primeiro tomamos um LASER, isto é, uma luz coerente, onde cada fóton tem a mesma fase e o mesmo comprimento de onda dos outros fótons, e dividimos o feixe em dois através de um semi-espelho. Com um dos feixes iluminamos o objeto que queremos holografar, por exemplo o computador que está aqui sobre a mesa. O outro feixe é dirigido diretamente para o filme holográfico, enquanto a luz que veio para o computador é refletida em sua superfície e também vai para o filme. Ora, são dois feixes luminosos interagindo, então ocorre uma interferência. A figura que se forma na lâmina fotográfica é chamada de holograma. O processo todo é bem simples. Não tem grande mistério. É uma figura de interferência. A coisa charmosa do holograma é que a luz que veio para o computador foi refletida para todo o filme fotográfico, então cada pedacinho do computador está em cada pedacinho do holograma. É como se a imagem estivesse esparramada. Claro que isso parece confuso ao olhar, de modo que se olhamos diretamente um holograma feito desta forma não vemos nada, mas se dirigirmos a ele um feixe LASER de comprimento de onda semelhante ao usado em sua elaboração, podemos enxergar a imagem do objeto fotografado, com uma propriedade diferenciada, podemos ver em três dimensões as faces do objeto que tinham visada direta para o filme. E se for cortado um pedacinho do holograma, ainda é possível ver a imagem inteira, ou pelo menos da parte do objeto que enviou luz para aquele pedaço do filme. O holograma, em si, é simples até. Mas é interessante para nós porque serve como boa analogia para aquela idéia do todo contido nas partes. O holograma é clássico. Não é nem quântico, nem relativístico. É clássico mesmo. Mas ele é interessante, porque o espanto de quem vê um holograma pode despertar para os aspectos ocultos da realidade.

Há pessoas que imaginam que o funcionamento mental, a memória, a visão, ou até o universo, possam ser explicados por uma teoria quase holográfica. Isso é muito interessante. Wilder Penfield, neurocirurgião e pesquisador da década de 1920 fez importantes pesquisas envolvendo sensações estimuladas por sinais elétricos. Ele percebeu que não havia um mapa elétrico dos sinais visuais, como se imaginava, e que as memórias podiam ser evocadas inteiras por choques elétricos em determinados pontos do cérebro, o que é compatível com uma idéia holográfica de funcionamento cerebral. Karl Lashley, neuropsicólogo, continuou as pesquisas de Penfield com gatos e ratos. Ele tirou partes do córtex visual e partes de nervos óticos, e descobriu que os animais continuavam tendo comportamentos bem precisos, como se ainda tivessem a visão, dificultando ainda mais a compreensão da operação destas funções.

Uma interpretação holográfica da memória também pode facilitar a integração destes fatos, porque ainda que certas partes do cérebro tenham sido danificadas ou removidas, em muitos casos ocorre recuperação de informações completas. Karl Pribran, discípulo de Lashley, também propôs algo nessa linha. O número de informações que podem ser guardadas num holograma é muito grande, e está limitado apenas pela granulometria do filme fotográfico. De certa forma essa alta taxa de armazenamento de informações em um holograma chamou a atenção dos teóricos da neurologia para a possibilidade da memória biológica utilizar mecanismo semelhante no cérebro. Outro fator que desperta interesse nessa analogia é a capacidade de modificar a recuperação da informação armazenada num holograma simplesmente modificando o ângulo de incidência do feixe laser, num mesmo ponto do filme. Nos hologramas dos cartões de crédito, por exemplo, esse fenômeno é visível, e com o movimento de inclinação é possível ver duas figuras que se sobrepõem. Isso é interessante para as teorias da memória porque uma mesma região do cérebro poderia guardar muitas memórias, dependendo de como o potencial de excitação é aplicado na sua recuperação. De qualquer maneira as imagens, ou seja, as memórias podem estar distribuídas pelo cérebro de uma forma semelhante à holográfica.

O holograma também pode produzir uma imagem num lugar onde não existe o objeto, como num espelho, só que sem o espelho e sem o objeto. Nesses casos, muito explorados em exposições de arte e museus, podemos ver a imagem como que flutuando no ar, saltando da moldura. Essa propriedade dos hologramas também encontra uma contrapartida humana nas alucinações, que são peças audiovisuais que algumas pessoas, em certas situações, vivenciam e confundem com a realidade. Karen DeValois e Russell DeValois, pesquisadores universitários contemporâneos da visão, chegaram a uma conclusão bastante interessante sobre isso. Na perspectiva deles, o cérebro trabalha as imagens visuais de uma forma holográfica, como mostrado neste slide. Aqui a luz entrando no olho sofre uma operação matemática denominada transformada de Fourier, que é um processo matemático semelhante ao que se usa para fazer, no computador, um holograma. Então parece que o olho também faz uma espécie de processamento matemático típico dos hologramas.

Paul Pietsch trabalhou com salamandras, que são animais também conhecidos como lagartixas, que reconhecidamente se recuperam de lesões de extirpação de membros. Em suas pesquisas ele treinou certos comportamentos nestes animais, e posteriormente expôs suas cobaias a diversos tipos de danos cerebrais, incluindo picar e moer o cérebro inteiro. As salamandras, segundo Pietsch, não morrem quando seus cérebros são retirados, porém ficam num estado letárgico, semelhante ao coma, recuperando suas funções normais gradativamente após o cérebro ser recolocado na caixa craniana. Em outras palavras as salamandras vão recuperando as atividades motoras e a memória das informações aprendidas, e voltam a procurar comida no mesmo lugar quando recebem os estímulos com os quais foram treinadas antes da extirpação. As conclusões de Pietsch são dramáticas: ou as memórias destes animais não estão no cérebro, ou estão armazenadas nele de forma holográfica.

Profa. Denise Menezes: Essa visão de memória holográfica, do cérebro funcionando como holograma é muito interessante. Na verdade, essas pesquisas são muito antigas. O conhecimento da memória avançou muito. O professor Kandell ganhou Nobel há um ou dois anos atrás com um trabalho sobre memória. Essa idéia de que não há um lugar onde você lese e perca uma memória específica não é verdade. Há sim especificidade topográfica para a perda de memória. A memória é muito complexa. Nós temos a memória distribuída. Nós temos a memória no hipocampo como uma memória transitória. Ela está transitoriamente aí. Depois essas informações são alocadas no córtex de associação de acordo com a função principal. Se é uma memória visual, em córtex de associação visual, e por aí vai. Hoje em dia nós já sabemos que há perda de memória com lesões específicas só que não do jeito que se pensava naquele tempo. Agora, eu acho que isso não invalida o raciocínio. Eu acho que ainda tem muito para ser descoberto nesse campo. Eu  não consigo imaginar a memória como uma proteína e sim como uma imagem em  potencial. Então, se existe a possibilidade de você criar memória a partir de uma proteína que você tem no cérebro, de certa forma tem a ver com a idéia de holograma sim.

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Deixe-me perguntar uma coisa para você, Dra. Denise. Essas pesquisas mais modernas sobre as quais você está falando não definem a memória como estando num certo lugar, ou eu estou errado? Elas definem que há pontos cuja manipulação afeta a memória, não é mesmo?

Profa. Denise Menezes: Mais ou menos isso. Mas o que eu queria dizer é que na época do Pribram, ele dizia que se você lesa o cérebro, você não perde memória nenhuma, e não é verdade. Você perde sim. E você perde memórias bem específicas. Você pode não perder determinada memória e perder outra memória de acordo com o local do cérebro que você tem lesão. Então, existe, na verdade...

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Mas, veja bem, Dra. Denise. Tem uma questão fundamental que eu acho que precisa ser considerada. Uma coisa é você dizer que um ponto no qual você mexe apaga a memória. Mas, isso pode ser entendido de outra forma. Pode ser entendido como: esse órgão faz a conexão com a memória, que pode nem estar no cérebro.

Profa. Denise Menezes: Perfeito. Sem a menor dúvida. É o mesmo que você dizer: Quebrou a tomada, a televisão não funciona. Então, a imagem é criada na tomada. Não. Não é. Ali é uma conexão. Quanto a isso eu não tenho a menor dúvida. Só que muitas coisas que foram ditas nestes trabalhos não se comprovaram. Agora, a idéia em si, eu acho que sim, eu acho que a gente vai caminhar nessa direção. Com certeza que a memória é um potencial. O cérebro só é a forma de acesso. Agora, Há lesões em determinados locais que promovem perda, vamos dizer, não da memória, mas, do modo de acessar essa memória. E perde. Não é como na salamandra. A salamandra só tem o que vem no genoma. É lógico que ela refaz. Nós temos alguma coisa a mais do que a salamandra.

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Existe um problema fundamental que ocorre em todas as ciências, que consiste em que certas idéias e resultados de experimentos parecem comprovar hipóteses à revelia de teorias, mas sempre há uma teoria subjacente a qualquer experimento ou conclusão, mesmo que pareça não haver. Num experimento é impossível evitar um lastro conceitual justamente porque é esse lastro que determina, em grande parte, os métodos utilizados. Então essas pesquisas sobre a memória que foram premiadas com o Prêmio Nobel, às quais a Dra. Denise referiu-se há pouco, podem ser utilizadas tanto para mostrar que a memória está localizada, quanto para mostrar que foi encontrado um ponto que seria o responsável pela ligação do cérebro com um banco de dados localizado em outro lugar, como uma antena transceptora de radiocomunicação, e também muitas outras hipóteses que podem vir a ser imaginadas. O fato é que o conhecimento de que agindo sobre um ponto afetamos um certo tipo de memória não constitui evidência de que a memória esteja localizada neste ponto. Então, a idéia de que a memória pode estar distribuída holograficamente, seja no cérebro ou fora dele, continua plausível.

O que normalmente denominamos partículas aparecem como ondas ou como partículas, conforme nosso experimento. Isso nós vimos agora há pouco. Partículas são ondas ou são partículas dependendo de como olhamos para elas. Neste slide temos os resultados do experimento de Alain Aspect, de 1982. Em azul e em vermelho podemos ver no gráfico os resultados da correlação medida entre fótons distantes, originados de um único evento quântico. Vejam que eles são perfeitamente correlacionados, o que não era previsível porque eles estavam muito afastados um do outro para terem algum tipo de comunicação. E, no entanto, eles tinham. Essa correlação é uma evidência que apóia a hipótese de David Bohm e de John Bell de que o universo é não local. Para compreender plenamente o que significa ser o universo não local, vamos imaginar o estado de plasma elétrico, que por acaso temos bem aqui, dentro dessas lâmpadas fluorescentes. A luz dessa lâmpada é gerada pela excitação de átomos de uma gás de mercúrio de baixa pressão, que colidem contra elétrons térmicos liberados pelos filamentos aquecidos. Isso é um tipo de plasma, e num plasma os átomos excitados, ou íons, se comportam como aqueles cardumes de peixes que se movem como se fossem um único ser vivo. Quando um deles vira para um lado, todos viram juntos. Os íons se comportam assim no plasma. Eles fazem ondas e outros movimentos semelhantes a uma dança, parecendo que estão todos ligados em um único centro de controle. É muito interessante. Dessa mesma forma se comportam átomos de gases supergelados, num fenômeno que é conhecido como Condensado de Bose-Einstein. Esse fenômeno estranho ocorre quando um gás de bósons é resfriado até próximo do zero absoluto, uma temperatura muito baixa. Esses átomos entram em ressonância de maneira que todo o conjunto de átomos daquele gás se comporta como se fosse um único átomo, com estados de energia bem definidos. O que normalmente não se encontra na natureza. É um efeito quântico ainda não bem compreendido, porque implica em comunicação em velocidades superiores à da luz. Pois bem, dizer que o universo é não local significa que há uma interligação do tipo da de Bose unindo todas as coisas. Significa que estamos conectados instantaneamente a tudo o que acontece no universo.

Neste slide temos uma metáfora que ajuda a construir o raciocínio que estamos tentando fazer. Imagine esse plano amarelo como se fosse um universo, e aquelas lagartas que estão ali representadas são seres planos, deste universo plano. Eles existem no plano e, portanto, nem sequer imaginam que exista um “para cima” ou “para baixo”. Neste mundo bidimensional hipotético só existe movimento no plano, isto é, norte, sul, leste e oeste, por exemplo. As lagartas planas não só não enxergam para cima e para baixo, como também não desconfiam que possa existir essa outra dimensão. Mas a dimensão vertical existe no nosso mundo tridimensional, então nós podemos ver que existe um anel de seção cilíndrica, um toróide ou uma aliança, que atravessa esse mundo plano, seccionando-o em dois pontos distantes. As lagartas não podem perceber que existe o toróide, mas elas percebem um misterioso comportamento interdependente nas intersecções que existem em seu plano. Em algum momento uma das lagartas vai fazer um projeto de pesquisa para descobrir por que quando se mexe numa destas intersecções a outra reage, e vai ter que se esforçar para interpretar esse resultado experimental quase absurdo, porque evidentemente não existe uma conexão entre elas. Talvez surjam algumas seitas que expliquem a ligação como um sinal de que seu mundo está prestes a ser destruído, ou que são sinais deixados por seres vindos de outros planetas, ou simplesmente que são símbolos sagrados deixados por um deus. Realmente, no plano dessas lagartas não há nenhum modo de explicar como ocorre essa ligação, que pertence a uma dimensão inexistente em seu mundo, e que somente pode ser observada por seres cuja percepção esteja adaptada para três ou mais dimensões.

Por analogia podemos imaginar que pode. Existe uma quarta dimensão física na qual esse fenômeno quântico de fótons interligados, por exemplo, pode ser explicado facilmente, porque nela o elo de ligação tetradimensional se torna evidente. Assim, uma explicação possível é que esses fótons são um só, e que simplesmente estão conectados numa dimensão que não percebemos. Mas existem muitos outros fenômenos, até bem familiares, que poderiam ser explicados supondo que existe uma interligação dimensional invisível para nós. Exemplos disso são todas as forças conhecidas, cujo meio de condução nos é invisível. Outro problema associado, e para o qual não se tem explicação é: Como pode ser detectada rotação num universo vazio? Se não existissem estrelas, planetas, satélites, asteróides, cometas, nem qualquer outra coisa fora da Terra, como saberíamos que a terra estava a girar? Não haveria como descobrir. Então, de alguma forma nós estamos conectados ao fundo de estrelas. Há uma conexão imediata da Terra com todas as estrelas do universo, e vice-versa. Porque se elas não existissem não haveria rotação, mas Terra rotaciona.

Esse outro slide mostra um efeito interessante, que ainda não foi compreendido adequadamente. Os elétrons passam por dentro daquele tubinho sem sofrer ação do campo magnético que existe a poucos milímetros de distância, apesar da teoria garantir que deveria haver interação. Não se sabe porque o fenômeno, que se chama Efeito Bohm-Aharonov, acontece, mas ele é mais uma evidência de que existe uma interligação global, chamada por David Bohm de Holomovimento, que explicaria uma espécie de ordem implícita que cria o universo como a gente o enxerga, dando-lhe as propriedades fantasmagóricas descobertas pela mecânica quântica. Nessa linha, Pierre Teilhard de Chardin, que foi um filósofo, biólogo e religioso francês, e Jean Charon, um físico seu compatriota, sugeriram que o elétron teria algum tipo de consciência, e Karl Pribran, de quem falamos anteriormente, propôs que nosso cérebro reconstrói a realidade a partir de uma ligação matemática do nosso cérebro com o universo. Já Kurt Anderson, psicólogo do Instituto Rensselaer, diz que o acesso à informação deve ser holográfico e depende da ressonância do indivíduo, isto é, depende do conteúdo da psique.

A Ligação da Física com o Funcionamento da Mente

Mergulhado em tantas dúvidas, vamos acrescentar mais uma. Falaremos agora sobre o tempo. Para Isaac Newton o tempo é absoluto, independente, e flui em velocidade constante sem relação com qualquer outra coisa, enquanto que para Einstein o tempo é relativo, e depende do estado de movimento, ou seja, da velocidade, e também da gravidade e da aceleração. Paul Davies é um físico australiano contemporâneo com vários livros publicados, está radicado em Londres, e diz que não há um só tempo. Se não há um só tempo, provavelmente não há uma só realidade. Mas a qual realidade a consciência é relacionada? Será a consciência um fenômeno local? Ela existe materialmente? Ela pode ser sintetizada? Como é que se relaciona com os sentidos? Serão estados cerebrais? Será que consciência é um conjunto de estados cerebrais e é delimitada pelo corpo?

Nick Humphrey é um neuropsicólogo da atualidade que tem livros publicados sobre a questão da consciência, e uma visão bastante radical sobre as emoções. Ele garante que os sentimentos são criações esquenomórficas da evolução que impedem a criação de um computador realmente humano, um computador que tenha sentimentos, porque os sentimentos são erros da natureza, e erros não podem ser corretamente simulados. Já Ken Wilber e Stanislav Grof fizeram muitas pesquisas na área da consciência, trabalhando no desenvolvimento da Psicologia Transpessoal, e também falam no funcionamento holográfico do universo ou da memória. Então voltamos ao assunto da sincronicidade, pois é evidente que um universo interligado eventualmente apresentaria comportamentos sincronísticos. Quando algo acontece em qualquer lugar, isso tem efeito em todos os outros lugares. Então é necessário que esse comportamento interligado seja levado em consideração em qualquer atividade humana, especialmente na psicologia. E estando interligado, deve haver uma causa em todos os efeitos sincronísticos que acontecem, ou seja, todas as sincronicidades têm uma razão, ainda que não a compreendamos imediatamente. E sabemos muito mais. Sabemos que esses eventos sincronísticos não são causados por fluxos de energia, embora sempre produzam algum. Há um capítulo inteiro sobre isso no livro Física e Psicologia.

A energia não tem estrutura, não é composta, e na verdade sequer é algo material. Ninguém jamais viu energia, porque nenhuma forma de energia tem estrutura. A energia é um potencial de realização de trabalho, e como potencial, é mais filosófico que material. Esse é o conceito físico. Quando dizemos que uma molécula de glicose tem energia, estamos dizendo que, de alguma forma, algo nessa molécula é capaz de levar à realização de um trabalho. Esse algo, que chamamos energia, é um análogo ao conceito platônico de forma, mas seguramente não é algo real, no sentido usual da palavra. Deixe-me dar um exemplo bem prático. Eu preciso de algo que faça barulho. Pronto. O livro que está na minha mão certo? Eu o levantei, dando energia potencial gravitacional para ele. Só que esta energia não pode estar nele porque ele não esquentou. Ninguém sabe onde é que está essa energia porque também ninguém sabe o que é energia. Mas se eu o largar, perceba o barulho de seu choque com o chão. Esse barulho foi o efeito da transformação parcial da energia potencial gravitacional em energia sonora, que foi levada até os ouvidos de todos nessa sala através de uma onda sonora. Outra parte dessa energia transformou-se em calor, esquentando um pouco o livro, e assim por diante. Então, isso é energia. A capacidade de realizar trabalho.

Só que a energia depende da forma. Quando esse livro foi levantado, o que mudou? Isso. Só o que mudou foi a posição desse livro em relação ao chão. Isso é informação, não é energia. Percebem? Isso é um número pitagórico. É informação platônica. Mudou a altura. Claro que isso é relativo porque o chão está aqui, mas poderia estar em outro lugar qualquer, se existisse um degrau, ou eu estivesse soltando o livro do alto de um prédio. Portanto, a quantidade de informação que algo possui define sua complexidade, e é esta mesma informação que determina como a energia será utilizada. Informação é, por exemplo, o lugar onde o átomo de carbono está na molécula de glicose, e é isso que faz com que ela possa transferir energia, criando movimento e calor. Assim fica evidente que a energia não pode ser a explicação de tudo. Você pode usar a energia para explicar de um modo simples os fenômenos cotidianos, como o funcionamento do cérebro e dessa lâmpada, mas uma descrição mais profunda e precisa tem que mostrar que a energia é derivada de um processo informacional que tem a ver com posição, que tem a ver com algo indizível que podemos chamar de forma.

Todos nós estamos familiarizados com a idéia de que os símbolos têm o poder de manipular energias e produzir complexos, pelo menos no tocante à psique, mas isso é somente a ponta do iceberg. Mas se o símbolo tem esse poder, onde é que está a energia do símbolo? Está no mesmo lugar que estava no livro. Não está nele. O símbolo é imaterial. Ele é uma forma. Então, se não estamos preocupados com a aplicação tecnológica e pragmática do fenômeno físico, mas sim com sua utilização no contexto humano, não devemos envolver energia. Não precisamos, na maioria das vezes, falar em energia, mas sim em informação, porque o símbolo é informacional e controla a energia, portanto ele é superior à energia e é ele quem faz o trabalho, quem possui um significado intrínseco e está presente nos arquétipos. Num automóvel, por exemplo, a energia é associada ao combustível, mas ela nada pode dizer-nos sobre como foi produzida ou para quê será utilizada, pois isso quem determina é o símbolo, manifestado na inteligência embutida no motor e no motorista.

Debate

Platéia: Poderia pensar em transdutor na medida em que você fala de informação?

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Transdutor tem um conceito físico bem definido. Transdutor é aquilo que pega uma forma de energia e transforma em outra. O símbolo, então, nesse sentido não pode ser um transdutor porque ele não pega uma energia e transforma em outra. Ele que cria a possibilidade de haver trabalho. Ele é que dá energia ao sistema e determina seu comportamento. Foi a informação que fez o livro gerar o som. Não foi a energia. Então, a informação é superior a ela.

Platéia: Essa não é a linguagem quando você fala em superparadigma. Quer dizer, então, tudo também passa a ser observado dentro desse superparadigma. É isso?

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Veja bem: Cada vez que conseguimos fazer uma coisa nova, conseguimos também fazer uma interpretação, uma nova leitura. Por esse motivo a educação é tão importante. Quem estuda enxerga o mundo de outras formas, outras perspectivas. No tempo do superparadigma do universo-relógio aquele era o melhor jeito de enxergar o universo. Porque o universo parecia funcionar como um relógio. Não estava errado. Estava bem de acordo com o conhecimento que se tinha naquele momento. O superparadigma do universo-energia faz parte de tudo o que se sabia sobre a máquina térmica, sobre a revolução industrial, que era baseada no carvão e nos conceitos de força e energia. Atualmente temos uma outra visão. Nós temos coisas novas sendo descobertas, e acho que a principal delas é a parte mais nova da física que é chamada de Computação Quântica. A computação quântica concluiu inequivocamente que os bits de informação tem entropia. Ou seja, eles carregam em si uma forma de modificar o universo. E eles provavelmente são os tijolinhos iniciais do universo. São os bits básicos do universo, e eles são precursores da energia. Hoje não existe mais sentido em falar no universo-energia. Hoje nós falamos na linguagem do universo-informação. Isso não quer dizer que no futuro nós não tenhamos um novo superparadigma, com outra compreensão do mundo. Mas, hoje a melhor compreensão não é o universo-energia porque nós já passamos dessa fase.

Platéia: Minha pergunta é exatamente sobre energia. Porque a visão simbólica está muito ligada à visão de energia psíquica. Como é que você vê essa questão? Como é que você pensa isso? Porque é alguma coisa que está sendo pensada atualmente.

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Jung nunca aceitou plenamente a idéia de energia psíquica, que ele recebeu pronta de seus professores. Uma leitura cuidadosa das suas obras deixa claro que Jung sabia que esse conceito não poderia responder a todos os fenômenos relacionados com a mente. Uma prova disso é que o próprio Jung escreveu que a psique teria que ser considerada um sistema quase entrópico, por exemplo. Ora, os sistemas energéticos ou são entrópicos ou não são. Não há meio termo. Além disso, em mais de uma ocasião Jung escreveu que a questão psicofísica permanecia em aberto, e que talvez nunca fosse solucionada, e mesmo quando utilizava a idéia de energia psíquica Jung tinha claro de que ela teria que ser de uma natureza diferente, ou seja, poderia inclusive nem ser energética. Mas precisamos compreender que a concepção consensual era de um universo de natureza energética, e o contexto científico da época era fundamentalmente favorável ao mecanicismo e à relatividade, de modo que abandonar o conceito de energia psíquica sem propor um termo substituto adequado não pareceria uma opção sensata para ninguém, especialmente considerando as dificuldades que cercavam a pesquisa psíquica e as acusações de anticientificidade que freqüentemente faziam a Jung. Em nossa época, na qual a natureza energética do universo está sendo questionada, Jung provavelmente abandonaria a noção de energia psíquica em favor de um termo ou expressão envolvendo a informação, porque este conceito está mais relacionado ao conteúdo simbólico da psique, e não possui as restrições entrópicas associadas à energia, preparando o terreno para a solução da chamada “questão psicofísica”.

Profa. Denise Menezes: É interessante a observação que você fez. No meio onde eu transito, que é o meio médico homeopático, nós temos absoluta consciência de que usamos o termo energia, o termo campo, sem precisão conceitual. Você me ajudou muito quando você disse que campo foi uma palavra inventada para alguma coisa que não se explica. É exatamente isso. Porque nós ainda não sabemos explicar como a pessoa mantém o organismo funcionando daquele jeito, e como é que eu dou um remédio que está diluído acima do número de Avogadro, que não tem mais nenhuma molécula da substância original, só água e álcool, e ele faz efeito. Eu pego outro remédio que também foi diluído acima do número de Avogadro, só tem água e álcool, e ele não faz. Um faz efeito e o outro não, porque um é o remédio da pessoa e o outro não é. O que é isso? Eu também não sei. Então nós médicos homeopatas usamos termos que nós sabemos que são inadequados, mas que são compreendidos. Ninguém ousou inventar outros. Porque não adianta inventar uma outra palavra se nós ainda não sabemos exatamente do que estamos falando. Por não sabermos, usamos uma que já existe, que é conhecida e que simboliza algo que todos entendem. Se eu não sei o que é, deixa o campo que já foi inventado com essa finalidade e pronto. É lógico que eu espero que um dia a gente vá entender.

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Vamos pensar juntos. A primeira teoria sobre calor envolvia a existência de uma partícula que se movia entre os corpos como se movem os fluidos, denominada calórico. Cerca de vinte anos depois da proposição do calórico, outros estudos demonstraram que a noção de calor como uma partícula era equivocada, e que a compreensão do calor como sendo uma troca energética desprovida de partículas permitiria descrições mais precisas do comportamento da realidade. Apesar disso o calórico demorou mais oitenta anos para sair completamente dos livros de física. Assim também aconteceu com a idéia de que o éter era o meio interestelar necessário para a propagação de luz, que influenciou físicos ao longo de toda a primeira metade do século XX apesar dos resultados da experiência de Michelson-Morley mostrarem que essa era uma hipótese improvável. Esse é o problema dos conceitos equivocados: como as palavras têm força, trazem informações que designam ou simbolizam aspectos da realidade, e podem impedir avanços importantes tanto na ciência quanto no desenvolvimento humano. Provas disto, por exemplo, são a programação neurolingüística e a sugestão ou hipnose. Então nós, que mexemos com a cabeça dos outros, seja como professores, analistas ou conselheiros em qualquer área, temos que tomar cuidado com as palavras. Nós não acertamos sempre, e temos o direito de errar, mas é preciso estar disposto a reconhecer erros, e corrigi-los. Isso é um dos pilares do comportamento científico. Se existe um sinal dizendo que energia e campo não são as melhores palavras para explicar determinados fenômenos ou aspectos da realidade mental, é bom que façamos uma reflexão. Por que insistir no uso de palavras que pertencem ao contexto de um modelo ultrapassado de universo, sabendo que essas mesmas palavras levarão inevitavelmente a erros e mal-entendidos? Essa atitude recalcitrante pode prolongar o processo de assimilação do novo paradigma, que abre uma série de perspectivas e possibilidades ampliadas. No final, entretanto, com ou sem a nossa concordância, a superioridade do novo modelo vai ficando evidenciada pelos sucessos alcançados, e as novas gerações as assimilam automaticamente. As idéias antigas acabam nos livros de história e nos museus.

Agora, vamos pensar um pouquinho nas referências da Dra. Denise à homeopatia. Eu não consigo imaginar situação mais favorável para a assimilação do modelo informacional, e abandono do modelo energético, do que a homeopatia. Vocês vêem essa água aqui nesse vidrinho? Eu a pego e chacoalho cem vezes. Quem estuda homeopatia sabe o que eu estou fazendo. Essa água nunca mais vai ser a mesma, pois a água esteve na minha mão e nela tem alguma coisa diferente, com toda certeza. Eu não tenho e menor dúvida disso, e nem as pessoas que acreditam na homeopatia. Mas, se você mandar isso para um laboratório eles não vão achar nada diferente nela. Não vai ter um átomo estranho. Não vai ter cheiro nem qualquer partícula diferente, não vai ter esquentado nem esfriado, e os laboratoristas vão dizer: “aqui só há água”. Mas nós sabemos que tem alguma coisa diferente aqui. O que essa água ganhou quando foi chocalhada por mim, e não por uma máquina, foi minha intenção de levar a cura a um outro ser. Intenção que agora é simbolizada pela água, que é levada pela água. Chacoalhar, então, é um processo necessário apenas no nível simbólico. O que a água ganhou foi informação. Essa água agora é poderosa porque tem ligação com uma intenção de cura. Ela tem uma profunda ligação comigo e com quem a usará. Essa água contém um significado, e se isso for mostrado para alguém, e essa pessoa perceber a informação contida nessa água, ela pode ser curada. Vocês sabem que isso funciona, mas depois de diluir tantas vezes uma substância na água, tudo o que sobra é água e diluição. Agora, se eu disser que tem um campo, ou uma energia, ou outro tipo de matéria, qualquer cientista pode facilmente provar que estou errado. Não há nada nessa água, a não ser a intenção de cura. E funciona. Mas intenção não é energia. Não é campo. É informação. E se eu disser que tem campo, mas não é o campo da física, ou tem energia, mas não a energia da física, então seria melhor utilizar uma outra palavra para isso, não é mesmo? Para quê usar uma palavra que já possui um significado complexo, somente para ter que dizer depois que o significado é outro? Peça para alguém explicar no que esses campos e energias psíquicas diferem dos da física, e você verá que essa pessoa acabará elencando uma série de propriedades compatíveis com o conceito de informação contido em um símbolo. Então é melhor dizer logo que o conteúdo informacional da água foi alterado pela intenção de quem preparou a diluição, que nada mais é do que uma operação simbólica, como qualquer ritual, destinado a dirigir a atenção para um foco, neste caso a potencialização do medicamento, e a cura.

Profa. Denise Menezes: O que eu estou dizendo é o seguinte: se não houver observador, nada aconteceu com a água. É o observador que está atribuindo uma qualidade diferente à água que você chacoalhou. A água que cura, por exemplo.

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Exato. O que é esse significado? O que é essa informação? É exatamente sobre isso que nós estamos falando. É isso que move o mundo. É isso que modifica as coisas. É isso que faz o livro cair ao chão. Não é a energia.

Vou passar agora para as dez perguntas prometidas no início. São dez perguntinhas para a gente quebrar a cabeça com elas. Eu vou passá-las bem rapidamente. Baseado em tudo o que nós vimos, poderíamos perguntar:

Em que sentido as coisas existem? O que significa existir num universo que está totalmente interconectado? O que significa eu ser o João? O que significa o passar do tempo, ou qual o sentido da passagem do tempo, se sabemos que as partículas estão conectadas instantaneamente? O que significa passar? O tempo passa, afinal?

O que significa morrer em termos de informação? Para onde vai a informação quando alguém morre? Energia a gente sabe onde vai, mas a informação que é a pessoa, a informação que é o valor intrínseco das coisas, essa informação que é entrópica, para onde vai? Agora há pouco falamos nisso, nas pesquisas mais modernas da física da computação quântica, e vimos que os bits são entrópicos. Ou seja, eles se conservam. Bits não desaparecem. Bit é um ente físico não energético, mas que controla a energia, ou seja, os bits são qualitativamente superiores à energia.

O que significa solidão num mundo que está totalmente interconectado? Em que sentido é possível ser solitário?

O que significa estar aqui numa situação de universo holográfico? Onde é que eu estou, na verdade?

As pesquisas da psicossomática têm lastros físicos? Ou seja, quando o inconsciente de uma pessoa fica doente e seu corpo também fica doente, isso acontece porque existe algum elo material ou energético agindo? Há alguma lei física que prove isso? Há como mostrar que existe algo físico agindo? Em termos energéticos, talvez não. Mas e se esse elo fosse simbólico?

Por que o universo que não sou eu produziria um fenômeno que tem significado para o eu? Já pensaram nisso? Parece evidente que somente damos significado àquilo que existe dentro de nós, e isso não é nenhuma crença religiosa. Não é uma fé cega em coisa alguma. O universo tem que ser igual ao eu, senão o eu não o entenderia. Jamais “descobriríamos” leis físicas, ou qualquer regularidade natural porque somente possui significado aquilo que se relaciona comigo, aquilo que encontra eco dentro do eu. Vocês sabem disso.

Platéia: Aquela pergunta que você falou que todo mundo faz: Então, porque o universo precisa de mim?

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Nós conversamos antes, mas não combinamos que a Dra. Denise ia fazer essa pergunta. A pergunta que costumam fazer nesse momento em uma palestra é mais ou menos assim: “Mas se o universo é uma coisa só, se tudo está interconectado, porque nesse momento eu acho que eu sou eu? E sou separado do universo. Porque o universo se dividiu? Porque o universo deixou de ser um e passou a ser muitos, pelo menos ilusoriamente?” Não há resposta para isso, mas tenho uma estória muito semelhante àquelas que contamos para explicar às crianças algo que achamos que elas não são capazes de entender de maneira literal. Vamos à estória, que é mais ou menos assim:

Aquilo que é um não conhece a si mesmo porque o um não pode se conhecer. Para isso tinha que haver um espelho, ou alguém para conversar, mas não existe nada fora do um, então o um não se conhece. As pessoas precisam de espelhos para se conhecer, por isso tudo o que existe é uma forma de espelho, porque mostram diferentes aspectos do eu. O um não se conhece. Ele simplesmente é.
Mas surge uma dor de solidão, que é o mesmo que uma vontade muito forte de se conhecer, e essa vontade é tão forte que o um perde o medo de sentir falta da sua parte que vai embora e se divide. Já não existe apenas o um, mas agora existem dois, e cada parte do um pode ser o espelho da outra parte, e pode aprender com a outra, mas isso não é o bastante porque cada parte vê a outra mas não vê a si mesmo, então surge novamente em cada um deles uma vontade de se conhecer de verdade, e cada um se divide em dois, e isso é bom. É ilusório e temporário, mas é bom. Agora são quatro, e cada um pode conhecer outros três, que antes foram parte dele próprio, mas sobra sempre um pouquinho do eu que não pode se conhecer, porque não é outro, mas é possível continuar essa divisão para sempre, então é sempre possível conhecer um pouquinho mais do eu, mas nunca tudo. Por isso todas as coisas nascem do um, e vêm com um desejo enorme de conhecer, pois assim elas continuam a se dividir, e se dividir, e cada vez mais o um se conhece, de modo que no fim resta apenas o conhecimento do um, e cada vez menos dor de solidão.

Só uma coisinha. Sincronicamente ontem à noite eu estava vendo uma entrevista com o Roberto Freire e, hoje no jornal eu vi a mesma coisa. Ele está lançando a autobiografia dele e, o título é: O eu é o outro. Porque ele não sabe falar de si mesmo senão através dessa ligação da relação com os outros.
Então, depois dessa estorinha e desse depoimento sobre sincronicidade, vamos continuar com nossas dez perguntas:

se matéria e energia são a mesma coisa, e nós vimos que pela relatividade, pelo funcionamento da bomba atômica, matéria e energia trocam de lugar uma com a outra. São correspondentes. Se matéria e energia são a mesma coisa e alguém acredita num universo energético, ou numa energia psíquica, isso não seria a mesma coisa que ser materialista?

se os campos morfogenéticos do Rupert Sheldrake existem - e ele fez umas experiências que parecem indicar que existe algo que delimita o crescimento de alguns seres vivos - esse campo não é energético porque ele existe independente do ser. Então, como ficam os argumentos teleológicos? Há um objetivo evidente, porque se tem um mapa, tem um caminho. Mapas foram feitos para pessoas encontrarem certas cidades, ruas e rios. Então, quem fez o mapa? Como o mapa apareceu? Como ficam os argumentos teleológicos?

J. B. Rhine, na década de 1940, fez na universidade de Duke, na Carolina do Norte, muitas experiências que comprovaram inequivocamente que existe telepatia. Só que a telepatia é muito estranha porque ela ocorre independentemente da distância, então não é possível atribuí-la a qualquer processo energético porque a energia diminui com a distância. Se você se afasta o projetor de slides, por exemplo, a imagem vai ficando cada vez mais escura. Se você emite um sinal de rádio, com o afastamento da emissora o sinal vai ficando cada vez mais fraco. Telepatia não funciona assim. Ele fez experiências colocando pessoas em submarinos do outro lado do mundo, com pessoas na sala do lado, e a telepatia acontecia com a mesma freqüência e com a mesma intensidade em qualquer caso. Então ele mesmo percebeu que não era possível explicar o fenômeno como se fosse causado pela transmissão de alguma coisa. Então vem a pergunta: como é que pode existir segredo se existe telepatia? É uma pergunta que a gente deve se fazer.

Meus queridos, eu quero agradecer muito a atenção de vocês e pedir desculpas pelos atropelos da pressa, e dizer que foi muito importante mesmo, pra mim, estar aqui. Ter esse público atento, querido e tão numeroso, me proporcionará um final de semana muito feliz. Muito obrigado.

Profa. Denise Ramos: João, eu queria dar um testemunho a respeito da sua brilhante palestra. Em julho eu estive com Irwin Laszlo que é um dos maiores físicos da atualidade, consultor internacional na ONU. E a sua palestra foi idêntica à dele. Idêntica. Eu fiquei muito orgulhosa de ser brasileira pelo seu trabalho. Muito obrigado.

Profa. Marion Gallbach: Boa tarde a todos. Dando continuidade ao nosso simpósio com essas palestras maravilhosas, tão vivas e estimulantes, eu gostaria de apresentar com muita honra e alegria o Dr. Byington, que é nosso velho conhecido. Ele é médico psiquiatra e psicoterapeuta junguiano. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e membro da Sociedade Internacional de Psicologia Analítica. Ele tem vários livros publicados e com certeza vai exercer a função transcendente e fazer um fecho criativo para nós. Obrigado.

Para o sistema nervoso, o símbolo reúne a matéria e o significado

Prof. Dr. Carlos A. Byington


Agradecido estou eu, Marion, pela acolhida tão carinhosa, e à Denise, Liliana e a todo o Departamento pelo honroso convite de estar com vocês aqui hoje e partilhar as palestras tão criativas do João e da Denise.

Eu fiquei um pouco indiscriminado com tanta informação e cheguei a ter uma preocupação obsessiva com a sobrevida do gato na experiência do Schrödinger, citada pelo João. Não consegui encaminhar o problema por falta de conhecimento no nível da Física e, por isso, vou tentar salvar o gato no nível simbólico da Psicologia.

Seguindo Jung e a teoria dos arquétipos, eu tenho dedicado o centro da minha criatividade à conceituação da Psicologia a partir da dimensão simbólica. É através dessa perspectiva que eu quero considerar as questões aqui hoje abordadas.

Eu gostaria de propor que raciocinássemos tentando usufruir de toda a nossa capacidade simbólica. Nosso cérebro tem cem bilhões de neurônios, que associam nossas vivências com inúmeras metáforas e estabelecem significados, que se articulam dentro do todo. É a própria natureza do nosso sistema nervoso que nos leva a sermos animais simbólicos, como nos chamou Cassirer. Dessa maneira, temos a capacidade de pensar além da concretude das coisas, em função de incontáveis significados articulados pelo sistema nervoso e a cultura em cada nova vivência.

Mas aí surge um problema muito grande, porque nossa Consciência não tem a capacidade de compreender todos os significados simbólicos de nossas vivências, apesar de freqüentemente ela achar que sabe tudo.

Jung chamou de Self à totalidade da Psique e também ao principal dos arquétipos, que a tudo coordena. Prefiro manter o conceito de Self para a totalidade consciente-inconsciente e chamar o principal dos arquétipos de Arquétipo Central.

Jung descreveu o principal dos instintos como o instinto de individuação. Esse instinto é expressão do Arquétipo Central e coordena o crescimento da personalidade para desenvolver o seu potencial criativo através de vivências simbólicas, cuja elaboração forma a identidade do Ego e do Outro na Consciência.
O funcionamento do sistema nervoso cria uma tensão permanente entre o Ego e o Arquétipo Central na elaboração de qualquer símbolo. Por um lado, o Ego é formado e transformado pela vivência dos símbolos no aqui-e-agora e se apega às circunstâncias. Por outro, a capacidade máxima do Arquétipo Central nos guia em direção à totalidade cósmica e à Consciência da eternidade e do infinito, e, com isso, estimula o desapego a tudo o que é circunstancial. Que polaridade extrema e estressante! O mais complicado desta situação é que, durante sua formação e transformação pelos símbolos, coordenados pelos arquétipos, o Ego identifica-se freqüentemente com o Arquétipo Central. Nesses casos, muito comuns na infância, mas, infelizmente, também presentes na vida adulta, o Ego sente-se o autor do processo e não somente o seu sacerdote e o seu produto. Advém daí a onipotência ou inflação, que tantos distúrbios trazem à vida de um modo geral e à teoria do conhecimento em particular.

É dentro dessa limitação, mas, ao mesmo tempo, dessa extraordinária ambição do Ego, que eu ampliei o conceito de símbolo como a entidade intermediária entre o Ego e o Arquétipo Central, mas não simplesmente como expressão de significados subjetivos, como acontece tradicionalmente, mas também como representante de significados objetivos. Ou seja, quero apresentar a vocês um conceito ampliado de símbolo, que engloba o subjetivo e o objetivo e que, por isso, reúne as ciências humanas e exatas dentro da teoria do conhecimento. Denomino o conhecimento oriundo dessa reunião de ciência simbólica, que é a moldura teórica de uma visão de mundo que concebo como humanismo simbólico.

A Psicologia assim concebida é uma ciência símbolo-centrada e não Ego-centrada, arquétipo-centrada ou neurotransmissor-centrada.

A Psicologia símbolo-centrada concebe o desenvolvimento da Consciência individual a partir dos símbolos, cuja dimensão coletiva se expressa por mitos inseridos na história. A capacidade prospectiva atribuída por Jung à dimensão simbólica permite-nos conceber o mito formado pelas circunstâncias históricas e, ao mesmo tempo, coordenador prospectivo do desenrolar da história. O Mito Cristão, por exemplo, surgiu com a imagem arquetípica do Messias, em circunstâncias históricas, que prenunciavam a repressão genocida dos romanos contra os judeus, ocorrida em 70 a.C. No entanto, esse Mito não se restringiu a essa época e tornou-se o principal símbolo estruturante para a implantação do padrão de alteridade na Cultura Ocidental durante dois mil anos.

Dentro desse paradigma símbolo-centrado e mito-centrado, podemos perceber que as ciências modernas se desenvolveram a partir da implantação histórica do Mito Cristão, do mito da compaixão, no qual se propõe uma atitude de alteridade onde o Ego trata o Outro em igualdade de condições. Trata-se de um Ego capaz de virar sua outra face, ou seja, de examinar sua posição sob a perspectiva oposta à sua para buscar a verdade dentro da empatia afetiva. Como tenho mostrado em minha obra, essa posição dialética da relação Ego-Outro corresponde à implantação na Consciência individual e coletiva do Arquétipo da Alteridade. A constelação mítica que incrementou maciçamente essa implantação ocorreu com o Mito de Buddha no século VI aC e com o Mito Cristão no início de nossa Era.

No entanto, a implantação histórica mítica do relacionamento de alteridade colidiu com a atitude autocrática da tradição patriarcal que, durante dez mil anos, coordenou a relação Ego-Outro do indivíduo e da sociedade, propiciou e foi coordenada pela tendência mítica monoteísta e acompanhada pelo sistema político monárquico. Ao contrário da alteridade, cuja relação dialética Ego-Outro é essencialmente democrática e regida pelo princípio da sincronicidade, descrito por Jung, a atitude patriarcal autocrática é expressa pela posição polarizada dentro da causalidade racional. Esta posição separa e diferencia radicalmente a relação Ego-Outro, favorecendo o elitismo, a luta de classes, o culto da tradição e, por conseguinte, também a ditadura e a solução unilateral dos conflitos, freqüentemente acompanhadas pela projeção do bode expiatório, que, em último caso, leva à guerra e até mesmo ao genocídio.

É claro que todos nós aqui presentes favorecemos o Arquétipo da Alteridade pela criatividade e o amor, e não pela unilateralidade e pela repressão patriarcal. No entanto, se a gente olhar lá no fundo da alma, onde moram nossos arquétipos, temos que admitir que a atitude patriarcal é muito mais fácil de assumir e de exercer, porque seus resultados práticos são muito mais imediatos do que a atitude democrática de alteridade. Por isso, quanto mais difícil, doloroso e ameaçador for um conflito, mais rápido tendemos a correr para a unilateralidade repressiva patriarcal, mesmo com a conseqüente perda proporcional da liberdade e a restrição da criatividade e do amor. O dilema para o Arquétipo Central e para o Ego é muito grande, porque o Arquétipo Patriarcal é o arquétipo da organização e, por isso, o resultado de sua ativação é muito prático e eficiente. Freqüentemente, o elitismo do Ego na posição polarizada patriarcal conduz à estigmatização do Outro, transformando-o em bode expiatório e justificando moral e legalmente qualquer ataque a ele, inclusive o seu assassinato.

Os grandes movimentos históricos para a implantação da alteridade no Ocidente sofreram com a patriarcalização circunstancial ou duradoura a partir de situações de crise. Em muitos deles, essa regressão patriarcal foi de tal ordem que a alteridade foi ferida e reprimida, e sua pujança criativa foi praticamente extinta, obrigando o arquétipo a expressar-se em outra dimensão psíquica.

Já na própria conversão do Império Romano ao Cristianismo identificamos a primeira grande patriarcalização regressiva do Mito através da estruturação elitista e intensamente autocrática da hierarquia da própria Igreja Católica. O crescimento do poder da Inquisição durante os séculos seguintes expressou a patriarcalização crescente do Mito, a qual chegou ao extremo de perpetrar a perseguição, a tortura, o assassinato e até mesmo a guerra das cruzadas e o genocídio dos albigenses em nome do Messias da alteridade e da Compaixão.

O movimento socialista foi outro grande capítulo da História do Ocidente, no qual o ideal da busca de fraternidade foi impiedosamente patriarcalizada e culminou em ditaduras assassinas. A busca do regime democrático republicano pela Revolução Francesa apresentou uma patriarcalização emblemática e fulminante que não extinguiu, mas adiou consideravelmente a implantação histórica do regime político democrático. Nada mais expressivo do Arquétipo da Alteridade do que o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” da revolução. E nada também mais expressivo de uma radicalização patriarcal dissociada do que a invenção da guilhotina por Lavoisier, criada para exterminar em praça pública os oponentes do regime e que culminou na morte dele próprio e na ditadura guerreira de Napoleão.

O Arquétipo da Alteridade, exatamente devido à posição dialética da relação Ego-Outro, na qual o Ego e o Outro são instados a comparecer com todas as suas características para se relacionar, é o arquétipo que favorece a totalidade da expressão simbólica na dimensão simbólica coordenada pelo Arquétipo Central. Por isso, o Arquétipo de Alteridade é sempre sistêmico e próximo da atividade simbólica do Arquétipo da Totalidade na posição contemplativa.

Freqüentemente, a patriarcalização da alteridade é a conseqüência de uma fixação originada num distúrbio na sua implantação. Foi o que ocorreu na história da ciência, no final do século dezoito, quando a razão tomou o poder na Universidade. Junto com a forte reação à terrível ferida ocasionada pela perseguição da Inquisição aos cientistas durante três séculos, formou-se uma gravíssima fixação da alteridade no Self Cultural. Quando a ciência finalmente tomou o poder no templo do saber, ela expulsou da Universidade a Inquisição. Devido a essa fixação que dissociou o Self Cultural, junto com a religiosidade intolerante e fanática, o método científico expulsou também o subjetivo, o que levou de roldão o sentimento, a ética, a intuição, a introversão e a vivência emocional de totalidade. Foi essa dissociação que deformou a busca de alteridade do Humanismo desenvolvida pelo Iluminismo nos séculos dezessete e dezoito, e criou o positivismo materialista do século dezenove, cuja conseqüência emblemática foi o genocídio atômico do século vinte.

Como assinalei na pequena apostila distribuída para vocês no início desse Simpósio, o sistema nervoso possui a capacidade simbólica plena necessária para o exercício da alteridade. O conjunto das nossas estruturas corticais e subcorticais tem a possibilidade de reunir em relação dialética, nos símbolos, todas as polaridades da nossa vida física e emocional. Uma dessas polaridades é, certamente, a polaridade neurotransmissão-significado, que está na base da polaridade mente-corpo, cuja dificuldade de articulação dialética é tão grande que estamos dedicando à sua elaboração o nosso simpósio de hoje.

À luz destas considerações, volto ao início da palestra para enfatizar que o símbolo estruturante é o conceito central da Psicologia Simbólica Junguiana, porque ele reúne sempre e de novo as características subjetivas e objetivas que já estão presentes em toda a atividade biológica, neurológica e psicológica.

O problema então é que a Consciência individual e cultural é expressa apenas numa parte do sistema nervoso e, por isso, é limitada para expressar toda a complexidade e profundidade neurobiológica através da alteridade. Como vimos, a Ciência também sofreu grandemente a patriarcalização da alteridade e tem que se conscientizar e corrigir as suas limitações para poder resgatar a sua capacidade simbólica plena dentro da posição dialética de alteridade. Só aí a polaridade mente e corpo (significado e neurotrasmissor) pode ser retirada da posição polarizada patriarcal em que freqüentemente é situada e reduzida ao princípio da causalidade, para ser vivenciada dentro da relação dialética de alteridade, na qual podem ser percebidas todas as conotações da mente e do corpo em função do princípio da sincronicidade dentro do humanismo simbólico.

Mais uma vez muito obrigado à direção do simpósio pelo convite, ao João e à Denise pelo que eu aprendi, e a todos vocês por sua atenção.

Debate

Profa. Liliana Wahba: Boa tarde para todos. Esse evento realmente é histórico por ser o primeiro simpósio do núcleo de estudos junguianos, por ter reunido três pensadores de magnitude e por ter um público tão interessado e atento. Continuando as palavras do professor Byington, se ele disse que depois de duas brilhantes palestras ficou com o ego indiscriminado, imaginem aqui eu depois de três brilhantíssimas palestras. Vou dar um exemplo para vocês de causalidade e sincronicidade e de pensamento causalista e prospectivo. É assim: se eu fico no pensamento causalista, eu tenho que entender tudo das três brilhantes palestras para coordenar este debate. E isso eu não vou conseguir. Por outro lado, se eu focar no pensamento sincronístico, holístico e prospectivo, eu devo achar que tudo isso está interconectado e tem um sentido, vou ficar na minha humildade acompanhando esses saberes e os testemunhando. Acho que assim funcionará melhor. O professor Byington já está aqui. Professora Denise Menezes, por favor. E o professor João Bernardes. Nós vamos começar o debate. Vocês poderão dirigir perguntas e também os palestrantes entre si. Aqui na mesa teria alguma pergunta que alguém queira dirigir ao colega?

Prof. Alberto Lima: Eu gostaria de dirigir a pergunta a qualquer um dos três palestrantes. Ou aos três, se quiserem responder. Parece aos senhores oportuna a chamada deste simpósio em razão do seu tema nesse momento cultural?

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Esse momento está efervescente. Nos últimos quinze dias, nós tivemos em Porto Alegre dois eventos que têm muito a ver com este: um encontro de transdisciplinaridade que reuniu filósofos, padres, físicos, psicólogos e uma série de outras pessoas. A platéia foi imensa. O teatro onde nós fizemos esse evento superlotou. Foi montado, também, um evento de espiritualidade e qualidade de vida pela Associação Rio-Grandense de Medicina Psicossomática, Sociedade Brasileira de Psicooncologia, pela PUC e outros órgãos. Por que? Porque há essa percepção de que é preciso entender a realidade com olhos interdisciplinares, ou transdisciplinares, com esses olhos que nós estamos olhando aqui. Então, esse momento cultural é justo, é necessário e faz parte de um movimento mais amplo.

Profa Denise Menezes: Se vocês voltarem atrás, na década de sessenta, de setenta, todo tempo as pessoas estavam dizendo: "Agora está havendo um movimento". Esse movimento sempre houve, mas infelizmente nunca conseguiu ser a maioria. Nunca conseguiu se impor. Eu tive a oportunidade de assistir, um dia desses ao filme Ponto de Mutação e pensava na ingenuidade do Capra, quando dizia: "o mundo está mudando agora" . Só que o agora nunca chega. Por outro lado, eu concordo que quem pensa dessa forma, quem sente, quem percebe essa necessidade de se unir esforços, de se unir conhecimentos, de se unir intuições, de se unir os diversos olhares que existem no mundo sobre o ser humano, tem que fazer, mesmo que seja a minoria. Não importa. Porque nós estamos felizes em estar aqui, eu tenho certeza. Não sou só eu que estou feliz por estar aqui. Eu acho que todo mundo que está aqui está muito feliz com certeza. Então, nessa altura não me importa que repercussão isso vai ter para o mundo. Para mim eu sei que está tendo. Para uma coletividade está tendo. Eu acho ainda maior o valor destas coisas estarem acontecendo agora, porque nos anos sessenta, setenta, o mundo estava propício a isso e agora não está. Então, nós somos os resistentes. Eu acho que isso até embeleza muito mais. Quando é que vai chegar este momento da quantidade gerar qualidade e haver realmente um salto, eu não sei. Eu sei que, se é uma corrida de revezamento, neste momento nós estamos com o bastão.

Prof. Carlos A. Byington: Tenho a impressão que este simpósio nos permite reunir o subjetivo e o objetivo que é hoje fundamental para a integridade humana. O momento é muito auspicioso porque estamos numa fase em que a humanidade corre grande perigo. As devastações ecológicas do Planeta, a miséria de muitos povos e, sobretudo, o problema político do terrorismo. Trata-se agora de um problema da totalidade e nós não podemos mais ficar à parte dentro das especialidades. Temos que ficar na relação da parte objetiva com a subjetiva. Do ser humano com a sociedade. E com o próprio Planeta e o Cosmos. É essa preocupação com a sobrevivência que nos impele para um simpósio como este, no sentido de percebermos a nossa inserção, a nossa função e os valores que norteiam a sociedade. Todos os índices planetários que vemos em publicações mundiais como, por exemplo, a publicação World Watch nos Estados Unidos, são indicativos de um grande perigo da sobrevivência da nossa espécie. Não só no plano ecológico, mas, no político, no econômico e no social. Por isso, é necessário despertarmos para um nível de Consciência simbólica maior, onde percebamos cada vez mais a relação das partes com o todo, e a sua função dentro do desenvolvimento da humanidade.

Platéia: São tantas questões... Eu acho que está todo mundo aqui meditando, refletindo, tentando juntar as idéias até para formular a questão. Mas, há uma pergunta que eu tenho feito nos últimos tempos e gostaria de saber a opinião de vocês. Como é que vocês vêem esse caminhar junto com uma teoria única do conhecimento juntando essas diferentes áreas, métodos e linguagens?

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Nós temos um problema. O ser humano é limitado. Nós temos um aparelho psíquico que não nos permite ter uma percepção da totalidade. A ciência como se apresenta hoje, conta com cerca de oito mil disciplinas diferentes no mundo. Oito mil disciplinas são estudadas nas universidades. Absolutamente não existe ser humano capaz de dominar a linguagem e o conhecimento específico de todas essas áreas. O que se faz então? Eu não sei. Eu não tenho certeza, mas eu sou otimista. Ao contrário de Jung que no livro III das Cartas, responde uma carta, dizendo que o otimismo naquele momento prestaria um desserviço à humanidade. É claro que a situação era diferente naquele momento histórico. Era uma situação de pós-guerra. Mas, eu nunca consegui ser outra coisa senão um otimista. Então, eu sei que existe uma saída para isso. Eu não consigo enxergá-la. Certamente não é todo mundo conhecer tudo. O caminho passa por esse diálogo a que o professor Byington se referiu: esse diálogo dialético entre o que se conhece e o que está sendo conhecido. É por aí. Os jovens de hoje são melhores que os jovens da minha época. Muito melhores. Eu tenho esperança de que nós estamos caminhando para um processo de conscientização melhor e ,apesar dos problemas, não estamos retrocedendo.

Profa Denise Menezes: Eu concordo. Eu acho muito difícil imaginar quando uma teoria única do conhecimento vai ser alcançada. Se é que vai ser alcançada. Mas, o caminho para se tentar alcançar já é muito importante. Já dá muitos frutos. Então, mesmo que isso permaneça um objetivo inalcançado, só de você tentar alcançá-lo você já está construindo muita coisa, já está levando à frente e, seguramente, está aumentando o serviço que se pode prestar à humanidade.

Prof. Carlos A. Byington: O aumento do conhecimento das neurociências nos permite reunir com ele o conhecimento psicológico já adquirido e tentar compreender melhor a destrutividade do ser humano e a formação da nossa Sombra. E é isso que nós vemos no mundo hoje com a miséria, os milhões de pessoas morrendo de fome e de doenças, a devastação ecológica e, a capacidade de projeção da violência, no outro como bode expiatório. Vemos um potencial destrutivo enorme no terrorismo e na maneira de se lidar com ele. Acredito que esse maior conhecimento da psicologia reunida à neurociência possa nos mostrar um espelho para refletirmos melhor. Necessitamos ver o terrorismo simbolicamente dentro dos problemas do Planeta. Como agressividade desesperada, descontrolada e destrutiva, como a guerra de minorias contra nações. Não podemos só achar que o terrorismo é um mal situado em países ou pessoas, e que simplesmente deve ser bombardeado para ser erradicado. Isso é o que preconiza a posição polarizada do Arquétipo Patriarcal. No entanto, dentro da dialética de alteridade vemos um lado em antagonismo com o outro, mas com muitas qualidades negativas e positivas de ambos os lados. A percepção dialética e simbólica do terrorismo nos permite uma atitude mais abrangente para lidar com ele, mais inteligente do que somente a repressão, que só faz alimentar ainda mais a sua virulência. Os dados são assustadores e o conhecimento, a ciência, a busca de compreensão do erro e da virtude em ambos os pólos das polaridades dentro da totalidade é nossa única saída.

Platéia: O Dr. Byington falou que a difusão da cultura nos monastérios infringiu um controle editado pelo poder central. E nós ouvimos o relato histórico de como isso ocorreu. Durante todo esse tempo, desde a antigüidade até agora, o controle foi exercido, pelo que eu entendi, sobre o que era produzido. Então, eu fiquei pensando se não seria possível chegar a uma frase provocativa e perguntar se nós caímos no paradigma da informação ou no arquétipo da informação? Além disso, o Dr. Byington disse também que o saber, sem Consciência, é tremendamente perigoso porque leva à dissociação sujeito-objeto. Ele deu até como exemplo a neurociência, que pode ser levada para uma dissociação como essa. Quando a gente fica olhando para uma citosina, a gente não vê nada lá a não ser algo simples. O humano é algo mais além. Por isso que ele colocou que, se a neurociência não se der conta disso, acaba também numa dissociação. Então, eu pergunto: onde a informação ganha sentido estruturante para o ser humano? Onde ela se torna uma função estruturante plena para cada pessoa?

Prof. Carlos A. Byington: Na sua teoria da evolução, Teilhard de Chardin apresentou a biologização e a neurologização como etapas na aquisição da Consciência. E a Consciência formando a logosfera, a noosfera, que seria o conhecimento a serviço da humanidade dentro do qual podemos incluir hoje o conhecimento da Sombra. Considero esse paradigma da informação, que chamo de supraconsciência, a conscientização do conhecimento criativo da humanidade e, ao mesmo tempo, da formação da nossa Sombra. Acredito ser essa a principal informação que precisamos hoje para atender aos males que nos afligem.

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Existe uma frase padrão, que diz que saber é poder. Agora, o que significa isso em termos práticos? Ainda hoje uma pessoa muito querida, uma amiga me perguntou o seguinte: por que nós não temos acesso imediato ao todo, já que o todo está aí e nós estamos caminhando em direção ao todo? Todo nosso processo de individuação é justamente esse caminho. É se encontrar de novo. É perceber quem a gente é de verdade e, porque a gente já não vai direto lá, não pula esse espaço? Isso está bem dentro do problema. Eu não tenho resposta para isso, de novo, porque eu teria que usar um argumento teleológico. Deve existir uma razão. Por que eu estou separado do todo e só tenho percepções parciais do todo? Eu e a humanidade. Por que a gente está passando por isso? Tem que existir uma razão. Eu poderia citar algumas possibilidades, mas todas elas são tendenciosas; então, eu acho que cada um pode fazer esse questionamento. Por que nesse momento nós não estamos com acesso total e ilimitado a toda informação, já que nós estamos conectados a tudo? Deve existir um motivo para isso. Quando esse acesso é feito com uma certa ordem teleológica, ele é bom. É um movimento de apreensão do todo, de crescimento, de espiritualização. Enfim, um crescimento que não leva ao caos. É parecido com a questão da telecinesia, por exemplo, Poltergeist. Um menino, um adolescente está com algum problema, passando por uma fase difícil, e começa causar fenômenos ao redor. Como funciona esse fenômeno? Ele tem algum poder? Ele está manipulando através da informação. Mas, isso é ruim porque ele não sabe o que fazer com aquilo. Ele nem sabe o que ele está fazendo. No entanto, de alguma forma, é ele quem está produzindo esse fenômeno sem conhecimento do que está fazendo. Ele está manipulando algo que ele não conhece. Ele não domina. Ele não sabe e, ainda assim, ele tem essa possibilidade de manipular, e esse é o perigo. Mas, no momento em que você sabe, que você compreende, que você assimila, então deixa de ser perigoso. É bom. Todo conhecimento é bom.

Profa Denise Menezes: Eu gostaria de fazer três comentários bem rápidos de coisas mais ou menos diferentes. Um em relação a quando se fala do perigo, dos riscos do desenvolvimento das neurociências, se estiver dissociado. Eu acho que nós não podemos nunca esquecer que no nosso mundo atual praticamente não existe pesquisa descompromissada. Na verdade, não existe uma pesquisa pelo saber. Existe uma pesquisa pelo domínio. O financiamento para a pesquisa tem um objetivo que não é o conhecimento. É o poder. Foi-se o tempo de madame Curie que nunca patenteou a radioatividade e cuja  diversão era andar de bicicleta. Nunca ficou rica com a sua descoberta. Hoje em dia não. Esse é o maior risco. Não é o desenvolvimento da neurociência em si. Mas, a quem serve esse desenvolvimento, quem financia esse desenvolvimento. E não é só a neurociência. Eu acho que são todas as pesquisas. Nós estamos num momento muito difícil em que nós vemos fraude, nós vemos manipulação de resultados, e não é só na área médica, é em todas as áreas. Então, eu acho que esse é o grande perigo. E aí eu passo para a segunda observação. Na verdade, a salvação é reconquista de valores. É o questionamento de valores. Eu acho que isso é o que pode trazer um salto de qualidade. Eu não acredito que o que falte, na verdade, seja mais conhecimento. O que falta é mais sabedoria. É diferente. Nós podemos acumular muito conhecimento e destruirmos o mundo. Então, não é falta de conhecimento. É falta de sabedoria mesmo. É a falta, este é o terceiro comentário, do contato com o todo que não passa pelo conhecimento. O contato com o todo que às vezes nós fazemos espontaneamente através de uma oração, de uma meditação, de um relaxamento, andando numa floresta. Eu tenho certeza que a maioria das pessoas aqui já viveu uma experiência transcendente. Você adquire sabedoria. Você pode olhar a sua vida depois da experiência e verificar que você se modificou de alguma forma. Que você tomou decisões que deram uma guinada na sua vida, uma direção muito mais positiva, mais construtiva. Melhor não só para você, mas para o meio à sua volta, para todas as pessoas que convivem com você. Isso é sabedoria. E essa sabedoria não depende de conhecimento em absoluto.

Platéia: Tendo em vista esse avanço todo na física, que conceitos da psicologia analítica vocês sugeririam que fossem revistos?

Prof. Carlos A. Byington: Na Psicologia Simbólica Junguiana, que venho descrevendo, trabalhei dois conceitos de Jung que eu acho importante ampliarmos. Um é o conceito de arquétipo, que ampliei para englobar também a Consciência. Quando restringimos o arquétipo somente ao inconsciente coletivo, ficamos unilateralmente na psicodinâmica inconsciente, que é limitante para a compreensão da totalidade. Através da descrição das cinco posições arquetípicas da Consciência, que são maneiras arquetípicas de nos posicionarmos, podemos incluir os arquétipos também como padrões próprios da Consciência. A segunda ampliação é o subjetivo e o objetivo dentro do conceito de símbolo. Essas duas modificações são contribuições para o pensamento Junguiano para podermos desenvolver melhor a vida simbólica, que é a grande mensagem de Jung. A elaboração simbólica consciente e inconsciente, coordenada pelos arquétipos, inclui, na tarefa de viver, o conhecimento do bem e do mal que formam a Consciência e a Sombra.

Profa. Marion Gallbach: gostaria que o Prof. Byington e o Prof. João Bernardes comentassem. O Dr. Byington falou do fator subjetivo que se encontra dissociado na ciência e de se ter uma visão unilateral para o objetivo. Ou seja, a dominância da objetividade. No entanto o fator subjetivo, nós sabemos, é uma realidade viva. Ele também está muito ligado com a anima. Então, quando ele é mandado embora, descartado, tenho a impressão que ele se retira “magoado”, e isto não fica sem seqüelas. Porque ele é a essência do feminino que não pode ser negada num universo no qual há feminino e masculino e ambos os lados, objetivo e subjetivo. Isso me pareceu poder estar relacionado com o que o Dr. João falou, de alguma coisa inexplicável que depois no experimento atrapalhava tudo. Não conseguiria reproduzir o que Dr. João disse, mas me fez lembrar desta questão do fator subjetivo que não vai deixar de afirmar sua existência, só porque não é considerado. Como se algo que não é reconhecido acabasse se afirmando por atrapalhar.

Prof. Carlos A. Byington: Freud e Jung mostram na psicologia do século XX que o subjetivo negado sai sob a forma de projeção no outro. Sai sob a forma da Sombra, de um inconsciente reprimido, que ataca o outro. O desafio da alteridade então, é você se relacionar de maneira quaternária. Para admitir a luz e a sombra em você e também no seu interlocutor. É o relacionamento quaternário de alteridade que traz a conscientização dessas projeções. Reprimir o subjetivo traz o efeito bumerangue. A projeção no outro volta com agressividade do outro sobre você. O aumento de Consciência precisa ser bipolar, e é essa realidade que os símbolos trazem e permitem elaborar.

Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Vamos tentar fazer o seguinte caminho: as posições da gente mudam. A gente aprende, cai, tropeça, levanta. Errar é muito importante para aprender. Então, eu não gostaria que vocês saíssem daqui hoje com uma impressão de que o conhecimento é perigoso e de que saber, faz mal. Eu acho que é exatamente o oposto disso. Eu acho que não se consegue sabedoria (se bem que definir sabedoria é muito difícil) sem conhecimento. Não adianta eu fazer uma viagem para o cosmos, conhecer um guru, entrar num estado de transe ou ter revelação. Isso me dá simplesmente uma capacidade de compreender as coisas com outros olhos. Mas, o conhecimento é importante. Se ele não fosse importante nós não teríamos um mecanismo que nos dá prazer ao conhecer. Esse mecanismo existe porque é necessário. Conhecer é bom, apesar de certas pessoas dizerem que o conhecer não é bom. Às vezes eu conheço uma coisa que eu não gosto. Mas, mesmo que você veja uma pessoa sofrer por algo, ter uma doença e ficar mal, tempos depois, quando ela estiver recuperada, ela diz: “Eu viveria tudo de novo”. Todo mundo já ouviu esse mesmo relato. Eu casaria com aquele mesmo cafajeste. Não é isso? Porque conhecer é bom e, o conhecimento, esse sim é transformador. O conhecimento é que permite que você erre e daí diga: “Puxa vida! Eu sabia que não devia ter feito, mas, eu fiz. Agora eu não faço mais ou, eu faço certo”. Isso cria um ser humano transformado e sábio. Mas, a sabedoria que vem de graça por uma revelação, não é completa. Não pode ser. Saber, conhecer, ter acesso ao todo, envolve um pouco de envolvimento, envolve um pouco de suor, envolve um pouco de trabalho. Vocês todos que estão aqui devem estar, com perdão da expressão, com o traseiro achatado de ficar sentado o tempo inteiro. Isso é cansativo. Mas, vocês vieram aqui por um motivo, vocês têm uma razão para estar aqui. Cada um de vocês, esses olhinhos que passaram aqui perguntando com vontade de falar, não sairão daqui do mesmo jeito que entraram. Sairão pessoas melhores graças ao conhecimento. Eu tenho fé nisso. Eu aposto na educação. Sem fazer propaganda mas tem uma frase linda que tocava todos os dias na televisão: educação é tudo. Por que? Porque educação te dá a possibilidade de checar os seus erros e corrigi-los.

Profa Denise Menezes: Sabedoria não exclui nem substitui conhecimento. Mas conhecimento não é tudo.

Platéia: Vocês dois falaram muito dessa interligação e, eu estava lembrando quando vocês estavam falando de um experimento do Rhein sobre telepatia. Eles puseram duas pessoas que não se conheciam em duas salas separadas e propuseram que um passasse informação para o outro. A chance de acertar foi meio a meio. Não teve nenhum processo telepático ocorrendo. Mas, entretanto, eles perceberam que quando as pessoas ficavam na sala de espera conversando antes do experimento, aumentava muita chance de haver um fenômeno telepático. Aí eles foram em cima disso. Então, eles punham sujeitos que ficavam meia hora batendo papo antes da experiência e, eles acertavam muito mais. Havia muito mais telepatia. Então, eles fizeram experiências com pessoas que se gostavam muito e, aumentava mais ainda a transmissão da informação. Com isso eles conseguiram provar que a transmissão da informação mesmo que seja telepática depende de um contexto amoroso. O símbolo se transmite através do amor também. A informação vazia de significado é bem diferente da informação com significado amoroso. Se pudesse fazer comentário sobre isso para a gente encerrar, eu acho que seria bom.

Profa Denise Menezes: Eu faço questão de responder primeiro porque quero ouvir a finalização pelo professor Byington. Existe um livro chamado Experiências Psíquicas Atrás da Cortina de Ferro. No tempo da União Soviética eles já tinha um número imenso de experiências que deram certo com telepatia, telecinesia, como por exemplo mover carrinhos com a força da mente. Essas experiências são descritas nesse livro. Quando nós fazemos experiências com coisas ainda tão desconhecidas para nós, nós temos muito maior risco de erro metodológico. Do ponto de vista científico quando você quer provar uma tese, faz um experimento e ele não prova a sua tese, você não pode dizer: provou que não existe. Você pode dizer: não provou que existe. O que é muito diferente. E seguramente tem muita coisa que precisa ser feita para se conseguir ter uma maior eficiência nesse tipo de pesquisa. Eu pessoalmente não tenho a menor dúvida de que é possível ocorrer premonição, telepatia, telecinesia. Mas essa é uma área onde a fantasia corre tão solta que a chance de você ir fundo num relato e descobrir que não era nada é muito grande. O que não significa que esses fenômenos não existam. Por outro lado, se uma única vez você provar que é verdade, mesmo que não se consiga nunca mais repetir, você terá provado definitivamente. Porque  a questão é se é possível ou não é possível. Mas esta é uma área em que a ciência oficial pesquisa com um instrumental muito inadequado. Quem pesquisa de uma forma mais contundente muitas vezes não tem formação científica. Então, como será a ciência para uma área tão nova? Que é antiga e, ao mesmo tempo é nova porque ainda é desconhecida. De qualquer forma faz muito sentido para mim isso que você falou, porque uma idéia que eu tenho é de sintonia. Do que quer que seja essa sintonia. De energia, de campo, de informação. Aliás, informação é o que percebemos. Se não percebermos, não é informação. Então, não importa qual seja essa explicação, eu acredito nessa idéia de sintonia. Por exemplo, quando duas pessoas se apaixonam, elas sempre têm a sensação de que se conhecem de outra encarnação. Mesmo que daí a dez anos não exista mais nada. Não importa. Quando eles se apaixonaram aquilo era eterno e infinito. Nem que fosse a fantasia dela apaixonada pela fantasia dele, mas havia uma sintonia. E na hora em que há sintonia ocorrem muitos fenômenos que a ciência não explica. Então, para mim faz todo sentido do mundo a experiência que você relatou.

Prof. Carlos A. Byington: Eu queria terminar agradecendo a sua presença aqui. Durante a última fala da Denise, onde ela liga amor e conhecimento, eu me lembrei da vivência de totalidade necessária para humanizar o conhecimento, na qual é indispensável a vivência de amor. O grande poeta cristão, São João da Cruz, nos dizia referindo-se a Deus:

“Aonde te escondeste,
Amado, e me deixaste com gemido?
Como o cervo fugiste,
Tendo-me ferido;
Busquei-te, mas já havias ido.
Pastores que forem
Além dos montes:
Se por ventura virem
Aquele a quem eu mais amo,
Digam-lhe que adoeço, sofro e morro.”

Acho que ele expressava com sua poesia a necessidade que temos da totalidade, aquilo que Jung chamava instinto de individuação. Essa vivência na ciência foi bem expressa por Einstein, quando preconizou a relação do cientista com o universo em função do amor. Acho que essa afetividade está na ciência, porque é necessário empatizar o objeto para conhecê-lo. A relação de empatia não é só necessária para conhecer pessoas. É necessária com a natureza e com o objeto em qualquer pesquisa, porque a empatia é uma forma de afeto. O que a Denise estava falando é favorecido extraordinariamente pela relação afetiva. Para ilustrar isso, quero contar a vocês sobre um índio tapuia que se iniciou na cultura tupi guarani. Ele se chama Kaká Werá Jecupé e, na última quarta-feira, foi nosso convidado no grupo de estudos sobre Psicologia Simbólica Junguiana. Ele faz pesquisa na USP e escreveu diversos livros, entre os quais A Terra dos Mil Povos, editado pela Editora Fundação Peirópolis, no qual relata a história dos índios do Brasil, contada pela primeira vez por um índio. Ao falar de seus ancestrais, eu senti sua grande capacidade de reunir a transmissão do conhecimento e do amor. De repente, lembrei que ele estava falando de ancestrais que foram exterminados de maneira brutal. De culturas que foram atacadas e destruídas. De culturas suicidas de tanto sofrimento e depressão. E, no entanto, ele estava transmitindo o conhecimento de Tupã, que para eles é o princípio, a energia universal, com uma serenidade, com uma paz e uma tranqüilidade extraordinárias. E, eu pensei: como esse índio tem amor dentro dele para conhecer e transmitir coisas tão sofridas e nos dar aquilo com tanto carinho e abertura. Ali eu vi a ligação do amor com o conhecimento de uma maneira magistral. Acho que nós hoje aqui também compartilhamos um ágape. Uma reunião afetiva patrocinada pela Denise Ramos, pelo Departamento e por essa velha casa, a PUC, que tanto tem feito pelo desenvolvimento do Humanismo entre nós.

Profa. Liliana L. Wahba: Agradeço a presença e a generosidade de nossos palestrantes. Nós saímos fertilizados, e eu sinto ter mielinizado meu sistema nervoso com informação, que não se restringe à informática. Foi trazida a simbologia da totalidade com amor, uma imagem que nossa espécie necessita para contrapor-se à destrutividade. A todos vocês, muito obrigado.

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